sábado, 29 de abril de 2023

O Último Dia João Rodrigues

 O ÚLTIMO DIA

 

JOÃO RODRIGUES

 

 

Depois de um longo dia

De trabalho e ilusão

Perdido no desespero

De o nada conseguir

Eu como todos os homens

Sem saber aonde chegar

Tentando me encontrar

Na calmaria do tempo

Sendo tocado pelo vento

Sem fronteiras a vagar,

 

Do continente ao mar

No cosmo da existência

Tentando a sobrevivência

Sob o sol ardente,

 

Arrastando pelo chão

Carregando um coração

Num peito amargurado

Amando sem ser amado

Pela mente governado

E a ilusória razão,

 

Assistindo mais um dia

Casualmente indo embora

Todo cristão chora

Distante do seu lugar,

 

Que se quiser tem que pagar

Para sorrir ou chorar

Sempre com o cifrão

De uma moeda qualquer,

 

Seja homem ou mulher

Até mesmo para falar

Ou pra sentir o calor

Da comida o sabor

Até que muitos provaram

Nem se sabe se gostaram

Pois ninguém falou

Emudeceram no tempo,

 

Ali eu estava

Num quarto de pensão

Que me sentia distante

Distante não sei de que

Pois qualquer lugar se vê

Limites na imensidão,

 

Onde a mente vaga, vaga

Procurando encontrar

Para poder firmar

Meu corpo sobre a cama

Começando mais um drama

De um espírito sofredor,

 

Cumprindo sua missão

Num mundo bem diferente

Onde vagueia contente

O seu ser do sonho

Alegremente a correr,

 

De modo que pude ver

Meu espírito chorar

No momento que acabava

O mundo em explosão,

 

Sei que fui escolhido

E conduzido por alguém

No meio da confusão,

 

Recordo da impressão

E expressão de terror

No meu rosto de horror

Era vista com alegria

Ao sentir que me tocava

Porém eu não via

Nem mesmo podia andar

O meu corpo a vagar

Dava-me satisfação,

 

A voz dizia venha

Eu ia entristecido

Sentia o meu corpo doer

Vagando nos labirintos

Que se perdiam a distância

Onde a terra partiu,

 

Nas suas paredes tinham

Casas onde cantavam

E no que sobrou da terra

Aos pouco o fogo queimava,

 

Nas grandes rachaduras

Escurecidas eu via

Pelas nuvens que cobriam

Junto ao fogo que queimava

Das pessoas o sentimento,

 

Mas eu gostaria de ver

Sem pernas não podia ir

Comecei a sorrir,

 

Alguém sem olhos falou

Num idioma diferente

Sua boca não tinha dentes

Do seu nariz o lugar

As pernas pequenas e tortas

Até dava a impressão

De um grilo andante

Com a cauda de ferrão,

 

Do lado das suas orelhas

Nasciam chifres envergados

Seus cabelos de goma

O andar desajeitado,

 

Não sabia o que falava

Nem o que podia ser

Porém eu imaginava

No meio da confusão

Que ele queria explicar

Algo ao meu favor

Mas só me restava à dor,

 

Logo ouvi um grito

Parecia de um vaqueiro

Montava cavalo ligeiro

Embalado numa canção

Os seus cascos tocavam

Estridentes pelo chão,

 

E ao saltar os abismos

Até formava penumbra

Pois parecia voar

Escondia-se na fumaça

De longe eu ia ouvindo

Quando o homem gritava,

 

Quando vi as minhas pernas

Estavam com pés de cavalo

Calçados de ferraduras

De uma marca principal,

 

E eu desajeitado

Andava na multidão

Parecendo ser um senhor

Um respeitado patrão,

 

Que via nos empregados

Um olhar de terror

Ao falar em acerto,

 

Com medo de ser mandado

Ir embora para sempre

Ficando desamparado,

 

No cuida de garantir

Cada um sua posição

Vi naquelas pessoas

A busca sem solução,

 

Pois se transformavam

Em pedaços de gente

Em cada violenta explosão,

 

Que vinha de dentro da terra

Onde a vida encerra

Com o luto imperador

Em casa de oração,

 

Ou honraria de senhor

Poderoso e valentão

Famoso conquistador

Assassino de nossos sonhos

De conseguir ser alguém

Na estrada do viver

Na porteira do destino

Quando se encontra fechada

Selada por sua mão,

 

Logo comecei a correr

Em grande velocidade

Nem sentia minhas pernas

Sem braços e sem razão,

 

Tinha medo de encontrar

Alguém pelo caminho

De trombar e espedaçar

Mas nada acontecia,

 

Vi minha mente vazia

Não tinha o que pensar

Futuro não existia,

 

Pois todos gritavam

Que era o último dia,

 

Dia do arrebatamento

Ou de uma decisão

Uns iam para a glória

Outros para a maldição,

 

Eu tinha o prazer

No sonho desajeitado

Por ter sido escolhido

Até com pés de cavalo,

 

Sem braços como seria?

A hora dos cumprimentos

Como daria a mão?

Pelo menos no pensamento,

 

Mesmo assim eu ia

Descendo nas profundezas

Bem distante da beleza

Nas valas do sofrimento,

 

Aos poucos senti frio

Vi-me na escuridão

Antes de chegar ao fim

Numa parede entrei,

 

E dentro da terra

Ali um salão encontrei

Atrás de uma cortina

De poeira e fumaça,

 

Ao penetrar no salão

Meus braços apareceram

Porém anexados

Numa coisa esquisita

Não era pena nem couro

Mas dava para perceber

Que se tratava de asas,

 

E pra que servia?

Já que eu flutuava?

