UM LUGAR BONITO
JOÃO RODRIGUES
Começava a chover numa manhã de primavera. O gado magro e cansado seguia arrastando os pés na areia fofa do sertão, em busca de alguma folha seca para se alimentar e conseguir atravessar um longo período de seca.
Mas agora parecia que tudo ia se normalizar com a chegada da chuva que trazia consigo um cheiro de esperança, quando caía no chão.
No pátio, de onde o gado saíra, correndo dos pingos de chuva, Dão recolhia os laços pra dentro do celeiro, quando ouviu seu pai falar:
- Dão você trouxe todos os laços?
- Sim, pai.
Quando Dão voltou do celeiro seu pai falou:
- Dão depois do café, você pode arriar os cavalos, pois nós vamos ao Paredão ver se tem alguma vaca atolada e trazer um pouco de mandioca e batata pra gente aproveitar a terra molhada.
Quando Liano falava, olhando para uma janela nos fundos de casa. Já se via enxurrada correndo e trazendo esterco do pátio. Quando baixinho murmurou:
- Podia tanto chover até encher a lagoa pro gado beber!
- Deus ajuda que chova velho, até encher a lagoa - respondeu num tom bastante esperançoso. Naninha, sua esposa.
- Deus permita - acrescentou Liano.
- É pai, Deus sabe o que faz - afirmou Dão sentado num velho banco de vinhático, comendo um pedaço de carne seca com farinha.
- Não estão vendo a chuva cair, que falta de fé é esta? - falou uma moça morena de cabelos longos, nariz afilado e o rosto um pouco arredondado, aparentando uns vinte anos.
- Pois é Bé, acho que você tem razão. A gente tem que acreditar mesmo em Deus, pois não nos resta mais nada a não ser acreditar - falou Dão, pedindo mais um pedaço de carne e uma xícara de café.
Sua irmã carinhosamente atendeu ao seu pedido falando:
- Foi tão difícil passar este período, parecia que a chuva não ia voltar nunca mais, parecia que tudo iria morrer!
- Agora, filha, tudo vai se melhorar - falou Naninha soprando o café que tomava numa grande xícara de esmalte.
- Pois é mãe, quem sabe arrumarei até um casamento!
- Não fica assim Bé, casamento não depende de bom tempo e sim de amor, um gostar do outro, sentir afeição, apaixonar-se um pelo outro, pois quando o amor está à frente, qual quer, tempo é bom.
Dão falou num tom de muita sabedoria.
- Com todas estas coisas, Dão, é possível, mas se não tem o que comer, como arranjar dinheiro pra comprar o que precisa, o amor transforma-se em desespero e tudo vai pôr água abaixo.
- Ninguém consegue ficar com outra pessoa sem ter o que é necessário para a sua sobrevivência - respondeu Bé, com ar de tristeza.
- Olha só gente, que maravilha - falou Liano, olhando pro terreiro, que não se via mais terra; pois a água da chuva já tomara todo o quintal formando uma enorme lagoa e Liano dizia:
- Que maravilha!
- Vocês vão ao Paredão, podem tratar de vestir uma roupa velha e irem prontos para se molhar, pois a chuva não parece ser passageira, ela veio do norte deve demorar a passar.
- Deus ouça suas palavras, Naninha, é disto que estávamos precisando mesmo, muita chuva.
-Ê pai, mas enfrentar esta chuva fria não vai ser mole.
- Deixa de ser medroso Dão, nem parece ser homem - retrucou Bé num ar de superioridade.
- Sou homem, mana, mas só homem, não sou um monstro. E perigoso um resfriado nessas primeiras chuvas de setembro, o corpo da gente não está preparado e ainda mais, pois faz três anos que não chove nessa terra maldita.
- Não fale assim, filho, Deus castiga.
- Mais castigo do que este pai, três anos sem chuva! Ah se eu pudesse ir embora deste lugar infernal, viver num lugar bonito, alegre, verde, onde a natureza pudesse sorrir ou pelo menos as pessoas... Depois eu voltaria aqui e buscava o senhor, a mãe e a Bé.
- Eu gostaria de ir - falou Bé pensativa. A moça parecia interessada em conhecer outros lugares. Mas vendo o pai com seus cinqüenta e oito anos e sua mãe logo atrás, sentia que eles precisariam dela e disse:
- Mas se isto acontecer só iria com o pai e a mãe, não pretendo deixá-los sozinhos nesta terra de sofrimento e angústia.
- Não diz isso, filha, esta terra é nosso lugar, foi aqui que Deus escolheu pra nos colocar, temos que cumprir esta missão, pois Deus nos confiou, acreditou na gente e nos acreditamos Nele.
- Sim pai, eu concordo com o senhor, mas temos que dar um jeito, será que só nós é que somos obrigados a sofrer a vida inteira, será que as demais pessoas que vivem nos lugares bons, alegres, onde chove constantemente não são iguais a gente; são melhores do que a gente, será que só nos é que temos que padecer, comer rapadura com farinha a vida inteira sem ao menos poder querer o melhor, só por que Deus nos confiou esta tal de missão?
E Bé falava sentada numa ponta de velho banco onde estava Dão, Dão abraçou-a e falou:
- Calma, minha querida, a vida é assim, uns tem que sofrer enquanto outros vivem no bom e no melhor, calma a nessa vez vai chegar.
- Espero que não seja tarde - respondeu Bé, soluçando.
- Até parece que o mundo vai acabar! - retrucou Naninha, fazendo pouco caso de Bé, porém sentindo pela tristeza da filha.
Liano já trajado com roupas velhas e calçando os sapatos, falou para Dão:
- Então, não vai vestir a roupa que sua mãe mandou?
- Vou pai, já vou.
E levantando do banco, entrando pro quarto, pensava na vida de sofrimento que leva o pobre.
Depois que se vestiu, saindo na sala, falou:
- Mãe, prepare nosso almoço que quando voltarmos devemos estar famintos, tal como dois leões e você maninha, não fique triste, tudo vai melhorar para nós, tudo vai melhorar.
Dão era magro, alto, olhos pretos, sobrancelhas encontradas e um grande bigode que enfeitava aquele rosto tostado pelo sol.
- Vamos pai, enfrentar a batalha.
- Sim Dão, estou a sua espera.
- Vão com Deus - falou Naninha, sentada num tamborete catando arroz pra pôr no fogo.
- Cuidado, pai, no Paredão com este tempo é muito perigoso.
- Pode deixar filha, vou ter cuidado.
- Você também, Dão, cuide do pai.
- Sim Bé, pode deixar, eu cuidarei.
Selaram os cavalos e saíram. Saíram felizes por estarem vendo gotas de água cristalina tocar na ponta dos narizes, acariciando o rosto sofrido de sol e poeira durante três anos. Pareciam duas crianças de tanta alegria por estarem se molhando. Mas Dão ia pensando em um dia ir embora do sertão que tanto fazia seu povo sofrer. Na verdade, sua intenção era poder um dia levar todos os seus parentes para um lugar saudável, onde chovesse e que fosse possível fazer grandes plantações, e se tornarem grandes e respeitados fazendeiros.
-Veja Dão, quanta água! - exclamou Liano, sentindo muita alegria.
Os olhos de Dão pairavam diante de tanta água, que cobria o alagadiço do Paredão e respondeu:
- É pai, muita água mesmo.
Na verdade; Paredão era um pedaço de terra, banhado pelo rio Carinhanha, onde o mesmo fazia uma curva deixando uma enorme faixa de terra, que por ocasião das enchentes, estas eram parcialmente cobertas pela água formando uma grande lagoa onde os peixes se reproduziam facilmente. Outras espécies animais também ficavam ali escondidos ou protegidos pela natureza, sendo apenas perseguidas pelos caçadores que se aproveitavam da situação. Liano, no entanto, não era contra os caçadores e pescadores, achava que quanto mais eles caçavam e matavam os peixes e animais, mais eles se reproduziam. O Paredão, para Liano, no entanto, era sua salvação, pois, pelo menos, água tinha com fartura. Porém para o cultivo da lavoura era ruim, pois quando não chovia a semente não nascia ou ao chover, tudo era inundado, de modo que a única coisa importante era o pasto que tinha para alguma vaca velha. Mas por outro lado, nas encostas da lagoa, Liano cultivava uma pequena lavoura de mandioca, que dela tirava a farinha para o sustento da família.
- É pai, aqui é muito bonito, pena que está num sertão deste. Se este lugar fosse situado em uma região mais privilegiada seria uma beleza para nós, o senhor não acha?
- Se aqui fosse um lugar melhor, filho, nós estaríamos insatisfeitos, você não acha?
- Não, não acho, por quê? - perguntou Dão curioso.
- Pro ser humano, filho, nada está perfeito, Se ele tem o ruim reclama se tem o bom reclama. Nada está bom para ele.
- E ele, que o senhor diz, é qualquer um de nós.
- Certo filho, qualquer um de nós.
- Não sei pai, mas deve ter gente feliz no mundo, que não reclama de nada, que vive nas mil maravilhas, aí em algum lugar bonito, bem distante deste sertão desprovido. E um dia, pai, eu hei de encontrar este lugar, pois já estou cansado de tanto sofrimento, estou cansado de tanta pobreza...
Dão falava ajudando o pai a colocar os sacos de rama em cima do cavalo, enquanto a chuva continuava caindo em forma de garoa. Dão já sentia o corpo gelado, via que os cavalos tremiam de frio e devagar o vento assoprava a neblina em sua direção.
- Pronto, Dão, está tudo arrumado. Vamos, pois, estou morrendo de frio, temos que chegar a casa pra mudar esta roupa.
E seguiram pela estrada calados e encolhidos em cima dos cavalos, até em casa.
- Pode deixar pai, eu descarrego os cavalos, pode procurar se arranjar. Está muito frio.
Liano obedeceu ao filho e entrou para casa, pedindo à esposa uma roupa enxuta.
- Naninha, traz uma roupa enxuta que estou morrendo de frio.
- Já coloquei em cima da cama, pode se trocar.
- Mãe vou por a comida na mesa.
- Sim filha.
Dão desarreou os cavalos, soltou-os na porteira e voltou correndo batendo um lábio no outro de tanto frio, mesmo assim, não deixou de tomar um banho na água fria do tacho que tinha caído no telhado da casa.
- Bé, cadê minha roupa? Você já preparou?
- Sim, está no seu quarto.
- Obrigado, maninha, você é um anjo.
Dão gostava da irmã de maneira extravagante:
- Você já almoçou Bé?
- Já Dão, já sim.
- Coma mais um pouquinho com a gente.
- Não obrigada, bom apetite.
- E a senhora mãe? Vem comer?
- Já almocei filho, obrigada - respondeu Naninha, fazendo umas costurinhas, sentada numa cama no quarto de Bé.
