quinta-feira, 27 de abril de 2023

Miralva João Rodrigues

 

MIRALVA  Uma Mulher Diferente

            A poeira começava assentar-se nas folhas das árvores de cada lado da estrada formando assim um grande tapete imaginário, o rastro do cavalo desaparecia no pó do caminho. Enquanto que a sua cauda espantava as mutucas. Marculino acendia o seu cigarro de palha, e cada baforada desprendida parecia ser uma nuvem de fumaça que se desfaziam lentamente lá nos campos do sertão.

            - Vem vindo alguém mãe! É um moço, Quem será ele?

            - Deve ser algum forasteiro minha filha, passando por aqui...

            Marculino aproximou-se da porteira do curral e gritou:

            - Olá senhora! Seria aqui a casa da senhora Miralva?

            - Sim moço! É aqui sim! Miralva é a minha mãe.

            - Obrigado garota.

            - Deise moço! O meu nome é Deise.

             - É um prazer Deise. É um grande prazer...

            - Está em busca de encrencas moço?

            - Marculino senhora! Meu nome é Marculino.

             - Sim Marculino, o que deseja?

            - É melhor assim senhora, desta forma poderemos ser amigos e o meu trabalho se tornará mais fácil.

            - Não estou entendo Marculino, que trabalho?

            - Sei que não entende senhora. Contudo eu posso explicar.

            - Então explique Marculino.

            - O seu marido senhora, ele está preso na casa de detenção do estado.

            - Preso! Ele não foi à procura de encrencas, e sim de ouro, como pôde ter sido preso?

            - Ele e eu éramos garimpeiros, conseguimos tirar muito ouro. Éramos amigos, e ele falava muito em seu nome e no nome da menina.

            - Deise moço. O meu nome é Deise.

            - Sim Deise.

            - E aí Marculino?

            - Bem senhora. Como eu ia dizendo, conseguimos muito ouro, ficamos felizes com tanta riqueza, ele até disse naquela hora:

            - É Marculino, agora eu posso dar uma vida melhor à minha família. 

            - E beijava o seu retrato. Depois dizia baixinho:

            - Olha Marculino, se você soubesse o quanto eu amo esta mulher...

            - Eu até disse para ele que todas as mulheres são iguais. Ele, no entanto contestou dizendo:

            - Não Marculino, Miralva é uma mulher diferente.

            - O papai gostava tanto assim da senhora mãe? 

            - Sim minha filha, e de você também.

            Miralva olhava para a sua filha com ar de muita tristeza.

            - Não vejo por onde ficar triste senhora!

            - No coração de cada um Marculino, parece existir um dispositivo, o qual conduz as nossas emoções para algum lugar da mente, fazendo-nos a pensar em coisas estranhas...

            - Entendo senhora. Eu entendo...

            Na verdade Miralva se perdia no tempo, e tentava se encontrar no emaranhado de coisas boas que tivera assim acontecido com ela e o seu grande amor, bem antes dele ter partido.

            - Marculino!  Foi tão difícil ver o Cláudio partindo, haja vista que a nossa esperança de sermos ricos era maior talvez até mesmo do que o nosso próprio amor. E principalmente naquela ocasião, Deise ainda era bem pequenina, não sentiria tanto a falta dele como se fosse aos dias de hoje.

            - Sei senhora. Só uma coisa eu não consigo entender. O porquê da vontade de serem ricos?

            - O pai de Cláudio era muito rico, porém, o tal Coronel Rodrigues tomou-lhe tudo que tinha e depois matou o coitado com toda a sua família. Cláudio, no entanto se salvou da tragédia só porque estava fora. Ele estudava numa cidadezinha.

            - Ficou morando lá na cidadezinha?

            - Sim, até que ficou rapaz. Assim foi trabalhar na fazenda do meu pai.

            - E lá se conheceram?

            - Foi mesmo pobre ele era muito alegre e sorridente.

            - E assim começou o seu romance com ele?

            - Nos apaixonamos Marculino.

            - Vai ficar aí fora mãe.  Porque não chama o Marculino pra dentro.

            - Sim, minha filha. Vamos entrar Marculino...  De modo que Miralva convidou Marculino pra dentro da sua casa dizendo:

            - É Marculino, vamos, entre na minha humilde casa, não repare.    

            Marculino deixou o seu cavalo amarrado no mourão da porteira e seguiu junto de Miralva e Deise pra dentro da casa de Miralva. Aí se sentindo aliviado por estar cumprindo o que tivera prometido ao seu amigo Cláudio, quando na ocasião da sua prisão.

             - Fique à vontade Marculino.

            - Obrigado senhora.

            - Não me chame de senhora, Marculino. Pode ser Miralva.

            Marculino olhou para a incomparável beleza de Miralva e disse:

            - Eu entendo por que Cláudio se apaixonou.

            - Todos os homens são assim Marculino.

            - Por que achamos as mulheres bonitas?

            - Sim, são encantados com elas...                            

            De modo que falavam de beleza. E ali estava uma beleza incomparável, Miralva. Que com seus lindos cabelos pretos caídos sobre os ombros e os sensuais bustos que enfeitavam o seu corpo sedutor, fazia despertar pela sua cintura, lindos quadris que se escondia numa saia que terminava no meio de duas lindas coxas morenas onde parava o olhar de Marculino, que feliz relatou:

            - Não encantados, e sim, apaixonados Miralva.

             - Mãe, Marculino vai ficar morando aqui com a gente? E o papai, ele não vai voltar?

            - Vai querida. Assim que ele sair da cadeia.

            - Por que prenderam o papai?

             - Coisas de Coronéis filha. Foram eles que armaram tudo.

            - E você não fez nada Marculino?

            - Tentei Deise. Porém, fui obrigado a fugir. Pois se eu ficasse lá teria sido preso e condenado da mesma forma que foi o seu pai.

            - E que tipo de serviço você veio fazer?

            - Vingar a morte do pai de Cláudio, e depois levar Miralva e você para muito longe deste lugar.

            - E quanto há esse tempo. Não iremos ver o Cláudio?

            - Não Miralva. Seria um suicídio. Se você for lá, o Coronel Jacó descobrirá que Cláudio tem família. Assim acabará com você e sua filha.

            - Quem é esse Coronel?

            - É o que manda matar os garimpeiros para roubar o ouro.

            - Neste caso, esse Coronel tem que morrer!

- Não só ele Miralva. Como todos os Coronéis que habitam a terra brasileira. Enquanto não acabarmos com esses Coronéis corruptos e assassinos, o nosso país nunca será uma nação respeitada. Pois eles ao invés de imporem respeito, vivem aí, errados, e tentando serem importantes, querem impor respeito, no entanto vivem aí na safadeza, matando, roubando, destruindo, acabando com tudo o que é de bom. E só restando assim, o tal mal. O mal espalhado pela terra...

             - E quem vai começar com esta guerra?

            - Nós mesmos.        

            - Nós?

            - Sim, Alguém um dia vai ter que começar.

            - Acho muito arriscado. Somos fracos. Pois não temos ninguém do nosso lado.

            Marculino falava de condições com Miralva, dentro da casa perdida na floresta, bem distante no sertão, o último lugar onde poderia falar de brigas.

            - Até no meio deste sertão os Coronéis incomodam. Parece ser uma coisa do ar. Parece que eles voam à procura de alguém para atormentar. Parece que eles andam no vento, andam invisivelmente e vêm de todas as partes.

            - Mãe, os trabalhadores estão vindo.

            - Já é hora deles chegarem filha.

            Marculino saindo pra fora com Miralva, e vendo os pistoleiros que chegavam, comentou:

            - Você parecer ter bons homens o seu serviço Miralva.

            - Só não matam para roubar como os Coronéis. No entanto, são bons no gatilho.

            - Quantos são?

             - Vinte. Eram apenas dez. Porém, num maldito dia fomos atacados por um Bando do Coronel Alfredo, onde só restou um. Então, desse dia pra cá resolvi aumentar o grupo.

             - Não os notei quando cheguei aqui, não vi ninguém!

            - É eles estavam por aí. Aí por perto...

            Marculino ficou assustado, pois na verdade não tinha visto ninguém desde quando tinha chegado ali.

            - Não fique pensativo Marculino, uma mulher só, para viver num lugar desse, tem que ser inteligente.

            Surpreso Marculino perguntou:

            - Já que é tão esperta assim, porque está com medo de enfrentar os Coronéis?

            - Eu não lhe disse isso, não lhe disse que estou com medo. Não, eu não lhe disse. Sei que falei justo agora termos que enfrentar os Coronéis. É uma longa caçada.

            - Por que longa caçada?

            - Eu acho Marculino. Que se alguém predispuser a acabar com os Coronéis, terá que matar um por um. E além de matá-los, terá que matar também aqueles que os cercam. Pois se deixar alguém vivo, logo, e não se sabe de onde, mais cedo ou mais tarde, nascerá ali um outro Coronel. Pode ter certeza disso Marculino. Isso parece ser uma coisa do inferno. Isso nunca terá fim. Nunca Marculino.

            - Desta forma vai morrer muita gente!  

            - Nem tanto assim, se compararmos aos que morrem de fome, aos que morrem doentes sem assistência médica. Mesmo aqueles que pagam caras mensalidades para certo departamento de covardes. Onde só atendem ali os ricos, enquanto que os pobres morrem a mingua nas intermináveis filas. Contudo os corruptos têm entrada franca e ainda recebem sem merecer o que pertence aos outros. Esses malditos...  Morrem tantos pobres Marculino.

            - O que eu acho engraçado é você Miralva. Vivendo aqui no sertão e sabe de tantas coisas!

            - Pois é Marculino. Como você vê. A vida é assim. Já fazem nove longos anos que Cláudio se foi. Eu procurei me informar de tudo. Eu tenho pessoas que me trazem informações.

            - E por que ficou tanto tempo esperando por Cláudio?

            - O nosso combinado foi eu esperá-lo, e não ir atrás dele. Trato é trato Marculino.

            - Eu compreendo Miralva. Eu compreendo...

             - Eu sei que você compreende.

            Marculino ainda encantado com a beleza de Miralva, não se cansava de olhá-la, como se estivesse perdidamente apaixonado.

            - Sinto que está perdido Marculino!

            - Não Miralva, pelo contrário. Eu me encontrei. E como me encontrei...

            - Se sua intenção é se encontrar para mim através do amor Marculino, pode mudar de idéia, pois eu tenho o meu marido e nunca passou pela minha mente em trai-lo. Sendo assim Marculino, se é que você veio fazer o seu serviço, que o faça, e depois, vá embora.

            - Será que se esqueceu que eu tenho que levá-la com a sua filha para bem longe daqui!

             - Isso é o que eu não concordo.

             - Por que não concorda?

            - O trato que fiz com o meu marido.

            - Não vê que ele foi preso e condenado Miralva. A coisa mudou...

            - Não pode ser assim...

            Miralva procurava entender o que Marculino queria dizer, porém no seu olhar que se perdia nas lindas montanhas cobertas pelas flores lilás que enfeitavam os grandes pés de ipê. O dia já tinha amanhecido o sol alegrava os pássaros que voavam pela montanha. No entanto Marculino não via nem sequer um pistoleiro. 

            - Bom dia Marculino. Como passou a noite?

            - Muito bem, Miralva... Obrigado.

            Receber um bom dia de uma mulher como Miralva era um grande privilégio para um pistoleiro, e principalmente como Marculino.  Que nunca tinha se apaixonado por uma mulher. Ele era um errante que não tinha família, e se tinha nem sabia. Ele foi criado por uma tribo de ciganos, que com certeza deve ter sido presenteado ou apenas comprado de alguém em algum lugar no passado, que jamais saberíamos de onde seria o pobre Marculino.

            - Sinto que está alegre e ao mesmo tempo triste Marculino! O quê está acontecendo? Não tirou da sua mente a besteira de paixão?

            - Não é bem isso Miralva. Pelo contrário. Eu estou muito feliz. Porém, a felicidade não tem cor, peso e nem forma. Ela é assim.

            - O quê quer dizer com isso?

             - É que eu não tenho família. Nunca tive o privilégio de acordar um dia, e uma mulher bonita como você, dizer assim delicadamente, bom dia.  Nunca, nunca tive este privilégio Miralva.    

            - Nunca teve porque não quis.

            - Não tive também, mãe nem pai, irmãos e nem irmãs, nunca tive ninguém Miralva...

            - Pra onde eles se foram?

            - Não sei, não sei nem de onde eu vim, nem pra onde eles se foram, nem mesmo se eles existem.

            E Marculino muito triste, contava a sua história para Miralva, que delicadamente falou:

            - Quem sabe somos até parentes e não sabemos.

             - É quem sabe! Pode até ser...

            Além de Marculino responder pensativo, olhou ternamente para Miralva, e murmurou baixinho:

            - Melhor é que não sejamos...

             - Disse alguma coisa Marculino?

            - Não Miralva. Eu não disse nada não.

             - Venha tomar café.

            Marculino foi tomar café com Miralva e Deise.

             - Você gostou daqui Marculino?

             - Sim Deise. Parece ser um lugar abençoado.

             - O quê quer dizer abençoado?

            - Um lugar bom Deise.

            - Obrigada mamãe.

            Depois que tomaram o café, Deise foi brincar num lindo jardim que existia ao lado da casa.

            - Como se chama esta fazenda Miralva?

             - A fazenda que o sol nasceu Marculino.

            - Não foi esse o nome que Cláudio me deu.

            - E qual foi o nome que ele falou?

             - Fazenda do pé da serra.

            - Compreendo Marculino.  É que este

 Nome de fazenda que o sol nasceu se deu no dia em que o Coronel Alfredo nos atacou. Achei que eu jamais veria a luz do sol. Pois foi uma das noites mais triste da minha vida. Eu achei que a minha vida fosse parar ali. Senti naquele maldito dia vontade de nunca ter nascido. Foi horrível Marculino. Ele gritava aos seus homens:

            - Matem todos, O compadre Gonzaga disse pra matar todos.

            - Aquele infame...

            - Então o seu pai se chama Gonzaga?

             - Sim, o famoso Coronel Gonzaga da Fazenda Japuri.

            - E ele pensa que você morreu?

            - Não sei na verdade se ele pensa que eu morri.

            - E já teve outra briga dessa época pra cá?

            - Não, eu também tomei outras providências para isso não vir a acontecer.

            - Que providências foram essas?

            - Convidei estes pistoleiros, eles tomam conta de tudo. Se matarem alguém, nem vem ao meu conhecimento.

             - Nem pessoas importantes como o seu pai?

            - Não Marculino, falo de forasteiros.

            - Você tem alguma pretensão Miralva?

             - Estive pensando na vontade do meu marido...

            - Do quê? Sobre a vontade da vingança?

            - Sim Marculino. Esta é a vontade dele não é? Que seja feita...

            - Então o primeiro passo é acabar com o Coronel Rodrigues?