 

Ali era silêncio

Muito bem iluminado

Grandes cristais reluziam

Minha imagem no salão,

 

Fui andando devagar

Mas logo aconteceu,

 

Confundi-me comigo

Para todo lado que olhava,

Até que por fim chegou o fim

Numa sala onde estava

Um homem lá num trono

Onde só se via ouro

Não resisti o silêncio

Resolvi a perguntar,

 

Mas quando abri a boca

Minha voz tinha sumido,

 

Sei que eu falava

O homem também falou

Não sei se ele me ouviu

Pois não o escutei,

 

Parecia que o lugar

Não produzia o som,

 

Continuei a procurar

Outros lugares ali

Segui por um corredor

Que descia para o chão

Parece que viajei

Muitos dias para chegar,

 

Era um lindo lugar

Com luzes azuladas

Depois subia uma escada

E eu subi devagar,

 

No topo da penitência

Cheguei a um castelo

Feito de diamantes

Onde pessoas estavam

Paradas como estátuas,

 

Elas olhavam para mim

Apreciando o meu fim

E no chão cristalizado

Multiplicava o meu ser

Com os meus pés de cavalo

Que me faziam entristecer,

 

Pois todos eram perfeitos,

 

Quando cheguei num ponto

As luzes se apagaram

Uma voz rouca gritou

Senti que vidros quebraram,

 

Ouvi choro de pessoas

Também lamentação

Percebi que pagavam

Por certo combinado,

 

Um vento forte tocou-me

No meio da escuridão,

 

Senti que esperava

O meu corpo chocar

Com as paredes da casa,

 

Porém não aconteceu,

 

E a ânsia aumentava

Também a velocidade,

 

Foi que me vi voando

Em um céu enfumaçado

Vi que muitos voavam

Nos lados e em minha frente

Outros me seguiam

Até passavam par mim

Mas eu também encontrava

Outros que vinham de lá

Uns alegres cantando,

 

Só depois de um bom tempo

Comecei a ver lá em baixo

A terra cheia de lama

E pessoas atoladas

Com as cabeças de fora

Aflitas elas gritavam,

 

Vagando pelo espaço

E as coisas em meus braços

Que me fazia voar,

 

Vi a terra ficando

Até já me dava saudade

Até sabendo que só tinha

Terror e destruição,

 

Eu queria estar

Perto dos meus irmãos,

 

Já bem depois das estrelas

Vi um campo diferente

Lindos pomares se perdiam

Na distância do meu olhar

Pois até me fez chorar,

 

Tanta gente que sorria

Mas não sorriam de mim

Sorriam lá entre si,

 

Vi que eles não me viam

Com os meus pés de cavalo

Com cara de retardado

Com braços de escamas

Eu me senti humilhado,

 

Queria voltar a terra

Porém sem condição

Meu corpo estava cansado,

 

Sentei assim em um banco

Onde tinha um jardim

Foi que percebi

As pessoas que andavam

Num silêncio profundo

Parece que flutuavam,

 

Ali fiquei algum tempo

Quando surpreso ouvi

Alguém falar o meu nome

Naquele lugar distante,

 

Como eu ia imaginar

Que alguém me conhecesse

Triste ou alegre

Naquele instante chorei,

 

Um homem muito elegante

Estendeu-me a sua mão

Para me cumprimentar,

 

E eu coberto de vergonha

Dei-lhe a minha mão

Presas naquelas escamas

Porém o homem falou

Se eu era João Rodrigues

Foi ai que confirme,

 

Ele ordenou-me que fosse

Andando ali do seu lado,

 

Fui muito envergonhado

Com tamanha elegância,

 

Enquanto pobre de mim

Feio até no pensar,

 

Não se assuste

Foi o que o homem falou

Até perguntei o seu nome

Mas ele não entendeu

Seria então um robô!

Era o que parecia,

 

Lá não era noite e nem dia

Era muito diferente

Com tanto traje decente

Muito pequeno fiquei,

 

Chegamos a uma sala

Com as paredes de ouro

Numa mesa de cristal

Acomodava uma multidão

De elegantes senhores,

 

Num verdadeiro silêncio

O homem que me levou

Mandou que me sentasse,

 

Assim pedi licença

Mesmo com pés de cavalo

Senti-me como um rei,

 

Rei talvez sem trono

Era o que parecia,

 

Lá do outro lado

Daquela mesa decente

Alegre e sorridente

Sentou-se para falar

Parecendo ser o chefe

Da grande reunião

Ou um homem do poder

Que decidia a questão

Foi quando falou

Com sua voz encantada,

 

Logo vi os meus pelos

Aos poucos arrepiando

Mas, no entanto contente

Foi o que pude entender,

 

Que era o julgamento

Por eu ter sido escolhido,

 

Vi que nada era fingido

Como os juízes da terra

Pois nos cristais reluzentes

Não tinha impressão

De algo ser combinado

Para acertar o tratado,

 

A ala que estava à direita

Toda olhava para mim

Porém a da esquerda

Olhava para a da direita,

 

O homem que me levou

Já tinha desaparecido

Nem se despediu de mim

Senti-me desamparado

Já o tinha como amigo,

 

João Rodrigues

Assustado eu respondi

Pronto senhor, presente

O que quer de mim?

 

A ala que me olhava

Deu uma grande risada

A outra a repreendeu,

 

Talvez por uma razão

O que seria errado?

Nada pude entender,

 

Mas o homem falou:

Sabemos que está presente

Pois você foi escolhido,

 

Assim fiquei intrigado,

 

Escolhido pra que

No meio dos elegantes

O que eu ia fazer?

 

No momento de aflição

E muito educadamente

O homem continuou:

 

Sabemos querido filho

Que está surpreso consigo

Pelo fato de aparência

Está contrariado

Mas para nós, no entanto

Não faz sequer diferença

Estando em nossa presença

Já é fato consumado,

 

Depois do seu Julgamento

E se for absorvido

Será também um de nós

Ocupando sua função

No Jardim do paraíso,

 

Para eternamente viver

Na mais completa paz

Alegria e união,

 

Não coma o povo da terra

Que se esconde no cifrão

Esquecendo muitas vezes

Aos que tivera ofendido

Perdidos na safadeza

Nos campos da ilusão,

 

Portando um coração

Cheio de hipocrisia

Esquecendo-se que um dia

Todos seriam queimados

No fogo celestial,

 

O que combate o mal

Dentro da dura razão,

 

Você querido filho

Foi escolhido entre muitos

Portanto merece viver

Neste lindo paraíso

Porque cumpriu o papel

Na sua estrada sofrer,

 

