sábado, 29 de abril de 2023

Um Homem Bem Vestido João Rodrigues

 UM HOMEM BEM VESTIDO

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Certa vez, um homem de uns trinta e cinco anos aproximadamente, cansou de tanto sofrer, lutando, e a dura sorte nunca lhe sorriu sequer uma vez na vida. Já naquela idade, tinha apenas seu pai, sua mãe, que viviam num pequeno casebre, construído num pedaço de terra, que tinha de herança do seu avô. Eles dividiam ali a infelicidade daquele homem. Um dia, no entanto, aquele homem saiu cabisbaixo, e seguia uma estrada, deixando que os seus pés açoitassem a areia nas suas costas através das suas alpercatas de couro. E ele seguia, até que quando passava em frente a um cemitério, onde ele entrou e devido o silêncio que existia ali, ele gritou batendo palmas:

            - Ei pessoal!  Vamos levantando aí, preciso de ajuda.  Eu preciso de vocês.

            Naquele momento o silêncio foi quebrado com as palmas e os gritos daquele homem, e nada de especial aconteceu. Como já era de se esperar, quem iria se levantar ali! Naquele cemitério. Ali naquelas covas onde estavam sepultados os que tinham morrido, quem! Ninguém se levantou. O homem então, triste, virou as suas costas, e cabisbaixo seguiu para ir embora, foi aí quando olhou no portão por onde entrou e que agora ia embora, viu ali um homem muito bem vestido em  pé. E logo ele lhe perguntou:

            - O que deseja com o meu pessoal?

            O homem miserável assustado disse:

            - Seu pessoal?

            - Sim, deste portão para dentro, todos os que vivem aqui pertencem a mim. Aqui é o meu reino. Eu sou o dono dos mortos. Eu sou o rei dos mortos.

            O homem miserável ficou pasmado, olhando para o rei dos mortos e em seguida disse:

            - Cara! Como você está tão bem vestido. Quem é você de verdade?

            O homem bem vestido falou:

            - O rei dos mortos.

            - Sim, isso você já disse. O que quero saber  mesmo é o seu nome.

            De modo que o homem bem vestido com um estranho olhar disse:

            - Por que se preocupa tanto com o meu nome? Não seria melhor  se preocupar com você? Não seria melhor saber primeiro quem é você do que sair por aí se preocupando com outros?

            - Tudo bem senhor bem vestido. Eu preciso mesmo é de ajuda.

            - Que tipo de ajuda?

            - Nunca consegui nada na minha vida. Nunca consegui ninguém para viver comigo.  Nunca consegui um lugar para eu viver...  O que eu mais quero é ter um lugar para eu viver, ter uma  família,  ter  filhos, ter uma casa para eu morar. É só isso que desejo, nada mais...

            O homem bem vestido então disse a ele:

            - Tudo bem moço, eu vou te ajudar. Uma vez que você veio procurar pelo meu pessoal, eu vou te ajudar. Amanhã cedo você monta aquele cavalo troncho que te restou, e vai para a feira, que eu vou te ajudar.

            E assim que aquele homem bem vestido parou de falar, desapareceu ali na frente daquele senhor que nunca tinha conseguido nada na vida. De modo que o homem miserável ficou preocupado e indeciso, No entanto gritou:

            - Ô cara! Você sumiu...