            - Sim, porém com os homens que temos é pouco para enfrentarmos o Coronel Rodrigues?

             - Ele deve ter muitos pistoleiros não é Miralva?

            - Deve ter Marculino, deve ter...

            - Posso dar uma volta e procurar alguns pistoleiros para lutarem do nosso lado Miralva!

            - Não Marculino, é muito perigoso, não te conhecem, acabarão matando você, e ainda denunciarão ao Coronel Rodrigues?

            - Então, o que devemos fazer para buscar alguma solução viável?

            - Você fica olhando a minha querida Deise. E eu vou.

            - Eu posso cuidar de mim sozinha mamãe.

            - Brincou muito minha querida? Só estou preocupada com a sua segurança.

             - Sim mamãe, eu brinquei sim. E aonde a senhora pensa que vai?

            - Em busca de mais pistoleiros filha. Vou em busca de mais.

            - Os que temos não são bastante mamãe?

             - Não filha, em relação às circunstâncias. Temos que procurarmos muitos aliados minha querida, muitos...

            - Com tanta preocupação, até parece que acha que o vovô virá nos atacar...

            - É provável que a sua imaginação esteja mais do que certa filha.

            - Sendo assim mamãe, pode deixar que eu e Marculino estejamos aqui torcendo por você.

            E Deise concordou com a mãe, como se fosse uma pessoa de uma idade avançada. O quê fez Marculino comentar:

            - Vejo que Deise é uma pessoa muito especial. Ela leva tudo com naturalidade. Ela é diferente.

            - Nunca escondi nada dela Marculino. Desde pequena sempre foi assim. Deixei que tudo fosse claro para ela.

            Deise já estava completando onze anos de idade. Um pouco mais bonita do que Miralva, além disso, demonstrava ser mais inteligente, pois até na sutileza ela relatou:

            - Depois que a senhora trouxer mais pistoleiros, iremos ao encontro do Coronel Rodrigues, desta forma ajudaremos Marculino a cumprir o prometido ao meu pai.

            - Isso mesmo minha querida, isso mesmo, e ao mesmo tempo acabaremos com o infeliz que matou o seu avô.

             - E a senhora chegou a conhecer o pai do meu pai, mamãe?

             - Não filha, eu era muito nova na ocasião do acontecido, não o conheci.

            Marculino ficou observando o papo das duas, mãe e filha falando dum passado de tragédia, enquanto a sua mente vagava ao longe.

            - Em que está pensando desta forma estranha Marculino?

            - Estou aqui Miralva, estou pensando em como vingar a morte do seu sogro, pensando como não perder a luta contra o poderoso Coronel Rodrigues, que nem mesmo sei como ele é.

             - E do jeito que você está falando Marculino, nunca irá saber?

            - Isso não importa, o que importa mesmo é vingar a morte do pai de Cláudio.

            - Certo Marculino, eu vou procurar ajuntar o máximo de pistoleiros.

            Miralva preparou o seu cavalo arreado com uma sela sem cabeça, uma carabina embutida em cada lado da capa do arreio, além disso, um laço de couro de mateiro, preso no coxim...

            Ela trajava-se com dois revólveres de prata na cintura, um punhal em cada cano da bota que vinha até perto do joelho onde a calça se escondia. Vestia-se de uma blusa xadrez de mangas compridas e um lenço de seda vermelho amarrado no pescoço. Os seus cabelos pretos sob um grande chapéu de abas largas, que lhe parecia confundir-se com um pistoleiro.

            - Com tanta beleza Miralva, os pistoleiros nem terão coragem de lutar contra você.

            - Não Marculino, eles pensam que eu sou um homem.

            - Com esses trajes também, não é difícil de pensar.

            - Até à volta minha filha, comporte-se com Marculino.

            - Pode deixar mamãe, eu vou me comportar, pode ir tranqüila.

            - Cuide dela Marculino, da minha linda filha, pois logo estarei de volta.

            - Vá tranqüila Miralva, eu vou cuidar dela com todo carinho e respeito.

            Marculino e Deise ficaram olhando Miralva sumindo no infinito da estrada no meio das brenhas do sertão...

            - Marculino, você verá que logo mamãe estará de volta, e trazendo consigo muitos pistoleiros, você verá Marculino, você verá...

            - É Deise, assim teremos como partirmos daqui.

             - Marculino, pode me prometer uma coisa, uma simples coisa?

            - Que coisa é essa Deise, que precisamos de promessa?

            - Aconteça o que acontecer, me prometa que me levará até o papai?

            - Prometo Deise, mesmo que eu não te levar a ele, eu prometo trazê-lo até você, pode ter certeza de que farei isso.

            - Eu tenho tanta vontade de ver o meu pai Marculino, tanta vontade... Tem dia que fico olhando para este caminho que a minha mãe seguiu e imagino que lá vem ele. Chego até imaginar que é ele de verdade, e saio correndo até a porteira para recebê-lo, vejo ele se desmontando do cavalo e vem correndo em minha direção, até sinto ele me abraçando, que saudade eu sinto Marculino...

            - Pode ficar sossegada Deise, você verá o seu pai, e vai dar nele esse abraço tão desejado.

            Deise se sentiu, mas aliviada depois da promessa de Marculino, e até cantava uma canção enquanto esperava o retorno de Miralva com os pistoleiros que foi em busca...

            - Miralva, já faz alguns meses que estamos treinando estes pistoleiros e vejo que eles te respeitam como se você fosse um pai e não uma mãe para eles.

            - Eu sempre tive esta forma de me comportar diante dos pistoleiros Marculino, eu confio mais em um pistoleiro do que em um Coronel.

             - Por que esta confiança a ponto de fazer até uma comparação?

            - O pistoleiro Marculino, ele cumpre o que promete já o maldito Coronel nunca cumpre nada, nada que um Coronel fala pode levar em conta, nada. Nada mesmo Marculino, nada.

            - É Miralva, isso é verdade. Temos mesmo que acabarmos com estas pestes na terra. Estes Coronéis desgraçados. 

            - Marculino, neste fim de semana eu quero fazer uma festa para comemorar o meu aniversário de casamento.

             - Casamento Miralva, que casamento? Vocês não fugiram!

            - Eu prefiro dizer casamento Marculino, pois mesmo fugindo do meu pai, sabendo que seria difícil viver com Cláudio, contudo considerei aquilo um casamento.

            - Deve ter sido um grande amor, um amor muito bonito, não foi Miralva?

            - Sim Marculino, não me arrependo de nada, não me arrependo do que fiz, foi muito bom...

            - E o que fazer agora Miralva? O que fazer?

            - Lutar para trazer o Cláudio de volta Marculino, lutar...

- Então Miralva, depois que passar a festa, iremos ao encontro do Coronel Rodrigues, perguntar a ele antes de morrer se ele se lembra do senhor José Baiano.

             - Então você sabe o nome do pai de Cláudio?

            - Ele me disse que eu teria que fazer esta pergunta ao Coronel Rodrigues antes de matá-lo.

             - Certo Marculino, se for eu a pessoa que for acabar com o Coronel Rodrigues, não vou me esquecer de perguntar isso a ele. Pode deixar...

            - E se ele não te reconhecer Miralva? O que fará?

            - Farei com que aquele traste me reconheça antes de morrer Marculino.

             - Com o traje que você usa vai ser difícil ele te reconhecer, você parece um homem Miralva!

             - Eu darei um jeito Marculino, ele irá saber quem eu sou...

            Assim a festa passou, na fazenda que o sol nasceu. Ali no dia seguinte os pistoleiros preparavam os seus cavalos, pois na próxima madrugada eles teriam um encontro infernal com o Coronel Rodrigues. Além disso, lia-se nos olhos de cada um, uma vontade de vencer a batalha. Deitado numa cama de colchão de palha de milho, Marculino repousava na espera da grande hora. Pois tudo seria diferente a partir daquela batalha. Pois para um homem como ele, não fazia diferença, a vida ou a morte.

            - Antes de o dia clarear Marculino, atacarmos a Fazenda Riacho, pois ao calor do corpo da Senhora Rosa, o Coronel Rodrigues estará sonhando com mais uma façanha, mais um golpe contra uma família pobre.

            Marculino acordando e ouvindo o que Miralva acabava de falar na porta do seu quarto como se tivesse dormindo ali...

            - Certo Miralva, logo estaremos lá.

            E Miralva deu o seu grito de guerra aos mais de duzentos pistoleiros.

            - Antes de o sol nascer pessoal! Temos que acabar com o maldito Coronel Rodrigues.

            E todos já montados em seus cavalos gritaram:

            - Ao fim do Coronel Rodrigues!

            - Com quem Deise vai ficar Miralva?

            - Já escalei dois pistoleiros para ficarem com ela Marculino.

            - Então Miralva, o que estamos esperando!

             - Vamos amigos.

Gritou Miralva sentindo-se feliz, pois era a primeira batalha rumo à liberdade do seu grande amor. E na estreita estrada que margeava a montanha, por entre campina e vales, os pistoleiros seguiam sob o comando de Marculino e Miralva. E no meio da escuridão Miralva falou:

            - Marculino, logo faremos a pergunta desejada por Cláudio ao Coronel Rodrigues a que Cláudio pediu.

            - Você vai perguntar a ele Miralva, vou fazer tudo para isso acontecer.

            - Se por acaso acontecer alguma coisa a mim Marculino, leve Deise para ver o Cláudio, ela tem muito vontade de vê-lo.

            - Não fique triste Miralva, nós três um dia iremos encontrar o Cláudio, eu te prometo.

            Enquanto Miralva conversava com Marculino, os pistoleiros cercavam a fazenda do Coronel Rodrigues.

            - Vamos à luta companheiros.

            Gritou animado o Marculino, enquanto via que balas zoavam pela escuridão da grande Fazenda Riacho, aonde muitas delas iam ao destino de um pobre pistoleiro que vivia acobertando um Coronel safado lá nos confins do sertão.  Às vezes apenas em troca do próprio sustento.    

            - Morram seus desgraçados! Morram seus idiotas... 

            Gritava Miralva atirando em quem encontrava pela frente, que parecia sair até fogo nos canos dos seus revólveres de prata. Das pequenas casas que ficavam ao redor da fazenda, saía a cada minuto mais um pistoleiro idiota que encontrava com a morte. Aquele dia, no entanto, tudo parecia ter a cor da esperança ou cor da liberdade, que     reinava nos olhares dos pistoleiros de Miralva, e ela gritava:

            - Vamos em frente amigos, vamos acabar com eles...

            Entre gritos e relinchos de cavalos, entre sons de tiros e explosões de dinamites, Marculino e Miralva, sorriam com muita alegria.

            - Vamos entrar na casa do Coronel, Miralva.

            - Vamos Marculino.

            Assim, Miralva e Marculino, desmontaram-se dos seus cavalos e invadiram a casa da Fazenda Riacho, a fim de acabarem com o sossego de uma fera que há muito vinha infernizando a vida de muitos, o poderoso Coronel Rodrigues. Marculino fazia cobertura para Miralva, que gritava com autoridade:

            - Coronel Rodrigues, saía do seu esconderijo, eu quero te conhecer...

             - Cuidado Miralva! Nas suas costas.

            Miralva se virou e atirando em seguida, acabou matando uma das filhas do Coronel Rodrigues, e logo avisou Marculino do perigo, que também atirando, eliminou a esposa e um filho do Coronel Rodrigues. Miralva nervosa gritou:

            - Vamos matar todos vocês seus desgraçados. Venha Coronel, vem me desafiar seu maldito, estou te esperando, estou a tua procura Coronel.

            - Por que está à minha procura?

            - Seu passado Coronel, saía do ninho seu desgraçado, pois os passados dos Coronéis são cheios de buracos. Viemos encher os seus de balas.

                        - Quem são vocês, de onde vieram, de que inferno vocês vieram? Qual o inferno que soltou vocês?

            - Calma Coronel, não precisa ficar nervoso, afinal de contas o senhor vai morrer mesmo, pode ficar calmo. Pra quê ficar assim, tão nervoso!

            Naquele instante que Miralva dialogava com o Coronel, sentia-se que ele fugia por uma porta secreta. Pois ele sorria e dizia:

            - Rá, rá, ninguém consegue acabar com o Coronel Rodrigues, ninguém.

            Miralva, no entanto relatou:

            - Marculino, comanda o pessoal que vou perseguir o Coronel.

            Miralva nem conseguiu ouvir o que Marculino respondeu, pois a sua pressa era grande ao ver o Coronel Rodrigues fugir em um cavalo que tinha tomado de um pistoleiro.

            - Vamos cavalo velho, vamos desgraçado.

            Gritava aflito o Coronel Rodrigues floresta afora sendo perseguido por Miralva. Miralva, porém, deixou que o Coronel tomasse distância, pois sua intenção era matá-lo, contudo bem longe dali.

            - Obrigado cavalo velho, obrigado.

            Falava o Coronel Rodrigues com o cavalo e se escondendo no mato.

            - E como se sente agora Coronel?

            Indagou Miralva que já esperava por ele.

            - Você, o que quer de mim? Fale o que você quiser, eu te darei.

            Miralva sorriu e delicadamente disse:

            - Nada Coronel, eu não quero nada do senhor. Eu nunca quis nada de Coronel nenhum. As coisas dos Coronéis para mim não

            E o Coronel Rodrigues insistia em oferecer:

            - Lhe darei fazenda, dinheiro, ouro, o que você quiser, fala pistoleiro do inferno, fala o que quer.

            Miralva muito tranqüila e continuou dizendo:

            - Não Coronel, não quero nada, já falei que insistência é essa em dar as suas coisas para os outros.

            De modo que o Coronel Rodrigues disse:

            - Já que é assim, me diz por que está me perseguindo?

            Miralva então resolveu colocar as coisas em prato limpo dizendo:

            - Certo Coronel, contudo quero perguntar uma coisa.

            - Pergunte então pistoleiro desgraçado.

            - Por acaso se lembra de um homem chamado José Baiano?

            - Não, não me lembro desse nome.

            - Tem certeza que não se lembre Coronel?

            - Não pistoleiro desgraçado, eu não me lembro desse homem!    

            Miralva, então atirou numa perna do Coronel e falou:

            - Não se lembre mesmo Coronel, José Baiano?

            - Sem dúvida você deve ser filho dele. Bem que eu podia ter te matado.

            - Não Coronel, eu não sou filho dele, o filho dele está preso.

            - E quem é você?

            Miralva retirou o chapéu da cabeça e deixou que os seus lindos cabelos pretos caíssem sobre os seus ombros, pois já com o dia clareando dava para o Coronel Rodrigues, ver o quanto ela era linda, e ao vê-la, relatou:

            - Você! Você pistoleiro, você é uma mulher?

            - Sim Coronel, eu sou Miralva, uma mulher diferente. Adeus Coronel.