Nas sempre com esperança

Vejo no seu olhar

Pro dia da salvação,

 

Pois sempre a carregar

Dentro do coração

O amor pelo seu próximo

Respeito e gratidão,

 

Não como muitos idiotas

Que só vivem o eu

Com suas imbecilidades,

 

Nesta mesa de cristal

Está escrita a história

De todos os escolhidos

Onde devem contemplar

Mesmo até a chorar

Suas tristezas e alegrias

No viver do dia a dia

Da real existência

Para ter a consciência

No dia do julgamento,

 

Veja agora você,

 

Enquanto surpreso eu via

As imagens que surgiam

E o homem relatava,

 

É o seu tempo de infância,

 

Ao ver aquelas imagens

Surpreso eu relatei

Pois na hora não gostei

Pelo jeito estranho

Naquela hora gritei,

 

Não concordo, não concordo

Coberto o meu semblante

Ao ver tanta pobreza

Repleta de ódio e dor

Como o meu amor

Fosse nascer de mim

Da imagem que fui

Até parece um fim

Pois do nada pra nada ser

Para viver ou morrer

Que diferença teria

E onde iria chegar

Beleza não existia,

 

De modo que relatei

Todos olhavam para mim

Minhas palavras sem fim

Tentavam justificar

Até chaguei a chorar

Na angustia e aflição

Doía o meu coração

Dor sem poder comparar,

 

Foi quando o homem falou:

João Rodrigues,

 

Assim parei de falar

As lágrimas sem estancar

E o homem continuou,

 

Vi as imagens na mesa,

 

Filho você está vendo?

Esta foi sua juventude,

 

Com meus olhos tristonhos

Que pareciam sonhar

Um sonho sem acordar,

 

Nem parecia ser o mesmo

Da miserável infância

Encontrei a arrogância

Aportada no meu ser

Tão robusto e atraente

Jeito de conquistador

Dono de algum amor

Que teria para dar,

 

Já não estava a chorar

Fiquei contente ao ver,

 

De modo que confirmei

Chorando de alegria

Ao ver a hipocrisia

O homem interrogou,

 

Reaprendendo o que eu dizia,

 

Eu já estava feliz

Ao ver este meu passado

De onde vim atirado

Para ser tão decente

Junto os meus amigos

Trocando entendimento,

 

Porém ele me fez lembrar

Meus momentos de vaidade!

Onde as vezes misturava

O certo com o errado,

 

Lembra-se o que fazia

Desrespeitando o Criador

Pois em lugar do amor

O ódio você plantava

Desprezando sem piedade

Aqueles que te amavam,

 

Aquilo foi que lhe deu

Seus lindos pés de cavalo

Quando atirava o coice

Sem importar a quem pegar,

 

Meu corpo até tremia

Enquanto o homem falava,

 

As imagens apareciam

Vi que na minha vaidade

Às vezes ou cometia

Tantas coisas impensadas

Pois antes de me conter

Rudemente falei,

 

Mas justo nas alegrias

Que a tristeza chegou?

Com estes pés de cavalo

O homem assim relatou:

 

Você já não os tem

Pois na verdade reconhece

Como a árvore que cresce

E bom o seu coração

Dou-lhe de novo seus pés

Não fique agradecido

Muito nervoso falei,

 

E quanto as minhas asas

Que erro que cometi?

Será que posso saber?

 

Tão alto foi o meu grito

Que transformou em risada

Que abalou a minha mente

Senti pena de mim,

 

Assim comecei a chorar

Quando só eu me vi,

 

Foi num passo de mágica

Eu estava perfeito

Já não tinha mais asas

Não tinham em mim defeitos,

 

Sei que onde me vi

Tinha um abismo na frente

Fez-me desesperar,

 

Até queria ter

Aquelas asas de volta

Para que eu pudesse sair,

 

Muito triste me senti

Com lágrimas nos olhos

Perdido na imaginação

Pois não podia pensar

Como iria fazer,

 

Para regressar ao passado

Ou ser consumido no fogo

Do que ficar onde estava

Notando que ali

Nada se modificava,

 

Vi-me cheio de dor

Naquele pedaço de chão

Porém me vi alegre

Só por estar são,

 

Sorrindo até às vezes

Contemplava o meu corpo

Da minha cabeça aos pés

Quanto eu era perfeito

Até sorria de mim

E ai João Rodrigues

O que será de você?

Neste mundo de magia

Como irá sobreviver?

 

Porém fiquei assustado

Quando um grito chegou

Que vinha lá do abismo

Trazendo grande horror,

 

Pois parecia vir de longe

Devido o eco que chegava

De alguém em aflição

Vivendo grande terror,

 

De modo que perguntei

No fundo do sentimento

Quem será que gritou

Percebi o meu pavor,

 

Pois cheguei a imaginar

Que foi alguém que caiu

Sem poder se segurar,

 

No seu destino errante

No abismo do destino

Para ver a existência

Desceu sem ter clemência

Por tudo que lhe fizera

Naquele olhar de fera

Pelo abismo desceu

Sua ilusória razão,

 

Ou de ser alguém na vida

Perdendo mais uma partida

De profundo clamor

Sendo amigo da dor

Dividindo a fantasia

Lá no abrigo da sorte

Andando ao lado da morte

Ouvindo gritos de horror,

 

E seria eu o próximo?

Condenado a sofrer?

Naquele abismo a descer

Sem saber aonde chegar?