            E o homem miserável voltou para sua casa pensativo, e ali, olhava para o seu pai, velho e pobre, junto de sua mãe também miserável. Via ao longe o velho cavalo troncho que pastava naquela terrinha que ainda restava, e que foi herança do seu avô. Via também o seu pai deitado num banco de aroeira como se fosse o próximo hóspede daquele cemitério. O sol começava a se por e nada tinha para comer naquela noite que parecia ser longa e triste. E quando ela, a noite chegou, ele pensativo, deitado na sua cama de vara, via pela fresta do velho telhado as cintilantes estrelas no céu. Ele até tentava contá-las, e ao mesmo tempo ouvia em sua mente a promessa do homem bem vestido. Até parecia que algo importante lhe fazia pensar que talvez tivesse a partir daquele dia, uma vida diferente, mesmo sendo proposta por um ser que se dizia ser o dono do reino dos mortos. E ele dormiu, entregando o seu corpo ao sono, lá na pobreza do sertão, à espera do novo dia. Pois logo veio, com o seu sol brilhante e radiante, incomparável a qualquer coisa do homem. Um dia lindo e notável. Já lá pelas dez horas da manhã. O seu cavalo troncho lhe acordou com o relincho cheio de esperança, e como se alguém Já estivesse montado nele. De modo que ele se levantou e pegou os seus trapos e os colocou sobre o lombo daquele cavalo velho e troncho. Aquela sela velha, aquele brida enferrujada, e tudo que lhe restava já era de se jogar fora. Montou então no velho cavalo troncho e se foi,  despediu-se  do seu pai e da sua mãe, que nem sequer responderam-no, pois viviam tristes por terem um filho que não serviu para nada. Que não conseguiu nada na vida. E lá se foi, rumo ao destino que o homem bem vestido lhe mandara. Ele ia caminho afora. O vento assoprava a poeira, e o rastro do cavalo desaparecia no pó da areia fofa do sertão. Ele ia na esperança de que algo fosse realmente mudar em sua vida. Já lá bem distante, quando numa curva da estrada, ele encontrou com uma caravana de ciganos, que montavam lindos cavalos. E um velho cigano, com aqueles dentes brilhantes de ouro,  disse:

            - Que lindo esse cavalo. Quanto tempo vivo a procura por um cavalo como esse. Esta é uma raça rara. Tem apenas um pequeno senão na orelha. Quero comprar o seu cavalo. Dou-lhe quatro cavalos em troca do seu.

            O homem miserável ouvia o que o cigano oferecia já de início quatro cavalos por aquela coisa que ele tinha. Aquele cavalo velho não valia sequer um décimo de qualquer um cavalo daquele cigano. E de repente ele atirou os olhos para o lado da estrada, e viu ali no pé de um arvoredo o homem bem vestido estava e lhe apontando a sua mão mostrando-lhe os cinco dedos. Aquele homem miserável olhou para o velho cigano que sorria com aqueles dentes de ouro, e assim falou:

            - Só faço com o senhor o negócio, por cinco cavalos.

            O cigano então disse para ele com muita alegria:

            - Pode então escolher os que você desejar. Escolha lá aquele alazão fronteira, está arreado com aquela sela nova. Filho tira esta sela velha do meu cavalo.

            Assim o homem miserável escolheu os quatro lindos cavalos, e aquele arreado  que  o  cigano tinha sugerido. De modo que ele  montou naquele cavalo arreado com aquela linda sela com peitorais de prata.

            - Seja feliz senhor. Seja feliz...

            Argumentou o cigano vendo a alegria que aquele pobre homem sentia quando seguiu montado no cavalo alazão fronteiro e tocando os outros quatro cavalos em sua frente. Agora o pobre homem que não conseguia nada, já tinha cinco cavalos. Agora ele era um homem diferente. E quando seguia na estrada, inesperadamente ele olhou para um lado e para o outro e não via o homem bem vestido que estava no pé do arvoredo. O que ele mais queria agora era poder encontrar com homem bem vestido e dizer a ele:  

            - Obrigado meu cara, agora eu tenho cinco cavalos, tenho uma sela nova...

            De modo que quando ele olhou para os cavalos que tocava em sua frente, assustou, pois tinha um homem bem vestido montando em cada cavalo. Naquele mesmo instante ele falou:

            - Cara, você se multiplicou! Você se multiplicou. Você agora... São quatro.

            Da mesma forma que o homem bem vestido apareceu, desapareceu sem sequer deixar vestígio. Assim a tristeza misturada com a alegria, pairou sobre a mente do homem miserável que seguia estrada afora, e acabou por cantar uma canção:

            - Nasci num mundo cruel. Filho de um pobre senhor. Não tive nada na  vida. Aprendi a lidar com a dor. Entrei em um cemitério. Pedindo ajuda ali. Surgiu alguém. Que agora me faz sorrir. Ei ei ei ei tenho certeza que agora não. Ei, ei, ei, do meu futuro agora nada sei. Ei ô!... Ei lá...  Ei lá.