            Argumentou Miralva atirando na testa do Coronel Rodrigues com os seus dois revólveres de prata. Miralva deixou ali o Coronel Rodrigues, e via brilhar o seu sangue na relva do sertão,

            - Vamos Miralva, vamos embora...   Convidou Marculino que tinha assistido a última cena. Miralva parecia não querer ir. Foi até o cadáver do Coronel Rodrigues, pisou com o bico da bota na cara do Coronel e disse:

            - Veja Marculino, veja a cara dele, como parece a de uma onça.

            Miralva cuspiu na boca do Coronel Rodrigues e em seguida afirmou:

            - Vou acabar com cada um desses desgraçados Marculino, até eu libertar o meu marido...

            Depois que disse isso, Miralva montou em seu cavalo e seguiu com Marculino, sendo acompanhados pelos seus pistoleiros. Seguiam levando com eles a vitória, pois a tão sonhada e maldita batalha, e o fim do Coronel Rodrigues, tanto desejado por Cláudio, Marculino e Miralva, agora já tinha acontecido. E lá na grande fazenda que o sol nasceu, Miralva ordenava Marculino:

            - Marculino, veja como ficou o saldo dos pistoleiros...

            Minutos depois Marculino relatou:

            - Morreram vinte Miralva. No entanto trouxemos quarenta.

            - Ótimo Marculino. Daremos a eles a liberdade. E deixamos que sejam pistoleiros, porém desta vez, não dos Coronéis idiotas e sim nossos pistoleiros que iremos à busca da liberdade.

            - E o que está pensando fazer agora Miralva?

            - Vamos acabar logo com o Coronel Alfredo, pois ele está me devendo uma explicação. Por que o meu pai não veio me atacar e o mandou. É, quero ouvir isso da boca dele.

            - Sabe Miralva, eu gostaria de irmos embora. Cláudio deve estar sofrendo muito naquela maldita prisão. Já acabamos com o Coronel Rodrigues e eu disse a ele que ia te levar para longe daqui. Vamos? Prometi isso ao meu amigo Cláudio.

            - Não, não posso Marculino, eu não posso...

            Miralva olhou fixo nos olhos de Marculino e disse:

            - Só depois que eu acabar com o Coronel Alfredo.

             - A senhora disse que ia acabar com o vovô mamãe?

            - Não entra nessa conversa filha... Você ainda é muito pequena, você ainda é muito jovem.

            - Sei que sou jovem mamãe, no entanto acho que já é hora de começar a lutar com a senhora. Vamos acabar com esses malditos Coronéis que vivem a atormentar todo mundo... Afinal de contas Mamãe, mais cedo ou mais tarde eu vou ter que lutar mesmo, assim, por que não começar agora! Está preocupada achando que eu vou morrer mamãe?

            - Não minha querida, não é isso...

            - A senhora já ouviu falar que alguém ficar vivo nesta terra de Coronéis? Se lembrar de tantos casos que me contou? Vê que tudo é a mesma coisa. No fim alguém mata alguém. Um dia todos vão morrer mãe, todos nós morreremos um dia mamãe...

            - Não é bem assim minha filha. Tem muita gente feliz no mundo. Que nunca se envolveu em lutas.

            - É mãe, os que nunca se envolveram em lutas. Nós pelo contrário, somos parte de eternas lutas, nasci de um casal de fugitivos. Uma moça rica que se apaixonou pelo empregado do pai. Um homem rico que não consentiu a união, e desta forma a moça apaixonada se foi com o seu amor, sem se importar no que ia dar no que ia acontecer, e aí estou eu. Eu nasci.

            - Você não vai lutar.

            - Vou mãe, eu vou aprender a lutar, quem sabe um dia eu mesma vou tirar o meu pai da cadeia, por falar nisso Marculino, o que é cadeia?

            - É o lugar onde ficam as pessoas condenadas, elas ficam presas nas celas, atrás das grades de ferro.

            - E elas são todas iguais Marculino?

            - Por um lado sim, porém, por outro não.

            - Não consigo entender Marculino, o que quer dizer?

            - Quero dizer que todos são iguais, todos são pobres. Pois neste país minha filha. Fica preso aquele que é pobre...

            - Papai não deveria estar lá. Você não disse que ele encontrou muito ouro. Então, quem tem muito ouro é um rico e se na cadeia só fica pobre, acho que ele não deveria estar lá. Você e ele não ficaram ricos?

            - Sim Deise, seríamos verdadeiramente ricos se tivéssemos escapado das garras do Coronel Jacó.

            - Ele tomou todo ouro que vocês conseguiram?

            - Foi minha filha, ele ficou preso do mesmo jeito. Eu consegui fugir. Eu tinha muito pouco diante do Coronel Jacó. Pois os garimpeiros levam muitos anos para conseguir o ouro que o Coronel Jacó consegue apenas com um assalto.

            - Vocês não falam que tal de polícia protege as pessoas contra os pilantras e os assassinos?

            - Não Deise, ela não é bem assim...

            Relatou Miralva admirando a beleza da filha.

            - E pra que serve essa tal de polícia?

            - Para proteger os Coronéis, só os Coronéis.

            - Então a polícia virá nos atacar?

            - Por que Deise?

             Indagou Marculino, assustado.

            - Assim que a polícia souber que vocês acabaram com o maldito Coronel Rodrigues, certamente virá nos atacar.

            - Não filha, existe Coronéis que não se envolvem com polícia.

            - Por quê? São diferentes?

            - Sim filha, esses são os Coronéis fora da lei.

            - Não consigo entender mamãe, do jeito que estão falando dos Coronéis, para mim todos são fora da lei.

            - Você tem razão minha filha, todos são fora da lei, porém os Coronéis da cidade vive perto da polícia e os do campo já são mais afastados da polícia.

            - Agora estou compreendendo mamãe.

            Depois que Marculino e Miralva relataram tudo a Deise, ela falou:

            - Pois agora mãe é que quero aprender a lutar mesmo. Quem sabe um dia a gente não ouvirá mais falar de Coronéis. Mesmo que a gente venha a ouvir, será apenas no pretérito.

            - Ou em tempo nenhum...

            Relatou Marculino.

             - E agora Marculino, você vai me ensinar a lutar.

             - Com prazer Deise. Afinal de contas você é a filha do meu amigo Cláudio.

            - Deise abraçou Marculino e disse:

            - Obrigada Marculino.

            Os dias passaram. Marculino e Miralva ensinavam a lutar não só Deise, como também todos os demais, e aos poucos já passavam de quinhentas pessoas prontas para lutarem contra os malditos Coronéis, até que Miralva disse:

            - Marculino? Vamos a partir de hoje, planejar um ataque contra o Coronel Alfredo. Já é tempo de acabarmos com ele.

            - Está bem Miralva, temos que nos apressar, pois deve ser grande o sofrimento de Cláudio.

            - Ele não perde por esperar Marculino, iremos tirá-lo de lá.

            - Certo Miralva. Iremos tirá-lo de lá.

            A fazenda que o sol nasceu já abrangia uma grande área nas montanhas, fazendo assim Miralva se sentir mais poderosa. 

            - Não consigo ver à hora de acabar com o Coronel Alfredo. Aquele desgraçado...

            - Calma Miralva, para tudo na vida tem que ter calma.

            - Nem para tudo Marculino, nem para tudo...

            Marculino já com tanto tempo que vivia do lado de Miralva, ainda continuava apaixonado por ela. Não conseguia esconder o grande desejo de poder ficar com ela pelo menos uma vez. E olhando para aquela beleza rara relatou:

            - Seu olhar está cada vez mais bonito Miralva!

            - Muda de assunto Marculino. Já falamos sobre isso.

            Miralva sentia pena de Marculino e disse a ele:

            - Vou arrumar uma mulher para você Marculino.

            - Será que tem mulher mais bonita do que você Miralva?

            - Tem Marculino, o que faz a gente ser bonita é o amor. Quando amamos, o que é feio fica belo.

            A noite se aproximava, Marculino deu as ordens aos pistoleiros que se recolhessem.

            E logo podiam ver o céu estrelado cobrindo a grande fazenda repleta de gado.

            - Depois que você chegou Marculino, tudo aqui aumentou, o gado, os pistoleiros, as mulheres, as crianças, as terras...

            - É a sua beleza, não é Miralva?

            - Já te disse que vou arrumar a mulher para você Marculino.

            - Em quem está pensando?

            - Na filha do Coronel Alfredo. Dizem que é muito bonita.

            - Filha de um Coronel Miralva! Não podia ser filha de uma pessoa normal? Tem que ser filha da maldição?

            - E por que não? Eu não sou filha de um Coronel, e não estou aqui lutando contra Coronéis! Quem sabe Marculino, ela não esteja lá contra a sua vontade.

            - E o que pretende fazer?

            - Amanhã você ira conhecê-la, e comece o namoro com ela.

            - Como Miralva! Eu chegar lá, assim, sem mais nem menos, o Coronel não vai nem a deixar falar comigo.

            - Convide-a para vir consigo.   

            - Trazê-la pra cá.

            - Sim Marculino.

            - Assim o Coronel virá nos atacar!

            - Ótimo, não é isso que queremos. Desta forma não precisamos ir até lá. O aguardaremos aqui.

            - Sabe que gostei da idéia Miralva!    - Então vamos dormir.

            Marculino vendo Miralva entrando no quarto e se escondendo na escuridão murmurou:

            - Miralva, uma mulher diferente.

            Marculino se deitou e apagou a fraca luz do lampião e com isso podia ver por entre as frestas do telhado, as estrelas que tentavam lhe contar uma história. Assim Marculino orou:

            - Deus altíssimo, guarda esta casa Senhor, contra o mal, contra as coisas ruins, proteja estas pessoas meu Senhor...

            Assim Marculino dormiu depois da sua prece que pedia proteção para aquela casinha que ficava perdida na imensidão de florestas, e que sem saber, mesmo antes da sua prece já estava cercada por pistoleiros do Coronel Gonzaga. Pois minutos depois cavalos relinchavam no pasto, cachorros latiam, e pessoas gritavam na aflição.

            - Acorde Marculino, acorde, a guerra começou.

            - O quê esta acontecendo Miralva?

            - Guerra Marculino, guerra... São pistoleiros por todos os lados.

             - De quem será Miralva?

             - Deve ser de algum Coronel desgraçado...

             - Deise se levantou já vestida para a batalha e gritava:

            - Vamos à luta gente, não podemos deixar os nossos homens sozinhos, vamos...

            Miralva espantou com a coragem de Deise. No entanto lhe animava, pois sabia que não estava sozinha naquela interminável guerra.

            - Estamos indo minha filha...

            Miralva já estava pronta para a batalha. Vestida como sempre e com aquele chapéu que guardava os seus lindos cabelos pretos.

            - Seja o que Deus quiser Miralva, eu vou atirar em que vier pela frente.

            - Ninguém se atreverá a entrar em nosso caminho...

            - Não Miralva, ninguém...

             - Certo Marculino.

            Relatou Deise com alegria. E naquele momento as balas já chegavam às portas da casa de Miralva. Marculino se protegia com as duas, procurando as trincheiras. A lua parecia parar sabre as árvores como se estivesse apreciando a batalha.

             - Cuidado mãe!

            Gritou Deise vendo um pistoleiro entrando na casa através do telhado.

            - Calma companheiro...

            Relatou Miralva atirando no homem com se fosse para ela uma simples competição.

            - Miralva, cuida de Deise que vou sair pelos fundos.

            - Muito cuidado Marculino.

            - Eu terei Miralva, eu terei.

            Marculino saiu pelos fundos da casa e podia ver a grande quantidade de pistoleiros que lutava, e outros que vinham em sua direção.

            - O quê vocês querem?

            - Viemos buscar Miralva.

            - Gritou um homem no meio dos pistoleiros.

            - E quem é você?

            - Sou Coronel Alfredo.

            - Por que veio buscar Miralva Coronel?

            - Por ordem do pai dela.

            - Se foi o meu pai que te mandou Coronel, ele não é mais o meu pai. Aquele que tive deve ser hoje um homem morto, acabado.

            - Não Miralva, pelo contrário. Hoje ele é um homem forte. Não está vendo os nossos pistoleiros, nunca perdemos uma batalha. Aquele dia eu pensei que tinha te matado, você, no entanto se salvou. Hoje, porém, vou te levar viva. 

            - Não acabou e nem vai acabar comigo Coronel, o senhor nunca ira vencer Miralva Coronel.

            Miralva conversava com o Coronel Alfredo, porém os seus revólveres de prata não paravam de atirar. Tanto de um lado como do outro, morriam pistoleiros.

            - Nossos homens estão morrendo Miralva...

            Gritava aflito Marculino.

            - Eu estou vendo Marculino, eu estou vendo...

            Em alguns instantes já se via fogo por toda parte. Até a casa de Miralva já ardia em chamas.

            - Onde está Deise Miralva?

            - Estou aqui Marculino.

            Deise respondeu Marculino, lá do meio de alguns velhos carros de boi que existiam no meio do terreiro da fazenda que o sol nasceu. Pois Miralva era muito cuidadosa no tocante as coisas que possuía.

            - Toma chumbos seus malditos!  Exclamava Deise furiosa.

            - Cuidado com os seus homens Coronel Alfredo. Hoje quero ver o seu fato. Quero ver se o fato de um Coronel se parece com o fato de um tatu peba, ou de um tatu verdadeiro.

            - Não está falando sério não é Miralva. Eu não posso matar você. Eu tenho que te levar viva. Prometi para o meu amigo Gonzaga.  

            O sol começava aparecer. Já dava para ver aos pouco os cadáveres que se multiplicavam na fazenda de Miralva. Deise atirava como se fosse uma profissional.

            - Não fiquem aí parados, vamos gente, atirem contra eles.

            Gritava Deise se sentindo cansada.

            - Calma garota. Eu vou te levar também. A netinha do Coronel Gonzaga para ele.

            Argumentou o Coronel Alfredo se sentindo vitorioso e assentado no mourão da porteira.

            - Não tem medo de morrer Coronel?

            Indagou Marculino?

            - Não vaqueiro, eu sou o Coronel Alfredo.

            - Como não tem Coronel, morra desgraçado.

            Relatou Miralva atirando na testa do Coronel Alfredo que caiu no chão ali perto dos seus pés. E quando ele caiu, e ainda com vida disse:

            - Nunca pensei que alguém tivesse coragem de atirar em mim. Como fez isso Miralva?

            - Não entendo Coronel. Já participou de tantas lutas e nunca pensou que alguém fosse um dia atirar em você. Conta outra Coronel.

            - Não Miralva, eu nunca pensei que tivesse alguém com tanta coragem.

            - Pois tem Coronel.

            E Miralva deu mais um outro tiro na cabeça do Coronel Alfredo e disse:

            - Eu sou Miralva Coronel, uma mulher diferente.

            No entanto o Coronel Alfredo não pode dar a sua opinião, pois toda a sua valentia agora estava silenciada como se fosse o pensamento perdido ao longo dos tempos.