 

Se para sorrir ou chorar

Algo ia acontecer

Uma vez que onde estava

Não podia ficar,

 

Contudo os meus olhos

Perdiam no firmamento

Não tinha nuvem nem vento

Só me restava penar,

 

Naquele lugar nefasto

Pagando não sei o quê

Pois na mesa de cristal

Tudo estava explicado

Mesmo com o que se deu

Eu estava contente,

 

Pois com o meu ar feliz

Sabendo que fiz o que fiz

Mas fiz só por fazer

Sei que me fez sofrer

Naquele exato momento,

 

Porém a mim compensou

Pela linda juventude

Na paz da vida e o amor,

 

E, no entanto a chorar

Num cubículo de lugar

Onde a alegria e a dor

Não podiam comparar,

 

Olhei para onde eu estava

Vi que a terra descia

Senti minha pele fria

Tive medo do morrer

Pois aos poucos acabando

Aquele pequeno lugar,

 

Sem ter onde me segurar

Naquela grande aflição

Acabei por saltar,

 

De olhos fechados o abismo

Chorando como criança

Na escuridão do meu ser

Sem ver aonde chegar,

 

Sei que os dias passaram

Fui caindo lentamente

Onde eu iria chegar,

 

Pensava o meu pobre ser

Por fim abri os meus olhos

Quando o medo acabou,

 

Foi que me vi descendo

Naquele estranho funil,

 

Estava pagando pecados?

Sem nada para receber

Pobre de mim a sofrer

No abismo arrasador

Mais forte do que a dor

Longe da imaginação,

 

Sem ter com que comparar

Aquela situação,

 

Seria um sofrimento?

Ou um castigo qualquer?

Que me fazia ninguém

Diante da existência,

 

Por que não acaba comigo?

Às vezes até pensava

Era que fiz merecer,

 

Ou vira a alegria?

 

Isto e ser escolhido?

 

Por que não fui queimado?

Já teria virado cinzas

Estava tudo acabado,

 

Escolheram-me pra quê?

Pra ficar sendo jogado?

Num sobe e desce sem fim

Sem escolha de lugar?

 

Lembrava da minha vida

Junto dos meus irmãos

Sei que fui sempre bom

Amigo e companheiro

Pois crescemos juntos

Na areia a brincar

E depois de moço

Vi cada um se casar

Ir abrigar um destino

Morando em cada lugar,

 

Deixando ali os velhos

De cabelos embranquecidos

Rostos cheios de rugas

Em um olhar entristecido

Segurando um bastão

Para poder sustentar

O orgulho e a cabeça,

 

Na fila da penitência

Desrespeitando a ciência

Em recordes do viver,

 

Mas logo eu a sofrer

Ainda um moço senhor

Chegar o último dia

Pra tirar de mim

O direito de penar

Na pobreza a vagar

Num caminho de ilusão,

 

Como um velho violão

Com um buraco no peito

Marcas de dedos nos braços

Tarraxas enferrujadas,

 

Tocando a última canção

De um boêmio qualquer

Desprezado da mulher

Musa da sua existência

Das noites de bar em bar,

 

Num recanto do salão

Apreciando cada gole

Do seu espectador,

 

Que ouve a sua poesia

Virando realidade

Na madrugada fria,

 

Assoprada pelo tempo

Que dá lugar ao sol

Com raios desbravadores

Queimando o ódio e o amor

Pelos homens do dinheiro,

 

Que movimentam desgraça

Na esquina do tormento

Das ruas do poder

Nas praças do sentimento,

 

Bem perto dos seus castelos

Onde vivem contentes

Com o que puderam roubar

Até do seu próprio irmão,

 

Como a frieza do aço

Atirado ao relento

Embebendo o orvalho

Misturando-se a ferrugem

Na lentidão do viver,

 

Como no abismo que estou

Vendo a parede do tempo

Deslizando-se por mim

Em um buraco sem fim,

 

De tanto tempo descendo

Minha roupa até acabou

Agora estou nu

Veja a que ponto cheguei,

 

Tenho vergonha de mim

Com quem irei me encontrar

Com esta minha nudez,

 

Assim eu olhava meu corpo

Gostei da renovação

Queria um espelho

Pra ver o meu passado

Que chegou ao meu futuro

Depois de um julgamento,

 

Com sentença de tormento

Sem ouvir o resultado,

 

Enquanto aquele buraco

Começava a se fechar,

 

Vi o meu corpo flutuar

Como um pedaço de pano,

 

Ou seria um engano?

Eu continuava a descer,

 

Mas por fim cheguei ao fim

Do pesadelo contente

Ainda são como gente

Na vergonha de estar,

 

Ali comecei a chorar

Ao ver um novo salão

Cheio de pessoas nuas

Andando pra lá e pra cá,

 

Nuas de toda forma

Sem roupa e sentimento

Como estarem esperando

Alguém para o amor,

 

Porém sem sexo sem vida

Um amor de gratidão

De um convívio eterno

Todos de igual para igual,

 

Sem um mandar no outro

Cada qual no seu papel

Como o dedo e o anel

No tratado de um rei,

 

Porém pobre de mim

O que devia fazer

A quem me reportar

Sem poder me encontrar

A vergonha de falar

Até mesmo de olhar

Para a nudez de todos,

 

Sem os costumes da terra

Pois como seria possível

Conter a minha ereção,

 

Ao ver mulheres lindas

Andando perto de mim

Parecia chegar ao fim

Vendo o corpo sedutor,

 

Como era duro suportar

Desviava o meu pensamento

Tornando-me sem atenção

Até que uma falou,

 

Com tanta delicadeza

Na sua voz aveludada

Como uma mansa chuva

Caindo em uma escada,

 

Respeitando os degraus

Na calmaria a descer

Os grãos de areia perdidos

Na enxurrada contente

Se misturando no barro,

 

Mas se fosse eu a chuva

Ou um pequeno grão

E também o barro sujo

Na estrada do sertão,

 

Onde estaria o meu ser

Naquela hora do nada

Ou seria outra hora?