- E a pingazinha Liano? - falou Dão, olhando com ternura.
Liano levantou-se da mesa e foi até o quarto, voltou trazendo um litro de cachaça com raiz e colocou em cima da mesa. Dão serviu um pouco e disse:
- Pode guardar pai, só quero isto.
- Deixa ai, depois eu guardo.
Liano almoçava pensativo, seu semblante deixava transparecer desilusão ou qualquer coisa parecida, ao mesmo tempo demonstrava alegria num sorriso sem graça estampado no velho rosto.
- Bé, pode trazer o café.
- Sim pai, já vou.
Bé trouxe o bule de café e servindo para o pai, disse:
- É agora é só plantar a semente, pra ver a plantação crescer, pois, a chuva chegou pra valer.
- Falando nisso, Dão, vamos aproveitar e plantar um pouco de milho esta tarde, aproveitando a chuva pra apagar as covas, assim os curiós não comem as sementes.
- Certo pai, daqui a pouco, é só a comida fazer digestão.
- Naninha, onde você colocou o saco de milho escondido para plantar?
-Está aí na dispensa, atrás do paiol de rapadura.
Liano foi apanhar o saco de sementes enquanto Dão apanhava a máquina de plantar.
- Pai, o senhor vai pondo na cova que eu planto.
- Então vou levar o saco de sementes de capim que aproveito e coloco na cova do milho.
- Bé, prepare o nosso jantar, querida.
- Certo Dão, pode deixar.
- Mãe, prepare mais uma muda de roupa, pois, esta vai molhar.
- Naninha prepare mais uma muda de roupa, pois, esta vai molhar – relatou Liano.
Naninha nem respondeu ao filho, e nem o marido, pois, estava cochilando ninada pelo barulho que faziam os pingos da chuva ao tocarem no telhado,
- Vamos começar daquele canto, Dão que está mais no baixo pra enxurrada não arrancar o milho.
-E nem a semente de capim, não é pai?
- É - respondeu Liano, olhando para longe do roçado sentindo-se bastante animado com a chuva que chegara.
- É Dão, se continuar a chover, vai mesmo fazer água, vai ser muito bom para o gado, parece ser um bom ano.
- Deus ajuda pai, Deus ajuda.
Dão falava para alegrar o pai e a si mesmo, mas por outro lado, ele já não acreditava em nada bom naquele sertão. Para ele, aquele lugar seria o fim, na sua mente estava um lugar bonito, bem longe dali, onde pudesse viver feliz. Foram poucos dias de alegria, pois a chuva foi embora e o sol voltou a castigar o sertão.
- Pai, foram três anos de seca, três anos de sofrimento e nada podemos fazer para salvar nosso gado que está quase no final, que nos resta agora é procurar outra solução.
- O que você tem em mente Dão?
- Não sei pai, mas dento de mim existe uma grande vontade de sair em busca de socorro, em busca de um lugar onde possamos viver em paz, ou pelo menos, onde possamos plantar e ter certeza de que vamos colher alguma coisa.
Liano falava com Dão olhando pro céu, vendo aquelas nuvens bonitas que prometiam chuva, mas sentia que o vento as levava pra bem distante, sepultando as suas esperanças dentro do peito.
- Tantas nuvens bonitas, filho, não acha?
- Bonitas, pai, mas só bonitas.
Mesmo assim, Dão também olhava o céu e faltava:
- Este ano pai, é o último ano que Tim vai estudar, quando ele voltar da escola eu vou embora, vou pro mundo à procura de um lugar bonito. Até já estou sonhado, pai, com este lugar bonito
- É filho, o mundo é muito ingrato, é muito perigoso pra você sair pelo mundo afora sem conhecer nada.
- Sim pai, concordo, mas esta é a única solução. Eu tenho que ir, preciso defender uma vida melhor para nós, é preciso...
E quando Tim voltou da escola foi logo avisado:
- Seu pai disse que Dão vai embora, ele vai procurar um lugar pra gente ir viver longe daqui, um lugar onde possamos nos instalar, um lugar que nos dê conforto, um lugar bonito.
- A senhora acha que Dão tem condição de encontrar este lugar?
- Sim, acho, ele é muito inteligente, ele vai encontrar.
Tim, porém, não ficou surpreso com a idéia, pois eles dois eram muito amigos e já havia trocado de idéias no passado:
- É mãe, eu acredito no Dão e Deus ajuda que ele consiga, pois, é disto que precisamos, não podemos continuar neste lugar arrasado.
Naquele momento Liano e Dão vinham chegando do Paredão, trazendo um carro de mandioca pra fazer farinha.
- A benção pai!
- Deus te dê boa sorte filho, como foram as aulas?
- Tudo bem pai, eu consegui passar, deu tudo certo.
Enquanto isso, Tim ia cumprimentar o irmão, que estava com a bruaca de mandioca nas costas.
- Oi Dão, como vai?
- Vou indo Tim, e você, como foi na escola?
-Tudo bem, consegui passar, graças a Deus, cheguei ao fim.
- É isto é bom, a gente se sente melhor, não é?
- E com menos uma responsabilidade.
Tim falava apanhando também uma bruaca de mandioca para descarregar o carro com Dão.
- É o primeiro carro de mandioca que apanharam?
- É Tim, mas por enquanto só este. A mandioca ainda está nova.
Tim olhava o semblante do irmão, pressentindo nele um desejo de partir, quando ele falou:
- É Tim, eu estou querendo ir embora, procurar um lugar pra gente viver melhor, pois se não tomarmos uma providência a vida vai cada vez pior.
- Mãe me disse da sua intenção, quer dizer, da nossa intenção.
- Pois é Tim, agora que você chegou eu vou partir, vou procurar um lugar melhor pra nós, vou aventurar...
- Deus ajude que você consiga Dão, eu estarei aqui orando pra que tudo dê certo.
- Você acha que dá conta do recado Tim? O pai, ele já está um pouco cansado e precisa de ajuda.
- Claro Dão, afinal eu já estou rapaz e tenho boa saúde.
Tim era alto, um pouco mais claro que Dão, mais novo uns dois anos e já completava seus dezesseis anos. Era um rapaz saudável:
- Já terminaram de descarregar o carro? - indagou Liano, curioso.
- Sim pai - respondeu Tim, satisfeito.
- Então tire os bois e solte os bichinhos pra roça.
- Sim pai - falou Dão sentindo-se um pouco cansado.
Tim pegou a guia dos bois, enquanto Dão tirava a canga.
- Cuidado com este boi velho, ele anda muito malcriado.
- Pode deixar, eu sempre me dei bem com ele.
Os bois pareciam ter saudade de Tim, alegres lambiam sua mão.
- Eles estão precisando de sal, veja como eles estão - falou Tim com prazer.
- Que nada, ontem dei sal pra eles.
Soltaram os bois na roça e voltaram para dentro de casa.
- Amanhã nós começamos a ralar a mandioca senão ela vai azular. - Está bem pai, amanhã cuidaremos disso - respondeu Dão demonstrando cansaço.
- Agora tem dois pra te ajudar, velho.
- Pelo menos amanhã, pelo que vejo Dão deve ir a qualquer hora.
- Eu vou sentir saudades de você - falou Bé abraçando Dão.
Bé acreditava que Dão ia conseguir encontrar um lugar maravilhoso, para um dia partirem daquele sertão amaldiçoado.
- A vida é assim, filha, nem tudo acontece como queremos.
- Mas isto que queremos, mãe vai acontecer - respondeu Tim, falando com segurança.
- Deus que ouça vocês - falou Liano, conformado.
A noite já chegava, as nuvens desapareciam no firmamento. Algumas estrelas começavam a cintilar, morcegos começavam a voar estrilando seus dentes, sapos começavam a coaxar nas capoeiras, o mãe de lua gemia no serrado, porcos roncavam no chiqueiro, bezerros berravam no mangueiro e o vento cobria a terra do sertão com seus mistérios do além. Os dias passaram depressa, nem sequer deixavam Dão encontrar o momento exato de partir. Mas tinha que ser a qualquer momento, pois precisava ir. Até que...
- Bem pai, acho que chegou o momento. Amanhã sairei bem cedo. Irei com destino a Minas Gerais. Já ouvi comentários que lá tem muitas terras boas e chove muito. Quem sabe lá encontrarei um lugar bonito!
- Você vai mesmo, não é filho?
- Vou pai, eu sempre disse pro senhor que eu iria.
- O mundo é muito ingrato, filho às vezes a gente pensa numa coisa e encontra outra. O mundo sempre foi assim.
- Concordo com o senhor, mas o mundo é assim para o senhor. Para mim já é diferente, acho que quem faz o mundo ser ruim são as pessoas que procuram complicar ao invés de tentarem consertar. Por exemplo, este lugar que vivemos, é um lugar que está no mundo, mas deveria ser extinto, deveria ser esquecido, aqui não deveria pertencer ao mundo, aqui é o que às vezes as pessoas falam: “Isto é um inferno”, aqui só existe sofrimento e desilusão.
Dão falava com o pai em um tom de verdadeira revolta, querendo dizer que tudo dependia dele encontrar um lugar bonito pra depois irem viver com dignidade.
- Sei filho, sei o que está sentido, entendo perfeitamente a sua dor, sei que está com boa intenção e que com a graça de Deus você vai encontrar um lugar bonito. Você vai encontra filho, Deus ajuda.
Liano falava colocando a mão no ombro de Dão.
- Como você cresceu! Lembro-me de você tão pequenininho!
- Cresci pai, cresci pra ir à busca de nossa melhora, e eu sei que o senhor não foi porque estava nos criando, mas eu vou em seu lugar, eu sou seu filho, eu vou...
Dão olhava o sol se pondo no horizonte do sertão, vendo aquele céu coberto de nuvens vermelhas que pareciam brasas de fogo. E no seu interior murmurava:
- Amanhã estarei bem distante, irei ver outro pôr-do-sol.
Sentado no mourão da porteira do curral, Dão via o gado se recolhendo, os pássaros empoleirando nas laranjeiras gorjeando alegres. Pareciam saber que ele ia partir e que provavelmente, alguns deles, nunca mais o veriam, pois pareciam dizer adeus. Para enfrentar a viagem tão esperada, Dão comprou uma mula ruana, com oito palmos de altura, três patas pretas, uma estrela na testa, arreada com uma sela pernambucana, onde Dão se sentia à vontade pra topar qualquer parada.
- Pai, eu vou deixar a Melindrosa dormir neste mangueiro, pois tenho vontade de partir nesta madrugada.
- Tudo bem filho, vou preparar sua tralha.
Dão, entrando na velha casa, sentindo que ia deixar em troca de outra vida de aventura e que não sabia se um dia iria voltar e se esconder da noite naquele velho quarto com as paredes recobertas de folha de revista e retratos de garotas que tinha namorado em Carinhanha, uma cidade de pessoas simples e hospitaleiras.