            - Atenção pessoal, não há razão para continuarmos lutando, o Coronel Alfredo já morreu.

            Gritou Marculino.

            Naquele instante os pistoleiros do Coronel Alfredo gritaram todos ao mesmo tempo.

            - O Coronel Alfredo morreu!

            E se dirigiram para onde estava o corpo do Coronel Alfredo dizendo:

            - Chefe! Não morra chefe, você é invencível.

            Miralva se aproximou dos pistoleiros e disse:

            - Entendo o que estão sentindo amigos. No entanto quero convidá-los para lutar contra os Coronéis...

            - Como minha senhora, como vamos fazer isso. Tantos anos trabalhando para ele. E agora está aí, caído no chão, sem vida, como pode ser isso!

            E Miralva continuou a insistir:

            - Venham trabalhar comigo, eu gosto de pistoleiros. O que eu detesto são os Coronéis.

            - Nós é que devemos lutar é contra a senhora.

            - Vejo que está enganado, dê só uma olhada para o rosto de cada um dos seus companheiros, veja quantas marcas de tristeza e decepção por tantas batalhas enfrentadas para defender um Coronel safado que agora está morto em sua frente. Pra que continuar lutando por quem nunca pensou no bem estar de vocês. Eu, no entanto estou lutando contra os Coronéis e não contra nenhum pistoleiro.

            - Não senhora, eu não posso lutar contra os Coronéis, pois tudo que tenho na minha vida foram os Coronéis que me deram. Eu não posso lutar contra eles.

            - E o que eles te deram?

            - Tudo senhora, tudo que precisa um pistoleiro.

            Miralva percebia que não ia convencer o pistoleiro, via que ele já estava louco ou obcecado por Coronéis, parecia um verdadeiro feitiço. Pois de tanto matar para eles, estava simplesmente alienado.

            - Está bem pistoleiro, já que é assim, não posso fazer nada por você.

            Relatou Miralva atirando na testa do pistoleiro.

            - Será que não podemos parar de matar mãe?

            - Não minha filha, os homens na terra nunca vão parar de matar. Assim como nunca irão parar de nascer, Eles são os homens filha, os humanos.

            - E o que vamos fazer agora Miralva?

            - Conversar Marculino, conversar...

            - Tudo bem pessoal, será que tem mais alguém que está contra Miralva? 

            Quando Marculino falou, lá no meio dos pistoleiros um se manifestou dizendo:

            - Eu gostaria de ir avisar ao Coronal Gonzaga que perdemos a luta e que o Coronel Alfredo já está morto.

            - Não pistoleiro, ninguém vai avisar o meu pai. E sim, quem vai será o próprio Coronel Alfredo.

            - Não entendi senhora!

            - Nem é preciso entender.

            Argumentou Miralva, atirando no pistoleiro.

            - Miralva! Será que tenho que perguntar de novo se tem mais alguém do lado dos Coronéis?

            - Não Marculino. Acho que não. Dê ordens a eles para enterrarem os mortos. Eu vou mandar o Coronel Alfredo para o meu pai, afinal são muito amigos...

            Miralva apanhou um cavalo ensinado e colocou o Coronel Alfredo sobre ele e disse:

            - Manuel, vá até a casa do Coronel Gonzaga e deixe lá o cavalo com o Coronel Alfredo.

            - Será que o Coronel Gonzaga virá nos atacar, Miralva?

            - Não Marculino, ele gosta é de mandar, só de mandar...

            - Você tem coragem de ir lá atacar com seu próprio pai, Miralva?

            - É o meu dever Marculino, Coronéis são todos do mesmo jeito, tanto faz ser pai como não, são todos do mesmo jeito. Imundos, sujos, nojentos, são todos assim.

            Miralva falava com Marculino, olhando o pistoleiro que seguia a estrada rumo à fazenda do seu pai. O Coronel Gonzaga.

            - Está vendo Marculino, aquele que o nosso pistoleiro leva, nunca mais vai matar ninguém, daquele estamos livres, livres Marculino...

            - E o que pretende agora Miralva?

            - Vamos preparar os nossos pistoleiros e assim que estivermos em ordens, poderemos por fim no Coronel Gonzaga.

            - Mãe, a senhora fala do vovô como se estivesse falando de um animal qualquer...

            - Quando um dia filha, você tiver um amor e que o seu pai te descartar por causa dele, assim você estará na condição de entender por que eu faço isso...

            - Entendo por que você é uma mulher diferente, mamãe.

            Marculino voltou logo que acabou de enterrar os pistoleiros que tinham morrido e já voltou dizendo:

            - Terminamos Miralva.

            - Quantos sobraram?

            - Contando com os do Coronel Alfredo, são quatrocentos pistoleiros.

             - São poucos para enfrentarmos o Coronel Gonzaga...

             - Quantos iremos precisar?

             - Acima de mil homens Marculino.

            - Como vamos recrutar tantos pistoleiros assim?

            - Antes de eu vir pra cá com Cláudio. Estivemos num lugar chamado Riacho, e por lá vi muitos pistoleiros a serviço de Coronéis e pistoleiros em busca de serviço, desses que vivem a vagar pelo mundo.

             - Acha que devemos ir lá?

            - Sim Marculino, você deve ir agora, já está acostumado, pode ir sozinho.

            - Que dia Miralva?

            - Agora Marculino. Não temos tempo a perder. Cláudio esta nos esperando.

            - Ele não está nos esperando Miralva, ele está preso.

            - Você que pensa Marculino, eu sei que ele está à nossa espera. Ele te mandou aqui porque sabia que quando você chegasse aqui eu ficaria sabendo de tudo. Pois sinto que cada noite que passa ele está murchando como se fosse uma pequena planta sem água numa areia que sobrou.

            - Como uma planta sem água?

            Relatou Marculino olhando para o corpo de Miralva.

            - Você está bem Marculino?

            - Sim Miralva, eu estou bem...

            Respondeu Marculino com um ar de apaixonado.

            - Marculino, quando nós libertarmos Cláudio, tudo vai ser diferente.

            - Espero que seja Miralva.

            Relatou Marculino olhando para Deise que acabava de chegar.

            - O que estão combinando mãe?

            - Marculino vai atrás de mais pistoleiros.

            - Pra que mãe. Os pistoleiros que temos é o bastante.

            - Não minha filha. Precisamos de mais, muito mais. A raposa é muito perigosa.

            - Não acho não mãe.

            - Pois é minha filha, ele é muito perigoso.

            - Já que é assim Miralva, eu estou indo. Vejo que a minha alegria está ligada à liberdade de Cláudio.

            - Vai com Deus Marculino, não só a sua como a de todos nós.

            E Marculino se foi à busca de mais pistoleiros, Miralva dava ensinamentos aos outros, e dentro de pouco tempo ali na fazenda que o sol nasceu já tinha os mil pistoleiros que Miralva desejava para atacar o Coronel Gonzaga. E numa tarde ensolarada ali na fazenda que o sol nasceu no grande pátio, muitos pistoleiros dançavam a cantavam, festejando o aniversário dos quinze anos de Deise. Essa por sua vez estava linda no meio da festa. De modo que ela falou:

            - Estou muito feliz Mamãe, muito feliz...

            - Gostaria de dançar a valsa comigo Deise.

            - Em lugar do meu pai Marculino?

            - Não Deise, jamais eu substituiria o seu pai, quero dançar como um eterno amigo do seu pai, da sua mãe e de você.

            Deise abraçou Marculino e saiu dançando a valsa com ele. Em seguida falou:

            - Gostaria tanto de que ele estivesse aqui Marculino, que saudades sinto de quem nunca mesmo vivi, no entanto sinto o meu coração bater forte no meu peito, e acho que isso é saudades.

            - Calma Deise, nós vamos encontrar com ele, vamos libertá-lo e depois você poderá dançar quantas valsas desejar.

            Deise beijou a face de Marculino e falou:

            - Hoje você é o meu pai, pode ser?

            - Sim filha, pode ser...

            O sol descia no horizonte, deixando assim que a sombra cobrisse a estrada que ia para o pé da serra. De modo que Miralva interrompeu a festa e falou:

            - Atenção pessoal! Esta noite será à noite da decisão, amanhã quando o sol nascer eu quero ser definitivamente uma filha sem pai.

           - E será Miralva!

            Gritaram ao mesmo tempo mais de mil pistoleiros prontos para matar. E na madrugada, já no meio do caminho Miralva falou:

            - Quando chegarmos à fazenda Japuri, a lua já deverá estar clareando toda a terra.

            - Estará Miralva. E nós clarearemos a fazenda do Coronel Gonzaga, com balas de estanho.

            - Eu sinto uma coisa estranha na senhora, mãe. O que está acontecendo?

            - Nada filha, só estou com vontade de acabar com o Coronel Gonzaga.

            Miralva falava do pai como se fosse ele um pistoleiro qualquer.

            - Miralva, por que sente tanto ódio do seu pai?

            - Já falamos sobre isso Marculino.

            - Sei que já falamos.

            Argumentou Marculino cabisbaixo.

            - Não fique triste Marculino, como você mesmo disse, que nem sabe o que é pai, e assim irá sentir a minha mãe.

            - Entendi Deise, entendi.

            A lua começava aparecer, e sobre a mata, apresentava um grande espetáculo com o seu tamanho exagerado que causava remorso nas pessoas.

            - Vejam a lua como está tão grande!

            - É Deise. Até parece que está mais próxima da gente!

            - E não está não mãe?

            - Não querida, sei lá, acho que não... Só sei que desde quando eu era criança ela sempre foi assim.

            - Estou com medo!

            - Da lua Deise, ou de ser a Deise que você é? Lua não pega ninguém Deise, fique tranqüila!  

            - Não mãe, não é da lua. Pressinto que algo estranho vai acontecer...

            - Que nada Deise. A única coisa que vai acontecer será a nossa vitória, quando acabarmos com aquele velho, aquele velho nojento...

            Miralva conversava com o seu pessoal, estrada afora. Até que já passava da meia noite. A lua já passava da metade do céu. E de vez em quando se encobria por um pedaço de nuvem. No entanto, nada impedia a jornada. Pois já estavam dentro da fazenda do Coronel Gonzaga.

            - Marculino, ordena a todos que quero dar as últimas ordens:

            - Sim Miralva.

            De modo que Marculino reuniu o pessoal e Miralva lhes deu as últimas recomendações. 

            - Meus amigos, sei que vamos a uma missão de guerra. Por isso gostaria de relatar uma coisa...

            E depois de uma pausa, Miralva continuou:

            - Vamos acabar com tudo na fazenda do Coronel Gonzaga. Pois ele me deve isso, eu conto com vocês, atirem em tudo, não deixem nada para trás, podem atirar em gente, cavalo, carneiro, porco, jumento, cachorro, em tudo, em fim amigos, o que vocês verem mexendo, mete bala.

            Quando Miralva terminou de falar a multidão gritou:

            - Estamos com você Miralva, viva Miralva.

            E aquela multidão de pistoleiros desceu a montanha rumo à fazenda do Coronel Gonzaga...

            - Vamos Deise, o que está esperando?

            - Estou fazendo uma oração mamãe, pois precisamos ganhar.

            - Nós vamos ganhar minha filha, vamos. Quem te disse que vamos perder? A vitória é nossa querida.

            - Ninguém me disse nada mãe. No entanto, é sempre bom a gente orar, pedir a Deus para nos dar forças contra o mal.

            Miralva não era muito de orar, ela só acreditava em Deus e sabia que quem fazia o certo estava do lado Dele. Fora daí, ela confiava mesmo era no revólver. Nesta coisa de oração ela não tinha muita fé. Ela só tinha fé em Deus, nisso aí de santo, de quem morreu de protetor, isso para Miralva não existia. Era Deus e abaixo depois dele, o revólver.

            - Estamos chegando Miralva.

            - Mande o pessoal cercar a fazenda Marculino. Para ninguém fugir.

            - Certo Miralva.  

            E de um lado e do outro da fazenda, já tinham pistoleiros de Miralva atirando em tudo conforme a sua ordem. Miralva, no entanto seguiu a estrada rumo à casa do Coronel Gonzaga, estrada essa que ela saiu há muitos anos atrás. Agora ela estava de volta ao lar, Miralva estava voltado para casa do pai que já tinha mandado matá-la. Hoje era o dia do acerto de contas entre um pai covarde e uma filha que foi descartada por amar um pobre empregado da fazenda do seu pai. E logo Miralva teve que por as suas mãos nas suas armas, pois o Coronel Gonzaga por ser prevenido já estava esperando o confronto, por que surgia pistoleiros de todos os lados.

             - Tome cuidado Deise!

            Argumentou Miralva matando alguns pistoleiros que iam aparecendo.

            - Cuide de você mãe, eu sei me cuidar.

            E balas voavam por todos os lados. Viam-se logo os clarões de fogo pela fazenda, e gritos de crianças, mulheres e homens, faziam animar o tiroteio. Miralva feliz gritava:

            - Sai de dentro da sua toca Coronel Gonzaga, chegou à hora de morrer seu maldito. Pai desnaturado, saia daí se é que tem coragem de me enfrentar.

            O Coronel Gonzaga, no entanto nem sequer dava sinal de vida.

            - Vocês têm que morrer seus idiotas. Morram...

            Gritava Deise desesperada atirando para todos os cantos. Deise já se sentia adulta. Depois dos seus quinze anos, bem mais bonita do que a sua mãe era mais ágil no gatilho. Porém, gostava de se trajar do mesmo jeito da sua mãe.

            Tinha a mesma mania de prender os cabelos para que ficasse parecida com um homem.

             - Para matar um homem, precisa matar tantos assim!

            Gritou um homem.

            - Viemos matar todos e não somente um. Sim senhor, estamos aqui para matar todos.

             Argumentou Miralva.

             - Quem está falando?

            Perguntou o homem.

            - Isto não lhe interessa!

            Exclamou Miralva atirando na direção de onde vinha a voz do homem. Para onde olhava já dava para ver gente morta no chão. As casas da fazenda Japuri já estavam quase todas em chamas.  Só restava mesmo a grande casa onde residia o Coronel Gonzaga. E mesmo assim, Miralva gritou:

            - Ponham fogo na casa do Coronel, companheiros!

             - Não pistoleiro, eu me rendo.

             - Quem está falando? É o Coronel Gonzaga?

            - Sou seu pistoleiro do inferno. Sou o Coronel Gonzaga.

            - Miralva, ele é mesmo o seu pai?

            - Entre a fumaça não dá para eu saber Marculino. Meta bala nele.

            Bem antes de Miralva terminar de falar, os pistoleiros já incendiavam a casa do Coronel Gonzaga.

            - Não, não faça isso, eu sou o Coronel Gonzaga.

            Porém de nada adiantou, pois a voz do Coronel Gonzaga se misturou no som das explosões de dinamites e balas dos revólveres dos pistoleiros de Miralva.

            - Miralva, será que o Coronel morreu?

