O ÚLTIMO DIA
JOÃO RODRIGUES
Depois de um longo dia
De trabalho e ilusão
Perdido no desespero
De o nada conseguir
Eu como todos os homens
Sem saber aonde chegar
Tentando me encontrar
Na calmaria do tempo
Sendo tocado pelo vento
Sem fronteiras a vagar,
Do continente ao mar
No cosmo da existência
Tentando a sobrevivência
Sob o sol ardente,
Arrastando pelo chão
Carregando um coração
Num peito amargurado
Amando sem ser amado
Pela mente governado
E a ilusória razão,
Assistindo mais um dia
Casualmente indo embora
Todo cristão chora
Distante do seu lugar,
Que se quiser tem que pagar
Para sorrir ou chorar
Sempre com o cifrão
De uma moeda qualquer,
Seja homem ou mulher
Até mesmo para falar
Ou pra sentir o calor
Da comida o sabor
Até que muitos provaram
Nem se sabe se gostaram
Pois ninguém falou
Emudeceram no tempo,
Ali eu estava
Num quarto de pensão
Que me sentia distante
Distante não sei de que
Pois qualquer lugar se vê
Limites na imensidão,
Onde a mente vaga, vaga
Procurando encontrar
Para poder firmar
Meu corpo sobre a cama
Começando mais um drama
De um espírito sofredor,
Cumprindo sua missão
Num mundo bem diferente
Onde vagueia contente
O seu ser do sonho
Alegremente a correr,
De modo que pude ver
Meu espírito chorar
No momento que acabava
O mundo em explosão,
Sei que fui escolhido
E conduzido por alguém
No meio da confusão,
Recordo da impressão
E expressão de terror
No meu rosto de horror
Era vista com alegria
Ao sentir que me tocava
Porém eu não via
Nem mesmo podia andar
O meu corpo a vagar
Dava-me satisfação,
A voz dizia venha
Eu ia entristecido
Sentia o meu corpo doer
Vagando nos labirintos
Que se perdiam a distância
Onde a terra partiu,
Nas suas paredes tinham
Casas onde cantavam
E no que sobrou da terra
Aos pouco o fogo queimava,
Nas grandes rachaduras
Escurecidas eu via
Pelas nuvens que cobriam
Junto ao fogo que queimava
Das pessoas o sentimento,
Mas eu gostaria de ver
Sem pernas não podia ir
Comecei a sorrir,
Alguém sem olhos falou
Num idioma diferente
Sua boca não tinha dentes
Do seu nariz o lugar
As pernas pequenas e tortas
Até dava a impressão
De um grilo andante
Com a cauda de ferrão,
Do lado das suas orelhas
Nasciam chifres envergados
Seus cabelos de goma
O andar desajeitado,
Não sabia o que falava
Nem o que podia ser
Porém eu imaginava
No meio da confusão
Que ele queria explicar
Algo ao meu favor
Mas só me restava à dor,
Logo ouvi um grito
Parecia de um vaqueiro
Montava cavalo ligeiro
Embalado numa canção
Os seus cascos tocavam
Estridentes pelo chão,
E ao saltar os abismos
Até formava penumbra
Pois parecia voar
Escondia-se na fumaça
De longe eu ia ouvindo
Quando o homem gritava,
Quando vi as minhas pernas
Estavam com pés de cavalo
Calçados de ferraduras
De uma marca principal,
E eu desajeitado
Andava na multidão
Parecendo ser um senhor
Um respeitado patrão,
Que via nos empregados
Um olhar de terror
Ao falar em acerto,
Com medo de ser mandado
Ir embora para sempre
Ficando desamparado,
No cuida de garantir
Cada um sua posição
Vi naquelas pessoas
A busca sem solução,
Pois se transformavam
Em pedaços de gente
Em cada violenta explosão,
Que vinha de dentro da terra
Onde a vida encerra
Com o luto imperador
Em casa de oração,
Ou honraria de senhor
Poderoso e valentão
Famoso conquistador
Assassino de nossos sonhos
De conseguir ser alguém
Na estrada do viver
Na porteira do destino
Quando se encontra fechada
Selada por sua mão,
Logo comecei a correr
Em grande velocidade
Nem sentia minhas pernas
Sem braços e sem razão,
Tinha medo de encontrar
Alguém pelo caminho
De trombar e espedaçar
Mas nada acontecia,
Vi minha mente vazia
Não tinha o que pensar
Futuro não existia,
Pois todos gritavam
Que era o último dia,
Dia do arrebatamento
Ou de uma decisão
Uns iam para a glória
Outros para a maldição,
Eu tinha o prazer
No sonho desajeitado
Por ter sido escolhido
Até com pés de cavalo,
Sem braços como seria?
A hora dos cumprimentos
Como daria a mão?
Pelo menos no pensamento,
Mesmo assim eu ia
Descendo nas profundezas
Bem distante da beleza
Nas valas do sofrimento,
Aos poucos senti frio
Vi-me na escuridão
Antes de chegar ao fim
Numa parede entrei,
E dentro da terra
Ali um salão encontrei
Atrás de uma cortina
De poeira e fumaça,
Ao penetrar no salão
Meus braços apareceram
Porém anexados
Numa coisa esquisita
Não era pena nem couro
Mas dava para perceber
Que se tratava de asas,
E pra que servia?
Já que eu flutuava?