- Dão, porque está triste deste jeito?
- Nada Bé, Nada não.
- Já sei esta pensando em partir.
- É isto, mana, eu vou partir. Vou procurar outro lugar para irmos viver.
- Então, Dão, por que tanta tristeza? Não é o que sempre quis?
- Não é tristeza não, Bé, é que a gente nunca sabe na verdade o que quer ou que sente, mas pode ficar tranqüila que eu vou e vou sem medo.
Dão pôs o disco na radiola, deitou na cama e ficou ouvindo a música. Bé sentou-se nos pés da cama e ficou ouvindo também. Neste momento, Tim entrou no quarto e sentou numa velha mala de madeira e ficou olhando os dois ouvindo a música até o disco acabar.
- Dão, esta música, o que lhe diz?
- Não sei Bé, não sei.
- Ela me fala de amor, Dão, muito amor.
- O que é amor, Bé, pra você?
- Sei lá, o que eu sinto mesmo é vontade de encontrar alguém pra me casar.
- Pois é, Bé, quem sabe quando eu voltar você até já estará casada!
- Eu acho que não, pretendo lhe esperar. Eu quero casar neste lugar que você vai procurar pra gente viver, Eu hei de encontrar um rapaz rico e boa pinta.
- Querendo viver na moleza, não é Bé? - falou Tim, num tom gozação.
- Não Tim, só estou querendo viver numa condição melhor. Não na moleza, como você diz, estou querendo viver de maneira menos desgraçada do vivo neste sertão, aonde nada vai adiante.
- Tudo bem, Bé. Eu também gostaria de partir, mas não sei como, não tenho coragem, Não sei o que fazer só nos resta é esperar o Dão voltar e vir nos buscar pra morarmos no lugar bonito que ele encontrar.
- E estarei aqui assim que encontrar este lugar - respondeu Dão, levantando-se da cama.
- Vai esta madrugada, Dão?
- Vou, Bé.
- Então vou arrumar sua roupa.
Bé saiu do quarto, deixando os dois irmãos ali.
- Dão, você já sabe pra onde vai?
- Vou sem destino. Porém, pretendo ir às Minas Gerais, depois que estiver lá, tomarei outro rumo.
- Muito cuidado, mano, todo cuidado é pouco.
- Pode ficar tranqüilo, eu vou sair-me bem.
- Mãe está chamando pra jantar.
Bé chamou os irmãos e foi na frente.
- Essa é a última vez, filho, que você jantará com sua mãe. Talvez quando você voltar não me encontrará mais viva.
- Bestagem, Naninha, não fale bestagem - respondeu Liano, acalentando a esposa.
- Nada, mãe, ainda vamos jantar muitas e muitas vezes juntos, afinal nós ainda estamos fortes, a senhora verá como os dias vão passar. E logo nós estaremos juntos novamente, aqui ou em outro lugar qualquer, todos juntos jantando e sorrindo as nossas alegrias.
Dão falava servindo a comida e repetindo a mesma frase de sempre: “Liano, cadê a pingazinha?” e Liano ia até o quarto e apanhava a cachaça com raiz. Ele se servia um pouquinho e dizia: “Pode guardar Liano”. Porém, este dia, Liano não guardou a pinga, ele também tomou um bom trago.
- Não beba assim pai - reclamou Bé furiosa.
- Me deixaeu tomar um pouquinho também, pai? - pediu Tim.
- Já chega! - Exclamou Naninha, recolhendo o litro da mesa.
O sol quente do sertão começava a surgir entre os galhos das tortuosas árvores ao longo do caminho. O som dos cascos de Melindrosa se desfazia ao longe. Aqui e acolá passava uma seriema pelo caminho e um veado em alta velocidade. Dão se sentia forte e prevenido para a mais longa viagem que faria. Seguro, firme nas rédeas de Melindrosa, deixava chão pra trás a cada instante que passava. Dão sentia que a cada momento que passava ele ia ficando cada vez mais longe de casa. No entanto, tudo era alegria e se via estampado em sua face, coberta de mistérios indecifráveis. Sabendo, porém, que sua missão era encontrar um lugar bonito para viver.
- É Melindrosa, quando encontrarmos um lugar bonito, eu quero ter o prazer de contar pra todo mundo que foi você que me levou. Todos vão saber da verdade.
Dão trajava uma roupa preta, duas botas cano longo, um chapéu de abas largas, um revólver niquelado com uma goiaca preto e branco que era colorida com três carreiras de balas e uma que acompanhava o cinto ao longo do corpo. Levava também, um relógio de bolso com um retrato de uma jovem que conhecera quando criança e que nunca mais a viu, pois, os pais dela foram embora do sertão há mias de dez anos. Dão ainda levava na capa do arreio um velho clavinote para qualquer eventualidade ou imprevisto na viagem. E depois de longo dia de viagem, Dão sentia seu corpo cansado era hora de parar um pouco, pois já tinha deixado bastante terra pra trás. Já tinha deixado o sertão da Bahia e entrado no sertão de Minas Gerais. Este, porém, um pouco diferente. Já se via terra vermelha, mas ainda fraca para a plantação e um pouco castigada pelo sol. O sol já estava se pondo quando Dão chegou em uma casa. Parando a Melindrosa na porteira, chamou:
- Ei, morador - gritou Dão, um pouco inibido.
Logo foi saindo da casa um homem moreno, aparentando uns sessenta anos.
- Boa noite moço, o que deseja?
- Boa noite, senhor, eu desejo um pouso até amanhã, se possível.
- Eu não gosto de viajantes, mas pode dormir neste rancho e pode soltar sua mula naquela roça. A cerca é muito boa e o pasto ainda está bom, mas gostaria do pagamento adiantado. Se quiser tomar banho pode ir lá ao rio depois de escurecer, e não fale em comida, já jantamos e não sobrou nada.
- Não senhor, eu me viro, tudo bem, pode deixar.
Dão ainda tinha uma lata de frito que sua mãe tinha preparado para a viagem. Soltou a Melindrosa no pasto, logo que escureceu foi ao rio, tomou banho e voltou para o rancho. Comeu um pouco de frito e foi dormir. Depois do primeiro sono, acordou assustado, parecia que alguém estava lhe atacando, levantou-se aproveitando o clarão da lua, selou Melindrosa e pegou a estrada. Quando o dia amanheceu Dão estava bem distante daquele lugar. Foi mais um dia de caminhada, mais um dia e mais outro e já decorriam meses de viagem. Dão já tinha atravessado o estado de Minas Gerias e o estado de Goiás e chegou a Mato Grosso. O dinheiro que tinha levado já havia acabado e Melindrosa já magra, com pisaduras no lombo. O certo é que as coisas começavam a ficar difíceis para o sertanejo, e diante de tanto sofrimento, Dão foi obrigado a pedir emprego aos fazendeiros e logo ao solicitar teve uma surpresa:
- Mas o que você sabe fazer? - perguntou um homem gordo com ar de mangação para Dão.
- Sei lidar com criação de modo geral.
- Ótimo, parece-me um bom rapaz.
- Obrigado senhor - respondeu Dão, satisfeito.
- Olegário é o meu nome, e o seu?
- Dão - respondeu ele, com curiosidade.
- Dão, aqui é um lugar muito perigoso, eu gostaria de alertá-lo quanto ao perigo. Ande sempre prevenido, pois são vários os perigos: São pistoleiros que matam por achar bonito, e índios que matam pra se verem livres da gente. Não quero ouvir reclamação, e se você for um bom rapaz, pode contar comigo que lhe darei todo o meu apoio.
Dão olhava sem piscar pro senhor Olegário, que lhe dava explicação, pois, sua sobrevivência dependia delas.
- Pode deixar comigo, senhor Olegário, estarei atento para qualquer coisa, estou pronto pro que vier.
- Solte sua mula no pasto e pode apanhar qualquer um dos meus cavalos para executar os serviços e dar os seus passeios, não gosto de ver ninguém triste.
Dão soltou Melindrosa no pasto, apanhou um cavalo alazão com uma das patas branca, selou-o com sua sela pernambucana e ficou pronto para atender ao seu patrão.
- Sua missão de hoje é prender o gado a apartar os bezerros, o Juca vai ajudá-lo - ordenou o senhor Olegário.
- Sim, senhor - respondeu Dão pensativo.
Esta era a primeira vez que Dão ia trabalhar de empregado, sentia-se como um cachorro que tinha de abanar o rabo, ao ouvir o bater dos dedos. Era acostumado a viver junto ao pai, fazendo seus trabalhos sem ser mandado e agora, era um escravo para ganhar tostões. Mas, por outro lado, estava satisfeito, pois, já encontrara algumas fazendas que lhe agradara, porém ainda não era o lugar bonito que procurava. Os dias se passaram como num sonho e já decorreram anos, Dão já tinha ganhado um bom dinheiro, resolveu então partir.
- Bem senhor Olegário, eu quero as minhas contas, pois vou seguir viagem.
- Por que vai embora, não está gostando do trabalho?
- Não é isto senhor Olegário, eu tenho um compromisso. Eu vim do sertão em busca de um lugar bonito pra viver junto de meus pais e irmãos, quero dizer, depois que encontrar este lugar, vou buscá-los.
- Não entendi muito bem o que quer dizer. Lugar bonito? Então você anda em busca de um lugar bonito? Gostei da idéia, e como você vai conseguir comprar este lugar?
- Ainda não sei, sei que estou a procurar, quando eu encontrá-lo darei um jeito de comprá-lo.
- Eu não gostaria que você fosse embora Dão, gostei muito do seu jeito, do seu trabalho, se você quiser pode escrever a seus pais, eles podem morar em minhas terras.
- Não senhor Olegário, eu lhe agradeço. Eu não pretendo trazer meu pai pra ser agregado de fazenda e sim fazendeiro, é isto que ele merece.
- Tudo bem Dão, já que é assim, tudo bem, o que posso desejar a você é boa sorte.
- Obrigado senhor Olegário, é disto que estou precisando.
Dão recebeu o dinheiro, despediu-se e foi embora. Dão foi a alguns rodeios participar de desafios a fim de aumentar o seu dinheiro, pois ficou triste quando o senhor Olegário o menosprezou.
- É Melindrosa, vamos a uns rodeios que eu já fui, vamos ver se ganho mais dinheiro, pois preciso dele.
