quinta-feira, 27 de abril de 2023

Maria João Rodrigues

 MARIA

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Num pequeno casebre  perdido nos confins do sertão...

- Como ela é linda! Que linda...

Relatou o Coronel Pedro Linhares.

            - Ela é Maria,  a minha linda Maria.

            Informou o pobre sertanejo chamado José.

            - Parece que ela é a filha adorada do senhor, não é compadre José?

            - Sim compadre, a noite que ela nasceu eu até disse para Joana que ela ia ser o nosso pesadelo.

            - Vira essa boca pra lá compadre, pesadelo por quê?

            - Ela era diferente das outras crianças, e depois que ela começou a crescer foi aí que fui notando as suas diferenças entre as outras pessoas.

            - Que tipo de diferença compadre José?

            - O senhor mesmo pode ver,Compadre.  Maria, venha cá minha filha.

            Maria já mocinha fez o compadre do seu José ficar  inteiramente encantado...

            - Sim papai, o que deseja?

            - Este é o compadre, Coronel Pedro Linhares.

            - O senhor já me falou sobre ele papai.

            - Sei filha. Cumprimenta o Coronel.

            Ao Maria ceder a sua delicada mão ao Coronel Pedro Linhares que ficou estarrecido com a suavidade da sua voz acompanhada de uma beleza rara...

            - Como vai, Coronel!

            O Coronel Pedro Linhares não parecia querer soltar a mão de Maria...

            - Bem Maria, como você é linda, que mão quente você tem!

            - Todo o meu corpo é quente, Coronel, muito quente...

            - Desde quando ela nasceu Coronel - argumentou a Senhora Joana.

            - Nunca se cobriu com nenhum cobertor, Coronel  -  informou o seu José.

            - Que obra da natureza! - exclamou o Coronel Pedro Linhares perdido de encanto por Maria e dizendo em seguida:

            - Já está perto de se casar Maria?

            - Nem mesmo namorado eu tenho Coronel. Ainda sou uma menina...

            Quando o Coronel falou em casamento, seu José procurou mudar de assunto dizendo:

            - Hem Coronel, quanto tempo o senhor não vinha por estas bandas, às coisas aqui não têm ido muito bem pro meu lado...

            - Mas o que aconteceu compadre?

            - Muitas coisas compadre. Boas e ruins.

            - Tragédias e alegrias?

            - Sim compadre, mais tragédia do que alegria. Na verdade hoje eu só tenho elas duas. O senhor  se lembra de Judite?

            - Sim, não só dela, mas acho que o compadre tinha um menino.

            - Tinha sim, mas deu uma febre na região e acabei perdendo os dois.

            - Que pena compadre, e já depois de criados...

            - Sim compadre, só me sobrou Maria que os mosquitos não assentavam nela devido o calor  do seu corpo.

            - E ficou uma rosa, não ficou compadre!

            - Como vê Coronel, e depois disso a coisa foi muito difícil nesta roça.

            - Sim compadre, mas o senhor não aparece, acha que não tem mais amigos!

            - Sabe Coronel, às vezes a gente tem muito receio de procurar as pessoas, mas com a ajuda de Deus, estamos vivendo.

            - Mas se estiver precisando de minha ajuda pode ter certeza de que estou à sua inteira disposição para ajudá-lo no que for preciso.

            - Obrigado Coronel, eu sei que posso contar com o compadre,  meu  velho amigo.

            - Estou agora com um armazém no arraial compadre.

            - Fiquei sabendo compadre, mas não tive coragem de ir lá.

            - Quando o compadre precisar de alguma coisa pode mandar buscar, nunca vai lhe faltar nada compadre.

            - Fico agradecido, Coronel.

            - Nós ficamos agradecidos - argumentou Joana olhando com respeito para o amigo do marido...

            - Vejo que o Coronel é um homem muito bom.

            - Obrigado Maria, quanto a você, se quiser trabalhar no meu armazém, tem uma vaga lá.