Ora sei lá que hora

Nu na frente de tudo

Que desejei encontrar

Porém em meu lugar

Não acima das estrelas

Com elegante beleza

Sem se poder comparar,

 

João Rodrigues querido

Quanto você demorou

Para ocupar o seu lugar

Não podia atrasar

Venha vou te levar

Pra sua eternidade

Ver a felicidade

Depois do seu julgamento,

 

Seguimos para um ponto

Mas perguntei o seu nome

Ela não respondeu,

 

Parecia não escutar

Pensei em me aproveitar

A grande situação,

 

Atirei-me em seus braços

Com tamanha sedução

Beijei os seus lábios corados

Mas não fui correspondido,

 

Senti-me assim traído

De maneira intransigente

Bem depois das estrelas

Pois como poderia

Suportar tamanha dor,

 

Quanto tempo eu desejei

Alguém pra me amar

Mas perdido na ilusão

De respeitar o direito

Perdido no preconceito

De um povo mesquinho,

 

Aguardando o que não vinha

Até o fago chegar

Pra consumir a terra

Com todo o seu tormento,

 

E ao chegar ao lugar

Para um determinado

Triste e amargurado

Ouvi a linda falar,

 

Este e João Rodrigues

Meu corpo ficou gelado

Ao ver um grande lago

Parecia ser de sangue

Ou expurgo de alguém,

 

No meio dele um homem

Com chifres rombudos

Nascendo em sua cabeça

Duas orelhas de besta

Com as pontas para frente

Com um sorriso sem dentes,

 

E logo a me dizer

Venha João Rodrigues

Quanto tempo eu te esperei,

 

Pra isso que fui escolhido?

Foi o que logo pensei,

 

Porém já estava perdido

Não adiantava pensar

Nem escolher condição

Tinha que acontecer,

 

Mas qual a diferença

De aceitar ou não

Ele não era patrão

Nem tampouco um senhor,

 

Se eu recusasse o mandado

O que iria acontecer?

Uma vez já arrasado

Que diferença faria?

 

De modo que recusei

A ordem do cidadão

Porém estendeu-me a mão

De uma forma estranha

Complicando o meu drama

Naquele lugar de horror,

 

Que parecia expurgo

Do resto que alguém viveu,

 

Descobri que meu caminho

Já tinha sido traçado

Bem longe no seu passado

Por um ser onipotente

De alguma forma secreta,

 

Deixei ao bel prazer

Que uns fazem do viver

Outros vivem a penar

E outros choram por ter

De tudo o que desejasse

Outros por nada ter,

 

Desejando que alguém

Já anda até abusado

Já dono do resultado

De ter tudo em fim

Na completa ilusão,

 

Debruçado na porta

Até de existência morta

De andar, andar, andar,

 

Eu pobre de mim

Nunca pude escolher

O que vinha em minha mão

Era fruto do sofrer

No acaso do viver

Tudo era bem recebido

No acaso ou gratidão

De um coração perdido

E na pobreza do ser,

 

Debaixo do meu destino

Fui da vida um assassino

Sem a glória encontrar

Jogado pra lá e pra cá,

 

Ainda fui escolhido?

Para um poço de sangue?

Nu como nasci?

 

Dos afetos contentes

Feio, porém era gente

Amado por minha mãe

Com seios adoradores

Dava-me o suco da vida

Entre mamilas mimosas

Igual a botões de rosa

No deleite eu dormia,

 

Parece que nem sabia

O que ia acontecer

Para me vir em lembrança

De uma forma decente

O meu tempo de criança

Até o último dia,

 

Ao me perder no passado

Coberto de ilusão

Atrás do nada eu ter

Pois nem pude guardar

Para esta ocasião,

 

Fui entrando lentamente

Naquele lugar infernal

Misturando-me ao sangue

Da glória ou da maldição,

 

Sei que não tinha palavras

Para dizer ao senhor

De tão grande ser a dor

Eu nem podia falar,

 

Lágrimas em meus olhos

Jorravam como vertentes

Transformando o meu ser

De uma maneira decente,

 

E fui chegando perto

Do homem misterioso

Senti meu corpo mudando

Parecia me transformando,

 

Meus braços viraram asas

Meus lábios grandes bicos

Meus pés eram de pássaro

E logo me vi voando,

 

Sai levando comigo

A voz do homem do mal

Pensava pra onde ir

Terminar minha missão

Ele gritava aflito

Parecendo ser perdedor

Eu era o pássaro vermelho

Pelas graças do Senhor,

 

Voando para o infinito

Enquanto o homem gritava:

Volte aqui seu desgraçado

Você foi escolhido,

 

Vi aquele monstro vencido

Pelo sangue do poder

Que me provou a sofrer,

 

Mas me deu condição

De escolher qualquer coisa

No espaço da razão,

 

De longe eu avistava

Além da imaginação

Os labirintos da terra

Depois da destruição,

 

Enquanto muito contente

O vento me assoprava

Para muito bem distante,

 

Via no meu semblante

Que algo procurava,

 

Mas o que seria!

A tal preocupação?

 

O pobre pássaro vermelho

Do sangue da penitência

Bem distante da ciência

Da magia e ilusão,

 

Da conversa combinada

Lá na casa do poder

De decreto em decreto

Assinado por alguém

Para atender minoria

De doutores retardados

Perdidos no tempo jogados

Na ilusão do viver,

 

Mas eu era um pássaro

Distante da escravidão

De um salário combinado

Sem a minha permissão,

 

Como forma de manter

Atado em meu pescoço

Até sem fazer esforço

A grande coleira da fome

Que substitui a corrente

Presa no tronco rugoso

Na masmorra do castelo

De um idiota famoso,

 

Ah! Venha seu imbecil

Aqui em cima me pegar

Para isso acontecer

Terá de ser escolhido,

 

Vejo que não devo falar

Que dizem o que querem

Vivo voando a pensar

Voando sem poder pousar

No cansaço do viver,

 

Voando sempre a sofrer

Nas asas do sofrimento

Ouvindo gritos de lamentos

Onde não consigo ver,

 

Pois em reuniões secretas

Onde trata o que não presta

No amanhecer, porém

Uns esperam o que não vem

Na ilusória razão,

 

Quanto dói o coração

Ao sentir o medo

E se guarda em segredo

No escudo da tristeza

Emudecendo a beleza,

 

Como uma flor a murchar

Num galho cheio de espinho

No final de um caminha

Sem nenhum lugar chegar

Como lágrimas a chorar

Em um cego de nascença

Sem a cor da inocência

Na ultimo dia a penar

Vendo eu voei também

De longe não via ninguém

Nos campos da alegria

Este campo deserto

Nem uma viva alma

Podia deliciar,

 

O vento meigo e descente

Com redemoinho encantado

Que varria o chão

Deixando nomes escritos

Porém em outra língua

Para ninguém entender,

 