E Dão participou de vários desafios e ganhou alguns prêmios. Agora tinha dinheiro para comprar a fazenda que encontrasse no lugar bonito. Dão seguia com destino ao Araguaia, pois falaram-lhe que às suas margens havia fazendas muito bonitas. Assim Dão ia conferir e tentar encontrar o seu lugar desejado. Porém, temia a passagem de uma serra, chamada travessia. Ouviu comentários e sabia que era perigosa, pois neste lugar, os fazendeiros colocavam pistoleiros pra matar os viajantes e roubar-lhes o dinheiro. Dão já conhecedor da situação ia prevenido, pois sabia que a qualquer momento seria atacado pela frente ou pelas costas. Chegando num eixo de serra, Dão avistou dois pistoleiros seguindo o caminho. Assim, Dão os acompanhou e foi conversando com eles. Chegando ao lugar determinado, onde eles matavam as pessoas, um mandou que Dão descesse da mula, Dão obedeceu sem nenhum obstáculo enquanto o outro levava a mula pra dentro da mata, Dão falou pro pistoleiro:
- Que tal o dinheiro ficar só pra você?
- Como assim:
- Eu tenho pouco dinheiro pra vocês dois. Mate o seu colega e o dinheiro fica só para você.
Quando Dão deu a idéia ao pistoleiro, ele sentiu que era sua chance.
- Vamos, decida-se logo, ele está voltando.
Quando Dão acabou de falar, o pistoleiro mudou a fisionomia e gritou ao colega:
- Argemiro, já amarrou a mula?
- Já Miguel, já amarrei.
Quando Miguel perguntava a Argemiro, Dão aproveitou sua distração e disparou o seu revólver que estava guardado no cano da bota.
O pistoleiro recebendo o balaço no ouvido caiu sem se mexer. Na hora da explosão, Argemiro gritou:
- Está gordo Miguel?
Dão respondeu em lugar de Miguel.
- Muito gordo, vem ver.
Argemiro veio correndo e Dão lhe deu um tiro na perna, pois sabia que ele estava desarmado. Argemiro caiu no chão, Dão lhe deu um tiro na outra perna e disse:
- Onde vocês colocaram o dinheiro que roubaram das pessoas? Fale que o deixarei viver.
- O dinheiro, nós gastamos e os objetos nós vendemos nas feiras.
- Está mentindo pra mim? Mesmo assim nas portas da morte? Quem manda vocês matarem as pessoas, quem?
Dão falando nervoso, deu mais um tiro, desta vez num braço de Argemiro. E este vendo que tudo estava indo mal pro seu lado resolveu falar:
- Existe em cima da serra, um vale, este vale se chama paraíso, lá mora o senhor Lourenço e é ele que comanda todas as travessias que existem na serra.
- Onde estão estas travessias, onde ficam?
- Uma é esta. As demais estão até saírem do outro lado da serra, são oito no total.
Depois que Argemiro confessou, Dão foi buscar Melindrosa e quando apanhava a mula, viu na pirambeira da serra, uma porção de cadáveres de pessoas e ossada de animais que eles haviam matado. Dão montou em Melindrosa, ia saindo quando Argemiro perguntou aflito:
- Você vai me deixar aqui neste estado, moço?
- Dão é meu nome. Argemiro me chamo Dão, e vou deixá-lo aí com mais um braço quebrado.
E dando um tiro no outro braço de Argemiro, disse:
- Este é pra pagar as vidas das pessoas que você matou e jogou na pirambeira. Vou deixá-lo aí, sofrendo até morrer, isto é o que você merece. Adeus Argemiro, boa sorte!
- Não me deixe aqui seu desgraçado, volte aqui Dão, não me deixe aqui Dão, leve-me com você, eu serei seu amigo, o ajudarei a acabar com o senhor Lourenço, volte Dão...
Dão seguia com o coração cortado por ter comedido tamanha violência, mas, no entanto, sabia que se não a tivesse feito teria morrido. Logo adiante, umas três léguas, encontrou uma grande placa indicando a fazenda Paraíso.
- É aqui, Melindrosa, vamos entrar.
Dando as rédeas de Melindrosa para a estrada da fazenda, na intenção de ir conhecer o senhor Lourenço. Rompendo um pouco mais de dois quilômetros, foi interpelado por dois pistoleiros. Era o primeiro posto de defesa da fazenda do senhor Lourenço. E os pistoleiros falaram:
- Pare moço, onde pensa que vai?
- Estou indo levar um recado ao senhor Lourenço.
- De quem o recado?
- De Argemiro e Miguel. Eles mandaram-me dizer ao senhor Lourenço que vão trabalhar pra outro fazendeiro e que breve virão atacá-lo.
- Mas Argemiro e Miguel estão na travessia oito, onde você os encontrou? - Perguntou um dos pistoleiros, desconfiado.
- Encontrei na travessia oito. Eles acabavam de matar um boiadeiro o qual lhes deu a dica que um fazendeiro, chamado Alfredo, estava contratando pistoleiros para roubar à meia.
O pistoleiro olhou para o colega e disse:
- A meia Joaquim, este é um bom negócio, não acha?
- É Lúcio, um bom negócio, em breve estaremos ricos.
Enquanto os pistoleiros sonhavam com o novo trabalho, Dão tirava muito dinheiro de uma mochila, pendurada na cabeça da sela, dizendo:
- Eu até trouxe um pouco de dinheiro, que tal a gente dividir, depois eu darei a vocês o endereço do senhor Alfredo. Este foi o dinheiro que me deram para ajudar a matar o boiadeiro e pagando o meu trabalho pra dar o recado ao senhor Lourenço.
- Lúcio, descendo pra perto de Dão, estendeu o chapéu. Dão foi colocando o dinheiro e falou:
- Eu vou pôr todo o dinheiro e vocês contam, dividindo em três partes.
Joaquim veio ajudar Lúcio a contar o dinheiro e deixaram as carabinas encostadas em uma árvore, entretidos contando o dinheiro. Dão deixava a mula rodando até que os dois ficaram enfileirados. Dão então, disparou o seu clavinote, rebentando suas cabeçadas de maneira sensacional. Na verdade, o dinheiro que estava no chapéu era o dinheiro que Dão havia ganhado nos rodeios e o que tinha economizado durante o tempo que trabalhou pro senhor Olegário. Dão apanhou o dinheiro e saiu em direção a fazendo Paraíso, no alto da montanha, na nascente do Rio Araguaia, ao encontro do senhor Lourenço. A noite estava chegando, então Dão procurou esconder-se na floresta, prevenindo-se contra qualquer ataque dos capangas do senhor Lourenço. Passou a noite debruçado sobre uma árvore torta atravessada num carreiro no meio da floresta. Permanecendo montado na mula. Logo veio o dia, Dão continuou a viagem. A uns quilômetros dali, avistou ao longe, na estrada, uns cavaleiros. Dão escondeu esperando-os passar, quando então ouviu um deles falar:
- Pois é senhor Lourenço, desde ontem eles não voltaram.
- Será que aconteceu alguma coisa?
- Deve ter acontecido - respondeu o pistoleiro, pensativo.
Dão vendo que o senhor Lourenço ia junto aos pistoleiros, procurou seguir em frente. A uns quilômetros dali encontrou uma cancela no caminho e, do lado dela, uma pequena casa. Um moço estava de pé na porteira com uma carabina na mão. Dão ia passando na cancela quando o moço lhe perguntou:
- Pra onde vai pistoleiro?
- Vou à casa do senhor Lourenço buscar umas dinamites pra ele.
- E quem é você?
- Sou um novo empregado, sou primo de Miguel.
- Ah sim, prazer.
- Prazer é todo meu - respondeu Dão, sentido alegria.
- Como você se chama?
- Meu nome é Dão.
- Ele nunca tinha me falado em você, bonito nome.
- Obrigado, amigo.
- Pedro é o meu nome.
- Falou Pedro. Vai ser bom trabalharmos juntos.
- É, vai ser.
Dão seguiu satisfeito até a casa do senhor Lourenço. Chegando na porteira, um moço loiro o recebeu:
- O que deseja moço?
- Dão, Dão é o meu nome, e o seu?
- Juvenal.
- Vim buscar umas dinamites para o senhor Lourenço, onde estão?
- Está na casa do senhor Lourenço, na parte debaixo.
A casa do senhor Lourenço era uma verdadeira mansão. Construída em um alto, onde se podia apreciar ao longe a beleza da fazenda, a fazenda Paraíso. Ali parecia que era o lugar que Dão procurava, ali era o lugar bonito. Mas que situação? Este lugar habitado pelo senhor Lourenço, chefe de pistoleiros assassinos, que tivera comprado aquela fazenda com o dinheiro roubado talvez. Mas isto não importava agora, o que importava era resolver aquela parada, que não parecia ser fácil. Dão convidou o moço loiro para ir com ele até onde estavam as dinamites, abriu a porta da casa e eles entraram e logo Dão viu onde estavam às dinamites e também o grande arsenal de armas que o senhor Lourenço guardava naquele lugar. Dão perguntou pro moço:
- O senhor Lourenço tem outra fazenda Juvenal?
- Não, ele só tem esta. Não sei onde ele morava antes de comprar esta fazenda de um sertanejo, quero dizer, ganhou do sertanejo. Hoje, o coitado do sertanejo mora numa velha casa na cidade, vive arrasado. O senhor Lourenço obrigou o sertanejo a assinar um documento lhe passando a fazenda a troco de uma ninharia de nada. Ele queira vir pra cá montar estas travessias. Isto até me dá medo, viver matando os outros pra roubar e aqui foi o lugar que o senhor Lourenço escolheu, pois só tem uma saída, o resto é só montanha, quem entra aqui não sai nunca mais. O senhor Lourenço, mata até por brincadeira, ele é um homem que gosta de matar.
- Quantos têm trabalhando pro senhor Lourenço?
- Nós somos uns vinte e seis.
- O senhor Lourenço tem filhos?
- Ele só tem uma filha e a mulher.
- Onde ficam elas?
- Elas ficam aqui, estão aí em cima. Elas não gostam da gente, são muito metidas.
- E onde ficam as suas famílias?
- As de uma turma ficam na cidade, as de outros, não existem, não têm famílias, são do mundo, como eu. Eu tenho vontade de ir embora.
- E porque não vai?
- Só se for pra morrer. O senhor Lourenço não deixa ninguém sair vivo daqui, eu não falei.
- Ah sim, falou!
Quantos quilômetros são até a cidade?
- Fica a uns quarenta quilômetros. Você não veio de lá, não sabe?
- Não, eu vim de outro lado, eu venho da fazenda do senhor Olegário, fica muito longe daqui, você conhece?
- Não, nunca ouvi falar neste homem.
- É, pois eu venho de lá.
Dão, conversando com o pistoleiro, sentiu que seria fácil arrumar um companheiro, só restava saber se ele estava falando a verdade. Assim, Dão lhe perguntou:
- De onde você é Juvenal?
- Eu sou da Bahia, e você?
- Eu também Juvenal, sou de lá.