            - Deve ter morrido Marculino, porém só acredito quando eu vir o cadáver dele. Procure ele pra Deise conhecê-lo.

            Marculino desmontou-se do seu enorme cavalo e saiu indo para o terreiro da grande casa, onde se encontrava grande quantidade de gente morta.

            - Miralva, aqui tem um velho com cara de Coronel!

            - Deve ser ele Marculino.

            Miralva se aproximou do corpo e disse:

            - Acenda um fósforo Marculino, está muito escuro.

            Marculino arrastou o corpo para perto do fogo e quando chegou à claridade Miralva falou contente:

            - É ele mesmo Marculino, é ele, o famoso Coronel Gonzaga, está aí, morto. Este não mata mais ninguém agora. Vamos embora Marculino. Chame o pessoal, vamos andando.

            A brisa fria da madrugada parecia aquecer o rosto de Miralva, indo para sua casa. Pois há dezessete anos atrás, ela seguia o mesmo caminho, fugindo do seu pai, porém do lado de Cláudio, o seu grande amor.

            - Marculino, sabe! Eu estou muito feliz!

             - E posso saber o motivo Miralva?

            - Sim Marculino, parece que estou vendo os estreitos carreiros que passei com Cláudio no dia que fugimos do meu pai. Como ele é especial Marculino...

            - Sei o que está sentindo Miralva, eu imagino o que está em sua mente. Posso crer o quanto foi bonito. Porém agora são lembranças, só restam lembranças. Nada mais do que lembranças. O que passou Miralva, não volta mais.

             - Será que não volta mesmo Marculino?

            Perguntou Deise.

            - Não Deise, não volta nunca mais. A vida é assim Deise.

            - Um dia você irá amar alguém Deise.

            - Por falar em amar alguém Miralva! Onde está a mulher que você me prometeu?

            - Ela deve ter sumido Marculino. Depois que acabamos com o Coronel Alfredo, ela deve ter desaparecido do mapa.

            - Pra onde será que levaram a coitada?

            - Deve ter ido para alguma casa de prostituição. Este é o destino dessa gente ruim Marculino. Vão todas para a zona. É o lugar que elas merecem. Ser putas e nada mais.

            - Como à senhora fala assim das pessoas mãe!

            - Elas também falam da gente minha filha? Aposto que aquele velho imundo que acabamos de eliminar, ele também falava da gente. São todos assim.

            E o gostoso papo que trocavam, fazia Miralva espairecer a sua mente no atinente ao que tinha acontecido.

             - Daqui a pouco estaremos em casa!

            - E o que vamos fazer Miralva?

            - Vamos preparar para seguirmos viagem.

             - E quanto à fazenda?

            - Não só a minha, assim como as que pertenciam aos Coronéis que eliminamos, serão a partir de hoje uma só. Todas que encontrarmos em nossa frente irão pertencer a uma única fazenda.

            - E como à senhora vai tomar conta de uma fazenda tão grande?

            - É fácil filha, deixarei os pistoleiros tomando conta de tudo até voltarmos. 

            - E que destino iremos Miralva?

            - Destino ao Coronel Jacó. Não foi ele que roubou o ouro de Cláudio? E o seu, e ainda prendeu o meu marido?

            - Foi Miralva, foi ele mesmo.

            - Então! Levaremos esse safado para trás das grades lá onde está o meu amor. Eu o deixarei lá.

            - Não funciona assim Miralva. Cláudio foi julgado.

            - Julgado Marculino, que julgamento que nada Marculino. Julgamento que para mim não vale nada.  Nosso lema é matar Marculino. Essa é a nossa lei. Já que não podemos matar juízes e corruptos, levaremos o Coronel Jacó até a cela do Cláudio. Assim trocaremos um pelo o outro. Depois que ele estiver dentro da cela, daremos um descanso a ele, enchendo ele de balas.

            - Já que vamos matar o Coronel Jacó, por que não o matamos logo?

            - Não é bem assim, ele será o nosso trunfo contra os doutores corruptos e os juízes safados que vivem a serviço dos Coronéis assassinos. Vamos trocá-lo por Cláudio.

            - Os policiais vão querer nos perseguir.

            - Não tem problema Marculino, deixe que nos persigam, assim metemos bala neles.

            - São muitos Miralva, formam grandes exércitos.

            - Não importa quantos são e nem quem são Marculino. O certo é que vamos tirar o Cláudio de lá. Ele é inocente. Não pode ficar pagando uma coisa que não deve. Estamos com a razão Marculino, ninguém se atreverá a entrar em nosso caminho. E se entrar levará chumbo.

            Miralva parecia ter virado um monstro. Para ela a vida não significava nada. É como se fosse uma coisa qualquer.

            - Estamos chegando Marculino. É só o tempo de arrumar e seguirmos viagem. Ainda hoje Marculino.

            - Levaremos muito tempo para chegarmos à região dos garimpos, Miralva.

            - Que tempo, por exemplo?

            - Uns três meses aproximadamente.

            - Então vai dar certo o que planejei.

            - Posso saber o que planejou Miralva?

            - Até chegarmos à fazenda do Coronel Jacó, todas as fazendas que passarmos por ela e que lá tiver um Coronel safado, vamos matá-lo e trazer os pistoleiros dele para o nosso lado. Assim formarei um exército. O meu exército de pistoleiros.

    - Então você está disposta a acabar com todos os Coronéis Miralva?

            - Eu nunca fui a favor da luta Marculino, sempre respeitei a igreja, os padres, os pastores, e outros chefes de conselhos de fé.  Depois que descobri que os ricos e os corruptos não respeitam ninguém, e vivem aí escondidos atrás de um deus maldito que eles acreditam que para mim não é o Deus verdadeiro, Pois acho que Ele deu as costas para nós, pois se não tivesse dado, não estaríamos indo a busca de um homem honesto e condenado injustamente por um grupo de safados a serviço de um Coronel assassino. Portanto o que eu tenho de fazer Marculino, é meter fogo nesses malditos.

             - Miralva, a igreja diz que não devemos matar e sim amar.

            - Ah! Contudo ela se esqueceu de dizer o que fazer quando nos tira o que mais amamos. Sabe Marculino, por que a igreja só condena os pobres. Será que os ricos têm um deus diferente. Um deus cego. Ou será que os malditos ricos compram a liberdade e também a Deus! 

            - É mãe, e como podem comprar uma coisa abstrata?

            - No sentido figurado Deise. Eles compram as autoridades para burlarem as leis e depois dizem que a justiça e cega.

            - Então o símbolo da justiça deveria ser uma bengala!

            - Poderia ser Marculino, já que é cega! E o mesmo acontece com o símbolo da igreja, nos apresentam uma cruz ao invés de nos mostrar um brasão.

            - Essa eu não entendi Miralva!

            - Sim Marculino, um brasão...

            - Sei o que a mãe está se referindo Marculino.

            - Sabe Marculino. Quando uma pessoa comete um crime e que a tal de polícia não descobre, quem faz o serviço na verdade é a igreja. Pois quando o idiota vai se confessar, o velhaco do padre ou o pastor, o denuncia muitos deles em troca de propina. Veja Marculino, em cada cidade os principais imóveis pertencem a tal da igreja. Onde dizem que receberam em doações dos fiéis. Corja de malditos Marculino. É tudo uma máfia.

            - Você afirma assim sem ter certeza Miralva?

            - Tenho certeza Marculino. Por isso é que em todos os lugares da terra, existe uma igreja.

Pois ali está o ponto certo de tudo. Da safadeza, da pilantragem, da corrupção, da maldição do homem, e ainda dizem que existe diabo e Deus. É por isso Marculino é por isso...

            - Eu não entendo Miralva.

            - Sei que não entende Marculino. Acho melhor mudarmos de assunto. Pois não quero ficar falando de uma coisa que nunca vai mudar. Contudo Marculino, enquanto a igreja nos trai com o nome de Deus, nós acabaremos com os Coronéis, à bala, a dinamite, vamos matar essas desgraças.

            - Estou com você Miralva.

            A conversa agradável de Miralva fez com que o caminho ficasse mais curto, pois os pistoleiros já se acomodavam em suas casas.

            - Marculino, verifica quantos pistoleiros perdemos, enquanto eu dou uma arrumada na casa.

            - Partiremos ainda hoje Miralva?

            - Não Marculino, deixe o pessoal descansar.

            Marculino foi cumprir a ordem de Miralva, enquanto ela e Deise cuidavam de algumas coisas na casa da fazenda.

            - Sinto que está triste mamãe!

            - Não é tristeza minha filha. Estou pensando como deve estar a minha mãe, eu nem a vi.

            Deise abraçou Miralva e disse:

            - Não fique triste minha querida. Ela não gostava da senhora.

            - Não é bem assim Deise. Acho que ela gostava... O maldito do velho é que não deixava ela demonstrar o seu amor.

            - Acabou mãe. Foi melhor assim. Ela ia mesmo morrer um dia. Que Deus tenha piedade da alma dela.  

            - Você tem razão minha filha. Eu não devo mesmo me preocupar, ela merecia o que recebeu. Ainda mais ter que tolerar um Coronel desgraçado do seu lado. A morte seria um alívio para ela. Pois viver do lado de um Coronel é viver verdadeiramente um terror. Lembro-me quando eu era da sua idade, Aquele maldito me batia sem mais nem menos. Batia em mim por causa do Cláudio que era pobre. Ele nunca aceitou o meu amor. Velho desgraçado. Agora bate em mim seu maldito, bate seu desgraçado...

            Enquanto Miralva falava Marculino entrou e disse:

            - Só perdemos duzentos homens Miralva.

            - E veio algum daquela cobra maldita?

            - Não Miralva, morreram todos.

            - Melhor assim, melhor não ter sobrado nada daquele infernal, bem melhor assim...

            Com lágrimas nos olhos, Miralva deixava ali a fazenda que o sol nasceu aos cuidados de pistoleiros e as mulheres e filhos dos demais pistoleiros que viajavam com ela. E com a voz embargada de emoção ela disse:

            - Fique aí minha fazendinha, breve estarei de volta, trazendo o meu amor. 

            Marculino por sua vez já estava acostumado com a fazenda, pois emocionado falou:

            - Miralva, eu aprendi a gostar deste lugar. Aqui parece que está o meu futuro. Sinto que aqui é um verdadeiro paraíso.

            - Só por que acabamos com os Coronéis?

            - Sim, no futuro aqui será um ótimo lugar para se viver. E quem habitar nesse lugar, será totalmente feliz...

            - Vai demorar muito tempo Marculino, para as cicatrizes se fecharem. Vai demorar muito. E quando Deise estiver velhinha irá contar aos nossos netos as nossas histórias. Dirá a eles que acabamos com os Coronéis. Eles irão sentir remorso, eles irão saber que acabamos com esses desgraçados.

            - Marculino! Por que está nervoso?

            - Pudera Deise. Como acha que eu devo ficar? Feliz? Mesmo falando de Coronéis. Eles são uns desgraçados Deise! Eu não posso sorrir.

            - Está lembrando do ouro! Não é Marculino? 

            - Sim Miralva, é uma grande revolta que tenho. Quando vi o meu amigo com aquelas algemas frias no punho, me cortou o coração. E aquele Coronel desgraçado sendo aplaudido por um bando de bajuladores. Quando eu me encontrar com ele, quero desmanchar o seu crânio à bala.  

            - Não Marculino, nós vamos levá-lo vivo até a cela que está o Cláudio. E depois que tirarmos o Cláudio de lá, sim, colocaremos ele lá e aí o encheremos de balas. 

            - Tudo bem Miralva, mesmo depois que você acabar com ele eu ainda quero encher a boca dele de estanho.

            Os três iam estrada afora falando de realizações e oitocentos pistoleiros os acompanhavam rumo à fazenda do Coronel Jacó.  A poeira subia ao céu parecendo formar um letreiro como se escrevesse uma mensagem de alegria por estarem libertando o sertão da tirania dos Coronéis.

            - Marculino! Nós vamos passar pelas Caraíbas?

            - Não Miralva. Vamos subir a montanha e seguirmos a travessa do cambito.

            - Será que fica mais perto Marculino?

            - Sim Deise. Além disso, dizem que é uma região que tem muitos fazendeiros. Poderemos ali encontrar alguns pistoleiros que poderão se juntar ao nosso bando.

            - Então Marculino. Vamos por esse lugar...

            - Sim Miralva. A serra que vamos atravessar é famosa por seu perigo. Além de parte dela que diziam ser encantada.

            - E vamos passar por este lugar encantado Marculino?

            - Seria ótimo Miralva. Desta forma não precisaríamos de pistoleiros, pois nos transformaríamos em imortais. 

            - Eu não gostaria de ser imortal!

            - Por que minha filha?

            - Não mamãe. Já imaginou quando eu ficar velhinha! Sair por aí voando em vassoura como uma bruxa! Não, não quero ser imortal.   

            - Até que você fique velha minha filha, você seria a linda princesa encantada.

            - Não mãe. Eu prefiro ser eu mesma. Uma simples garota que tem uma mãe de coragem e um pai atrás das grades. Sou isso mãe.

            Depois de muitos dias de viagem, Miralva e o seu bando acabaram de atravessar a serra sem encontrar nada de encantado. A única coisa que puderam ver diferente foi os lindos lugares que a natureza reservou para sua vaidade longe das mãos dos malditos Coronéis e de alguns humanos estranhos.

            - Já estamos na região do Coronel Jacó Marculino?

            - Não Miralva, ainda tem muito chão pela nossa frente.

            - E onde fica esse lugar infernal?   - Sinto que está cansada Deise. Tenha calma, de passo em passo chegaremos lá. E já pensou Deise? Que gostoso quando encontrarmos o Coronel Jacó. Vamos eliminar aquela coisa infernal.

             - Espero que sim Marculino.

            - E você sabe se o Coronel Jacó tem algum amigo Marculino?

            - Não sei Miralva, não sei. Só sei que existem outros.  

            - Mãe! Nós vamos levar esse tal de Coronel Jacó para a prisão pra quê?

            - Vamos trocá-lo por Cláudio minha filha.

            - Se eu fosse à senhora mataria esse Coronel. Nós não precisamos de um Coronel idiota para trocá-lo por meu pai... Vamos nessa tal de cadeia e metemos bala em tudo e tiramos o pai de lá...

            - Por falar em balas Marculino.  Precisamos de mais munição. Pois a que temos não vai ser suficiente.

            - O Coronel Jacó tem de sobra Miralva. Nós pegamos à munição dele.

            Em instantes Deise gritou:

            - Vem vindo pistoleiros!

            - Deve ser pistoleiros de algum Coronel, Deise.

            - Não vai fazer nada mãe?

            - Vamos filha. Atenção pistoleiros. Pistoleiros à vista!

            De modo que os homens de Miralva se espalharam mata adentro e em poucos minutos Miralva gritou:

            - Parados aí cavaleiros, vocês estão cercados... Para onde estão indo?