Pois só quem não sofre

Teria esta condição

Na gramática da razão

Escrever o seu passado,

 

Porém eu amargurado

Nem uma vírgula sequer

No meu testo de pesar

Nem mesmo vi reticências

No mundo de indecências

Só via ponto final,

 

Bem na porteira do mal

No curral do desespero

O endereço acertado

Como se fosse um trato

Num palácio do poder,

 

Onde não importa o sofrer

Doa a quem doer

Mesmo que tivesse razão

Pois somente o patrão

Tem o direito de errar,

 

Enquanto o pobre a chorar

Faz o errado calado

Com o peito amargurado

Remoendo o a fazer

Calado sem poder dizer

O que seria acertado,

 

E no gabinete ao lado

Do coronel o recado

Tem de ser atendido

Mesmo de um bandido

Com muita autoridade,

 

Pois sem provar o contrário

É ele que tem razão

E ai do cidadão

Que uma causa mover

Pode ter certeza do sofrer

Que apontará em si

Foi mais isso que vi,

 

Quando andei por ai

Sobrevoando o passado

Também vi lágrimas correr

Como verdadeiras vertentes

Das entranhas de alguém

Nascia a prostituição,

 

Arrastando-se pelo chão

Alimentando alguém

Mães possessas do mal

Criando filhas bonitas

Alegres como cabritas

Berrando na escuridão,

 

Servindo a força da carne

Em troca de um prazer

Ou um pouco de cifrão

Eu ouvi, pois estive lá,

 

Umas chamavam as outras

Pra se servirem também

Matar a sede de alguém

Sem pensar no futuro,

 

Pois bem ao lado do muro

Alguém morria a gritar

Parecia que gostava

Do momento que gozava

Um gozo sem sentimento

Naquela escuridão,

 

Nem mesmo via quem

Invadia o seu ser

Pondo em suas entranhas

Espermas de marginais

Levando mais uma viagem

Para os confins do terror,

 

Pois sem essência do amor

Geravam como tumor

Na castanha envenenada,

 

Com puras drogas nas veias

Alimentavam bebês

Para o último dia,

 

Eu até chorava

Mas nada adiantava,

 

Algumas até morriam

Pois o mal era indecente

Eram monstros ou era gente

Não conseguiam saber,

 

Pois nem sei o que dizer

E depois das frias trevas

Partiram do firmamento

Só se lia o sofrimento

Em cada semblante perdido,

 

Via em mulher e em marido

O ar de desconfiança

Outros guardavam vingança

Num rosto emudecido,

 

Enquanto o ódio imperava

Logo a desgraça rondava

Como uma serpente invisível

Tragando pedaços do fel,

 

Nas presas de desespero

Fazendo da vida um tempero

Para macabra razão

Trocando o amor e a paz

Por discórdia sem fim,

 

Como uma rede no rio

Pescando o que vier

Sem sentimento e fé,

 

Pescando apenas pescando

Ou acordado sonhando

Sem nunca se acordar,

 

Com o que falam ou dizem

Nunca sabem o que falar,

 

Portas abertas e fechadas

Faziam divisas do nada

Como uma mente infantil

Que vive cada momento

Sorri ao ver a graça

Choram só por chorar,

 

Mas depois se acalenta

Repousa no braço da mãe

Ou de alguém que vem

Dispensar o seu carinho,

 

Sentindo pena ou amor

Aliviando a dor

Encobrindo a solidão

Como o som da canção

Na distancia do viver,

 

O filho sem pai vagando

Por sobre o destino cruel

Como o dedo sem anel

De um título ganhando,

 

Atrás da vida o passado

No meio do bem querer

Onde ama sem poder

Por poder amar,

 

E se isso for amor

Como será a vida

Desta que veio pra viver

Uns no mar a sofrer,

 

Vendendo o seu destino

E com o dinheiro assassino

Compra a paz e alegria

Compra a guerra compra vida

Paga a vista e a prestação

Deixam outras fiadas

Num macabro papel,

 

Cobrindo a noiva com o véu

De sua verdadeira inocência

Ou mortalha sem clemência,

 

Ao encontrar o lar repleto

De filhos e pesadelos

Sem ter meios de contê-las

As tragédias e desgraças,

 

Como cupim ou a traça

Perfurando o seu ser

Corroendo os seus sonhos

No lamaçal de ardor

Levando no peito a dor

De ódio e frustrações,

 

Ao encontrar alegrias

Como o término de uma via

Nos confins de um sertão,

 

Ou no pé de uma serra

Sem túnel para seguir

Não adianta fugir

Em busca de solução,

 

Voltando em cima do rastro

Com vitória ou com fracasso

E sem poder reclamar

Às vezes até a chorar

Lágrimas de sentimento,

 

Ao receber boas vindas

De alguém que ficou triste

Só por não poder ir

Seguir a mesma aventura

Achando que a vida dura

Melhora-se ao deixar

O resto para depois,

 

Quem sabe do pôr-do-sol

Ou ao luar prateado

Assim foi que vi

Aumentando o cemitério

Os milagres os mistérios

Frutos de ilusão,

 

Onde um pensa em ser

O que nunca quis saber

Ter-se-á a recompensa

Como casa sem dispensa

Que não sacia ninguém,

 

Eu vi chorando também

E pedindo pra ficar

Alguém para acalentar

A solidão de mãe,

 

Depois dos filhos criados

Pagando os seus pecados

Vivem a pelejar

Levando consigo a saudade

Talvez pra eternidade

Em cada momento vivido,

 

Tratados como bandidos

Choram até sem saber

Pois lá dentro do seu ser

Há pranto, tantos prantos,

 

Como na viúva o manto

Que cobre a sua cabeça

E na negrura dos seus olhos

Guarda os momentos

As juras e sentimentos

Que trocaram em um quarto

Ouvindo os seus corações

Mergulhados em emoções

Servindo a força da carne,

 

Vi lábios bonitos beijando

Como a rosa e beija-flor

Como a alegria a o amor

Andando pelos jardins

De mãos dadas sem parar,

 