            - Até que eu gostaria Coronel, mas não vou deixar a minha mãe sozinha.

            - E quanto a mim filha? Poderia ficar?

            - O senhor papai, nem é preciso falar -  argumentou Maria abraçado o pai com aquele corpo sedutor onde estava como que proso os olhos do Coronel Pedro Linhares.

            Pois é, o Coronel Pedro Linhares  também  gostaria de poder abraçar o lindo corpo que possuía de maneira incomparável aquela simples e humilde garota do sertão...

            - Bem compadre, a demora é curta,  eu vou indo, e qualquer coisa que precisar pode ir buscar no meu armazém, amigo é pra essas horas.

            - Não vai agora Coronel, espera pro almoço!

            - Não comadre, eu tenho de ir,  preciso ver uns bois que comprei no retiro, já mandei até os vaqueiros irem na frente, eles devam estar me  esperando.

            Bem que o Coronel gostaria de ficar um pouco mais, pois os seus olhos não paravam de fitar o lindo corpo da linda Maria.

            - Já que é assim Coronel, porque não passa a noite aqui com a gente, vamos preparar um jantar pro senhor e os seus vaqueiros  -   sugeriu Maria.

            - Isso compadre, Maria tem razão, venha pernoitar com a gente, pode ser até melhor pro gado.

            - Está combinado compadre,  passaremos a noite aqui.

            O Coronel foi levando consigo o lindo olhar de Maria,  até  pressentia  em seu corpo a vontade de pelo menos se encostar ao dela.

            - Coronel Pedro Linhares, ele é um bom homem - murmurou o seu José vendo o amigo se encobrir na curva do caminho.

            - Vamos matar um frango Maria, para poder fazer o jantar que vocês prometeram  ao Coronel.

            - Eu vou pegar mãe.

            - Por que não matamos um cabrito! - exclamou seu José.

            - Sim mãe,  papai está certo,  o cabrito é melhor mesmo,  eu até que estou querendo comer um pedaço de carne de cabrito.

            - Quente do jeito que  você é e ainda comer  carne de cabrito!

            - Não tem nada a ver papai.

            - Também acho que não! - exclamou Joana dizendo:

            - E esta idéia da Maria ir pro armazém do Coronel,  o que você acha, José?

            - É uma boa Joana, quem sabe lá no arraial ela arruma um noivo e se case logo.

            - Está querendo que eu me case papai?

            - Este é o fim de todas as moças, filha, sei que um dia vou perder você.

            - Sei papai, assim que este dia chegar eu irei lhe dar lindos netinhos.

            - Você ainda está muito nova minha filha! - exclamou Joana olhando no corpo da Maria.

            - Mas já estou moça mamãe, já posso me casar.

            Na verdade Maria já sentia vontade de conhecer um homem, pois por muitas vezes ela ficava imaginando como seria o casamento. No entanto ela não imaginaria que isso acontecesse de qualquer forma, para isso teria que surgir de algum lugar um lindo rapaz que lhe amasse de uma maneira sublime ou como se pode chamar de amor.

            José ficou por algum tempo quase que perdido e disse:

            - Minha Maria cresceu!

- Minha filha, vai apanhar os cabritos – Interrompeu Joana tentando amenizar por um momento o que inevitável ia acontecer.

            - Já sei mamãe,  já vou.

            Já perto do meio dia,  Maria foi à fonte e tocou o rebanho de cabritos até o chiqueiro onde separou o que seria a matrutagem do dia.

            -  Pode ser o filho de bombazinha, papai?

            - Pode minha filha.

            - Então pode soltar os outros?

            - Pode...

            Enquanto a moça Maria trazia o burrego amarrado numa corda de embira, o seu José amolava a faca numa pedra no fundo do quintal.

            - Está no ponto, papai?

            - Sim filha.

            Com um grande punhal, o destino do cabrito, assim como outros, chegava ao fim, mas antes Joana disse:

            - Espera um pouco, José.