            Assim aquele miserável começava a cantar pela vida. Vida essa que agora parecia sorrir para ele. Pois, já dono de cinco cavalos, tudo parecia ser diferente a partir dali. E o seu passo largo fez com que acompanhasse um fazendeiro que levava consigo uma carruagem de algodão, composta com duas  juntas de bois. Logo que ele passava pelo fazendeiro:  

            - Bom dia senhor? Tudo bem?

            Agora ele já podia cumprimentar alguém. Agora ele era um homem de negócios. Agora ele parecia ser uma outra pessoa... Parecia ser... De maneira que o fazendeiro disse:

            - Que lindos os seus cavalos!

            - Vamos trocar? É prá negócio...

            Agora aquele homem miserável já era um homem de negócio. No entanto o fazendeiro falou:

            - Vamos trocar? Eu te dou esta carruagem em troca dos seus cavalos.

            - Não senhor. Dou-te um cavalo por a sua carruagem.

            - Este cavalo arreado?

            - Negócio feito senhor. Negócio feito...

            O fazendeiro se foi montado no seu lindo cavalo, e o homem miserável amarrou os seus quatro cavalos atrás da carruagem e montou no cabeçalho da carruagem e gritou:

            - Ei boi...

            O carro cantava como se fosse um acompanhamento de uma orquestra  muito especial, que tinha como regente o coração daquele homem. Aquele homem miserável, que agora já tinha quatro cavalos, quatro bois, e um carro carregado de algodão. Aquele homem estava verdadeiramente encontrando com a tal da felicidade que até então não sabia o que era isso. Sem querer ele olhou para o algodão que formava uma montanha nas suas costa e ali pode ver um turbilhão de miniaturas do homem bem vestido. Que espantado ele gritou:

            - Você se multiplicou demais cara!

            O homem bem vestido falou de uma maneira sincronizada:

            - Eu falei que ia te ajudar...

            E assim sumiu de novo. O certo é que aquele dia, aquele homem miserável voltou para sua casa já à tardinha, tocando em sua frente, cento e cinqüenta bois. Já era dono de cavalos, dono de burros, dono de muito dinheiro, e já tinha até empregados. E daquele dia pra frente, o homem bem vestido desapareceu de vez. De sorte que aquele homem miserável se tornou milionário. Dez anos depois, ele já era dono de muitas fazendas, já tinha esposa, filhos, e num domingo à tarde, ele estava deitado numa rede armada na varanda de uma das suas mansões, que tinha nas suas Fazendas, brincando ali com o seu filho caçula, enquanto olhava o gado que malhava no pátio, e foi que os seus olhos viram o homem bem vestido assentado no mourão da porteira. Por instante ele ficou triste e ao mesmo tempo não sabia como se comportar. Logo, no entanto, ele pulou da rede e gritou olhando para o homem bem vestido que vinha vindo em sua direção:

            - Você sumiu cara!

            O homem bem vestido então se aproximou dele, dizendo:

            - Não. Eu não, pelo contrário. Eu sempre estive do seu lado. Você é que se esqueceu de mim.

            - Que é isso cara. Você é que sumiu mesmo.

            - Não. Você deve estar enganado. Você se esqueceu de mim.

            E o homem bem vestido lançou a sua mão para um lado e fez surgir um cenário, nele estava o homem miserável que dizia:

            - Aí velho idiota. Você disse que eu nunca ia ter nada em minha vida. Aí está o meu gado, consegui com os meus próprios esforços.