Ali era silêncio
Muito bem iluminado
Grandes cristais reluziam
Minha imagem no salão,
Fui andando devagar
Mas logo aconteceu,
Confundi-me comigo
Para todo lado que olhava,
Até que por fim chegou o fim
Numa sala onde estava
Um homem lá num trono
Onde só se via ouro
Não resisti o silêncio
Resolvi a perguntar,
Mas quando abri a boca
Minha voz tinha sumido,
Sei que eu falava
O homem também falou
Não sei se ele me ouviu
Pois não o escutei,
Parecia que o lugar
Não produzia o som,
Continuei a procurar
Outros lugares ali
Segui por um corredor
Que descia para o chão
Parece que viajei
Muitos dias para chegar,
Era um lindo lugar
Com luzes azuladas
Depois subia uma escada
E eu subi devagar,
No topo da penitência
Cheguei a um castelo
Feito de diamantes
Onde pessoas estavam
Paradas como estátuas,
Elas olhavam para mim
Apreciando o meu fim
E no chão cristalizado
Multiplicava o meu ser
Com os meus pés de cavalo
Que me faziam entristecer,
Pois todos eram perfeitos,
Quando cheguei num ponto
As luzes se apagaram
Uma voz rouca gritou
Senti que vidros quebraram,
Ouvi choro de pessoas
Também lamentação
Percebi que pagavam
Por certo combinado,
Um vento forte tocou-me
No meio da escuridão,
Senti que esperava
O meu corpo chocar
Com as paredes da casa,
Porém não aconteceu,
E a ânsia aumentava
Também a velocidade,
Foi que me vi voando
Em um céu enfumaçado
Vi que muitos voavam
Nos lados e em minha frente
Outros me seguiam
Até passavam par mim
Mas eu também encontrava
Outros que vinham de lá
Uns alegres cantando,
Só depois de um bom tempo
Comecei a ver lá em baixo
A terra cheia de lama
E pessoas atoladas
Com as cabeças de fora
Aflitas elas gritavam,
Vagando pelo espaço
E as coisas em meus braços
Que me fazia voar,
Vi a terra ficando
Até já me dava saudade
Até sabendo que só tinha
Terror e destruição,
Eu queria estar
Perto dos meus irmãos,
Já bem depois das estrelas
Vi um campo diferente
Lindos pomares se perdiam
Na distância do meu olhar
Pois até me fez chorar,
Tanta gente que sorria
Mas não sorriam de mim
Sorriam lá entre si,
Vi que eles não me viam
Com os meus pés de cavalo
Com cara de retardado
Com braços de escamas
Eu me senti humilhado,
Queria voltar a terra
Porém sem condição
Meu corpo estava cansado,
Sentei assim em um banco
Onde tinha um jardim
Foi que percebi
As pessoas que andavam
Num silêncio profundo
Parece que flutuavam,
Ali fiquei algum tempo
Quando surpreso ouvi
Alguém falar o meu nome
Naquele lugar distante,
Como eu ia imaginar
Que alguém me conhecesse
Triste ou alegre
Naquele instante chorei,
Um homem muito elegante
Estendeu-me a sua mão
Para me cumprimentar,
E eu coberto de vergonha
Dei-lhe a minha mão
Presas naquelas escamas
Porém o homem falou
Se eu era João Rodrigues
Foi ai que confirme,
Ele ordenou-me que fosse
Andando ali do seu lado,
Fui muito envergonhado
Com tamanha elegância,
Enquanto pobre de mim
Feio até no pensar,
Não se assuste
Foi o que o homem falou
Até perguntei o seu nome
Mas ele não entendeu
Seria então um robô!
Era o que parecia,
Lá não era noite e nem dia
Era muito diferente
Com tanto traje decente
Muito pequeno fiquei,
Chegamos a uma sala
Com as paredes de ouro
Numa mesa de cristal
Acomodava uma multidão
De elegantes senhores,
Num verdadeiro silêncio
O homem que me levou
Mandou que me sentasse,
Assim pedi licença
Mesmo com pés de cavalo
Senti-me como um rei,
Rei talvez sem trono
Era o que parecia,
Lá do outro lado
Daquela mesa decente
Alegre e sorridente
Sentou-se para falar
Parecendo ser o chefe
Da grande reunião
Ou um homem do poder
Que decidia a questão
Foi quando falou
Com sua voz encantada,
Logo vi os meus pelos
Aos poucos arrepiando
Mas, no entanto contente
Foi o que pude entender,
Que era o julgamento
Por eu ter sido escolhido,
Vi que nada era fingido
Como os juízes da terra
Pois nos cristais reluzentes
Não tinha impressão
De algo ser combinado
Para acertar o tratado,
A ala que estava à direita
Toda olhava para mim
Porém a da esquerda
Olhava para a da direita,
O homem que me levou
Já tinha desaparecido
Nem se despediu de mim
Senti-me desamparado
Já o tinha como amigo,
João Rodrigues
Assustado eu respondi
Pronto senhor, presente
O que quer de mim?
A ala que me olhava
Deu uma grande risada
A outra a repreendeu,
Talvez por uma razão
O que seria errado?
Nada pude entender,
Mas o homem falou:
Sabemos que está presente
Pois você foi escolhido,
Assim fiquei intrigado,
Escolhido pra que
No meio dos elegantes
O que eu ia fazer?