- É eu estava percebendo, você parece muito com um primo que veio pra cá comigo, mas saímos procurando emprego e acabamos caindo nas mãos deste desgraçado do senhor Lourenço. Meu primo resolveu ir embora, ele atirou nele, nem posso lembrar-me da hora.
Juvenal falava olhando triste para a estrada.
- Juvenal, se nós, então, resolvêssemos acabar com o senhor Lourenço e seu bando. Você toparia me ajudar?
- É claro que eu ajudaria. Farei tudo pra poder ver aquele desgraçado morto.
- Como posso saber que você está falando a verdade Juvenal? E se você na hora, tentar me enganar?
- Não é possível que eu vá enganar meu conterrâneo, se você não acreditar em mim como posso acreditar em você, pois mal sei o seu nome!
- Dão, Juvenal, meu nome é Dão, eu não lhe falei?
- Pois estou pronto, Dão, pode me dizer o que fazer, estou pronto.
- Certo Juvenal, primeiro convide a filha do senhor Lourenço para vir aqui e a mãe dela também, mas uma de cada vez, certo?
- Certo, Dão, eu vou chamá-las.
Juvenal convidou a garota que veio correndo atendê-lo:
- Sim Juvenal, o que deseja?
- Meu colega está passando mal, precisa de ajuda, chame sua mãe também, Graziela.
Graziela, então gritou a mãe e foi entrando pra casa atendendo à Juvenal, Neste instante, Dão estava atrás da porta, agarrou a moça pelas costas, amarrou-lhe as mãos e tapou-lhe a boca. Logo a velha veio, chamando a filha quando entrou na porta Juvenal a agarrou. Amarraram as duas e Dão mandou Juvenal ir à porteira pedir pro Pedro vir ajudá-lo. Quando ele foi entrando na porta, Dão deu-lhe uma coronhada na nuca, desmaiando-lhe e em seguida o amarrou junto a mulher e filha do senhor Lourenço. Dão chamou Juvenal e os dois distribuíram dinamites por todos os lados da casa. Depois de tudo pronto, Dão manou Juvenal ir à porteira, pois sabia que logo que o senhor Lourenço encontrasse os seus capangas mortos voltaria correndo pra casa. Dão ficou dentro da casa, perto da mulher e da filha do senhor Lourenço, enquanto Juvenal estava lá na porteira, só esperando a hora. Dentro de alguns minutos, o senhor Lourenço chegou com os pistoleiros ao seu lado. Na porteira, quando não viu Pedro, perguntou pro Juvenal:
- Cadê o Pedro, Juvenal?
- Está lá na casa das armas, pediu que quando o senhor chegasse, fosse lá.
O senhor Lourenço foi direto pra casa, entrando na porta avistou a mulher e a filha amarradas e em seguida ouviu uma voz:
- Não tente nenhum golpe. Ordene seus pistoleiros que deixem as armas e entrem todos. Se não obedecer a minha ordem eu coloco fogo nesta pólvora e tudo vai pro ares.
O senhor Lourenço viu que não tinha outra escolha, só lhe restava obedecer à voz, mas perguntou:
- Quem é você, e o que quer de mim, por que mata meus homens, que mal lhe fiz?
- Depois conversaremos, agora faça o que estou mandando. Ande rápido ou risco o fósforo.
- Tudo bem, eu vou fazer.
O senhor Lourenço começou chamar os pistoleiros, um por um:
- Carlito, Gonzaga, Flávio, Eduardo, Marcos e Noel, todos vocês, deixem suas armas e entrem com as mãos pra cima. Temos encrenca, venham logo.
Os pistoleiros obedeceram ao senhor Lourenço, entraram com as mãos pra cima e sem armas.
- Feche a porta. Aí no chão tem muitos pedaços de corda, amarrem um por igual os que eu amarrei. Amarre direito, não tente me enganar, senão ponho fogo e todos morremos, ande logo.
- Já terminei voz misteriosa, o que quer que eu faça agora, pelo amor de Deus?
- Calma, não fique nervoso, afinal o senhor Lourenço é muito respeitado e não fica nervoso à toa. Saia à porta ordene ao Juvenal para não deixar ninguém entrar.
O senhor Lourenço saiu à porta, ordenou ao Juvenal e voltou pra dentro. Naquele momento, Dão já tinha conferido se os pistoleiros estavam bem amarrados e ficou bem à frente da porta. Dão com a arma apontada para o senhor Lourenço disse:
- Agora, velho, eu gostaria que o senhor me levasse até o cofre onde guarda o dinheiro que roubava das pessoas nas travessias, eu estou querendo ver.
- Você não tem medo de mim, mocinho, eu sou valente!
- Sim, senhor, eu sei que é valente, mas sempre gostei de lidar com homens valentes, pois o serviço é mais gostoso. Vamos lá velho pilantra, vamos até o dinheiro.
O senhor Lourenço foi com Dão até a parte alta da casa, Ali era onde o velho guardava a fortuna que tinha arrecadado dos boiadeiros e viajantes que passavam pela Serra do Araguaia. Boiadeiros e viajantes que levavam esperança e encontravam a mais cruel covardia: eram assassinados, atirados nas grotas e devorados pelos urubus, enquanto o senhor Lourenço na mais completa mordomia, cercado de dinheiro e pistoleiros. Quando chegaram à sala, onde estava o cofre, o senhor Lourenço falou:
- Aí está o cofre, o que quer que eu faça?
- Abra-o, quero ver o que tem dentro dele e não tente me enganar, velho imundo, que lhe estouro os miolos.
O senhor Lourenço abriu o cofre e Dão se perdeu ao ver a grande soma de dinheiro e ouro que ali estava à sua frente. Mas era um dinheiro que pertencia a tantas pessoas que talvez estivessem esperando-o chegar, pois quantos olhares se perdiam em cada tarde ou manhã sem resposta. Neste instante, aumentou o seu ódio e violentamente, deu um pontapé no traseiro do senhor Lourenço e disse:
- Seu desgraçado, pegue alguns sacos e ensaca todo este dinheiro, rápido velho safado!
O senhor Lourenço ensacou todo o dinheiro com muita rapidez e depois falou:
- Está aí, pistoleiro desgraçado, o que quer mais de mim.
- Papel, preciso de papel.
O senhor Lourenço apanhou várias folhas de papel e Dão ordenou:
- Assine todas estas folhas de papel em branco, pois, preciso delas, ande assine!
Depois que o velho assinou, Dão lhe mandou entrar no cofre e o velho entrou dizendo:
- É pistoleiro, você vai se arrepender, minha vez vai chegar, pistoleiro, minha vez vai chegar.
Dão deixou a tela do cofre se fechar e a porta espancada de maneira que se o velho tentasse sair, a porta fecharia e falou:
- Tudo bem, senhor Lourenço, está tudo bem. Não tente fazer alguma coisa, senão a porta se fecha. Eu vou levar a chave, se fechar, adeus. Na verdade, senhor Lourenço, eu queria ter o prazer de matá-lo, mas o senhor não fez nada contra mim, não tenho motivo para matá-lo, só me resta desejar-lhe boa sorte.
Dão chamou Juvenal, mandou que ele arrumasse todo o dinheiro na carroça com um bonito cavalo para partirem, e falou:
- Juvenal, siga um pouco e espere, vou me despedir do pessoal que está amarrado, depois eu vou.
Dão foi à casa de munição despedir-se do pessoal, entrou ali e falou:
- Bem gente, a vida é assim, a gente vive às vezes sem ao menos saber o porquê, mas vivemos. E procuramos viver só os bons momentos e nos esquecemos das coisas ruins que fazemos, no entanto, mais cedo ou mais tarde tudo acontece diferente. Vemos a nossa vida indo embora como se fosse uma pluma tocada pelo vento e nada podemos fazer. Assim pessoal, estão suas vidas, adeus amigos!
Dão falava e colocava fogo numas cascas de madeira dizendo:
- Quando este fogo estiver terminado, vai pegar no estopim e tudo vai subir em pedaços, pois tem dinamites por todos os lados, no entanto, eu estarei bem distante não vou ter o prazer de assistir ao espetáculo. Não vou poder rir, como vocês riem quando matam os inocentes pra roubar. O que posso desejar-lhes é que tenham uma boa sorte!
Muitos deles gritavam aflitos, com medo de morrer.
- Juvenal, siga em frente, eu vou mais atrás, ainda faltam as travessias, até a cidade, muito cuidado!
- Pode deixar, Dão, eu sei onde ficam.
Na primeira travessia, quando chegaram, já era bem tarde. A uns cinqüenta metros de distância, Juvenal parou a carroça e gritou:
- Luiz, sou eu, Juvenal, onde está o Sebastião?
- Estou aqui - respondeu Sebastião, descendo de um bico de pedra.
Neste instante, Dão ia se aproximando e Sebastião perguntou:
- Quem é este pistoleiro?
- É um novato - respondeu Juvenal.
- Prazer amigo - falou Sebastião para Dão.
- O prazer é todo meu - respondeu Dão olhando nos olhos do pistoleiro, que não piscavam.
Dão fez que ia descer da mula, sacando de sua arma e com agilidade deu dois disparos, acertando a testa de cada um dos pistoleiros e em seguida falou:
- Só faltam seis, Juvenal, quero terminar antes do anoitecer.
- Gostei de sua pontaria, Dão, você atira bem.
- Obrigado Juvenal, vamos indo.
Naquele instante, ouviram uma grande explosão, era a casa do senhor Lourenço que acabara de explodir, era o que restava da fazenda Paraíso, somente pedaços, pedaços e mais nada, além de pedaços.
- É. Acabou tudo foi embora. Era o que aquele velho desgraçado merecia falou Juvenal conformado.
- Vamos Juvenal, rápido - ordenou Dão furioso.
A uns poucos quilômetros dali, estava mais uma travessia e logo Dão e Juvenal foram chegando. Os pistoleiros avistando Juvenal vieram ao seu encontro.
- Pra onde está indo Juvenal?
- Estou levando um material pra cidade, Rocha.
- E este pistoleiro, de onde veio?
- Eu vim da lua, foi da lua que vim - respondeu Dão, com a cara fechada.
O pistoleiro não gostou e retrucou:
- Se for homem, repita o que disse.
- Eu vim da lua - Respondeu Dão pulando no chão.
O pistoleiro seguia em direção a Dão quando Juvenal falou:
- Calma, gente, não briguem.
O outro pistoleiro vinha chegando e disse:
- Juvenal, porque trouxe gente arreliante pra falar desaforo com o Rocha.
- Não Fidelcino, ele não é arreliante.
- Sou Fidelcino, eu sou arreliante e se vocês toparem eu desafio os dois.
Dão falava andando pra trás quando, tomando uns dez passos os pistoleiros sacaram as armas, mas a velocidade de Dão era superior. E com dois disparos, os pistoleiros ficaram estendidos no chão.