            - Viu o que você falou com o seu pai naquele dia que você chegou da feira, tocando cento e cinqüenta bois. Humilhou o velho que morreu de tristeza. Hoje ele é meu hóspede. Praticamente você o matou com aquela humilhação. Viu.  Eu estava naquele dia lá do seu lado. Porém naquele instante, o homem miserável que agora era rico e poderoso, disse ao homem bem vestido:

            - Você está inventando tudo isso! Por que é assim. Os ricos são assim. Mentirosos, hipócritas, safados, pilantras. Nunca ouvi dizer que um rico prestasse para alguma coisa. Os ricos são as piores coisas que existem na terra. São assassinos. São apenas eles, os malditos ricos que tem razão. São cobertos de justificativas. São armadores do mal. São eles os donos da verdade. Só eles, os desgraçados que infernizam as pessoas. Pois estava ali na frente do homem bem vestido um rico desgraçado que ele mesmo o fizera, um rico desgraçado, um rico infernal, desses que habitam muitos lugares no mundo, desses malditos que vivem por aí escravizando as pessoas, pagando a elas a migalha do salário mínimo, desses que vivem aí humilhando os outros, desses que acham são poderosos esses malditos que roubam daqueles que trabalham para eles. Lá estava na frente daquele homem bem vestido, uma cópia fiel de um maldito rico. De modo que o homem bem vestido falou para o rico miserável:

            - Viu você? Olha aí. Dizendo agora. Afirmando a sua hipocrisia. Veja no cenário do dia que você se casou, olha, estou lá do seu lado, está vendo? Você nem se lembrava de mim. Quando eu te dei a esposa que você tanto queria, olha aí quando nasceu o seu primeiro filho. Veja lá, estou novamente do seu lado, você nem sequer se lembrou de mim. Lembra-se quando abriu a primeira conta no banco?  Você humilhou aquele gerente, invadindo a cidade com cinco mil bois. Quem tocava o gado era eu. Não seu hipócrita, você é que se esqueceu de mim. Dei-te tudo isso e simplesmente você se esqueceu de mim.

            De modo que o homem miserável olhou para o homem bem vestido e disse:

            -Tudo bem, propõe um acordo, fala quanto é que você quer. Eu posso te pagar pelo o que você fez por mim. Nós não combinamos nada no passado, você disse que ia me ajudar, muito obrigado, estou muito feliz. Você me ajudou sim. Concordo que você me ajudou, por que se não fosse você eu não estaria onde estou, Porém, não vou dar a você todo o mérito, não. Por que fui eu que trabalhei. Fui que cuidei de tudo. Eu não te vi. Eu não sabia que você estava invisível do meu lado. Eu não sabia. No entanto eu posso te pagar. Quanto é que você quer?

            O rico miserável pegou a sua maldita carteira que estava cheia de cédulas e talões de cheques, pois tinha contas em todos os bancos. Em seguida disse ao homem bem vestido:

            - Quanto é que você quer? Diz que te pagarei.

            Com um sorriso estranho, o homem bem vestido falou:

            - Rá rá rá. Isso aí? Fui eu que te dei. Não estou aqui para isso. O que eu quero mesmo não é isso.                         Nervoso o rico desgraçado falou:

            - Então diz o que você quer seu desgraçado. Fala seu maldito.

            O homem bem vestido fez com que ia embora e de repente voltou olhando para o rico miserável com aqueles enormes olhos de fogo e com uma voz horrível e infernal, dizendo:

            - Olhe para mim. O que eu quero é o Juninho. O que me interessa é a alma do Juninho.

            O rico miserável ao ver aqueles olhos horríveis, e aquela voz infernal, disse:

            - Não. Meu caçula! Não. Você pode levar todos. Minha mulher, meus outros filhos. Meu caçula, não. Este é meu Juninho. Este não irá com você.

            - Não. Não vou levar os outros.

            De maneira que o homem bem vestido continuou dizendo:

            - O que me interessa é o Juninho. Que é justamente ele que você ama. Você é um maldito. Você nunca amou ninguém. Você nunca amou nem a si próprio. O Juninho sim, esse você o ama.  O Juninho você ama ele de todo o seu coração. É ele que me interessa. Eu quero o Juninho.

            O rico desgraçado então se encostou ao punho da rede e olhou o seu filho que dormia tranqüilo como se nada estivesse acontecendo ali, em seguida disse:

            - Não cara, este eu não te dou, este é o meu Juninho, não, não te dou.