No momento de aflição
E muito educadamente
O homem continuou:
Sabemos querido filho
Que está surpreso consigo
Pelo fato de aparência
Está contrariado
Mas para nós, no entanto
Não faz sequer diferença
Estando em nossa presença
Já é fato consumado,
Depois do seu Julgamento
E se for absorvido
Será também um de nós
Ocupando sua função
No Jardim do paraíso,
Para eternamente viver
Na mais completa paz
Alegria e união,
Não coma o povo da terra
Que se esconde no cifrão
Esquecendo muitas vezes
Aos que tivera ofendido
Perdidos na safadeza
Nos campos da ilusão,
Portando um coração
Cheio de hipocrisia
Esquecendo-se que um dia
Todos seriam queimados
No fogo celestial,
O que combate o mal
Dentro da dura razão,
Você querido filho
Foi escolhido entre muitos
Portanto merece viver
Neste lindo paraíso
Porque cumpriu o papel
Na sua estrada sofrer,
Nas sempre com esperança
Vejo no seu olhar
Pro dia da salvação,
Pois sempre a carregar
Dentro do coração
O amor pelo seu próximo
Respeito e gratidão,
Não como muitos idiotas
Que só vivem o eu
Com suas imbecilidades,
Nesta mesa de cristal
Está escrita a história
De todos os escolhidos
Onde devem contemplar
Mesmo até a chorar
Suas tristezas e alegrias
No viver do dia a dia
Da real existência
Para ter a consciência
No dia do julgamento,
Veja agora você,
Enquanto surpreso eu via
As imagens que surgiam
E o homem relatava,
É o seu tempo de infância,
Ao ver aquelas imagens
Surpreso eu relatei
Pois na hora não gostei
Pelo jeito estranho
Naquela hora gritei,
Não concordo, não concordo
Coberto o meu semblante
Ao ver tanta pobreza
Repleta de ódio e dor
Como o meu amor
Fosse nascer de mim
Da imagem que fui
Até parece um fim
Pois do nada pra nada ser
Para viver ou morrer
Que diferença teria
E onde iria chegar
Beleza não existia,
De modo que relatei
Todos olhavam para mim
Minhas palavras sem fim
Tentavam justificar
Até chaguei a chorar
Na angustia e aflição
Doía o meu coração
Dor sem poder comparar,
Foi quando o homem falou:
João Rodrigues,
Assim parei de falar
As lágrimas sem estancar
E o homem continuou,
Vi as imagens na mesa,
Filho você está vendo?
Esta foi sua juventude,
Com meus olhos tristonhos
Que pareciam sonhar
Um sonho sem acordar,
Nem parecia ser o mesmo
Da miserável infância
Encontrei a arrogância
Aportada no meu ser
Tão robusto e atraente
Jeito de conquistador
Dono de algum amor
Que teria para dar,
Já não estava a chorar
Fiquei contente ao ver,
De modo que confirmei
Chorando de alegria
Ao ver a hipocrisia
O homem interrogou,
Reaprendendo o que eu dizia,
Eu já estava feliz
Ao ver este meu passado
De onde vim atirado
Para ser tão decente
Junto os meus amigos
Trocando entendimento,
Porém ele me fez lembrar
Meus momentos de vaidade!
Onde as vezes misturava
O certo com o errado,
Lembra-se o que fazia
Desrespeitando o Criador
Pois em lugar do amor
O ódio você plantava
Desprezando sem piedade
Aqueles que te amavam,
Aquilo foi que lhe deu
Seus lindos pés de cavalo
Quando atirava o coice
Sem importar a quem pegar,
Meu corpo até tremia
Enquanto o homem falava,
As imagens apareciam
Vi que na minha vaidade
Às vezes ou cometia
Tantas coisas impensadas
Pois antes de me conter
Rudemente falei,
Mas justo nas alegrias
Que a tristeza chegou?
Com estes pés de cavalo
O homem assim relatou:
Você já não os tem
Pois na verdade reconhece
Como a árvore que cresce
E bom o seu coração
Dou-lhe de novo seus pés
Não fique agradecido
Muito nervoso falei,
E quanto as minhas asas
Que erro que cometi?
Será que posso saber?
Tão alto foi o meu grito
Que transformou em risada
Que abalou a minha mente
Senti pena de mim,
Assim comecei a chorar
Quando só eu me vi,
Foi num passo de mágica
Eu estava perfeito
Já não tinha mais asas
Não tinham em mim defeitos,
Sei que onde me vi
Tinha um abismo na frente
Fez-me desesperar,
Até queria ter
Aquelas asas de volta
Para que eu pudesse sair,
Muito triste me senti
Com lágrimas nos olhos
Perdido na imaginação
Pois não podia pensar
Como iria fazer,
Para regressar ao passado
Ou ser consumido no fogo
Do que ficar onde estava
Notando que ali
Nada se modificava,
Vi-me cheio de dor
Naquele pedaço de chão
Porém me vi alegre
Só por estar são,
Sorrindo até às vezes
Contemplava o meu corpo
Da minha cabeça aos pés
Quanto eu era perfeito
Até sorria de mim
E ai João Rodrigues
O que será de você?
Neste mundo de magia
Como irá sobreviver?
Porém fiquei assustado
Quando um grito chegou
Que vinha lá do abismo
Trazendo grande horror,
Pois parecia vir de longe
Devido o eco que chegava
De alguém em aflição
Vivendo grande terror,
De modo que perguntei
No fundo do sentimento
Quem será que gritou
Percebi o meu pavor,
Pois cheguei a imaginar
Que foi alguém que caiu
Sem poder se segurar,
No seu destino errante
No abismo do destino
Para ver a existência
Desceu sem ter clemência
Por tudo que lhe fizera
Naquele olhar de fera
Pelo abismo desceu
Sua ilusória razão,
Ou de ser alguém na vida
Perdendo mais uma partida
De profundo clamor
Sendo amigo da dor
Dividindo a fantasia
Lá no abrigo da sorte
Andando ao lado da morte
Ouvindo gritos de horror,
E seria eu o próximo?
Condenado a sofrer?
Naquele abismo a descer
Sem saber aonde chegar?
Se para sorrir ou chorar
Algo ia acontecer
Uma vez que onde estava
Não podia ficar,
Contudo os meus olhos
Perdiam no firmamento
Não tinha nuvem nem vento
Só me restava penar,
Naquele lugar nefasto
Pagando não sei o quê
Pois na mesa de cristal
Tudo estava explicado
Mesmo com o que se deu
Eu estava contente,
Pois com o meu ar feliz
Sabendo que fiz o que fiz
Mas fiz só por fazer
Sei que me fez sofrer
Naquele exato momento,
Porém a mim compensou
Pela linda juventude
Na paz da vida e o amor,
E, no entanto a chorar
Num cubículo de lugar
Onde a alegria e a dor
Não podiam comparar,
Olhei para onde eu estava
Vi que a terra descia
Senti minha pele fria
Tive medo do morrer
Pois aos poucos acabando
Aquele pequeno lugar,
Sem ter onde me segurar
Naquela grande aflição
Acabei por saltar,
De olhos fechados o abismo
Chorando como criança
Na escuridão do meu ser
Sem ver aonde chegar,
Sei que os dias passaram
Fui caindo lentamente
Onde eu iria chegar,
Pensava o meu pobre ser
Por fim abri os meus olhos
Quando o medo acabou,
Foi que me vi descendo
Naquele estranho funil,
Estava pagando pecados?
