O INOCENTE
JOÃO RODRIGUES
Numa cela fria de uma cadeia onde me prenderam injustamente, encontrei um prisioneiro que a me ver ali com ele naquele pequeno lugar, disse:
- Olá! Você também é inocente, eu conheço os olhos de um inocente.
Quando aquele ser horrível falava com a sua boca escondida nas enormes barbas, me fazia imaginar que seria o meu fim.
- Não tenha medo de mim, eu também sou inocente.
Voltei a olhar para aquela coisa que com suas enormes unhas coçava o seu corpo impregnado de bichos de cadeia. Até fazia um som inigualável.
- Eu era pedreiro, sempre gostei da minha profissão. Saía cedo e voltava já lá pra noite adentro. Fui muito feliz. Até que um dia, como tudo tem fim, chegou a minha tristeza, que essa, eu acho que nunca via terminar.
- E por qual motivo? - indaguei coberto de medo.
- Não precisa ter medo de mim! - exclamou o homem horrível dizendo:
- Eu era casado, tinha a minha mulher e meus dois filhos, uma menina e um menino.
- E dai?
- Daí que certo dia faz isso uns doze anos, que para mim parece uma eternidade. É, uma eternidade. Eu cheguei mais cedo na minha casa. E pra minha surpresa encontrei a minha mulher de prosa com um amigo dela na varanda da casa. De maneira que falei com ela. Maria, Maria, não é bom mulher casada ter amigo homem. Eu falei com ela. Contudo ela com aquela voz suave e doce me disse:
- Que é isso Geraldo! Eu sou e serei sempre sua. Você é o homem da minha vida Geraldo!
E aquele homem triste e nervoso ao mesmo tempo, coçava o seu corpo com aquelas unhas enormes e continuava a falar:
- Que é isso Geraldo...
- E o que aconteceu?
- Foram cinco longos anos, sempre que eu chegava, ela estava lá na varanda da nossa casa, ali, de papo com o amigo dela. E eles sorriam, sorriam um longo sorriso. Sorriso esse que ela nunca sorriu para mim.
- E você não fez nada para separar os dois?
- Voltei um dia bem mais cedo! Quando cheguei, encontrei o portão trancado. Pequei a minha chave e o abri. Cheguei à porta da casa, essa também estava fechada, peguei a minha chave e a abri. Foi que vi as minhas crianças, estavam vendo televisão na sala. Ela não estava. Fui à cozinha, também não a encontrei. Aí quando entrei no nosso quarto, lá estava ela, assim do jeito que a gente nasce. Estava com o amigo dela. Os dois deitados na cama, assim do jeito que a gente nasce.
- Pelados na cama?
- Sim, como nasceram! Fiquei olhando pros dois. O homem logo se levantou tremendo com aquela bunda branca. De modo que falei pra ele que pegasse as suas coisas e fosse embora. Pois eu não encontrei nenhuma porta arrombada ali. Alguém abriu pra ele entrar. Assim vi aquele maldito sair carregando as suas coisas na mão e tremendo com aquela bunda branca.
- E quanto a mulher?
- Assim que o homem saiu, ela se levantou e veio pro meu lado falando com aqueles lábios corados que eu tanto beijei. Aquele corpo sedutor que tanto amei. E que agora eu sabia que não era verdadeiramente meu. E assim ela me olhou com aqueles lindos olhos pretos e disse:
- Você me perdoa Geraldo?
- E você a perdoou?
- Não sei. Só sei que tive a mão tão certeira que acertei a junta do seu pescoço com a navalha. Não deu tempo nem mesmo dela falar, pois vi a cabeça dela rolando no chão do quarto. E desesperada ela tentava procurar o seu corpo com aqueles lindos olhos pretos esbugalhados.
De maneira que apanhei a cabeça dela na palma da minha mão e fui lá pro quintal conversando com ela. Só que tive de fechar os olhos dela, pois era grande a minha dor. Eu levava o meu sonho de felicidade na palma da minha mão. Eu até queria chorar. Sei que me assentei do lado da boca de uma cisterna que ela mesma me ajudou cavar quando na época do nosso casamento. Eu cavava e ela tirava a terra. Sei que quando o buraco ia ficando fundo eu colocava a terra num balde e ela puxava com o sarilho e às vezes até dizia com aquela voz que invadia o meu ser:
- Pode pôr mais amor!
- Ah! Como aquilo me alegrava. Eu até olhava pra cima e via a nudez dela que tanto me fazia feliz. De sorte que eu me despedi dela, quero dizer, da cabeça dela, a soltei na cisterna. E até guardo na minha mente o som que fez quando o meu sonho descia na escuridão.
- Como foi triste ver aquele fim. Voltei lá no quarto e apanhei o corpo dela. Como foi difícil. É por isso que as pessoas falam que mulher sem cabeça é uma maldição. Tive que arrastar o corpo dela como se eu fosse uma fera, arrastei aquele corpo que tanto me alegrou, e o atirei na cisterna, senti que estava sepultando ela e os meus sonhos. Num buraco que ela mesma me ajudou a cavar. Se eu soubesse que era para isso, não o teria feito. Mas já estava feito, não tinha como voltar atrás, fui até a sala e vi as crianças vendo televisão. Olhei nos olhinhos delas e foi que percebi que tinham os olhos pretos da mãe. De modo que me lembrei da Bíblia, árvores mal, fruto mal, tem que ser cortada. Assim eu fiz, cortei os pescocinhos delas e as joguei na maldita cisterna. Voltei pra casa e abri o gás, peguei umas coisinhas e fui saindo, mas por sorte ou azar, me deparei com a mãe dela no portão, a minha sogra, foi ai que vi de onde vinham os olhos pretos. Cortei o pescoço da velha e a joguei na cisterna. Agora eu já podia ir embora, e fui. Assim que sai no portão, joguei o fogo e ouvi a minha casa explodir. Eu não olhei para trás. Pois a Bíblia diz que Deus mandou que não olhasse para trás ao destruir Sodoma e Gomorra. Eu não olhei. Só vi o brilho dos olhos das pessoas que gritavam:
- A casa de Geraldo está pegando fogo! A casa de Geraldo...
- Eles sorriam da minha desgraça...
- Depois você foi preso?
- Sim, disseram que sou culpado, mas culpada era ela que foi arrumar amigo homem. Eu sou inocente. Agora eu vou dormir um pouco. Boa noite amigo...
Este foi o maior pesadelo que tive em toda minha vida.
FIM
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