            - Pode falar.

            - Deus, agradeço por esta matrutagem que deste ao meu lar, faça com que todos as coisas boas aconteçam com as pessoas que comerem da sua carne, deste pão que por hora me concede.

            Quando  Joana terminou a oração, aquele grande punhal fez parar o brilho da vida do cabrito, e logo os cachorros lambiam o sangue que jorrava pelo chão.

            - Sai cachorro, leva estes cachorros pra lá Maria.

            - Venha Mãe,  venha Rena, venha Japi.

            - Os cães acompanharam a moça que se sentia feliz pelo fato de que parecia que o pai e a mãe iam permitir que ela fosse trabalhar no armazém do Coronel Pedro Linhares...

            - Maria, venha preparar o sarapatel pro seu pai.

            - Sim mãe, eu já vou.

            Maria olhava pros fundos do quintal a paisagem da floresta que se perdia na distância, e o sol quente fazia com que o seu corpo quente ficasse ainda mais quente, e a sábia natureza assoprava o vento que tocava em seus cabelos, e sem falar nos seu vestido de xita que deixava transparecer a grandeza da mimosidade do seu corpo.

            - Enquanto você prepara o sarapatel pro seu pai eu vou começar a fazer o jantar pro Coronel e seus vaqueiros – relatou Joana preocupada com os convidados.

            E quando o sol já virava no horizonte, os três estavam assentados num banco na cozinha, comendo do cabrito ...

            -  Agora a tarde vou tapar alguns buracos na cerca da roça grande pro Coronel Pedro Linhares colocar o seu gado.

            - Eu vou aproveitar pra arrumar as roupas das camas mãe.

            - Sim filha, faça isso...

            Joana nem mesmo olhou para a filha que essa por sua vez estava viajando no imaginário, tentando se encontrar na nova vida que viria se o pai e a mãe permitisse ela ir trabalhar no armazém de Coronel Pedro Linhares.

            - Eu vou apanhar a lenha Joana – informou o seu José pensando como seria a sua vida ali sem a sua linda filha Maria se fosse mesmo para o arrail trabalhar no armazém do Coronel Pedro Linhares,

            A tarde passou de repente e logo quando o sol começou a se pôr, o som do berrante do Coronel Pedro Linhares parecia ninar os pássaros que começavam a se empoleirar nos arvoredos da Fazenda Morrinhos.

            - Como é lindo o som do berrante, quem será que está tocando o berrante, mamãe?

            - Só pode ser o compadre Pedro -  argumentou seu José se sentindo orgulhoso por ser amigo de um poderoso coronel..

            - Bonito, não acha papai? – Indagou Maria atirando o seu olhar de inocente para o pai querendo dizer se ela podia ir para o armazém do Coronal Pedro Linhares.

            - Sim filha, se eu fosse um Coronel, eu também teria um berrante, e tocaria a minha boiada pelas estradas do sertão...

            - Um dia o senhor vai ser papai! – Exclamou Maria com tristeza de porque a vida é assim, Uns têm tanto enquanto que outros nada têm, seu pai por exemplo: só tinha aquele pedaço de chão, umas cabecinhas de gado, uns cavalinhos, umas cabras e poucas galinhas nos arredores daquela singela casa onde vivia com a mulher e a única filha que sobrou na tragédia do dia a dia dos miseráveis do sertão.

            - Não sei como filha, só encontrei problema em toda minha vida, é muito sofrido um filho sem pai, no mundo.

            - Não fica se lembrando do passado José – Informou Joana com aquela face de simplicidade ou falta de perspectiva naquele lugar distante de tudo na vida.  

            - Sei Joana, sei que você também sofre, afinal de contas, sei que também vive um pesadelo.

            - Do que estão falando afinal? – Indagou Maria com ar de culpa. Será que para ela vir ao mundo eles teriam que sofrer, sofrer uma dor interminável...