Ou num banco a prosar

Igual a muitos que vi

Enroscando-se aos outros

De uma forma decente

Como a língua e o dente

Numa boca a falar,

 

Respeitando cada ato

Da engenharia divina

Igual o azar e a sina

Que esperam ao dizer

Na verdade eu não sei

Pois não adianta saber,

 

Se chorar ou se sorrir

Pois são atos do viver

Da forma que desce

A água da cordilheira 

E respeitando os montes,

 

No vales vem repousar

Formam rios para o mar

Tornar-se o maioral

Sendo expurgos de lágrimas

Poluídos que vieram,

 

De uma nave solitária

Que choram ao ver a terra

Dando gritos de horror,

 

Pois tanta dor

Quando o sol lhe atira o raio

No pino do dia ardente

Vêem-se como ira do vulcão

Jorrando lavas de horror,

 

Vindo do coração tristonho

De quem carrega a desgraça

Com tanta desigualdade

Uns nadam em felicidade

Outros nem podem viver,

 

Pois até migalha o pão

Pelas ruas atirados

Tomaram-lhe o direito

De usar o seu quintal,

 

Seria a força do mal

Ou do homem do saber

Que compram fazendas

Até pedaços de ser,

 

E o frigorífico da sorte

No estreito destino

Os sonhos são massacrados

Na chapa da decisão,

 

Cada um tem seu patrão

Que lhe atira o reio

De poucas moedas vencidas

Dominando a sua vida

Até o que deve fazer,

 

Coitado de tanto sofrer

Perde o semblante divino

Aprende com o assassino

Algumas de suas lições,

 

Depois ladram como cães

Quando a cocheira esvazia

O mais forte ganhar

É de exemplo aos outros

Que se juntam como trouxas

Da lavadeira no rio,

 

Enfrentando sol e frio

Mergulhadas na espuma

Tocadas como a pluma

Pelo vento sobre as águas

Contaminando as lágrimas

Que caíram dos seus olhos

Pelo choro do seu sofrer,

 

De cada peça lavada

Por mãos pobres enrugadas

Pequenas unhas aparadas

Com a soda do sabão,

 

Os flácidos bustos caídos

Como as trouxas se abrindo

Como o badalo do sino

Tocando lá na matriz,

 

Chamando os seus fieis

Que obedecem ao som

Juntam-se para falar

Sobre o fato que se deu,

 

Falam de quem já morreu

E foram santificados

E só por salvar alguém

De um momento qualquer

Atribuem a isso o milagre

Conquistando o poder,

 

E o seu busto em bronze

Lhe deixa imortalizado

Como chão cristalizado

Imune ao fogo e a erosão,

 

E o seu nome é falado

De geração em geração,

 

Vi que era vaidade

De alguém que me olhava

Eu já não era pássaro

As minhas penas caíram

Com tanta desgraça a fome

Elas não resistiram,

 

Vi-me no meio de muitos

Atiradas na sarjeta

Vi gente com cara de besta,

 

Sorriam da minha nudez

De meus trapos maltrapilhos

Confundiam com minha pele

Suja como a terra,

 

Nas profundezas do nada

Na soma do zero a zero

Onde se foi a alegria

Deixando somente a tristeza

Na penumbra da beleza,

 

Amargura junto ao frio

Num convívio de lamentos

Sem nenhuma chance

De chagar onde quiser,

 

Pois apenas esperando

O que não sabe o quê

Vem aportar à sorte

Bem do lado da morte

No matadouro sem fim,

 

Que se confundem nas ruas

Praças e avenidas

Ou em estradas esquecidas

Nas curvas do desespero,

 

Igual guisado sem tempero

Que servem sem paladar

Na ceia de quem já morreu

Sem ter a salvação

No último dia a penar,

 

Vi chuvas de enxofre

Na ciumeira das casas

Descendo fogo nas telhas

Fazendo em cinzas o chão

De quem dá adeus sem mão

Acenando para o nada

Correndo da enxurrada

Que se junto no seu ser,

 

Quem não foi não pode ver

O quanto dói à razão

Encontrando o veredicto

Condenando o inocente

Que chora por uma pena

Que outro tem que pagar,

 

 No entanto a gritar

Por sua condenação

Enquanto em seu coração

Está o brado da dor

Se escondendo no seu ser

Da sua realidade,

 

Vi no espelho a imagem

Do tempo que foi outrora

Como o sogro vê a nora

Coma sua filha a prosar

Na cadeira da varanda,

 

E seu filho viajando

Ou no passado sonhando

Alguém pedia perdão

De joelhos no chão

De mãos pro céu estendidas

No nada tentava ver

Mergulhava em sua mente

No vazio da imaginação,

 

Desprezando a razão

Sentindo o prazer ardente

De uma forma intransigente

Discutindo com o ninguém

Agradecendo a si

Pela clemência afetada,

 

Como uma sombrinha furada

Tapando o sol do destino

No caminho do assassino

Se escondendo da lei

Que invisível o persegue,

 

Como o cão e a caça

No mato fechado e escuro

No instinto natural

Perseguindo o seu verme,

 

Como a casa sem visita

Na sombra do esquecimento

De uma velha construção

No beco estreito da rua,

 

Vi em semblantes perdidos

Vontade até de vencer,

 

Conquistar não sabe o quê

Pois vi tudo sem solução

Pra muitos faltava o pão

Esquecidos noutras mesas

Onde saciou alguém,

 

Que depois de fartar

Atirava-lhes ao lixo

Pois nunca ia faltar,

 

Na mansão do seu doutor

Que recebera o poder

De urna grande multidão

Na promessa de fazer

Ou trazer a solução,

 

Vi os anos passando

Vi tanta gente enganada

Tropeçando nas calçadas

Levando fardos nas costas,

 

Pura esperança morta

Do seu doutor assassino

Que matam sem clemência

A troca de recompensa,

 

Num cargo até eterno

Na folha de pagamento

Que já é depositado

Na caixa do banco ao lado,

 

Pra outros negociarem

Para até vidas comprar

Numa escravidão sem fim

E eu pobre de mim,

 

Vi sem poder contar

Na linha do telefone

Alguém mandava matar

Por duas cabeças de gado

A viúva ia chorar,

 