Sem nada para receber
Pobre de mim a sofrer
No abismo arrasador
Mais forte do que a dor
Longe da imaginação,
Sem ter com que comparar
Aquela situação,
Seria um sofrimento?
Ou um castigo qualquer?
Que me fazia ninguém
Diante da existência,
Por que não acaba comigo?
Às vezes até pensava
Era que fiz merecer,
Ou vira a alegria?
Isto e ser escolhido?
Por que não fui queimado?
Já teria virado cinzas
Estava tudo acabado,
Escolheram-me pra quê?
Pra ficar sendo jogado?
Num sobe e desce sem fim
Sem escolha de lugar?
Lembrava da minha vida
Junto dos meus irmãos
Sei que fui sempre bom
Amigo e companheiro
Pois crescemos juntos
Na areia a brincar
E depois de moço
Vi cada um se casar
Ir abrigar um destino
Morando em cada lugar,
Deixando ali os velhos
De cabelos embranquecidos
Rostos cheios de rugas
Em um olhar entristecido
Segurando um bastão
Para poder sustentar
O orgulho e a cabeça,
Na fila da penitência
Desrespeitando a ciência
Em recordes do viver,
Mas logo eu a sofrer
Ainda um moço senhor
Chegar o último dia
Pra tirar de mim
O direito de penar
Na pobreza a vagar
Num caminho de ilusão,
Como um velho violão
Com um buraco no peito
Marcas de dedos nos braços
Tarraxas enferrujadas,
Tocando a última canção
De um boêmio qualquer
Desprezado da mulher
Musa da sua existência
Das noites de bar em bar,
Num recanto do salão
Apreciando cada gole
Do seu espectador,
Que ouve a sua poesia
Virando realidade
Na madrugada fria,
Assoprada pelo tempo
Que dá lugar ao sol
Com raios desbravadores
Queimando o ódio e o amor
Pelos homens do dinheiro,
Que movimentam desgraça
Na esquina do tormento
Das ruas do poder
Nas praças do sentimento,
Bem perto dos seus castelos
Onde vivem contentes
Com o que puderam roubar
Até do seu próprio irmão,
Como a frieza do aço
Atirado ao relento
Embebendo o orvalho
Misturando-se a ferrugem
Na lentidão do viver,
Como no abismo que estou
Vendo a parede do tempo
Deslizando-se por mim
Em um buraco sem fim,
De tanto tempo descendo
Minha roupa até acabou
Agora estou nu
Veja a que ponto cheguei,
Tenho vergonha de mim
Com quem irei me encontrar
Com esta minha nudez,
Assim eu olhava meu corpo
Gostei da renovação
Queria um espelho
Pra ver o meu passado
Que chegou ao meu futuro
Depois de um julgamento,
Com sentença de tormento
Sem ouvir o resultado,
Enquanto aquele buraco
Começava a se fechar,
Vi o meu corpo flutuar
Como um pedaço de pano,
Ou seria um engano?
Eu continuava a descer,
Mas por fim cheguei ao fim
Do pesadelo contente
Ainda são como gente
Na vergonha de estar,
Ali comecei a chorar
Ao ver um novo salão
Cheio de pessoas nuas
Andando pra lá e pra cá,
Nuas de toda forma
Sem roupa e sentimento
Como estarem esperando
Alguém para o amor,
Porém sem sexo sem vida
Um amor de gratidão
De um convívio eterno
Todos de igual para igual,
Sem um mandar no outro
Cada qual no seu papel
Como o dedo e o anel
No tratado de um rei,
Porém pobre de mim
O que devia fazer
A quem me reportar
Sem poder me encontrar
A vergonha de falar
Até mesmo de olhar
Para a nudez de todos,
Sem os costumes da terra
Pois como seria possível
Conter a minha ereção,
Ao ver mulheres lindas
Andando perto de mim
Parecia chegar ao fim
Vendo o corpo sedutor,
Como era duro suportar
Desviava o meu pensamento
Tornando-me sem atenção
Até que uma falou,
Com tanta delicadeza
Na sua voz aveludada
Como uma mansa chuva
Caindo em uma escada,
Respeitando os degraus
Na calmaria a descer
Os grãos de areia perdidos
Na enxurrada contente
Se misturando no barro,
Mas se fosse eu a chuva
Ou um pequeno grão
E também o barro sujo
Na estrada do sertão,
Onde estaria o meu ser
Naquela hora do nada
Ou seria outra hora?
Ora sei lá que hora
Nu na frente de tudo
Que desejei encontrar
Porém em meu lugar
Não acima das estrelas
Com elegante beleza
Sem se poder comparar,
João Rodrigues querido
Quanto você demorou
Para ocupar o seu lugar
Não podia atrasar
Venha vou te levar
Pra sua eternidade
Ver a felicidade
Depois do seu julgamento,
Seguimos para um ponto
Mas perguntei o seu nome
Ela não respondeu,
Parecia não escutar
Pensei em me aproveitar
A grande situação,
Atirei-me em seus braços
Com tamanha sedução
Beijei os seus lábios corados
Mas não fui correspondido,
Senti-me assim traído
De maneira intransigente
Bem depois das estrelas
Pois como poderia
Suportar tamanha dor,
Quanto tempo eu desejei
Alguém pra me amar
Mas perdido na ilusão
De respeitar o direito
Perdido no preconceito
De um povo mesquinho,
Aguardando o que não vinha
Até o fago chegar
Pra consumir a terra
Com todo o seu tormento,
E ao chegar ao lugar
Para um determinado
Triste e amargurado
Ouvi a linda falar,
Este e João Rodrigues
Meu corpo ficou gelado
Ao ver um grande lago
Parecia ser de sangue
Ou expurgo de alguém,
No meio dele um homem
Com chifres rombudos
Nascendo em sua cabeça
Duas orelhas de besta
Com as pontas para frente
Com um sorriso sem dentes,
E logo a me dizer
Venha João Rodrigues
Quanto tempo eu te esperei,
Pra isso que fui escolhido?