             - Pois é filha,  quando me casei com sua mãe,  ela já era sozinha.

            - E a família dela, o que aconteceu que vocês nunca me disseram?

            - Minha mãe e o mau pai com os meus irmãos, foram eliminados pelos homens do Coronel Costa Rios – Relatou Joana olhando rumo ao nada como que estivesse procurando algo perdido em sua mente...

                        - Os do senhor também, papai?

            - Sim filha, mas foi o Coronel Flores que acabou com eles – Informou José com a voz embargada de emoção e muita amargura.

            - E como o senhor conheceu a minha mãe?

            - Ela foi trabalhar no rancho da Coronel Rufino, e lá nos conhecemos, o Coronel tentava seduzi-la, aí eu ouvi o lamento dela, assim esperei a noite chegar e fugi com ela.

            - Que  coragem, hem seu José! – Exclamou Maria dizendo:

            - Estou orgulhosa de vocês – a abraçou os dois e deu um beijo na face de cada um.

            - Sim filha,  tudo pelo amor. Se fosse preciso eu faria tudo de novo.

            - E pra onde foram? – Indagou Maria com ar de muita curiosidade.

            - Saímos sem destino, mas quando  chegamos em Governador Valadares, fiquei conhecendo o compadre Pedro Linhares, era um rapaz muito bom, filho do Coronel Antônio Linhares, ele nos protegeu e nos ajudou a comprar um pedaço de terra, depois a vendi e comprei esta fazendinha, onde os meus filhos começaram a nascer, eles morreram, e só me resta você. Só você minha Maria.

            - Estou entendendo papai,  porque da sua amizade com o Coronel Pedro Linhares.

            - E por isso, acho que seria bom você ir pro armazém dele, filha. Quem sabe você conhece algum Coronel e se casa com ele!

            - Mas como mamãe, os coronéis geralmente já são casados.

            - Um filho de um deles, filha,  pode ser até mesmo o filho do Coronel Pedro Linhares.

            - Como ele se chama?

            - Não sei, você sabe, José?

            - Parece que é Daniel.

            - Daniel - argumentou a linda Maria.

             Naquele momento elas entraram na  casa e o seu José foi abrir a porteira para a boiada do Coronel entrar no curral, e depois que o gado entrou o Coronel Pedro Linhares falou:

            - Quantos você contou compadre?

            - 295 garrotes.

            - Então está certo.

            - Pode soltar na manga compadre, eu tapei os buracos na cerca.

            - Então podemos soltar, compadre!

            O gado entrou na maga e depois que os vaqueiros desarrearam os cavalos o Coronel falou:

            - Onde este povo pode tomar banho, compadre?

            - Já mandei preparar  o tanque de água pra eles lá na cisterna compadre...

            Os vaqueiros foram tomar banho e depois o seu José falou:

            Entre compadre, vou mandar preparar uma água morna pro senhor tomar banho.

            - Obrigado compadre, você é mesmo um grande amigo.

            O Coronel parecia ansioso pra ver  Maria, pois não parava de olhar pra dentro da sala.

            -  Maria, já preparou a água pro Coronel?

            - Sim papai, está nas bacias no quarto dos fundos.

            Então o senhor pode tomar banho Coronel!

            - Obrigado compadre, o senhor e a comadre são muito gentis.

            - Não se preocupe Coronel, e não repare a nossa simplicidade.

            - Está ótimo Maria, e então, vai trabalhar no armazém?

                        - Estou pensando Coronel, se o papai permitir, eu irei.

            - Ótimo Maria, o compadre vai permitir, sim.

            José ouviu o Coronel falar com a sua filha e vendo o retrato dela na parede, murmurou:

            - Um dia eu vou te perder mesmo...

            Joana lá na cozinha, também falava consigo:

            - Vou ficar sozinha novamente, pois depois que Maria sair dessa casa, a vida pra mim praticamente vai acabar.

            - Joana, eu estou pensando na grande dor que vamos sentir por Maria ir embora.