Os órfãos desconsolados

Fazia pena olhar

O futuro esburacado

Num pântano endurecido

De ossos ali jogados,

 

E quantos que esperaram

Por quem nunca viria

Até inocentes sorriam

Na espera do ninguém,

 

No pôr-do-sol com nuvens

Vermelhas lá no sertão

Iluminando o chão,

 

E logo chegavam as trevas

Quebradas com o luar

Escondido entre as nuvens

Assopradas pelo vento,

 

E as manchas de sobras

Segue de mente em mente

Lá nas brenhas esquecidas

Casas de assombração,

 

Repousava algum ser

Vivendo de humilhação

Ralando a terra a troco

De uma cova pra morar

Após prazeres da carne,

 

Possuídas pela fé

Servindo a força do ídolo

Que só recebe o tratado

Na escuridão da dor,

 

Atrás do acontecimento

De um sinal do diabo

Que apodera do ser

Pra saciar do pecado,

 

Consumindo a sua alma

Alimentando do mal

Formando homem valente

Pra família indefesa

Que vive como uma presa

Nas garras da escuridão,

 

Enquanto os vermes da terra

Entra por dentro de si

Deixando a rota casca

Como no lixo a cabeça,

 

Exposta ao sereno a traça

Se misturando a malva

Bem depois da primavera

Embelezando o quintal,

 

Onde frutifica o mal

Na porteira do curral

À espera da aparta

Depois da ferra contente,

 

Da sorte de cada um

Com seu rebanho a berrar

Na casa o neném a chorar

Enquanto canta o bem-te-vi,

 

Na laranjeira dizendo

Que vi bem te vi

Porém ele diz o bem

Sem mentira ele falava

Mas ninguém atendia,

 

Mergulhando-se no mal

Correndo atrás do ouro

Rolando como besouro

Estercos para o chão

Na escuridão do buraco

Serve-se do que achou,

 

Não importando de quê

E rolando a sofrer

Naquele abismo chegou,

 

Mas chama de alimento

E muitos sem asas não têm

O direito de voar,

Para ver o que eu vi

Hoje estou a seguir

Mas onde vou chegar,

 

Lá não vou encontrar

O que deixei com o bem

Já partiram para o além,

 

Como a vontade de ter

O que a vida não lhe deu

Ou a satisfação de viver

Ter o lar pra repousar

Na doçura do viver,

 

Com a doce amada ao lado

E os filhinhos a brincar

Conversando sem parar

Que até lhe faz sofrer,

 

Quando quebra o silêncio

Da sua mente cansada

Ou da vida amargurada,

 

Pelo ouro que perdeu

Como a ferrugem comeu

A lata lá no relento,

 

Ao som da brisa e de vento

No escuro sereno fria

No curto correr de tempo

Do amor passageiro,

 

Como o andando ligeiro

De um louco cão e vagar

Nos carreiros do destino

Nas capoeiras da vida,

 

Por sobre espinho de cobras

Que a raposa deixou

Depois de saciar a fome

Ouvindo o lobo uivar

No alto da serra distante,

 

A grande onça urrar

E no paiol de espigas

Na madrugada sangrenta

O galo canta tristonho,

 

Ao ver o dia raiar

Iluminando a terra

Que despede das estrelas

Se entregando ao calor,

 

A caça cismada corre

Procurando se esconder

Na vergonha envergonhada

Do que fez na escuridão

Onde outros se levantam

À procura do comer,

 

Como se cumprem a missão

De um eterno viver

Sem armas sobrevivem

Na harmonia natural

Ao som da sinfonia

Que forma lá na cascata,

 

Quando a água vai descendo

No embalo da canção

Vi que tudo era puro

Mas logo tudo mudou

Pássaros voavam gritando

Com o maldito som do motor

Árvores gemiam caindo

De suas a fumaça

Dos seus galhos as chamas

Dos seus troncos o carvão

Transformando em cinzas,

 

No quente formo a fazer

A terra virando ferro

Para servir ao progresso

Pois vi lá nas cidades,

 

Palácio encantador

Dizem que lá morava

O bicho que se chamava

De Coronel ou doutor,

 

Assassino da grandeza

Usurpadores da beleza

Tremendos conquistadores

Pois quantas lágrimas viram

Descendo o rosto de alguém

Pura de divindade

Enquanto era explorado

Por caçadores do mal

Vindo de bem distante

Talvez atrás dos montes

Em busca de força de carne,

 

Formando grandes favelas

Criando como vivente

Não sei se esse bicho

Tão enfeitados que andavam

Jóias perdidas no corpo

Usando só por prazer,

 

Não importando com alma

No seu depois do morrer

Matando o seu templo santo

Nas garras do mal a viver,

 

Trocando a vida eterna

Por pedaço de maldição

Cavando a condenação

Nas profundezas sem fim,

 

Vendendo e sua alma

Por bocado de pecados

Provando o veneno da morte

Num beijo de maldição

Se entregando ao corpo

De muitas formas pensadas,

 

Que parecia um dueto

No lamento desigual

Sorriso e gargalhas

Das profundezas do chão,

 

Arrepiava-me os pelos

Ao ver e ouvir tanto horror

No meu peito a grande dor

De não poder consertar,

 

Dar a eles o remédio

Tirá-los da condenação

Mas vi sem salvação

De tão podre que estava

Como uma fruta madura

Que se atirou do galho,

 

Espedaçando no chão

Sem saciar ninguém

Num lugar desabitado

Tragados pelo pecado

Que se amontoava a miséria,

 

Não leva a coisa a sério

Porque perdeu o valor

Não mede o peso da dor

Nem o valor do mistério,

 

Há! Eu vi sangue correr

Das veias dos inocentes

Bem distante deste mundo

Onde me vi a vagar,

 

Vi o tempo parado

Não era noite nem dia

Todos eram companheiros

Ali ninguém roubava

Todo mundo confiava

No que todos diziam,

 

Há! Como eu gostava

E quanto eu gostaria

De encontrar quem perdi

E todos no paraíso

Felizes a sorrir...

 

Fim

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