Foi o que logo pensei,
Porém já estava perdido
Não adiantava pensar
Nem escolher condição
Tinha que acontecer,
Mas qual a diferença
De aceitar ou não
Ele não era patrão
Nem tampouco um senhor,
Se eu recusasse o mandado
O que iria acontecer?
Uma vez já arrasado
Que diferença faria?
De modo que recusei
A ordem do cidadão
Porém estendeu-me a mão
De uma forma estranha
Complicando o meu drama
Naquele lugar de horror,
Que parecia expurgo
Do resto que alguém viveu,
Descobri que meu caminho
Já tinha sido traçado
Bem longe no seu passado
Por um ser onipotente
De alguma forma secreta,
Deixei ao bel prazer
Que uns fazem do viver
Outros vivem a penar
E outros choram por ter
De tudo o que desejasse
Outros por nada ter,
Desejando que alguém
Já anda até abusado
Já dono do resultado
De ter tudo em fim
Na completa ilusão,
Debruçado na porta
Até de existência morta
De andar, andar, andar,
Eu pobre de mim
Nunca pude escolher
O que vinha em minha mão
Era fruto do sofrer
No acaso do viver
Tudo era bem recebido
No acaso ou gratidão
De um coração perdido
E na pobreza do ser,
Debaixo do meu destino
Fui da vida um assassino
Sem a glória encontrar
Jogado pra lá e pra cá,
Ainda fui escolhido?
Para um poço de sangue?
Nu como nasci?
Dos afetos contentes
Feio, porém era gente
Amado por minha mãe
Com seios adoradores
Dava-me o suco da vida
Entre mamilas mimosas
Igual a botões de rosa
No deleite eu dormia,
Parece que nem sabia
O que ia acontecer
Para me vir em lembrança
De uma forma decente
O meu tempo de criança
Até o último dia,
Ao me perder no passado
Coberto de ilusão
Atrás do nada eu ter
Pois nem pude guardar
Para esta ocasião,
Fui entrando lentamente
Naquele lugar infernal
Misturando-me ao sangue
Da glória ou da maldição,
Sei que não tinha palavras
Para dizer ao senhor
De tão grande ser a dor
Eu nem podia falar,
Lágrimas em meus olhos
Jorravam como vertentes
Transformando o meu ser
De uma maneira decente,
E fui chegando perto
Do homem misterioso
Senti meu corpo mudando
Parecia me transformando,
Meus braços viraram asas
Meus lábios grandes bicos
Meus pés eram de pássaro
E logo me vi voando,
Sai levando comigo
A voz do homem do mal
Pensava pra onde ir
Terminar minha missão
Ele gritava aflito
Parecendo ser perdedor
Eu era o pássaro vermelho
Pelas graças do Senhor,
Voando para o infinito
Enquanto o homem gritava:
Volte aqui seu desgraçado
Você foi escolhido,
Vi aquele monstro vencido
Pelo sangue do poder
Que me provou a sofrer,
Mas me deu condição
De escolher qualquer coisa
No espaço da razão,
De longe eu avistava
Além da imaginação
Os labirintos da terra
Depois da destruição,
Enquanto muito contente
O vento me assoprava
Para muito bem distante,
Via no meu semblante
Que algo procurava,
Mas o que seria!
A tal preocupação?
O pobre pássaro vermelho
Do sangue da penitência
Bem distante da ciência
Da magia e ilusão,
Da conversa combinada
Lá na casa do poder
De decreto em decreto
Assinado por alguém
Para atender minoria
De doutores retardados
Perdidos no tempo jogados
Na ilusão do viver,
Mas eu era um pássaro
Distante da escravidão
De um salário combinado
Sem a minha permissão,
Como forma de manter
Atado em meu pescoço
Até sem fazer esforço
A grande coleira da fome
Que substitui a corrente
Presa no tronco rugoso
Na masmorra do castelo
De um idiota famoso,
Ah! Venha seu imbecil
Aqui em cima me pegar
Para isso acontecer
Terá de ser escolhido,
Vejo que não devo falar
Que dizem o que querem
Vivo voando a pensar
Voando sem poder pousar
No cansaço do viver,
Voando sempre a sofrer
Nas asas do sofrimento
Ouvindo gritos de lamentos
Onde não consigo ver,
Pois em reuniões secretas
Onde trata o que não presta
No amanhecer, porém
Uns esperam o que não vem
Na ilusória razão,
Quanto dói o coração
Ao sentir o medo
E se guarda em segredo
No escudo da tristeza
Emudecendo a beleza,
Como uma flor a murchar
Num galho cheio de espinho
No final de um caminha
Sem nenhum lugar chegar
Como lágrimas a chorar
Em um cego de nascença
Sem a cor da inocência
Na ultimo dia a penar
Vendo eu voei também
De longe não via ninguém
Nos campos da alegria
Este campo deserto
Nem uma viva alma
Podia deliciar,
O vento meigo e descente
Com redemoinho encantado
Que varria o chão
Deixando nomes escritos
Porém em outra língua
Para ninguém entender,
Pois só quem não sofre
Teria esta condição
Na gramática da razão
Escrever o seu passado,
Porém eu amargurado
Nem uma vírgula sequer
No meu testo de pesar
Nem mesmo vi reticências
No mundo de indecências
Só via ponto final,
Bem na porteira do mal
No curral do desespero
O endereço acertado
Como se fosse um trato
Num palácio do poder,
Onde não importa o sofrer
Doa a quem doer
Mesmo que tivesse razão
Pois somente o patrão
Tem o direito de errar,
Enquanto o pobre a chorar
Faz o errado calado
Com o peito amargurado