            - Se for pra vocês sofrerem, eu prefiro não ir.

            - Não filha, o seu futuro é seu, nós fizemos a nossa parte em criá-la, pode ir, deixe que soframos, essa não é a vida?

            - Sei papai, eu vou me lembrar de vocês todas as noites em minha vida.

            - Sei filha, sei - argumentou José abraçando Maria.

            Joana também abraçou a filha e falou:

            - Como amamos você.

            - Maria beijou a mãe e o pai, e finalmente falou:

            - Não tenho nem palavras.

            - Laraíara ri ro lará lirí.

            - O compadre está muito feliz.

            - Sim compadre, esta água está uma delicia.

            - É compadre, Maria sempre foi muito boa pra preparar uma água.

            - Muito boa mesmo, valeu a pena. Melhor do que um banho lá na minha casa na cidade.

            - Isto é bondade sua compadre  -   argumentou Joana. 

            - Podemos pôr a mesa papai?

            - Sim filha, pode pôr a mesa, os vaqueiros já devem estar chegando.

            O Coronel Pedro Linhares estava muito feliz com a hospitalidade do compadre, da comadre, e porque não dizer com a linda Maria, a linda garota do corpo quente.

            - Vamos assentando compadre, vou chamar o pessoal, quero que o senhor se sinta em sua casa, pois já há tantos anos que moro nesta fazenda, e é a primeira vez que tenho esta satisfação de poder estar com tamanha figura, por isso sinto que é como se fosse a minha última oportunidade de poder demonstrar a minha alegria.

            - Obrigado compadre, pode chamar os meninos.

            E depois que todos estavam a mesa, o Coronel falou:

            - Irineu, via lá no meu alforje e apanhe um litro de licor que trouxe, e também o litro de conhaque pra brindarmos as nossas alegrias.

            - O peão foi até a matula do Coronel Pedro Linhares, apanhou os litros de bebida e depois que os trouxe, o Coronel disse:

            - Sirva o senhor, compadre José.

            José serviu a bebida nos copos e todos brindaram com alegria, até mesmo Maria bebeu um pouco e disse:

            - Gostei desta aqui, é mesmo muito boa.

            - Isto é licor de jenipapo, Maria.

            - Muito bom Coronel, muito bom mesmo.

            - Pode beber mais Maria, fique à vontade...

            Os peões bebiam e comiam, alegando que nunca tinham comido comida com tamanho paladar. A senhora Joana se sentia lisonjeada com tantos elogios. O Coronel por sua vez se sentia seduzido com a presença da linda Maria que até dava para transparecer a sua vontade de poder tocar pelo menos um pouco no corpo de uma figura simples e incomparável. A bebida subiu logo à cabeça de Maria e ela disse:

            - Coronel, o senhor é um Coronel dono de tanto poder,  tem nome, fama, dinheiro, quem diria que um dia eu estaria junto do grande Coronel e ainda bebendo da sua bebida, estou muito feliz Coronel.

            - Eu também Maria, fico muito feliz de saber que pude um dia dar alegria de algum modo a alguém muito especial  como você.

            - Não sei que especial o senhor está dizendo, uma pobre garota da roça, vivendo neste fim de mundo.

            - Mas tudo passa minha filha, tudo passa.

            - Sim papai, sei que tudo passa, tudo está passando.

            - Nesta sua idade Maria, é muito difícil de tolerar a vida, mas tenha calma, o que é seu  ninguém vai tirar.

            - Não sei o que a senhora está querendo dizer com isso mamãe!

            - Ela está querendo dizer filha, que um dia vai aparecer um lindo rapaz em sua vida, e ai vocês vão se casar e serem felizes pro resto da vida.

            - Assim como a senhora é feliz com o meu pai mãe? Num fim de mundo desse?

            - Sim filha, você acha que aqui é fim de mundo, mas por amor você vive em qualquer lugar.

            - E como hem comadre - argumentou o Coronel.