            De modo que o homem bem vestido falou:

            - Está certo. Já que é assim eu vou embora. No entanto, pode ter certeza de que eu vou voltar isso sim, eu vou voltar. E quando eu voltar, tudo estará diferente.

            E assim que o homem bem vestido falou, sumiu chão adentro. Deixando apenas a presença invisível de um ar estranho na frente daquele rico desgraçado. E agora! O que será que aquele maldito rico. Aquele desgraçado, o que será que ele iria fazer? E assim ele fez o que todos os malditos fazem, os malditos ricos fazem. Deu um sorriso mal feito para o ambiente, entrando na sua casa como se nada tivesse acontecido, simplesmente nada, e continuou a sua vida. Só que quando passou da meia noite, um grande vento assoprava as suas terras e junto com ele vinha muito frio, este, vinha misturado com uma chuva estranha que quando os seus pingos tocavam nas coisas, tudo começava a se desfazer como se as coisas daquele maldito fossem apenas uma pintura com uma tinta fraca que ia se transformando em nada. E já no dia seguinte, as notícias que chegavam não eram das melhores. De cada uma das suas grandes fazendas chegaram mensageiros que com os seus olhares entristecidos e temerosos não se envergonhavam de dizer:

            - Chefe! Uma coisa horrível chefe. Nunca vi coisa igual chefe, tudo amanheceu morto na fazenda...

            Enquanto um mensageiro relatava, chegava outro que também  dizia:

            - Não compreendo chefe, o gado não amanheceu no curral! E o pior chefe, é que as porteiras estavam fechadas...

            Cada relato parecia ser algo que só tinha uma explicação. De maneira que o rico miserável disse:

            - Sei o que está acontecendo. Eu sei o que é...

            O maldito e desgraçado rico saiu de pertos dos mensageiros e foi andando rumo a uma grande plantação de milho, milho que já estava quase no ponto de colher. E para a sua surpresa, quando nele tocou, em apenas uma das espigas, o que existia ali era nada mais do que pó, Simplesmente pó. Aquele rico miserável começou a tocar em muitas espigas, conferindo assim se algumas delas ainda podia servir, no entanto nada adiantou, pois todas eram pó. E ele gritou:

            - Não! Não posso compreender, eu não mereço...

            Seu grito parecia não ser ouvido por ninguém. Pois não tinha ninguém ali. Todos que entraram com ele naquela roça se transformaram em pó. Um pó estranho, mas era um pó. Um tipo de pó diferente de todos que aquele idiota já tinha visto. Com isso ele foi para sua mansão e lá estava prostrado nas camas cada um dos que moravam ali. Esposa, filhos, e empregados. Todos deitados com uma única exceção do Juninho. Este estava ainda dormindo como se estivesse esperando o seu momento de acordar. Lá no coração daquele estranho senhor parecia que nada mais tinha restado. Na verdade parecia que nele nunca teve nada. Mais aquele dia era um dia de plena certeza de que não tinha nada, nada mesmo no coração daquele rico desgraçado.

            Pois como já estava naquela situação, ele foi procurar acertar as coisas ao seu modo. Foi para a cidade e levando consigo os que ainda estavam vivos. O certo é que um ano mais tarde aquele rico desgraçado já não existia. O que tinha agora era o pobre miserável. Porém, desta vez, ele não tinha mais pai, não tinha mãe, nem mesmo o velho cavalo troncho. Agora só restava ele e o seu filho Juninho. A esposa já tinha morrido, e junto com ela os seus outros filhos. Os empregados que não morreram abandonara-o. As fazendas foram vendidas para gastar com a saúde dos que morreram e nada restou, além disso. E não lhe restou nem mesmo um palmo de terra para que ele pudesse dizer:

             - Isso aqui é meu!

            E ele já morando num pequeno quarto de pensão, e já assim com o aluguel atrasado. E numa maldita noite ele assentado nos pés da cama olhando ali o seu filho dormir. Ao levantar os seus olhos viu que o homem bem vestido estava também olhando o Juninho dormir, pois até lhe falou:

            - Ele é lindo, não acha?

            - Por que apareceu de novo?