            Um homem velho retrucou:

            - Não temos satisfação a dar ninguém...

            Marculino atirou na testa do velho e disse:

            - Quando se faz uma pergunta é bom dar a resposta...

            De maneira que um homem magro com o bigode cheio relatou:

            - Somos da fazenda Água Doce, amigo. Trabalhamos para o Coronel Miro.

            - Ótimo amigo, e esse Coronel Miro tem muitos pistoleiros?

            - Somos duzentos, por que moço?

            - Estamos indo em busca da liberdade de um colega que foi condenado e está preso na casa de detenção do estado.

             - Se foi condenado tem que cumprir a pena, não acha moço?

            - Pare de me chamar de moço pistoleiro.

            - Então pare de me chamar de pistoleiro moço.

            Marculino atirou na testa do pistoleiro e disse:

            - Não conseguimos nos entender.  

            - Está nervoso Marculino? Você nem falou o seu nome para o pistoleiro e queria que ele soubesse?

            - Desculpe Miralva, ele respondeu mal.

            Marculino desmontou do seu cavalo e continuou conversando com os demais pistoleiros:

            - Como eu ia dizendo amigos. O meu nome é Marculino.

             - Sim Marculino, e o que quer da gente?

            - Quero mais pistoleiros para lutar contra o Coronel Jacó.

            Um homem negro falou:

            - Não temos nada contra esse Coronel Jacó. Como vamos lutar contra alguém que nada temos contra ele.

            Marculino atirou no negro e falou:

            - Não pretendo matar mais ninguém de vocês, o que quero é unir as nossas forças contra o Coronel Jacó.

            Assim, lá no meio dos pistoleiros do Coronel Miro um simpático pistoleiro relatou:

            - Marculino, eu não concordo, sei que vai atirar em mim. Porém, antes eu gostaria de propor um negócio.

             - Que tipo de negócio?

            - Me chamo Cristóvão, Marculino.

            - Fala logo que tipo de negócio Cristóvão.

            - Estou gostando da sua proposta. No entanto só aceitamos a brigarmos juntos contra o Coronel Jacó se antes você sair na mão comigo. É um desafio. Pois, preciso saber se posso confiar em você. Esta é a única maneira que sei em quem eu posso confiar...

            Marculino nunca tinha encontrado pessoa deste jeito, no entanto mesmo sem pensar relatou:

            - Será um prazer lutar com você Cristóvão.

            Assim o pistoleiro Cristóvão desmontou do seu cavalo e se dirigiu ao meio da estrada onde formava ali uma área que seria o bastante para o seu desafio e com isso saber se podia confiar em Marculino. Depois de instantes só se viam poeira subir, pois atracados aqueles dois homens valentes pareciam dois enormes touros que disputavam um território.

            - Não vai mandar parar mãe?

            - Não filha, deixa ver até onde vão.

            Deise ficou olhando como o rapaz apanhava, e até parecia sentir pena dele.

            - Acho que é hora de parar.

Marculino vencia a luta, porém ao ouvir Miralva relatou:

            - Tudo bem Miralva.

            Marculino abraçou Cristóvão e disse:

            - Miralva, este é Cristóvão.

            Cristóvão olhou para Miralva e disse para Marculino:

            - Quem é este pistoleiro?

            - Não é um pistoleiro Cristóvão, é a minha mãe.

            - Sua mãe garota, sua mãe!

            - Sim, minha mãe. E o meu nome é Deise.

            - Encantado Deise. Você é incontestavelmente linda. Desde já posso afirmar que iremos ajudar vocês a libertarem o seu amigo.

            - Obrigada Cristóvão. E além de amigo o homem em questão é o meu pai.

            - Seu pai! O que ele fez para ser condenado?

            - Assalto Cristóvão. Meu pai foi assaltado por um Coronel e quem levou a pior foi ele. Além de perder todo o ouro que conseguiu ao longo de nove anos de sofrimento ele foi condenado injustamente...

            - E como você ficou sabendo disso Deise?

            - Eu era o garimpeiro que estava com ele todos os anos de sofrimento que Deise relatou.

            - Compreendo Marculino. Deve ter sido difícil para vocês.

            E quanto a você Deise. Pode ficar tranqüila que logo tiraremos o seu pai daquele lugar infernal que criaram para os maus e não para um simples e humilde garimpeiro.

            Cristóvão estava muito feliz com a nova amizade, pois até relatou:

            - Atenção pessoal! A partir de agora estamos sob o comando de Miralva.

            Miralva se sentindo vitoriosa agradeceu Cristóvão e falou:

            - Vamos agora amigos, agora em primeiro lugar eliminarmos o Coronel Miro.

             - Vamos...

            Assim o bando de Miralva se dirigiu rumo à fazenda Água Doce, para por fim em mais um maldito Coronel que atormentava a terra brasileira, tirando das mãos de cada brasileiro o direito de ser feliz. Aquele dia mais um Coronel desgraçado ia se encontrar com a morte. Cristóvão assumiu o comando dos pistoleiros e ordenou que Miralva e Deise ficassem fora da batalha, pois ele até relatou:

            - Não quero tirar a sua autoridade Miralva. Só quero poder defender a senhora e essa linda garota. E afirmo desde já que sou capaz de dar a minha vida para defendê-las.

            - Fico agradecida Cristóvão. Nunca pude imaginar que um desconhecido pudesse ser tão amável comigo e a minha filha.

            - Compreendo Miralva. No entanto sinto que algo muito importante ia acontecer entre nós. Noto nos olhos de Deise uma chama ardente de amor e uma paixão que brota no seu sorriso.      

            Marculino enciumado relatou:

            - Se apaixonou Cristóvão?

            - Perdidamente apaixonado Marculino. Contudo sei que isso é normal quando uma pessoa nasce para completar à outra.

            Deise só ouvia o que o pistoleiro falava. No entanto ela procurava saber na sua mente onde o pistoleiro queria chegar.

            - Cristóvão, esquecendo um pouco o amor e a fantasia, o que devemos fazer?

            - Fácil Marculino. Já está anoitecendo. Esta é a hora do Coronel Miro ordenar aos seus homens para irem à cidade para roubarem dos viajantes e garimpeiros.

            - E que tem a ver uma coisa e a outra?

            - Simples Miralva. Mandaremos uma parte dos pistoleiros para a cidade e com a outra atacaremos a fazenda e eliminamos o Coronel Miro.

            - Estou de acordo Cristóvão. Mande os homens para cidade.

            Depois que Miralva e Cristóvão se decidiram, os pistoleiros foram ordenados a atacarem os homens do Coronel Miro que estivessem na cidade.    Depois de feito, iria se encontrar com o outro grupo na Boca da Várzea, para depois atacarem o Coronel Custódio.

            - Vamos ver se o Coronel Miro vai chorar na hora de morrer Marculino. 

            Cristóvão falava de morte de uma maneira banal. Até parecia que não tinha medo de morrer.

            - Por que você fala da morte assim Cristóvão, de uma maneira natural?

            - Simplesmente por uma coisa Deise. Eu estava com apenas sete anos de idade quando vi o Coronel Miro matar cruelmente o meu pobre pai e a minha pobre mãe.

            - Viu o Coronel Miro matar o seu pai e a sua mãe e ainda trabalha para ele! Não entendo Cristóvão.

            - Já faz dezenove anos que vi os meus queridos pais mortos. Isso é vingança Deise. Estou esperando uma oportunidade já há muito tempo. Uma oportunidade para lembrar ao Coronel Miro daquele maldito momento. Eu vou lembrá-lo... Sabe Deise! Depois que vi os meus pais mortos a minha vontade era morrer também, no entanto uma coisa me fez correr e eu corri, corri sem destino, parecia que uma sombra me perseguia e assim me fazia correr ainda mais, sei que corri, corri até desmaiar.

            - E o que aconteceu?

            - Uma senhora me encontrou caído à margem do caminho. Teve compaixão de mim e me levou para a sua casa. Ela não tinha filho, achou que foi Deus que tinha me mandado dos céus para ela.

            - Te criou?

            - Sim, sei que eu não dava alegria a ela e nem ao seu marido. Eu vivia triste pelos cantos da casa. E quando fiquei rapaz eles descobriram quem era o meu pai. Sei que numa noite escura eu escutei os dois conversando à beira do fogão de lenha. Onde tinha uma trempe e eles gostavam de colocar ovos nas cinzas quentes e ali comiam enquanto falavam das suas aventuras, dos seus passados e dos passados dos outros e dentre esses passados estava o meu. Sei que ele falou para ela:

            - Ele só pode ser filho de Rita e José Forró. Não se lembra daquele maluco que era amigo dos ciganos. Ele até deu um filho de presente para os ciganos. Não se lembra?

            - Aí foi que descobri que eu não estava só no mundo. Que eu tinha um irmão em algum lugar. Eu estava deitado numa cama de vara, forrada com palha de milho. Aquela noite eu chorei Deise. Não chorei de tristeza, e sim de alegria. O que eu queria, era me levantar e sair à procura do meu irmão.

            - E o que você fez?

            - Continuei ouvindo o que eles falavam.

            - E o que eles falavam?

            - O homem dizia:

            - É isso. O Coronel Miro matou José Forró e Rita, só por causa da amizade deles com os ciganos. E se me lembro bem, eles só tinham o menino Marcelino que é o nosso Cristóvão.

            - Sei que aquela noite eu não dormi Deise. Esperei que o meu pai e a minha mãe de criação se levantassem, pois aquele dia seria um dia diferente para mim.

            - O que aconteceu Cristóvão, quero dizer Marcelino?  

            - O dia amanheceu Deise. Era um lindo dia de sol radiante. Um dia que não parecia com nenhum outro dia que eu tinha vivido. Não sei agora se era o dia ou era eu e ou quem sabe outra coisa que nunca consegui entender. Pedi que me levasse lá na tapera onde morava Rita e José Forró. Lá na tapera aonde eu vim ao mundo. Quando lá chegamos, eu já estava estranho, muito mais estranho fiquei quando a minha mente relembrou aquele momento terrível que eu tinha vivido por ocasião da morte dos meus pais verdadeiros. Eu já sabia que minha mãe de criação não tinha mais ninguém no mundo a não ser meu pai de criação e eu, e por sua vez o meu pai de criação era um forasteiro que nem mesmo sabia de onde era. Ali naquele momento eu resolvi ficar sozinho no mundo, sozinho, como ficou o meu irmão que foi dado de presente para os ciganos. Contudo eu não sabia do seu paradeiro, no entanto eu achava que ele estava vivo e vivendo sozinho em algum lugar...

            - E o que você fez para ficar sozinho?

            - No mesmo lugar que os meus pais verdadeiros morreram eu matei os dois e os enterrei ali onde eu tinha vontade de ter enterrado os meus pais. E não ver assim, cada pedaço deles voando no bico de algum urubu faminto.

            Deise assustada relatou:

            - Matou os dois?  

            - Sim, fiquei com medo do Coronel Miro descobrir que eles me criaram e assim mataria eles de qualquer forma e junto com eles mataria a mim também.

            - E depois desta crueldade, o que você fez?

            - Fui para Sabará, uma região de montanhas onde tinha muito ouro Marculino.

            - Então você estava perto do lugar que eles levaram Cláudio, o pai de Deise.

            - Que lugar eles levaram o pai de Deise, Marculino?

            - Tal de Curral Del Rei.

            - Então é lá que está o Cláudio?

            - Sim, Cristóvão, é lá.

            - Não fique triste Miralva, Logo estaremos a caminho de Curral Del Rei. Quero descobrir uma coisa.

             - Eu também quero Cristóvão. 

            - Pode me chamar a partir de agora pelo meu verdadeiro nome.

            - Não seria melhor descobrir primeiro Cristóvão, com o Coronel Miro se você é você mesmo?

            - Não Marculino, eu o vi atirando em meu pai. E aquele dia que cheguei à tapera, recordei-me de tudo. Por esse motivo fui obrigado a matar aquele simpático casal. Só para poder vingar a morte dos meus pais.

            - O casal que você matou, se lembra de onde era?

            - Isabel era natural de Buenópolis, já não tinha ninguém no mundo. Um tal Coronel Getúlio deu cabo de todos. O seu esposo, o Dionízio era um pescador, um forasteiro, dizia que era de Pirapora. No entanto, não tinha certeza.

            - E sabe como se conheceram?

            - Contavam que se conheceram na construção da estrada.

            Miralva interrompeu o papo de Marcelino e falou:

            - O pessoal já deve estar arrasando a cidade há essas horas...

            - É a vida Miralva, uns morrem para outros viverem... Daqui a pouco será a vez do Coronel Miro.

            - Antes de matá-lo Marcelino, eu gostaria de fazer uma pergunta a ele.

            - Sim Marculino, eu deixarei.  E logo depois da sua pergunta eu quero ter o prazer de acabar com aquele idiota.

            - Antes de Cristóvão fechar a boca, já dava para ver casas da fazenda do Coronel Miro. O sol já tinha entrado, os morcegos voavam avisando que as trevas estavam chegando.  

            - Atenção pessoal, atacar!

            Os mais de quinhentos homens atacaram a fazenda do Coronel Miro. Por ordem de Cristóvão, Miralva, Deise e Marculino, ficaram apenas assistindo a grande batalha.

            - Veja Deise, quando a gente está de fora de uma batalha é que dá pra gente ver o quanto é feia uma guerra.

            - É mãe, é muito feia mesmo. No entanto eu sei que não suporto ver pistoleiros lutando sozinhos, que Cristóvão me desculpa...

            Deise entrou na luta e Marculino foi logo em seguida. Miralva por sua vez não se conteve e também colocou os seus revólveres de prata para funcionarem. Cristóvão vitorioso gritava:

             - Coronel Miro, aparece seu maldito.

            Contudo, nada de Coronel Miro aparecer, no entanto, o que tinha de pistoleiros...

             - Cuidado Marculino, o Coronel Miro pode fugir!

            - Vou dar uma olhada Cristóvão.

            Marculino seguiu para os fundos da casa do Coronel Miro, e não viu jeito de ninguém, assim ele entrou no celeiro e lá encontrou escondido no meio dos animais, um homem e três mulheres.              Assustado Marculino gritou:

            - Cristóvão, chega aqui, venha rápido!     

            Cristóvão foi até o celeiro ao encontro de Marculino, e junto foram também Miralva e Deise. De maneira que Cristóvão perguntou:

            - O que está acontecendo Marculino?

            - Veja se esta cara que está aí dentro é a do Coronel Miro!

            E naquele instante que Cristóvão foi olhar o Coronel Miro gritou:

            - Atirando e correndo...

            A esposa e as filhas do Coronel Miro obedeceram à ordem do maldito e saíram atirando com grande fúria. Até pareciam que estivessem esperando a maldita morte já há muito tempo.

            - Tome cuidado Cristóvão.

            - Você também Marculino.

