sábado, 29 de abril de 2023

O Vício João Rodrigues

 O VÍCIO

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Era sempre um companheiro que estava do meu lado, até me parecia um cara legal. Sempre que me vestia a roupa tinha de se adequar a ele, junto dele junto o acessório que lhe dava vida em meus lábios. Era estranho, parecia não poder viver sem ele e o seu acessório.

            - Você tem um cigarro, amor?

            Além de dar a ela o tal companheiro eu tinha que usar o seu acessório e quando eu mesmo acendia o cigarro em sua boca me sentia como um idiota, não conseguia saber o exato motivo de me sentir assim, mas eu me sentia o maior idiota da terra. 

            - Você está com algum problema querido?

            Olhei em seus lindos olhos castanhos que pareciam me filmar e disse:

            - Só estou pensando numa coisa...

            - Que coisa?

            - Já imaginou como seria a gente sem esta coisa entre nós dois?

            - Que coisa está se referindo, amor? – me indagou ela com aquela voz que mais parecia de uma coisa encantada, que me fazia mudar o mundo por ela.

            Pensei um pouco e depois pronunciei com muito cuidado...

            - É o seguinte, querida: Sei o quanto te amo, daria tudo pra te fazer feliz, contudo uma coisa está me entristecendo.

            - Pode me dizer o que tanto te incomoda, amor?

            - O vício, querida. Esse nosso vício.

- Não sabia que ele te incomoda tanto, nunca me disse nada, sempre pareceu pronto para me servir quando te peço um cigarro...

            Enquanto ela falava daquele jeito incomparável, a minha mente vagava à procura de o porquê do meu coração estar aflito com aquilo tudo.

            - Tem calma meu bem, mas pode me dizer o que pretende fazer.

            Meu desejo era que aquela coisa ficasse longe de nós dois, eu queria saber como seria o seu beijo livre daquela coisa dos fracos, aquela coisa nojenta por nome de nicotina, queria saber o sabor daqueles lábios corados que eu tanto beijava, era isso, de modo que relatei:

            - Sabe meu amor, gostaria tanto de que você e eu parássemos de fumar, fico imaginando como seria bom, que gosto teria o teu beijo, sem esta coisa entre nós dois...

            Sei que ela como se estivesse em outro mundo me olhou friamente e disse:

            - O que pretende fazer?

            Viu o formato de pergunta? O que pretende fazer, já não usou a palavra meu amor. Pois é isso, essa coisa dos fracos, esta coisa nojenta chamada cigarro estava entre ela e eu. Antes falávamos de outras coisas e ela sempre falava meu amor, isso era muito confortante, me fazia sentir realizado, até me dava à impressão que ela era uma coisa minha, eu até falava entre os meus amigos, a minha namorada, fazia questão de exibir as nossas fotos, eu era feliz com ela, feliz de verdade. Mas eu então falei:

            - Vamos nos separar desta coisa nojenta.

            Tomei em minhas mãos o maço de cigarros e o isqueiro e em seguida os joguei logo ali no cesto de lixo que estava perto de nós lá no alpendre da linda varanda da casa dela no alto daquela montanha na zona sul.

- Já que esse é o sei desejo amor, está tudo bem.

            Notei que ele não demonstrou muita preocupação com a minha atitude, me deu um caloroso beijo e com um tom de sentimento relatou:

            - Tem mais alguma coisa que te incomoda ou sou eu o seu incomodo, quando me conheceu eu já fumava e você também já fumava...

            Senti que ela falava com algo estranho em sua voz que até demonstrava ser outra pessoa, de modo que falei:

            - Você jamais me incomodaria meu amor, estou completamente apaixonado por ti, jamais me incomodaria.

            Quando acabei de falar ela voltou a dizer:

            - Tem mais alguma coisa?

            - Sim querida, se por acaso algum de nós voltarmos a colocar esta coisa nojenta nos lábios tudo estará acabado entre nós.

            Não sei por que falei aquilo, mas já estava dito, não tinha como voltar atrás, estava dito. E com um ar de superioridade ela relatou:

            - Por mim tudo bem...

            E caiu em meus braços como se fosse eu uma criança e ela a minha linda boneca de carne e osso revestida de amor e paixão, movida por um controle remoto chamado desejo...

            De sorte que os dias foram passando eu o nosso amor foi crescendo cada vez mais. Tudo aquilo que eu imaginava a respeito do vicio e estava certo. Agora era maravilhoso, o sabor do beijo dela era incomparável a qualquer coisa por mais saborosa que fosse o seu beijo ainda era melhor, a mais perfeita culinária ainda não fazia páreo para aquele gosto que era encontrado nos seus lábios agora distantes daquela coisa nojenta chamada nicotina. Eu estava verdadeiramente feliz...

            - Notou que depois que paramos de fumar estamos mais juntos, mais calmos, mais felizes! – exclamou a minha linda Anita.

            - Sim, meu amor, eu sei que o sabor do seu beijo é incomparável a qualquer outra coisa por mais deliciosa que seja o cheiro que exala do seu corpo ainda é superior que mil rosas reunidas...

            Anita estava mesmo muito feliz, eu até já estava pensando em pedir a mão dela em casamento, pois estava chegando os pequenos três anos de namoro, pequenos por naturalidade, pois eu não via o tempo passar quando ficava perto dela, a vida com ela era como se fosse estar mergulhado num mundo encantado. Ela, no entanto não demonstrava nenhuma ansiedade, era uma pessoa tranqüila, parece que veio ao mundo para ser feliz, ou quem sabe confiava na sua beleza.

            - Sabe Adão, não sei o que está acontecendo comigo, às vezes sinto que você está indo embora.

            - Não entendo Anita, o que está querendo dizer, agora a pouco disse que estamos mais juntos, agora vem com essa de que me vê indo embora. 

            - É a vida Adão, a gente sente coisas e não consegue explicar, pois é isso que faz a vida ficar assim tão especial como ele é.

            Sei que me despedi de Anita naquela noite e fui pensando na estranha conversa que tivemos, nem mesmo dormi a noite, me deu até vontade de colocar aquela coisa nojenta em minha boca, foi difícil resistir, mas resisti...

De modo que dia seguinte eu mal esperei a hora de ir ao seu encontro, foi quando encontrei com ela em frente a sua casa dentro do carro de um homem e com aquele maldito cigarro entre os seus dedos, ela sorria feliz. Nem parei o carro e nunca mais toquei nesta coisa nojenta que me fez perder a única mulher que amei.               

 

FIM

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