            - Vim buscar o Juninho. Já que tirei tudo de você. Pois tudo que você tinha era meu. No entanto se você me der o Juninho, eu então lhe darei tudo de volta, porém, dessa vez em dobro.

            O pobre miserável disse:

            - Não, não dou.

            Naquele momento o homem bem vestido lançou a sua mão para a parede do quarto e num instante mágico ele o pobre miserável, pôde ver um quadro que o homem bem vestido descrevia dizendo:

            - Está vendo aí, a sua esposa, ela já morava lá naquele cemitério quando você foi lá à procura de ajuda. Ela já era minha hóspede. Ela já era morta. Naquele dia, depois que você saiu eu a fiz viver de novo lá na família dela como se fosse um sonho. E assim você a conheceu e se casou com ela. Porém, você nunca a amou. Mas, não tinha problema, ela já era morta mesmo, não faria nenhuma diferença. E os outros filhos seus que já morreram, não eram filhos seus. O único que é seu filho é o Juninho.

            No momento de embaraço o homem miserável relatou:

            - Então, na verdade  você me enganou!

            Gaguejando o homem bem vestido disse:

            - Bem, não, não vamos dizer que te, te enganei. Você é o, o próprio engano. Você é mentiroso, é hipócrita, Você é maldito, você nunca prestou para nada. Então tudo que lhe fiz, não iria fazer sequer diferença para você. Pois você é a própria maldade. Você é ruim, me arrependo de ter feito coisas boas a você. Fui muito errado por colocar patrimônio em suas mãos. Fiz você dar um fruto que agora me nega. Esse fruto foi para que você pudesse melhorar, para que você pudesse amar alguém. Aí então, chegou o Juninho. Esse você o ama de todo o seu coração. E é ele que eu preciso.

            O homem miserável disse ao homem bem vestido:

            - Não, não farei isso. Não lhe dou o meu Juninho. Por que não me leva,  e deixa o meu filho em paz?

            Com um estranho sorriso o homem bem vestido respondeu:

            - Levar você! Para que você serve? Você cara, você não serve para nada, simplesmente nada. Tipo como você lá no reino dos mortos são recusados. Até mesmo os vermes vão te recusar, você é uma coisa horrorosa, você é uma coisa nojenta. Nem a terra gostaria de ter você, você é um monstro. Nem mesmo o inferno te deseja. Não cara, não quero você. Eu quero o Juninho.     

            O homem miserável gritou assustado:

            - Não, você não vai levar o meu Juninho...

            Naquele momento o homem bem vestido desapareceu. Já era tarde no dia seguinte, e as pessoas da pensão ouviam o Juninho chorar... Quebraram a fechadura da porta do quarto e ali encontraram o menino chorando do lado do corpo do pai que estava morto. Perto dele havia uma carta, que dizia:

            - Nunca procure ajuda entre os mortos, não, não faça isso. No reino dos mortos não é lugar para procurar ajuda. Por pior que estiver a sua vida, ainda é melhor do que no reino dos mortos.  Eu sei que errei em ir procurar ajuda justamente em um cemitério. Um lugar onde foi feito para residir os mortos. Sei que eu estava na miséria, fiquei rico, voltei a ser um miserável. Sinto que de nada adiantou. Agora estou escrevendo essas linhas, logo depois poderei descansar da minha agonia. Poderei ir para um mundo desconhecido. Sou um covarde, um fraco. Porém, quem sabe eu vim ao mundo para poder contar esta história. Para poder viver na pele este pesadelo. Olhe! Se você acha que fiz por onde merecer isso, você está enganado, deve ter sido algo dos céus ou do inferno, o que eu acho que deve ter sido desse último, pois foi duro viver.

     Quanto ao meu filho, prefiro deixá-lo nas mãos de Deus. Nem sei se devo, Pois Ele nunca fez nada por mim. Ou fez, já não sei mais. É duro viver na dúvida. No entanto, não dei o meu filho para o homem bem vestido. Se puder dar uma força para ele, desde já, o meu muito obrigado. Assinado. Joel.

 FIM 

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