            Cristóvão saiu rolando pelo chão e atirando ao mesmo tempo assim conseguiu matar uma filha do Coronel Miro. Marculino matou a esposa do Coronel Miro e Deise gritou:

            - Parado aí! Coronel Miro. Não posso te matar, tem uma pessoa que precisa lhe fazer uma pergunta.

            - Que pessoa?

            - Cristóvão Coronel, o seu criado Cristóvão. 

            Quando Miralva falou, o Coronel Miro exclamou:

            - Cristóvão seu traidor!

             Marculino então disse:

            - Não Coronel, Cristóvão não é um traidor.

             - E o que querem seus desgraçados?

            - Calma Coronel, calma...

            - Com quem estou falando?

            - É o seu criado Cristóvão Coronel. Afinal de contas Coronel, meu nome não foi e nunca será Cristóvão. Meu nome verdadeiro é Marcelino. Aquele menino filho de José Forró e Rita. Que foram mortos pelas suas mãos. Não é Coronel. Eu gostaria de antes de te matar, que o senhor me respondesse uma pequena pergunta do meu amigo Marculino.

             - O que querem saber de mim?

            Marculino se sentindo poderoso disse:

            - Apenas uma coisa Coronel Miro.  Lembra-se bem de José Forró?

            - Sim, me lembro dele.

            - É capaz de me dizer se José Forró tinha um outro filho? Além de Cristóvão, quero dizer Marcelino?

             - Tinha, ele o deu de presente ao cigano Boca de Ouro.

            - E se lembra do nome de menino Coronel?

            - Sim, o nome dele era Marculino. Não vê que é o seu nome pistoleiro do inferno.

            - Obrigado Coronel, Marcelino, é o meu irmão.

            Marcelino se encheu de alegria e correu para abraçar Marculino e naquele momento o Coronel Miro atirou em Marcelino, porém, Miralva atingiu antes o braço do Coronel Miro e falou:

            - Tenha calma Coronel, vocês são horríveis. Não está vendo que os irmãos estão se encontrando depois de tantos anos, está querendo estragar a alegria deles?   Eles nem mesmo sabiam que eram irmãos. Vocês Coronéis têm mesmo de serem banidos, há muito mal em vocês.

            - O que você quer de mim pistoleiro desgraçado?

            Deise atirou no outro braço do Coronel e falou:

            - Respeite a minha mãe Coronel Miro. Além de ser um Coronel, perdeu o cavalheirismo, ela é uma simpática senhora. Não como uma prostituta de um Coronel. Pois acho que uma mulher que vive do lado de um Coronel, ela não serve nem mesmo para ser uma prostituta, seria sacanagem compará-la como uma prostituta, é como se fosse desqualificar uma prostituta.

            - Sua mãe nada mocinha, não estou cego! Para mim é um pistoleiro.

            Miralva retirou o chapéu da cabeça e deixou que os seus lindos cabelos pretos caíssem sobre os ombros e disse:

            - Eu sou Miralva Coronel, uma mulher diferente.

            - Miralva! Você é a mais linda de todas as mulheres que eu já vi.

            - Obrigada Coronel, adeus...

            Miralva se despediu do Coronel Miro, atirando com os seus dois revólveres de prata no peito dele, dizendo:

            - Menos um maldito na terra...

            - Vamos Mãe. Acabou, vamos.

            A paz acabava de chegar à fazenda Água Boa. O Coronel Miro já tinha seguido para o inferno. Deixando ali somente uma carcaça como se fosse uma onça morta que perdeu para o caçador. Marculino e Marcelino ainda abraçados sorriam como se aquela alegria nunca fosse acabar. Nunca, nunca mais... Marculino até dizia:

            - Meu irmão, meu querido irmão... Vamos ajudar Miralva e Deise, Elas merecem.

            - Vamos...

            Assim Marculino gritou:

            - Vamos Miralva, vamos, a lua vai nos mostrar o caminho da Boca da Várzea.

            Marculino estava feliz, ele agora tinha um motivo a mais para lutar, Marculino agora tinha Marcelino, sua única família. Marculino agora sabia que teve um pai, uma mãe e que tinha um irmão. E já lá na Boca da Várzea, os pistoleiros de Miralva, descansavam sobre a relva na espera da próxima batalha contra mais um maldito Coronel assassino.   Mais um desgraçado da terra brasileira ia morrer. Nada disso estaria acontecendo se não fosse à injusta condenação de Cláudio, que a essas alturas estava envelhecendo atrás das grades enquanto que o Coronel Jacó estava participando das festas sociais dos corruptos, dos doutores safados, dos falsos profetas, dos políticos, dos ladrões, dos conselheiros do governo, dos sei lá o quê.

            - Marcelino, o que você disse esta tarde é verdade? Você gostou mesmo de mim?

            - Claro Deise, pois o seu jeito de ser, a maneira inigualável de tratar, não me deu outra escolha a não ser, cair aos seus pés.

            Deise ouvia com sinceridade as informações de Marcelino e em seguida relatou:

            - Sabe Marcelino, eu sinto vontade de ver o meu pai em liberdade. Pois para mim, todos merecemos a liberdade. Não concordo com a condenação das pessoas.

            - De certa forma Deise, a prisão ainda é a única forma de um maldito ter alguma chance. Pois imagina você e seu pai.

            - Sei o que vai dizer. Se ele tivesse condenado a morte, nós não teríamos a oportunidade de salvá-lo. Pois é Marcelino, a morte tem de ser aplicada na hora da batalha. Como por exemplo: Um Coronel vive fazendo e desfazendo de quem bem entender em uma região. Até que apareça de algum lugar o sujeito destemido e resolva acabar com ele. Porém, em mano a mano. Assim sim, é uma forma descente de aplicar a morte. Não numa reunião de safados corruptos, sendo pagos por outros e lá se dizem ter o direito de julgar. E assim, acabam a mofar na prisão, pessoas inocentes como o meu pai. Enquanto quem faz o mal, vive aí, livre em busca de mais uma façanha. Sabe Marcelino, estou gostando de falar com você. Sinto que é uma pessoa culta e compreensiva.

            - Bondade sua Deise. Eu sou apenas um simples forasteiro que depois de anos carregando duas mortes nas minhas costas, só para poder vingar a morte dos meus pais. Vi-me obrigado a servir um maldito Coronel, esperando uma oportunidade para matá-lo, até que me encontrei com vocês. Hoje estou um pouco aliviado de poder confessar para alguém o grande mal que fiz. Arrependo-me Deise, me arrependo grandemente.

            - Vejo que estão se dando bem!

            - Sim Miralva. Estou muito feliz de ter conhecido vocês.

            - Fiquem à vontade.

            Miralva começava ficar com a mente confusa. Na verdade estava morrendo de ciúmes de Deise. Nunca tinha passado pela sua mente que um dia a sua querida Deise fosse se apaixonar por um pistoleiro.

            - Está meio triste Miralva!

            - Estou Marculino, ela está apaixonada por Marcelino. Nem dá mais atenção para nós.

            - Formam um bom par Miralva?

            - Parece que eu é que não estou preparada para isso Marculino.

            - Fique tranqüila Miralva, deixe a sua filha ser feliz. Não seja como o seu pai. Veja no que deu.   

            - É Marculino. Estou sentindo na pele o que meu pai sentiu. E posso lhe afirmar que não é nada bom... É uma coisa estranha. Parece que Marcelino vem invadindo os meus domínios, os meus direitos...

            - Seja forte Miralva, deixe a garota viver.

            - E quanto a você Marculino, eu estou te devendo um amor.

            - Não precisa mais Miralva. Agora que sei que tive mãe e pai, e que tenho um irmão. Estou feliz. Logo estarei em condições de procurar um amor.

            Pistoleiros jogavam baralho à espera do dia seguinte. Pois quando o sol voltasse a brilhar a terra, Miralva e o seu bando estariam indo rumo a mais um maldito Coronel para cobrar dele o preço de cada maldade que estas pestes fazem com as pessoas.

            - Marcelino. Vamos, já é hora.

            Deise chamou o seu amado para continuarem a longa viagem.

            - Vamos Deise. Vamos ao encontro do meu futuro sogro. Quero tirá-lo da prisão. Quero tirá-lo da maldita cela que o

Aprisiona... 

            - Isto pode deixar que eu faça Marcelino.

            - Este é o sonho dela querido.

            Foi a primeira vez que Deise chamou Marcelino de querido. Miralva olhou para sua menina e triste disse:

            - Você cresceu meu amor. Não acha que seria melhor esperarem um pouco. Pelo menos libertarmos primeiro o seu pai?

            - Entendo mamãe. Eu entendo o que a senhora quis dizer aquele dia.

            - Desculpe minha querida. Desculpe. Eu não devia ter dito nada.

            - Melhor assim Miralva. Não quero ver a minha Deise, triste.

            - Sua Deise, por que sua Deise Marculino.

            - Quero dizer que tenho a Deise como se fosse a minha filha.

            - Ainda bem meu irmão.

            - Não acha que devemos seguir Marcelino?

            - Sim Miralva. Vamos rumo à fazenda do Coronel Custódio. Ele é dono de muitos pistoleiros. Muitas armas e munição em abundância.

            - Então vai ser difícil a batalha contra ele Marcelino?

            - Vai ser Deise, muito difícil.

            Deise, no entanto já estava com pena dos Coronéis. Pois em cada lugar que passavam era mais um maldito Coronel que morria.

            - Até quando vamos ficar matando Coronéis mãe?

            - Até o dia que o seu pai estiver em liberdade.

            - Então vamos por fim na vida deste Coronel idiota chamado Custódio.

            A relva ainda estava molhada de orvalho, as folhas com as brisas pareciam pequenos flocos de algodão, nuvens finas rastejavam sorrateiramente as copas das árvores como se fossem os olhos de Deus olhando cada um naquela jornada de alegrias e tristezas, de mortes e paixões, de descobertas e encontros, de saudades e de ódio.

            - Qual é o nosso efetivo Marculino?

            - Já passa de mil homens Miralva.    

            - É Marculino, vamos ver se conseguimos mais quinhentos com este tal de Coronel Custódio.

            Marcelino indagou a um pistoleiro que conhecia o tal Coronel Custódio:

            - Quantos homens têm o Coronel Custódio?

            - Não me interessa saber?

            Marcelino atirou na cabeça do pistoleiro e disse:

            - Não gosto de pistoleiro malcriado.

            - Calma Marcelino, precisamos deles. Não devemos matá-los...

            - Precisamos, porém não desta forma. Pistoleiro não pode desrespeitar nenhuma ordem Miralva.

            Dias depois Miralva e o seu bando chegaram de maneira diferente na fazenda do Coronel Custódio.

            - O que deseja com os meus homens pistoleiro.

            Marcelino tranqüilo disse para o Coronel Custódio:

            - Isso é um motivo particular Coronel, nunca é bom entrar em conversa dos outros.

            Marcelino falou aquilo atirando em seguida no Coronel e dizendo:

            - Esse tipo de gente nunca irá se educar... Acham que são donos do mundo.

            Depois que Marcelino atirou com tanta frieza no Coronel Custódio disse:

            - Vamos em frente pessoal, o próximo passo é a fazenda do Coronel Marquês.

            - Você conhece bem a região, não é Marcelino?

            - Como a palma da minha mão Marculino. Até Sabará eu conheço tudo.

            - Não é antes de Sabará que existe uma cidade por nome de São José?

            - Sim Marculino.

            - Pois é, temos que ir lá também. Pois é lá que mora o maldito.

            - Está falando do Coronel Jacó Marculino?

            - Dele mesmo Miralva, aquele infernal que tirou de mim o sonho de ser rico. Não só o meu como também o do meu amigo Cláudio.

            - Por um lado isso foi bom Marculino.

            - Não estou entendendo aonde o mano quer chegar.

            - Simples Marculino, procura raciocinar comigo, se você não conhecesse o Cláudio no garimpo, não teria ouro, se não tivesse ouro o Coronel Jacó, não teria prendido o Cláudio, se você não viesse ajudar Miralva, não teria me conhecido, e eu não teria conhecido a minha querida Deise. Está tudo bem meu irmão, vamos sorrir, vamos cantar, pois a vida é maravilhosa.

            Marcelino apesar de ser um frio assassino, ele era também uma grande figura. Matava na verdade, porém era muito simpático e otimista. Todo o bando era extremamente obediente a ele. Pois sabia que se algo saísse contra a sua vontade, ele resolvia simplesmente com um tiro e sem aviso prévio. O certo é que todos que estavam ali pareciam ter o seu próprio motivo. Pois Marcelino continuava a relatar:

            - Tudo na vida tem uma justificativa Marculino, tudo acontece naturalmente. Tudo é determinado por Deus.

            - Será que Deus determina os Coronéis fazerem safadeza com as pessoas Marcelino?

            - Não Deise, Deus jamais faria isso. Isso é coisa da coisa ruim coisa do maldito, o pai da mentira, o patrono dos Coronéis, o verdadeiro diabo. Só que a gente não vê nenhum deles Deise, nem Deus nem o diabo, apenas a gente percebe cada um à sua maneira.

            - É, quando é coisa boa, pertence a Deus, e quando é coisa ruim, pertence ao maldito... 

            Os dias se passaram, Miralva e o seu pessoal atravessaram as montanhas e chegaram à fazenda do Coronel Marquês. E assim o poderoso líder, o Marcelino gritou:

            - Fiquem todos aqui de prontidão que eu e Marculino vamos conversar com o Coronel Marquês. Só queremos os seus homens, não pretendemos matá-lo.

            - Você está muito bonzinho Marcelino, o que está acontecendo?

            - Não temos motivos para matá-lo Marculino, é só isso.

            Marculino acompanhou o seu irmão, indo para a sede da fazenda do Coronel Marquês, que logo em seguida Marcelino gritou:

            - Coronel Marquês! Estamos em missão de paz. Não viemos aqui para lutar, e sim, falarmos com o senhor.

            Dois pistoleiros que estavam em uma cancela, tentaram atirar em Marcelino, no entanto foram alvejados por Marculino.

            - Boa a sua pontaria mano.

            Argumentou Marcelino atirando em mais dois que estavam em cima de uma torre.

            - Coronel, mande os seus homens pararem de atirar, pois viemos em missão de paz.

            - Ele parece não querer conversa Marcelino.

            - É mano. O que será que ele está querendo? O melhor é a gente meter bala nele. Meter bala em tudo.

            Enquanto os dois irmãos conversavam, o Coronel se manifestou dizendo:

            - Procuram por mim?

            - Ah! Você está aí Coronel Marquês, é um grande prazer falar com o senhor. Eu sou Marcelino e este é o meu irmão Marculino. Estamos indo para o Curral Del Rei, libertarmos o Cláudio. Foi condenado injustamente.

            - E quem é esse Cláudio?

            - Um amigo nosso Coronel!

            - Conta outra. Onde já se viu pistoleiros ter amigos!

