O HOMEM DO CAVALO PAMPA
JOÃO RODRIGUES
A vida é incontestavelmente um grande mistério. E esse mistério ainda é maior quando nos defrontamos com coisas inexplicáveis. Só ouvi mesmo as pessoas falarem o que tinha ocorrido na minha triste infância, que graças a Deus não me recordo de nada. O certo é que nasci no meado do século 20, num pequeno casebre lá nas brenhas do sertão baiano. Filho de uma senhora, mãe de mais de quinze pobres inocentes que juntos comigo vivíamos as grandes dificuldades impostas pelo cruel destino àqueles habitantes do lugar chamado terceiro mundo. Contudo parecia que a sorte ainda nos sorria. Pois, tínhamos o nosso pai que com mãos fortes lavrava um pequeno pedaço de terra que possuía para dele tirar o nosso pão de cada dia. Dizem que quando eu nasci foi muito estranho, estranho por eu ser um menino diferente dos outros. Era muito feio e pequeno. Magro que só se via o couro e o osso. A boca muito pequena e sem motivo chorava dia e noite sem cessar. De modo que quando não estava no colo de alguém, ficava deitado num couro de boi estendido no chão da pequena sala da casa de enchimento onde viviam. O certo é que todos que me viam naquele couro de boi não deixavam de dar o seu veredicto:
- Esse não se salvará.
Também pudera, eu não crescia, além de só viver a chorar, ali naquele duro couro de boi. Logo a minha fama atravessou fronteiras e muitos que passavam por ali indagavam dizendo:
- O menino já morreu senhora?
Talvez com muita tristeza ou revolta a minha mãe dizia:
- Não, ele ainda está vivo!
Assim o tempo foi passando e além de eu não crescer, continuava chorando, deitado ali naquele couro de boi à espera de sei lá o quê. E lá de fora quem passava pelo caminho não se esquecia de gritar:
- O menino já morreu senhora?
Como que uma gravação minha mãe dizia:
- Não, ele ainda está vivo!
E assim que a minha mãe respondia a tal pergunta, de modo que ela parecia preparar o seu cérebro para responder ao próximo viajante que passasse por ali. Contam que a minha situação não era boa. Meu pai não tinha tanto recurso para poder ir em busca de algum médico especialista para saber qual era a minha doença. Só tinha mesmo na pequena cidade ali perto, um tal doutor que parecia mesmo a um curandeiro. Esse por sua vez não tinha nem mesmo coragem de opinar algo a meu respeito. Dizem que meu pai fez questão de me levar a ele, mas para a sua tristeza ele disse não poder fazer nada por mim. De modo que era só esperar o meu fim. Que de certa forma não parecia demorar muito. Pois, dizem que quando me deitavam lá no couro de boi, era possível ver mosca entrar por uma das minhas narinas e sair pela outra. Era de dar dó. Até formigas caminhavam por entre os meus olhos que nem mesmo piscavam.
- Não sei que pecado cometi para merecer tamanho castigo! - exclamava o meu pai.
- Não fale isso homem, Deus é pai e sabe o que faz - relatou a minha mãe dizendo:
- Ele não vai morrer!
- Já se passaram cinco anos e o nosso filho não chegou ao tamanho de uma criança de dois anos. Eu já não sei o que fazer. Veja que coisa estranha nos aconteceu, depois do nascimento dele, você perdeu uma criança já quase formada...
- Não devemos culpá-lo por isso homem. Perdi uma mas, ganhei outra.
- Nisso você tem razão - relatou o meu pai dizendo:
- E já está maior do que ele!
- Pois é homem...
De maneira que os meus pais comentavam os seus problemas me olhando ali estirado naquele couro de boi estendido no chão da sala.
- E você sente que não terei mais filhos?
- Será que Deus não vai nos confiar mais um?
- Sinto que não.
Minha mãe parecia ser uma mulher diferente das outras, ela sabia aceitar as coisas como vinham para ela. Meu pai no entanto, já era mais exigente. Talvez por viver naquele sertão onde tudo era difícil.
- Parece que vai chover - relatou a minha mãe entrando na casa e indo para cozinha.
- Não sei que chuva! - murmurou o meu pai debruçado na janela da varanda.
Contudo nenhum humano é capaz de entender verdadeiramente os planos de Deus. Pois, num piscar de olhos quando aquele pobre homem atirou os seus olhos para o pequeno terreiro da casa pôde ver a chuva caindo por entre o sol e avistou um homem montando um cavalo pampa que acabava de chegar dizendo:
- É aqui que vivo um menino doente num couro de boi?
- Sim, é aqui mesmo - respondeu o meu pai até mesmo sem indagar quem estava a minha procura.
- Dê essa garrafa d´água para ele. Uma colher de sopa a cada seis horas.
De modo que como se fosse um boneco o meu pai foi mesmo debaixo de chuva até a porteira do quintal e recebeu das mãos do homem do cavalo pampa a garrafa d´água e com alegria adentrou a casa e disse para minha mãe:
- Mulher, olhe a água que o homem mandou dar ao nosso filho doente no couro de boi.
- Que homem, homem?
- O homem do cavalo pampa.
- E você agradeceu o homem pela água?
- Não.
Relatou o meu pai saindo para agradecer o homem, contudo não foi possível, uma vez que não viu ninguém. E para aumentar ainda mais o seu desespero ele se lembrou que quando recebeu a garrafa do homem do cavalo pampa ele não estava molhado mesmo debaixo daquela inesquecível chuva daquela tarde de milagre lá nos confins do sertão.
- Não vi ninguém mulher!
- Foi embora, você nem o convidou pra entrar!
Meu pai ficou pensativo com a garrafa d´água na mão e disse:
- Nem mesmo o rastro do cavalo ficou no chão!
Por algum tempo os dois ficaram me olhando estirado naquele couro de boi entre a vida e a morte, mais morte do que vida.
- O que estamos esperando homem, vamos dar a água para ele conforme a ordem do homem do cavalo pampa.
- Sim mulher!
E assim o tempo passou. Eles me deram a água, e o certo é que um ano mais tarde eu já era maior do que todos os meninos da minha idade. E por muitos anos as pessoas que perguntavam pela minha morte, vinham me pedir conselhos. Meu pai e a minha mãe se perguntam até hoje, quem era o homem do cavalo pampa.
FIM
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