- Vamos Juvenal, ainda faltam cinco travessias, vamos rápido, logo a noite vai chegar.
A partir dali, as travessias ficavam mais perto umas das outras. Tinham que ser muito rápidos pra não deixarem os da frente perceber qualquer coisa.
- Dão, está chegando, é depois daquela curva.
- Certo, eu vou me deitar dentro da carroça, quando chegar lá você os convida para verem uma novidade.
Dão amarrou Melindrosa à carroça e ficou deitado com os dois revolveres em punho. Juvenal fez como o combinado.
- Sou eu Josué, chame Nivaldo e venham ver o que eu trouxe.
Os pistoleiros vieram e foram olhar a novidade e receberam um balanço na cabeça, nem viram do que morreram.
- Toque em frente, Juvenal, até a outra.
- Certo Dão, está logo ali, atrás do morro.
- Juvenal, vamos fazer do mesmo jeito.
- Certo Dão - respondeu Juvenal animado.
- Sou eu Dionísio, onde está o José?
- Estou aqui, Juvenal, porque sumiu hoje? Já está quase noite, agora é que você está aparecendo?
- Nada não, eu trouxe umas coisas pra vocês, podem apanhar na carroça, vão os dois, é muita coisa.
E os pistoleiros, são surpreendidos com um estranho cravado no crânio e caem na poeira já sem vida. Restavam, agora, três travessias. Ainda havia seis pistoleiros, mas tudo estava dando certo. Dão montou em sua mula e mandou Juvenal seguir à frente, dizendo:
- Juvenal, chegando à travessia, você convida os pistoleiros e faça de conta que não sabe quem sou, quando eu estiver perto, você saca o seu revólver. Faça que vá atirar em mim e atire no da esquerda e deixe o outro comigo.
- Certo, Dão, pode deixar.
E fizeram como o combinado nas duas travessias. Agora só restava uma, nesta havia dois pistoleiros famosos, eram os pistoleiros de confiança do senhor Lourenço, a coisa ali era difícil.
- Dão, temos que arranjar outro meio. Pois, os pistoleiros não vão acreditar na gente. Eles vão desconfiar, pois já está de noite, é muito perigoso.
- Tem nada não, Juvenal, vai ser moleza.
- Como vamos fazer?
- Quando a coisa é muito difícil, Juvenal, a gente resolve é na hora. Lá a gente resolve.
- Dão sempre confiou em seu taco, pois além de atirar perfeitamente, tinha o corpo fechado, onde arma não dava fogo.
- Está chegando, Dão, e já está meio escuro.
- Vai cantando Juvenal.
- Cantando o que?
- Qualquer cantiga, cante.
Enquanto Juvenal cantava, Dão deitou-se em cima do arreio fazendo-se de morto. Juvenal, vendo aquilo, gostou. Chegando à travessia disse:
- Querem tomar um gole de pinga, amigos?
Um dos pistoleiros disse:
- Juvenal, o que está acontecendo?
- Nada, estou tomando meus pileques, estou na minha, e saia da frente que quero passar.
- Você não vai passar não, só se for por cima do meu cadáver.
Naquele momento, Juvenal disparou sua arma no pistoleiro que caiu já morto, mas o outro deu um tiro em Juvenal. O pobre Juvenal caiu de cima da carroça e o pistoleiro seguiu para acabar de matá-lo, quando recebeu um tiro na testa, que Dão lhe deu. Dão foi socorrer Juvenal, que já saia sangue pela boca, dizendo:
- Acabou, Dão, acabou. Até eu me acabei, mas estou contente e...
Dão, balançando Juvenal, dizia:
- Onde mora o homem que era o dono da fazenda?
- Na rua vinte e seis, número vinte e oito.
E acabou de morrer.
Dão apanhou os sacos de dinheiro e ouro, colocou na mula e no cavalo, deixou ali a carroça e se foi com destino à casa do nordestino, já chegando lá bem tarde da noite.
- Hei morador! - chamou Dão, batendo na porta.
A porta se abriu e um homem, já velho e cansado apareceu:
- Entre, o que deseja?
- Eu sou um viajante, venho em busca de um lugar bonito e nas minhas andanças, me deu vontade de passar por aqui e vir até a sua casa. Não sei bem o que me traz aqui. Mas gostaria que falássemos um pouco.
- Não poderia ser amanhã, já está muito tarde.
- Não, não tenha medo de mim, eu sou um nordestino e não vou lhe fazer mal. Eu gostaria de ficar aqui esta noite.
- Você é nordestino, de onde?
- Sou de Carinhanha, sou filho de Liano.
- Quando Dão falou que era filho de Liano, o velho o abraçou e disse:
- Não estava reconhecendo você, Dão como você mudou!
- É senhor Herculano, eu cresci, mudei um pouco.
- Joana, veja quem chegou aqui!
- Já vou, já vou ver.
Joana saindo do quarto, vestida num roupão e abraçou o rapaz como se fosse seu filho.
- Como está diferente, meu Deus, está bonito! Vou chamar Silvana e Suely, elas falam muito de você.
Joana chamou as filhas que já estavam acordadas e disse?
- Silvana, Dão está aí.
- Dão, mãe, não acredito, Dão aqui?
A moça saiu correndo do quarto e abraçou o rapaz entregando-lhe seu delicado corpo, deixando a magia do amor pairar nos corações.
- Deixa pra mim, Silvana, eu também gosto dele.
- Suely abraçou Dão, parecia que era mais carinhosa do que a irmã, porém, Dão gostou mais de Silvana, ela era a jovem do retrato.
- Oi Dão, como vai? - Cumprimentou Valdir, o filho do senhor Herculano.
- Eu vou indo amigo, e você ainda está brigando muito nas ruas?
- Que nada Dão, parei com aquilo.
A alegria invadiu de vez a casa, estava tudo bem agora, mas, por outro lado, Dão sentia que o senhor Herculano não estava muito satisfeito com a vida, algo importante estava lhe faltando e com certeza era dinheiro.
- Senhor Herculano, eu trouxe umas coisas, preciso de um lugar seguro para guardar. Pediu Dão, com respeito.
- Tudo bem, Dão, aqui nos fundos tem um lugar seguro, dá pra você guardar suas coisas.
- Então vamos lá.
Dão entrou com o cavalo e a mula num portãozinho e Valdir o ajudou a descarregar os sacos.
- Valdir, você tem alguma roça pra soltar estes animais?
- Não Dão, não temos.
- Então vamos soltar este cavalo velho.
Ele vai comer por aí e deixamos a mula no quintal, damos milho pra ela.
- O cavalo não vai sumir?
- Não ele é acostumado.
Dão então, soltou o cavalo velho e deixou a mula no quintal. Voltou pra dentro e o velho lhe disse:
- Dão, você pode tomar banho e dormir no quarto do Valdir.
- Mas antes eu vou arrumar comida pra ele, pai falou Silvana.
- Sim filha, pode arrumar.
Dão foi tomar banho e depois foi jantar. Dão parecia estar em casa, sentia-se como um verdadeiro filho do velho.
O dia amanheceu e ainda cedo Dão levantou-se.
Encontrou-se com o senhor Herculano na sala. Sentado numa cadeira, pensativo.
- Bom dia, senhor Herculano, como passou a noite?
- Bom dia filho, passei bem, e você?
- Ótimo senhor Herculano, sinto-me como se estivesse em casa.
- Mas você está em casa, filho, afinal tenho um grande apreço por você.
Dão pensou, e eu pela sua filha.
- Obrigado senhor Herculano, eu fico muito contente.
- E então, Dão, o que lhe trouxe aqui?
- É senhor Herculano, a vida é assim, cheia de surpresas. Vamos andar um pouco no quintal, quero contar ao senhor umas coisas.
E Dão saiu pro quintal com o velho e disse:
- Eu saí de casa já faz uns quatro anos, vim procurar um lugar bonito pra viver, pretendendo, a hora que encontrá-lo voltar ao nordeste e buscar minha família, quero dizer, meus pais e irmãos.
- É Dão, aqui tem muitas fazendas bonitas, mas é muito perigoso. Tem um fazendeiro aqui que tomou minha fazenda.
- Tomou sua fazenda, como?
Ele chegou aqui na região da serra, matou a maioria dos fazendeiros e ficou com as terras deles. Foi milagre de Deus ele não ter me matado, mas fizemos um trato. Eu dei a ele tudo que tinha e pedi pra ele me deixar vivo. Ele concordou nem sei por quê.
- E as famílias destes fazendeiros, pra onde foram?
- Uns morreram, os pistoleiros do fazendeiro os mataram nas travessias. Mas quem não tentou passar nas travessias está vivo.
- Como chama este homem?
- É o senhor Lourenço, nem gosto de falar o nome dele.
- E os pistoleiros dele têm famílias aqui?
- Não, não tem. Eles têm algumas raparigas, mas famílias não.
Dão contou ao senhor Herculano o que tinha acontecido no dia anterior e o velho surpreso disse:
- Meu Deus, você é doido, acabou com tudo, matou todos?
- Não, todos não. O velho com uma porção de pistoleiros morreu na explosão e o restante eu matei, pois fiquei revoltado quando caí na primeira travessia, aí resolvi acabar com tudo.
Estampado na face do senhor Herculano estava um sorriso de vitória.
- Vamos voltar pra minha fazenda - convidou o senhor Herculano.
- Não, vamos embora, vamos procurar um lugar bonito pra gente viver. Eu digo a gente porque quero ficar com o senhor, se puder, quero dizer se Silvana ainda está desimpedia.
- O que quer dizer com isto, Dão?
- Quero dizer que sempre gostei de Silvana e se ela não tiver ninguém em sua vida, eu gostaria de pedir ao senhor a mão dela em casamento.
O senhor Herculano chamou Silvana e disse-lhe:
- Filha, você tem algum compromisso com alguém?
- Tenho pai, eu tenho compromisso com Dão. Desde o dia em que o conheci, ainda quando criança.
- Então, filha, estenda sua mão a ele, pois dou a minha permissão.
Silvana não estendeu somente a mão como lhe deu um abraço e um longo beijo. O senhor Herculano saiu, entrou na casa deixando os dois no quintal.
- Que milagre foi esse, Dão, você chegou já disposto a tudo?
- Não meu amor, acho que pedir a mão da mulher que sempre amou não é milagre e sim um dever.
E de mãos dadas, entraram pra casa, Silvana falou:
- Vou preparar café pra vocês.
Silvana seguia leve como uma pluma parecia estar voando de tanta alegria, estava feliz.
- E o senhor, o que fez agora? -Perguntou Dão ao senhor Herculano.
- Eu vivo com o Valdir limpando lotes, roçando pastos pra ganhar o sustento.