            Marcelino não gostou do que o Coronel falou e retrucou:

            - Não estamos brincando Coronel.  Estamos falando a verdade. Não somos amantes da brincadeira...

            - E quem disse que estou brincando. Repito pistoleiros não têm amigos. Pistoleiros trabalham para Coronéis, fazem o que os Coronéis mandam.

            - Bem Coronel, é que na verdade não somos pistoleiros de nenhum Coronel idiota. Somos forasteiros, e que por acaso estamos ajudando esse amigo. Que por sua vez, também não é um pistoleiro.

            - Então estão me dizendo que vai para o Curral Del Rei, soltar esse moço?

            - Isso mesmo Coronel. Ele se chama Cláudio. 

            - Não ocupamos por nome em pobre... São todos do mesmo jeito.

            Marculino atirando no Coronel, dizendo:

            - Desculpe Coronel, deve ser só para o senhor que pobre não tem nome, para nós, no entanto Coronel, eles têm nomes, e são honrados. Os pobres têm honra Coronel.

            Quando Marculino terminou de matar o Coronel Marquês, disse para Marcelino:

            - Não tem consertos para eles mano. Só mesmo a morte.

            - Eu compreendo Marculino, compreendo...

            Com o som dos tiros, os pistoleiros do Coronel Marquês vieram saber, e num instante a casa estava cercada. Marcelino, no entanto disse para eles:

            - Estamos em missão de paz amigos. O chefe de vocês já morreu. Estamos agora convidando os amigos para se juntarem a nós.

            - E quem são vocês?

            - Somos dois irmãos e estamos precisando de ajuda.

            - Que tipo de ajuda?

            - Temos que libertarmos um amigo que foi preso injustamente.

            Assim o homem relatou:

            - Vamos ajudar os amigos!

            O enorme grupo de pistoleiros resolveu ajudar os dois irmãos.

            - Como se chama amigo? Eu sou Marculino e esse é o meu irmão Marcelino.

            - Meu nome é Pereira, Marculino, Mais conhecido como o Negro Pereira.   

            - Estamos contentes de ter você do nosso lado Negro Pereira.

            - O prazer é meu Marcelino. Agora eu posso ordenar para o meu pessoal se juntar ao seu.

            - Tudo bem Pereira, pode ordenar.

            De modo que Pereira gritou:

            - A partir de agora vocês podem se juntar ao pessoal de Marculino e Marcelino.

            - Pereira, o pessoal pertence à Miralva.

             - Miralva, quem é Miralva?

            Miralva acabava de chegar e disse:

            - Sou eu Pereira.

            - Você! Você é um homem!

            Miralva tirou o seu chapéu da cabeça e deixou que os seus lindos cabelos pretos caíssem sobres os ombros e em seguida falou:

            - Posso afirmar senhor, que sou mulher.

            Pereira ficou perdido por um instante e disse:

            - Devo dizer senhora, que sua beleza é uma coisa que nunca vi em minha vida.

            Miralva se sentindo feliz relatou:

            - Obrigada Pereira. Desde já, obrigada por me ajudar a salvar o meu marido.

             - Ele deve ser o cara mais feliz do mundo.

            Deise vinha chegando e relatou:

            - Ou infeliz Pereira.

            - E você, quem é com está grande beleza e incomparável simpatia?

            - Sou Deise, filha de Miralva e daquele senhor que está atrás das grades.

            Pereira abraçou Deise e disse com aqueles grandes lábios escuros:

            - Vamos tirar ele de lá filha. Pode contar com este negro. Eu sou o Negro Pereira.

            E depois das apresentações, resolveram seguir viagem...

            - Pra que lado acha que devemos ir Marculino?

            - Seria bom para região de São José.

            - Sim Pereira, seria uma boa.

            - Pois é. Os homens que dispomos já são o bastante para prendermos o Coronel Jacó.

            - E vamos levar ele preso Pereira?

            - Sim Miralva, assim como é o seu desejo.

            O bando de Miralva seguia com destino São José. Muitos pistoleiros vinham de longe para se juntarem ao seu bando. Sua fama corria para todos os cantos. Já se dizia que Coronéis reforçavam os seus bandos, pois o nome Miralva era comentado. Até falavam com ar de gozação e com medo. O Certo é que Miralva, uma mulher diferente já não era mais uma simples camponesa.

            - Carta para você Miralva.

            - De quem será? Marcelino.

            - Não sei Miralva, está fechada.

            Assim que Miralva abriu a carta para ler, sobre os olhares atentos de mais de cinco mil pistoleiros, ela disse:

            - É de um amigo que oferece ajuda. Ele disse que tem mais de vinte mil homens. São conhecidos como ratos da noite.

            A multidão gritou:

            - Somos os homens de Miralva.

            Tudo estava bem com Miralva e o seu pessoal. Lá em São José, no entanto, a coisa estava como o diabo gosta. O Coronel Jacó como sempre, fazendo e desfazendo de tudo. Matando, roubando, assaltando, estuprando, salteando. Lá ele era Deus e o diabo.

            - Miralva? Amanhã será a nossa última parada. Pois já estamos muito perto de São José.

            - Tudo bem Marcelino. Tudo vai dar certo.

            - Deus permita Miralva, dizem que esse Coronel é muito perigoso e que tem parte com o diabo.  

            - Para mim Marculino, ele pode ter parte até mesmo com o inferno inteiro, que mesmo assim amarramo-lo e depois o colocaremos atrás das grades como ele fez com Cláudio.

            - Eu não tenho medo do diabo!  Nem tampouco desse diabo que ele tem.

             - Sei Pereira. Eu sei que gente como você não tem medo de nada.

            E na madrugada, levantaram o pouso e seguiram para a fazenda do Coronel Jacó. Ali seria o seu último pouso, e o último obstáculo para poder chegar à prisão onde estava o amor de Miralva.

             - Não vejo a hora Marculino, de me encontrar com Cláudio.

            - Vai ser muito emocionante Miralva, quero poder ver esse momento.

            - Quando você fala no Cláudio Miralva, eu fico triste, por que nunca mais pude ver a minha nega.

            - O que aconteceu a ela Pereira?

             - Acho que deve estar no céu. Ela e aqueles inocentes...

            Marculino meio triste falou:

            - Quem fez tamanha covardia Pereira?

            - O maldito Coronel Marquês.

            - Marcelino assustado relatou:

            - Coronel Marquês Pereira?

            - Aquele peste Marcelino. Aquele peste. Fui trabalhar para ele em troca da minha própria vida.

            Deise um pouco curiosa falou:

            - Fizeram um acordo?

            - Foi Deise. Ele já tinha matado eles mesmo. Assim fiquei esperando por justiça. E o meu desejo maior era poder ver um dia alguém matá-lo em minha frente.

            - E sem saber eu estava vingando a morte da sua família, sem saber Pereira?

            - Sim Marculino. Quando naquela hora, eu vi o sangue da morte saindo pela boca suja daquele maldito, foi como se tirasse das minhas costas um grande peso. Agora posso dizer que sou um negro feliz.

            - Você teve muitas oportunidades de vingar a morte da sua família Pereira.

            - Sim Miralva. Tive. No entanto eu não podia, devido o meu trato de ser fiel a ele.

            Como nada no mundo é longe que não se chega ao fim, Miralva e o seu bando chegaram às proximidades da fazenda do Coronel Jacó.

            - Marculino. Faça uma reunião, pois precisamos de nos dividir em grupos para atacarmos a fazenda do Coronel Jacó, de todos os lados.

            - Sim Marcelino.

            De modo que Marcelino e Pereira distribuíram todos em grupos e Marcelino disse:

            - O pessoal está pronto Miralva.

            - Obrigada Marcelino. Meus amigos, eu gostaria que fizessem tudo com precisão. Salva o máximo de pistoleiros que puderem. Matem toda a família do Coronel Jacó. Prenda o Coronel, porque precisamos dele vivo. Boa sorte amigos.

            Depois da ordem de Miralva, mais de sete mil homens invadiram a fazenda do Coronel Jacó, e instantes depois parecia que era Deus que estava destruindo de novo as cidades de Sodoma e Gomorra... Marculino como sempre destemido gritava:

            - Coronel Jacó! Quero falar com você.

            E da cidade de São José, chegava mais e mais pistoleiros. Muitos lutavam até mesmo sem conhecer Miralva. No entanto já conhecia a sua causa.

            Marcelino também gritava:

            - Sai da toca Coronel Jacó.

            - O que querem de mim? Com tantos pistoleiros?

            Quando a multidão ouviu a voz do Coronel Jacó. Houve um grande silêncio e Miralva relatou:

            - Mande os seus homens pararem de atirar Coronel. Pois só queremos o senhor. 

            Assustado por não imaginar que um dia fosse ver tantos pistoleiros em sua frente, o Coronel Jacó gritou:

            - Obedeçam ao pistoleiro! Parem de atirar...

            O silêncio imperou naquele momento e o Coronel Jacó voltou a indagar:

            - O que querem de mim?

            - Marculino, amarre o Coronel a um cavalo. E quanto a vocês pistoleiros do Coronel Jacó, se quiserem continuar vivendo, juntem-se a nós, vamos fazer uma longa viagem. Já somamos mais de oito mil pistoleiros e se juntarem a nossa causa, seremos mais de dez mil.

            Um pistoleiro exclamou no meio da escuridão:

            - E o que pretende fazer com tanta gente?

            Enquanto amarrava o Coronel Jacó ao cavalo, Marculino respondeu:

            - Vamos salvar um amigo que foi condenado injustamente pelo Coronel Jacó?

            - E quem é este amigo?  

            - Cláudio. Vocês devem saber da história.

            Uma outra voz na escuridão interrompeu dizendo:

             - Eu sei da história.

            - Posso saber o seu nome?

            - Sim Marculino, eu fui garimpeiro junto com o Cláudio, e recordo de alguém com a sua voz.

            - E por que não diz o deu nome?

            - Não posso, devo guardá-lo em segredo. No entanto estou disposto a ajudá-los.

            - Obrigado amigo. Marculino, já amarrou o Coronel?

            - Sim Miralva, está tudo pronto.

            - Pereira, onde você está?

            - Estou aqui Marculino.

            - Entre na casa do Coronel Jacó e acaba com tudo que estiver lá dentro.

            Pereira e um grupo de pistoleiros invadiram a casa do Coronel Jacó e atiraram em tudo que estava lá. Depois queimaram tudo...

             - Não meu Deus, não deixe que eles acabem com a minha família...

            - Fique calado Coronel, quantas famílias você destruiu Coronel. Uma a mais não vai fazer diferença, o senhor não acha?    

            Miralva mandou Marcelino conduzir o bando e logo já estavam entrando na linda Curral Del Rei, onde ficava a casa de detenção.

            - Marcelino, quantos pistoleiros já temos?

            - São muitos Miralva, e não param de chegar, vêm de todos os cantos da terra.

            E assim Curral Del Rei ficou sitiada por tantos pistoleiros que se juntaram à causa de Miralva. Logo estavam em frente à casa de detenção e Miralva ordenou dizendo:

            - Marculino, não quero matar ninguém. Mande os pistoleiros laçarem as grades da prisão que vou levar o Coronel Jacó.

            E quando as grades desceram, Miralva seguiu com o Coronel Jacó em busca da cela onde estava o Cláudio.

            - Veja Deise, lá vai ela em busca de realizar o seu grande sonho.

            - Estou torcendo por ela Marcelino.

            Os guardas da casa de detenção já tinham sido eliminados e o chefe da segurança gritou:

            - Eu vou chamar o Exército.

            Miralva então disse para o homem:

            - Não vim aqui para lutar contra o Exército. Só vim buscar o Cláudio, ou melhor, vim trocar por um Coronel. Deve ser melhor para o senhor, um Coronel do que um simples garimpeiro. Não acha?

            O homem não deu muita atenção para Miralva, de modo que Marculino deu um tiro na testa dele e disse:

            - Esses corruptos da cidade têm mesmo é que morrer Miralva. Eles não respeitam ninguém.

            - Obrigada Marculino.

            Miralva entrou na prisão e mandou Pereira ir abrindo todos as celas e perguntando aos presos se sabiam onde ficava a cela de Cláudio. Porém alguns deles não tinham nem voz para responder por estarem emocionados ao ver a liberdade batendo em suas portas.

             - Vejam, estão soltando todos.

            Marculino atirou no cadeado da cela de Cláudio e disse:

            - Viemos buscar você amigo...

            Quando Miralva colocou o Coronel Jacó na cela, ele perguntou:

            - Por que te chamam de Miralva pistoleiro?

            Assim a linda Miralva, mais radiante do que das outras vezes, tirou o chapéu da cabeça e pôde ver o Coronel Jacó se perder na sua beleza, pois dizia:

            - Nunca vi mulher tão linda assim em toda a minha vida!

            - Sim Coronel, eu sou Miralva, uma mulher diferente, adeus Coronel.

            De modo que Miralva disparou os seus dois revólveres de prata no Coronel Jacó e ficou assistindo e seu sangue sair e se misturando nas grades da cela que aprisionava um inocente... Cláudio abraçou Miralva e disse:

            - Quanto eu te amo Miralva. Quanto te amo...

            Minutos depois todos saíram pra fora e foram aplaudidos pela multidão de pistoleiros que estava esperando. Deise veio correndo para abraçar o pai ao som de milhares de tiros que os pistoleiros deram para cima, comemorando a vitória.

            - Minha menina, como está linda...

            - Meu papai...

            Depois que Cláudio abraçou a filha, falou:

            - Quantos pistoleiros reunidos...

            - São os nossos amigos Cláudio.

            - Obrigado Marculino, obrigado meu amigo. E este. Quem é?

             - Sou Marcelino, irmão de Marculino.

             - Eu sou o Negro Pereira.

            Depois das apresentações Miralva falou:

             - Vamos seguir viagem Marculino.

            Marculino ordenou que os pistoleiros os seguissem. E já lá na saída da cidade Miralva falou:

            - Bem pessoal. A minha causa termina aqui. Quero dividir as terras conquistadas entre vocês. Pois sei o bem que iria acontecer a cada um de vocês trabalhando nas suas próprias terras onde já não existem Coronéis.

            Depois que ouviram Miralva, cada um tomava a sua decisão. Marculino então falou:

            - Miralva, Deise, Marcelino e Cláudio. Quero desejar a todos muitas felicidades, pois devo voltar ao garimpo.

            Naquele momento Pereira falou:

             - Irei com você Marculino.

            Deise com lágrimas nos olhos falou:

            - Adeus Marculino, muito obrigada meu amigo. Vai com Deus Pereira.

            Marcelino abraçou Marculino e disse:

            - Se precisar, sabe onde me encontrar...

            E depois das despedidas, cada um seguiu o seu destino e a poeira pousava nas folhas das árvores de cada lado da estrada formando assim, dois tapetes imaginários, enquanto o pó da areia apagava os rastros dos cavalos de Miralva, lá nos campos do sertão... 

 

FIM

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