Remoendo o a fazer
Calado sem poder dizer
O que seria acertado,
E no gabinete ao lado
Do coronel o recado
Tem de ser atendido
Mesmo de um bandido
Com muita autoridade,
Pois sem provar o contrário
É ele que tem razão
E ai do cidadão
Que uma causa mover
Pode ter certeza do sofrer
Que apontará em si
Foi mais isso que vi,
Quando andei por ai
Sobrevoando o passado
Também vi lágrimas correr
Como verdadeiras vertentes
Das entranhas de alguém
Nascia a prostituição,
Arrastando-se pelo chão
Alimentando alguém
Mães possessas do mal
Criando filhas bonitas
Alegres como cabritas
Berrando na escuridão,
Servindo a força da carne
Em troca de um prazer
Ou um pouco de cifrão
Eu ouvi, pois estive lá,
Umas chamavam as outras
Pra se servirem também
Matar a sede de alguém
Sem pensar no futuro,
Pois bem ao lado do muro
Alguém morria a gritar
Parecia que gostava
Do momento que gozava
Um gozo sem sentimento
Naquela escuridão,
Nem mesmo via quem
Invadia o seu ser
Pondo em suas entranhas
Espermas de marginais
Levando mais uma viagem
Para os confins do terror,
Pois sem essência do amor
Geravam como tumor
Na castanha envenenada,
Com puras drogas nas veias
Alimentavam bebês
Para o último dia,
Eu até chorava
Mas nada adiantava,
Algumas até morriam
Pois o mal era indecente
Eram monstros ou era gente
Não conseguiam saber,
Pois nem sei o que dizer
E depois das frias trevas
Partiram do firmamento
Só se lia o sofrimento
Em cada semblante perdido,
Via em mulher e em marido
O ar de desconfiança
Outros guardavam vingança
Num rosto emudecido,
Enquanto o ódio imperava
Logo a desgraça rondava
Como uma serpente invisível
Tragando pedaços do fel,
Nas presas de desespero
Fazendo da vida um tempero
Para macabra razão
Trocando o amor e a paz
Por discórdia sem fim,
Como uma rede no rio
Pescando o que vier
Sem sentimento e fé,
Pescando apenas pescando
Ou acordado sonhando
Sem nunca se acordar,
Com o que falam ou dizem
Nunca sabem o que falar,
Portas abertas e fechadas
Faziam divisas do nada
Como uma mente infantil
Que vive cada momento
Sorri ao ver a graça
Choram só por chorar,
Mas depois se acalenta
Repousa no braço da mãe
Ou de alguém que vem
Dispensar o seu carinho,
Sentindo pena ou amor
Aliviando a dor
Encobrindo a solidão
Como o som da canção
Na distancia do viver,
O filho sem pai vagando
Por sobre o destino cruel
Como o dedo sem anel
De um título ganhando,
Atrás da vida o passado
No meio do bem querer
Onde ama sem poder
Por poder amar,
E se isso for amor
Como será a vida
Desta que veio pra viver
Uns no mar a sofrer,
Vendendo o seu destino
E com o dinheiro assassino
Compra a paz e alegria
Compra a guerra compra vida
Paga a vista e a prestação
Deixam outras fiadas
Num macabro papel,
Cobrindo a noiva com o véu
De sua verdadeira inocência
Ou mortalha sem clemência,
Ao encontrar o lar repleto
De filhos e pesadelos
Sem ter meios de contê-las
As tragédias e desgraças,
Como cupim ou a traça
Perfurando o seu ser
Corroendo os seus sonhos
No lamaçal de ardor
Levando no peito a dor
De ódio e frustrações,
Ao encontrar alegrias
Como o término de uma via
Nos confins de um sertão,
Ou no pé de uma serra
Sem túnel para seguir
Não adianta fugir
Em busca de solução,
Voltando em cima do rastro
Com vitória ou com fracasso
E sem poder reclamar
Às vezes até a chorar
Lágrimas de sentimento,
Ao receber boas vindas
De alguém que ficou triste
Só por não poder ir
Seguir a mesma aventura
Achando que a vida dura
Melhora-se ao deixar
O resto para depois,
Quem sabe do pôr-do-sol
Ou ao luar prateado
Assim foi que vi
Aumentando o cemitério
Os milagres os mistérios
Frutos de ilusão,
Onde um pensa em ser
O que nunca quis saber
Ter-se-á a recompensa
Como casa sem dispensa
Que não sacia ninguém,
Eu vi chorando também
E pedindo pra ficar
Alguém para acalentar
A solidão de mãe,
Depois dos filhos criados
Pagando os seus pecados
Vivem a pelejar
Levando consigo a saudade
Talvez pra eternidade
Em cada momento vivido,
Tratados como bandidos
Choram até sem saber
Pois lá dentro do seu ser
Há pranto, tantos prantos,
Como na viúva o manto
Que cobre a sua cabeça
E na negrura dos seus olhos
Guarda os momentos
As juras e sentimentos
Que trocaram em um quarto
Ouvindo os seus corações
Mergulhados em emoções
Servindo a força da carne,
Vi lábios bonitos beijando
Como a rosa e beija-flor
Como a alegria a o amor
Andando pelos jardins
De mãos dadas sem parar,
Ou num banco a prosar
Igual a muitos que vi
Enroscando-se aos outros
De uma forma decente
Como a língua e o dente
Numa boca a falar,
Respeitando cada ato
Da engenharia divina
Igual o azar e a sina
Que esperam ao dizer
Na verdade eu não sei
Pois não adianta saber,
Se chorar ou se sorrir
Pois são atos do viver
Da forma que desce
A água da cordilheira
E respeitando os montes,
No vales vem repousar