- Mas hoje o senhor não vai trabalhar hoje eu faço a feira.
Depois do café, Dão saiu com o senhor Herculano para fazer compras. Ele o apresentava às pessoas “Este é o meu genro, veio do nordeste”.
E assim Dão ficou vários meses na casa do velho, até as que as coisas acontecessem naturalmente. Mas ele não deixava de vez em quando ir com o senhor Herculano dar uma olhada nas terras, para evitar que alguém invadisse a Fazenda paraíso. Dão estava feliz, pois ali tinha encontrado o que procurava, em lugar bonito. Era ali o lugar, o que restava agora era acertar os detalhes e ir buscar o seu pessoal.
- Senhor Herculano, amanhã vamos procurar, uma por uma, as viúvas, pois eu quero comprar as terras delas. Quero que todas as terras pertençam à Fazenda Paraíso, mas quero comprá-las.
- Tudo bem, Dão, vamos procurá-las.
Para todos os efeitos o que tinha acontecido para o pessoal da região, foi um acidente ou os bandidos atacaram o senhor Lourenço e as viúvas já começavam a ocupar as terras novamente. Mesmo assim, Dão procurou as viúvas e comprou todas as terras. Mandou cercá-las, dividindo em cinco partes e deixou o senhor Herculano fazendo as casas e comprando gado. Dão, ainda não tinha mexido no dinheiro que estava nos sacos, guardado na casa do senhor Herculano, pois ele havia participado de vários rodeios e ganhado muito dinheiro, portanto, era um homem rico, já tinha muita terra e gado, mas ainda tinha que buscar o pai para o lugar bonito. O namoro de dão estava cada vez mais forte, Silvana vivia a seu lado em todo canto que ia. Era uma morena clara, com os cabelos pretos, um olhar encantador e fazia Dão acelerar os seus planos.
- Valdir, vamos comigo pro nordeste vamos buscar o pessoal?
- Vamos, Dão, será um prazer para mim, viajar com você.
Despediram-se então de todos e seguiram pro Nordeste, montados em dois cavalos pretos que confundiam um com o outro, Valdir era um pouco mais novo que Dão, mas tinha o mesmo corpo, até se pareciam à distância. Depois de vários meses de viagem, chegaram à fazenda Morrinhos. Ali estava Dão, de volta, depois de tantos anos o sertão parecia ter acabado não se via folhas verdes no mato, o sol havia matado tudo. Era quase noite quando Dão e Valdir chegou e o velho Liano estava no mangueiro, apartando bezerros.
- Oi Liano!
- Dão, até que enfim você apareceu, seu moleque!
Passando entre os paus da velha porteira e abraçando o filho dizia:
- Eu sabia, eu sabia que você ia voltar!
- Benção pai, quantos anos esperei pra dar essa bênção.
- Deus te abençoe, filho, vamos acabar de chegar. Quem é este rapaz?
- É Valdir do senhor Herculano, não se lembra?
- Valdir, menino, como você mudou, e seu pai onde está?
- Está no Mato Grosso desde quando fomos embora.
- Já faz muito tempo.
- Já senhor Liano, muito tempo.
Naquele instante o vaqueiro vinha tocando um gado.
- Tim vem vindo, foi pegar umas vacas magras - relatou Liano.
Dão olhou pro gado magro do pai e lembrou-se de seu gado no Mato Grosso, via a grande diferença. O gado entrou no curral, Dão foi ao encontro do Tim que lhe recebeu com um forte abraço.
- Oi Dão, quanto tempo? Pensei que nem ia voltar!
- É Tim, mas voltei, aqui estou firme e forte.
- É, está se vendo, e você Valdir, como vai?
- Conheceu-me Tim?
- É claro, como poderia esquecer-me do amigo, e o pessoal, como vão?
- Vão indo bem, obrigado.
- Vamos entrar gente - convidou o velho Liano.
- Entrando para casa, Dão disse pro Valdir?
- Cunhado, pode ficar à vontade, sinta-se como se estivesse em sua casa.
- Obrigado, Dão.
E ali Dão encontrou Bé, com uma lata de água na cabeça, ajudando a tirar a lata e abraçando a irmã com todo carinho.
- Menino, quanto tempo! Falou Bé.
- Mas estou de volta, Bé, vim buscá-la.
- Este não é o Valdir?
- Sou sim Bé, como você mudou cada vez mais bonita!
- Obrigada Valdir, mas não precisa exagerar.
Naquele instante os dois se olharam com ternura, Dão sentia que ia sair mais um casamento.
- Onde está mãe, Bé?
- Estou aqui filho - respondeu Naninha, saindo de um quarto.
- Minha velha, minha querida, está forte! Não lhe disse que nos encontraríamos novamente, fortes e alegres. Pode preparar para partirmos, eu encontrei o lugar bonito, ele está à nossa espera lá no Mato Grosso.
Naninha abraçava o filho sentindo a maior alegria do mundo e dizia:
- Depois que você foi embora as coisas ficaram tão difíceis, até as alegrias acabaram!
Naninha falava chorando e Dão enxugara as lágrimas dela, tentando acalentá-la.
- Não fique assim mãe, não tem ninguém chorando, só a senhora, não é preciso chorar.
- Me deixe chorar, filho, eu sou a mãe e tenho o direito de chorar, deixe-me chorar!
Dão saiu com a mãe pro quintal, os pássaros pousavam nas laranjeiras, gorjeando com alegria, parecendo que estavam festejando a chegada de Dão.
- E este rapaz, quem é ele?
- É filho do senhor Herculano, não se lembra dele?
- Lembro-me, ele era pequeno quando o vi.
Valdir estendeu a mão pra velha e disse:
- Minha benção, dona Naninha, a senhora está forte!
- Deus lhe dê boa sorte. Obrigada, filho.
Assim passaram a noite. Foram dormir muito tarde, pois assunto não faltava pra comentar. O dia amanheceu no sertão, a saudade aumenta no peito de Dão, ele se desespera e relata ao pai:
- Pai, eu estive no mundo, trabalhando, participando de rodeios, ganhei vários prêmios. Comprei uma fazenda e bastante gado, estou namorando com a filha do senhor Herculano, pretendo me casar com ela e viver lá no Mato Grosso. Eu vim somente buscar o senhor e os demais.
- E a terra filho, o que vamos fazer com ela?
- Nada pai, vamos deixá-la ai.
- E o gado, o que faremos com ele?
- O gado pai, eu vou comprá-lo, quero comprar tudo.
- Pra que filho, você vai comprar?
- Vou deixá-lo aí pai, em cima da terra. Vai ficar aí...
- E a casa com a mobília?
- Também vai ficar aí, abandonados, não quero levar nada, pai, nada deste sertão. Não quero nada, tudo que temos aqui, vai ficar aqui, acho que com isto eu pago ao sertão o que ele me deu. Ficamos quites, não devemos nada um ao outro.
- Sendo assim filho, podemos partir a qualquer hora.
- Tudo bem pai, gostei da idéia. O senhor ainda tem cavalo possante?
- Tenho filho, um cavalo pra sua mãe, um pra mim, o Tim tem o dele e a Bé também.
- Então, pai, o que estamos esperando? Vamos embora, mas antes quero pagar ao senhor o que devo e pagar algumas dívidas, se o senhor tiver.
- Não filho, não devo a ninguém, podemos ir embora.
Assim arrumaram e viajaram deixando o sertão pra nunca mais voltarem. Saíram olhando os caminhos que iam deixando pra trás. Dão ia feliz, cantando com o cunhado e o irmão, pelo caminho de Mato Grosso. Depois de vários meses de viagem chegaram à Serra do Araguaia na cidade, na casa do senhor Herculano. Era pouco mais de meio dia. O senhor Herculano estava na fazenda Paraíso, com os trabalhadores, cuidando da plantação e do gado que já havia aumentado bastante e terminado de fazer as casas, conforme Dão havia ordenado, antes de partir.
- Dão, vai entrando com o pessoal, que eu vou desarrear os cavalos.
- Não Valdir, nós ainda vamos à fazenda depois do almoço.
Silvana abre a porta e cai nos braços de Dão.
- Meu amor, que saudades! Parecia que não ia mais chegar!
- Estou aqui querida, foi difícil, mas chegamos.
Silvana cumprimentou Liano e os demais que foram casa adentro. Joana recebeu Dão com um forte abraço, parecia que estava chegando um filho. Suely abraçou Dão dizendo:
- O que você trouxe pra cunhadinha?
- Se lhe disser que trouxe um amor, você acreditaria?
- É claro, afinal tudo que anda do seu lado é bom.
Dão percebeu que Suely ficou ainda mais feliz quando viu Tim entrando pela porta com sua pele tostada pelo sol do sertão. Ele demonstrava estar em busca de um amor.
- Aí está cunhadinha, o Tim - falou dão, com ar de sedução.
Suely cumprimentou o rapaz dizendo:
- Tim, bonito nome, eu gostei do nome.
Tim respondeu:
- Eu também gostei do seu, não só do nome como de você também. Afinal sua beleza não me deixa escolha, sinto vontade de, pelo menos, poder chamá-la de querida.
As demais pessoas conversavam entre si, agora estava tudo bem, a família nordestina reunida. Mas algo estava faltando para Dão, faltava o senhor Herculano, Dão gostava do velho, não podia deixá-lo fora da alegria e logo relatou:
- Valdir, vamos comer qualquer coisa e vamos buscar o velho, estou com saudade dele.
- Sim, Dão, eu também, vamos lá.
Silvana arrumou um pouco de comida e serviu para os rapazes, dizendo:
- Vai pra fazenda, bem?
- Vou querida - respondeu Dão, com carinho.
- Posso ir com você?
- Pode amor, mas não acha que seria melhor ajudar a mamãe? Afinal, tem muita coisa pra fazer, à noite estarei de volta, nós podemos namorar um pouco, mas não se esqueça que temos a vida inteira pra namorar.
- Você me convenceu Dão, tudo bem, estarei à sua espera.
Os rapazes se despediram dos demais e foram pra fazenda.
- É muito longe, Dão? - perguntou Tim, demonstrando cansaço.
- Não Tim, são uns quarenta quilômetros, antes do anoitecer estaremos lá!
Seguiram caminho e logo uns dez quilômetros adiante já estava dentro das terras de Dão, que relatou:
- Aqui Tim, começa aqui a fazenda. Comprei toda esta região, mandei fazer cinco casas e dividi a fazenda em cinco partes.
- Por que em cinco partes, qual o motivo?
- Não sei por que, Tim, mas tive esta idéia.
- Ah sim, estou percebendo, posso falar?
- É claro, Tim, afinal você é meu irmão, não imagina o quanto eu gosto de você.