Formam rios para o mar
Tornar-se o maioral
Sendo expurgos de lágrimas
Poluídos que vieram,
De uma nave solitária
Que choram ao ver a terra
Dando gritos de horror,
Pois tanta dor
Quando o sol lhe atira o raio
No pino do dia ardente
Vêem-se como ira do vulcão
Jorrando lavas de horror,
Vindo do coração tristonho
De quem carrega a desgraça
Com tanta desigualdade
Uns nadam em felicidade
Outros nem podem viver,
Pois até migalha o pão
Pelas ruas atirados
Tomaram-lhe o direito
De usar o seu quintal,
Seria a força do mal
Ou do homem do saber
Que compram fazendas
Até pedaços de ser,
E o frigorífico da sorte
No estreito destino
Os sonhos são massacrados
Na chapa da decisão,
Cada um tem seu patrão
Que lhe atira o reio
De poucas moedas vencidas
Dominando a sua vida
Até o que deve fazer,
Coitado de tanto sofrer
Perde o semblante divino
Aprende com o assassino
Algumas de suas lições,
Depois ladram como cães
Quando a cocheira esvazia
O mais forte ganhar
É de exemplo aos outros
Que se juntam como trouxas
Da lavadeira no rio,
Enfrentando sol e frio
Mergulhadas na espuma
Tocadas como a pluma
Pelo vento sobre as águas
Contaminando as lágrimas
Que caíram dos seus olhos
Pelo choro do seu sofrer,
De cada peça lavada
Por mãos pobres enrugadas
Pequenas unhas aparadas
Com a soda do sabão,
Os flácidos bustos caídos
Como as trouxas se abrindo
Como o badalo do sino
Tocando lá na matriz,
Chamando os seus fieis
Que obedecem ao som
Juntam-se para falar
Sobre o fato que se deu,
Falam de quem já morreu
E foram santificados
E só por salvar alguém
De um momento qualquer
Atribuem a isso o milagre
Conquistando o poder,
E o seu busto em bronze
Lhe deixa imortalizado
Como chão cristalizado
Imune ao fogo e a erosão,
E o seu nome é falado
De geração em geração,
Vi que era vaidade
De alguém que me olhava
Eu já não era pássaro
As minhas penas caíram
Com tanta desgraça a fome
Elas não resistiram,
Vi-me no meio de muitos
Atiradas na sarjeta
Vi gente com cara de besta,
Sorriam da minha nudez
De meus trapos maltrapilhos
Confundiam com minha pele
Suja como a terra,
Nas profundezas do nada
Na soma do zero a zero
Onde se foi a alegria
Deixando somente a tristeza
Na penumbra da beleza,
Amargura junto ao frio
Num convívio de lamentos
Sem nenhuma chance
De chagar onde quiser,
Pois apenas esperando
O que não sabe o quê
Vem aportar à sorte
Bem do lado da morte
No matadouro sem fim,
Que se confundem nas ruas
Praças e avenidas
Ou em estradas esquecidas
Nas curvas do desespero,
Igual guisado sem tempero
Que servem sem paladar
Na ceia de quem já morreu
Sem ter a salvação
No último dia a penar,
Vi chuvas de enxofre
Na ciumeira das casas
Descendo fogo nas telhas
Fazendo em cinzas o chão
De quem dá adeus sem mão
Acenando para o nada
Correndo da enxurrada
Que se junto no seu ser,
Quem não foi não pode ver
O quanto dói à razão
Encontrando o veredicto
Condenando o inocente
Que chora por uma pena
Que outro tem que pagar,
No entanto a gritar
Por sua condenação
Enquanto em seu coração
Está o brado da dor
Se escondendo no seu ser
Da sua realidade,
Vi no espelho a imagem
Do tempo que foi outrora
Como o sogro vê a nora
Coma sua filha a prosar
Na cadeira da varanda,
E seu filho viajando
Ou no passado sonhando
Alguém pedia perdão
De joelhos no chão
De mãos pro céu estendidas
No nada tentava ver
Mergulhava em sua mente
No vazio da imaginação,
Desprezando a razão
Sentindo o prazer ardente
De uma forma intransigente
Discutindo com o ninguém
Agradecendo a si
Pela clemência afetada,
Como uma sombrinha furada
Tapando o sol do destino
No caminho do assassino
Se escondendo da lei
Que invisível o persegue,
Como o cão e a caça
No mato fechado e escuro
No instinto natural
Perseguindo o seu verme,
Como a casa sem visita
Na sombra do esquecimento
De uma velha construção
No beco estreito da rua,
Vi em semblantes perdidos
Vontade até de vencer,
Conquistar não sabe o quê
Pois vi tudo sem solução
Pra muitos faltava o pão
Esquecidos noutras mesas
Onde saciou alguém,
Que depois de fartar
Atirava-lhes ao lixo
Pois nunca ia faltar,
Na mansão do seu doutor
Que recebera o poder
De urna grande multidão
Na promessa de fazer
Ou trazer a solução,
Vi os anos passando
Vi tanta gente enganada
Tropeçando nas calçadas
Levando fardos nas costas,
Pura esperança morta
Do seu doutor assassino
Que matam sem clemência
A troca de recompensa,
Num cargo até eterno
Na folha de pagamento
Que já é depositado
Na caixa do banco ao lado,
Pra outros negociarem
Para até vidas comprar
Numa escravidão sem fim
E eu pobre de mim,
Vi sem poder contar
Na linha do telefone
Alguém mandava matar
Por duas cabeças de gado
A viúva ia chorar,
Os órfãos desconsolados
Fazia pena olhar
O futuro esburacado
Num pântano endurecido
De ossos ali jogados,
E quantos que esperaram
Por quem nunca viria
Até inocentes sorriam
Na espera do ninguém,
No pôr-do-sol com nuvens
Vermelhas lá no sertão
Iluminando o chão,
E logo chegavam as trevas
Quebradas com o luar
Escondido entre as nuvens
Assopradas pelo vento,
E as manchas de sobras
Segue de mente em mente
Lá nas brenhas esquecidas
Casas de assombração,
Repousava algum ser
Vivendo de humilhação
Ralando a terra a troco
De uma cova pra morar
Após prazeres da carne,
Possuídas pela fé
Servindo a força do ídolo
Que só recebe o tratado
Na escuridão da dor,
Atrás do acontecimento
De um sinal do diabo
Que apodera do ser
Pra saciar do pecado,
Consumindo a sua alma
Alimentando do mal
Formando homem valente
Pra família indefesa
Que vive como uma presa
Nas garras da escuridão,
Enquanto os vermes da terra
Entra por dentro de si
Deixando a rota casca
Como no lixo a cabeça,
Exposta ao sereno a traça
Se misturando a malva
Bem depois da primavera
Embelezando o quintal,
Onde frutifica o mal
Na porteira do curral
À espera da aparta
Depois da ferra contente,
Da sorte de cada um
Com seu rebanho a berrar
Na casa o neném a chorar
Enquanto canta o bem-te-vi,
Na laranjeira dizendo
Que vi bem te vi
Porém ele diz o bem
Sem mentira ele falava
Mas ninguém atendia,
Mergulhando-se no mal
Correndo atrás do ouro
Rolando como besouro
Estercos para o chão
Na escuridão do buraco
Serve-se do que achou,
Não importando de quê
E rolando a sofrer
Naquele abismo chegou,
Mas chama de alimento
E muitos sem asas não têm
O direito de voar,
Para ver o que eu vi
Hoje estou a seguir
Mas onde vou chegar,
Lá não vou encontrar
O que deixei com o bem
Já partiram para o além,
Como a vontade de ter
O que a vida não lhe deu
Ou a satisfação de viver
Ter o lar pra repousar
Na doçura do viver,
Com a doce amada ao lado
E os filhinhos a brincar
Conversando sem parar
Que até lhe faz sofrer,
Quando quebra o silêncio
Da sua mente cansada
Ou da vida amargurada,
Pelo ouro que perdeu
Como a ferrugem comeu
A lata lá no relento,
Ao som da brisa e de vento
No escuro sereno fria
No curto correr de tempo
Do amor passageiro,
Como o andando ligeiro
De um louco cão e vagar
Nos carreiros do destino
Nas capoeiras da vida,
Por sobre espinho de cobras
Que a raposa deixou
Depois de saciar a fome
Ouvindo o lobo uivar
No alto da serra distante,
A grande onça urrar
E no paiol de espigas
Na madrugada sangrenta
O galo canta tristonho,
Ao ver o dia raiar
Iluminando a terra
Que despede das estrelas
Se entregando ao calor,
A caça cismada corre
Procurando se esconder
Na vergonha envergonhada
Do que fez na escuridão
Onde outros se levantam
À procura do comer,
Como se cumprem a missão
De um eterno viver
Sem armas sobrevivem
Na harmonia natural
Ao som da sinfonia
Que forma lá na cascata,
Quando a água vai descendo
No embalo da canção
Vi que tudo era puro
Mas logo tudo mudou
Pássaros voavam gritando
Com o maldito som do motor
Árvores gemiam caindo
De suas a fumaça
Dos seus galhos as chamas
Dos seus troncos o carvão
Transformando em cinzas,
No quente formo a fazer
A terra virando ferro
Para servir ao progresso
Pois vi lá nas cidades,
Palácio encantador
Dizem que lá morava
O bicho que se chamava
De Coronel ou doutor,
Assassino da grandeza
Usurpadores da beleza
Tremendos conquistadores
Pois quantas lágrimas viram
Descendo o rosto de alguém
Pura de divindade
Enquanto era explorado
Por caçadores do mal
Vindo de bem distante
Talvez atrás dos montes
Em busca de força de carne,
Formando grandes favelas
Criando como vivente
Não sei se esse bicho
Tão enfeitados que andavam
Jóias perdidas no corpo
Usando só por prazer,
Não importando com alma
No seu depois do morrer
Matando o seu templo santo
Nas garras do mal a viver,
Trocando a vida eterna
Por pedaço de maldição
Cavando a condenação
Nas profundezas sem fim,
Vendendo e sua alma
Por bocado de pecados
Provando o veneno da morte
Num beijo de maldição
Se entregando ao corpo
De muitas formas pensadas,
Que parecia um dueto
No lamento desigual
Sorriso e gargalhas
Das profundezas do chão,
Arrepiava-me os pelos
Ao ver e ouvir tanto horror
No meu peito a grande dor
De não poder consertar,
Dar a eles o remédio
Tirá-los da condenação
Mas vi sem salvação
De tão podre que estava
Como uma fruta madura
Que se atirou do galho,
Espedaçando no chão
Sem saciar ninguém
Num lugar desabitado
Tragados pelo pecado
Que se amontoava a miséria,
Não leva a coisa a sério
Porque perdeu o valor
Não mede o peso da dor
Nem o valor do mistério,
Há! Eu vi sangue correr
Das veias dos inocentes
Bem distante deste mundo
Onde me vi a vagar,
Vi o tempo parado
Não era noite nem dia
Todos eram companheiros
Ali ninguém roubava
Todo mundo confiava
No que todos diziam,
Há! Como eu gostava
E quanto eu gostaria
De encontrar quem perdi
E todos no paraíso
Felizes a sorrir...
Fim
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