- Você dividiu e cinco partes pensando da seguinte forma: uma pra mim e Suely, outra pro Valdir e a Bé, outra pro Liano e Naninha, outra pro senhor Herculano e a senhora Joana e finalmente, a última pra você e Silvana, não é isto mesmo?
- Certo Tim, pensei isto justamente quanto encontrei Silvana. Desde pequeno eu gostei dela, até hoje eu a amo e seria um prazer se nos casarmos com as duas irmãs e porque não, nossa irmã se casar com o nosso cunhado? Assim foi o que imaginei e se Deus quiser vai acontecer.
Dão falava porque sentiu que Valdir estava gostando de Bé, pois, durante a viagem deu para perceber a amizade.
- E será que Valdir gostou da idéia? - perguntou Tim, curioso.
- Se gostei, eu achei uma maravilha, afinal eu devo tanto a Dão, ele me fez ser gente, me deu tudo o que quis, até mesmo um amor, eu estou apaixonado pela Bé, só ainda não tinha dito. E você Tim, não gostou de Suely?
- Gostei cunhado, eu a adorei.
E os três rapazes juntaram os cavalos no caminho e gritaram: “Viva Mato Grosso” e o eco ressoou nas montanhas da fazenda Paraíso.
- Logo chegaram à fazenda Paraíso, Dão avistou de longe as casas construídas. Viu que o senhor Herculano tinha escolhido um ótimo lugar, as casas reunidas sobre forma de círculo se distanciavam uma das outras um quilômetro e, no meio do círculo, havia uma enorme lagoa com muitos patos, árvores e flores perfumavam o ambiente, nos fundos das casas tinham enormes invernadas com o gado branco, que pastavam ao longe, dando a impressão de um enorme rebanho de carneiros. Nesta hora, Tim olhando, disse ao irmão:
- É Dão, concordo com você. Este lugar é um lugar bonito.
Dão deslumbrado com a beleza, murmurou:
- Um Lugar bonito? Sim, Tim, este é um lugar bonito.
- Vamos acabar de chegar - gritou o senhor Herculano.
- Já vamos respondeu Dão, satisfeitos.
Desmontando do cavalo, Dão abraçou o senhor Herculano, pareciam ser pai e filho, separados há muito tempo.
- Pensei que não viesse mais, Dão, como demorou!
- O senhor está forte, fico contente senhor Herculano, como vão as coisas?
- Vão indo bem, já terminei de construir as casas, fiz muito pasto e o gado aumentou bastante, tive até de vender uns, pois o dinheiro acabou.
- Tudo bem, não fez mal, o importante é que o senhor deu conta do recado.
- Gostou do modo como eu fiz Dão?
- Gostei demais, ficou muito bom.
O velho cumprimentou o filho e disse:
- Esse não é o Tim? Como está diferente!
- Tim abraçou o velho dizendo:
- É senhor Herculano, o senhor também está bem diferente.
- Bem gente, vamos, pois está ficando tarde - falou Dão.
- Seu pai veio, Dão?
- Veio senhor Herculano, mãe e Bé também.
- Quem bom! Vai ser um prazer me encontrar com o meu velho amigo.
- Chegaram e já era tarde da noite, e passaram noite adentro conversando, e muitos dias se passaram de papo e mais papo. Tudo estava às mil maravilhas.
Os dias se passaram e Dão resolveu levar o pessoal à fazenda, pois já haviam descansado da longa viagem.
- Senhor Herculano, amanhã iremos todos à fazenda, vamos morar lá. Não vamos ficar aqui na cidade, nós somos do campo, vamos viver no campo.
- Certo, Dão, estou de acordo, e a casa da cidade, vamos vendê-la ou vamos deixá-la fechada?
- Depois vamos resolver isto, depois.
E no dia seguinte todos forma à fazenda Paraíso, ali chegando, Dão ordenou:
- Senhor Herculano, eu vou ficar com a minha família nesta casa da direita, o senhor pode ficar na casa da esquerda.
- Certo Dão, eu gosto mais deste lado aqui, era minha casa velha que aquele senhor Lourenço botou fogo, Agora estou de volta e em uma nova casa e muito mais feliz.
O senhor Herculano foi com a família para casa nova e Dão para a outra casa com o seu pessoal.
Quando entraram na casa, sua mãe falou:
- Dão, adorei a casa, ela é muito bonita, adorei!
- Fique a vontade mãe, ela é toda sua.
- Mas é mesmo muito bonito aqui - falou Bé, sentindo-se tranqüila.
- Cadê pai, Dão? - Perguntou Tim.
- Deve estar lá fora, vou vê-lo.
Dão saiu e foi ver o pai que estava olhando a lagoa com os patos. Chegando perto dele disse:
- E então pai? Gostou daqui?
- Gostei filho, é mesmo muito bonito, nunca pensei que fosse um dia encontrar um lugar deste, é muito bonito!
- Pois é pai, esta casa eu manei construir pro senhor, aquela ali pro senhor Herculano, esta do lado pro Valdir, a do lado da casa do senhor Herculano, pro Tim e aquela lá na frente pra mim.
- E eu, Dão, onde eu vou morar? - perguntou Bé, abraçando o irmão.
- Na casa do moço rico e você vai me dar lindos sobrinhos.
- Qual o moço rico, Dão?
- O meu cunhado, Bé, o Valdir.
- O meu cunhado também - respondeu Tim com alegria.
- Venho que todos vão casar na mesma família - argumentou Liano.
- É, seria muito bom - respondeu Naninha, sorrindo.
Mas Dão ainda não estava satisfeito, precisava arrumar mais dinheiro. Assim no desenrolar dos dias ele foi com Tim e Valdir participar de alguns rodeios, ganharam mais uma boa ponta de dinheiro, que deu pra arrumar o resto da fazenda. Comprou cinco casas na cidade e cinco mil vacas para cada uma das fazendas. Agora estava tudo bem, casa, gado, fazendas, mas ainda restava uma coisa. E esta coisa não podia deixa de resolver, era aqueles sacos de dinheiro na velha casa do senhor Herculano, o que fazer com aquilo? Então Dão resolveu comprar com o dinheiro, terras, gado e doar as famílias pobres, doar à igreja e aos necessitados em geral. No lugar da velha casa do senhor Herculano, Dão mandou construir um enorme casarão e batizou-o com o nome de “Abrigo dos Viajantes”, pois ali seria onde os viajantes iriam pernoitar sem nada pagar. Mandou abrir uma grande estrada onde era velha estradinha das travessias para as pessoas poderem viajar com tranqüilidade. Depois de tudo resolvido, Dão resolveu parar mais na fazenda pra dedicar-se mais a família e em especial à sua querida Silvana.
- Dão, ontem o Valdir me pediu em casamento - falou Bé pro irmão.
- E aí, Bé, o que você disse a ele?
- Puxa, mas como demorou!
- O que ele falou?
- Disse que estava esperando a hora.
- Pai já sabe disto, do casamento?
- Já, ele me falou ontem - respondeu Liano, satisfeito.
- E o senhor o que disse?
- Falei que seria um prazer.
- E eu fui lá pedir a mão da Suely ao senhor Herculano! - exclamou Tim.
- E o que o senhor Herculano falou? - indagou Dão curioso.
- Ele me disse que será um prazer ver sua filha casada comigo, que é de muito bom gosto.
- Eu estive conversando estes dias com ele - falou Liano.
- O que conversaram pai? - perguntou Dão interessado.
- Falamos de muita coisa, de como você os encontrou, parece que foi coisa de Deus, só coisa do Ser Divino.
- Ele falou pro senhor sobre como acabei com o senhor Lourenço?
- Contou, ele me contou.
- E o senhor acreditou nele?
- Acreditei afinal ele sempre foi meu amigo, nós fomos rapazes iguais vocês são hoje.
- Pois é eu esperei que ele mesmo te contasse tudo, pois sobraria apenas eu confirmar tudo, acho que fiz o que deveria fazer. Tim vá até a casa do senhor Herculano e avise a eles para que venham todos aqui, pois precisamos de nos reunir, temos uma coisa muito importante pra tratar.
Tim foi à casa do senhor Herculano e logo todos chegaram.
- Pronto, Dão, o que deseja da gente? Estamos à sua disposição.
- Senhor Herculano, eu pedi ao Tim para que lhe chamasse porque tive uma fabulosa idéia.
- E que idéia é esta?
- Bem, eu saí de casa à procura de um lugar bonito. Onde pudesse viver em paz. Andei, andei até encontrei um lugar assombrado, habitado por serpentes, mas matei as serpentes e aí seguindo caminho. Mas logo encontrei um amigo, junto ao amigo um amor, falei ao amigo do lugar bonito, ele me alertou que aqui tinha muitas fazendas bonitas, então percebi que era aqui o Lugar Bonito. Procurei resolver os problemas e estamos todos juntos no Lugar Bonito, mas eu gostaria de contar a todos quais eram as serpentes que habitavam este lugar e como acabei com elas.
Então Dão contou tudo que aconteceu.
- E agora que todos estão cientes, eu gostaria de mudar de assunto - relatou Dão colocando a mão no ombro de Silvana e dizendo:
- Está perto do natal, que tal a gente fazer uma grande festa? E pra tornar esta festa mais bonita e este lugar mais bonito, festejaremos os três casamentos.
Ninguém esperava que Dão fosse tão longe.
- E então, o que acham? - indagou Dão, surpreso.
- Eu acho uma boa - relatou o senhor Herculano, satisfeito.
- Eu também - confirmou Liano.
- Quanto tempo eu esperei por isto! -falou Joana às filhas.
- Vai ser uma festa tão bonita! - exclamou Naninha.
- Este cunhado me mata! - brincou Suely, abraçando Tim.
- Vai ser ótimo, Dão, eu gostei.
- É Valdir, vai ser mesmo - respondeu Dão, sorrindo.
- O que posso dizer, Dão, é muito obrigado - relatou Bé sorrindo.
- E você amor, não diz nada? - perguntou Dão a Silvana.
- Estou te ouvindo, pra mim é tudo.
- Então estamos combinados, gente.
Por instantes, eles ficaram se olhando e conversando, apreciando o pôr-do-sol no Lugar Bonito, situado no alto da Serra do Araguaia, onde tudo que se via ao redor eram as belas florestas verdes e montanhas azuis, além das grandes pastagens, onde o gado se perdia na distância e cavalos corriam em desafio. Assim aquele final de ano foi uma grande festa na cidade, os três se casaram e foram morar na fazenda Paraíso, o Lugar Bonito, tão deseja do por Dão, que ali vive em paz com Silvana seu grande amor. E quando ao longe. Dão vê as casas de todos os seus entes queridos, também vivendo em paz naquele lugar tranqüilo, sente-se feliz por saber que a mão sábia da Mãe Natureza acaricia com suas brisas perfumadas o Lugar Bonito...
FIM
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