            Os vaqueiros saíram pro quintal enquanto que o Coronel parecia hipnotizado com a grande beleza da linda Maria, pois os seus bustos sedutores não deixavam que o pobre Coronel fitasse para outro lado.

            - Maria, vá arrumar a cama pro Coronel, ele tem que se levantar cedo pra tocar o gado, ele é um homem ocupado, precisa dormir cedo.

            - Está cedo compadre, podemos falar mais um pouco, deixe que Maria converse mais, ela é muito bonita.

            - Obrigada Coronel, por me ver com está beleza, sei que não sou dona de tanta coisa, mais muita obrigada.

            - E já decidiu mesmo ir trabalhar no armazém, Maria?

            - Sim Coronel, só fico com pena dos meus pais, deixá-los aqui seria muito triste para eles.

            - Mas pode ir minha filha, você tem mesmo que cuidar da sua vida.

            - Sim mãe, mas quem sabe o Coronel não arrumaria uma casa para a gente morar lá!

            - Não é este o caso filha, e quanto a  casa, isto seria o de menos - interrompeu José.

            - Por que de menos papai?

            - Sim, eu posso comprar a casa, o que não podemos seguir você, o nosso lugar é aqui.

            - Não sei por que papai, o senhor tem que ficar aqui a vida inteira.

            - São coisas Maria, coisas que muitas delas o compadre não pode lhe dizer.

            - Sei Coronel, sei o que o senhor está querendo dizer.

            O semblante de Maria deixava transparecer na verdade uma grande vontade de poder se encontrar em um novo lugar, um homem pra poder lhe dar o amor que ela ouvia tanto as pessoas dizerem.  O Coronel no entanto, se sentia com um grande peso, e ao mesmo tempo uma grande vontade de conhecer Maria como mulher, pois sua beleza o fazia parar no tempo.

            - Bem Coronel, vou arrumar a sua cama.

            Maria foi arrumar a cama do Coronel, esse no entanto, ficou imaginando ela ir arrumar uma cama em que pudesse abrigar os dois, ela a ele seria o que mais queria, pois até relatou:

            - Maria vai gostar muito do arraial compadre, eu não vou deixar que nada falte a ela.

            - Sei disso Coronel, o senhor sempre foi um homem bom, sei que se tenho hoje este pedaço de chão, devo agradecer ao senhor.

            - Que é isso compadre, o que passou, passou, nós temos de sermos uns pelos outros.

            - O Coronel dizia, mas na verdade nada podia pagar uma noite com Maria, pois o homem que se deitasse com ela, seria o homem mais feliz do mundo, e ainda mais, o primeiro. E pelo jeito, ela ainda era virgem. E seria o grande Coronel Pedro Linhares que iria provar do gosto do beijo e o gozo incomparável do sexo com a mais linda das mulheres que se pudesse imaginar.

            - Está pronta a cama Coronel, se quiser ir dormir o que posso desejar é um bom sono.

            - Obrigado Maria - argumentou o Coronel pegando na mão da moça com a expressão de dizer, venha comigo.

            - Espero que durma em paz compadre.

            - Boa noite Coronel.

            - Boa noite compadre.

            - Dê boa noite ao Coronel filha!  -  exclamou Joana.

            - Boa noite Coronel.

            - Boa noite Maria, durma com Deus.

            - Amém Coronel, boa noite mamãe, boa noite papai.

            - Deus lhe abençoa filha.

            Em poucos minutos as chamas dos lampiões desapareceram, aqueles seres estavam escondidos na escuridão dos olhos humanos, pois para outros  seres, tudo estava nítido, mas só para outros seres, menos para José e sua família, os vaqueiros e o poderoso Coronel Pedro Linhares. No entanto, lá fora, algo fazia alegrar o sertão, pois há muitos quilômetros de distância, a beleza do seu brilho dava a satisfação ao vento em assoprar os arvoredos que contentes recebiam em suas folhas o incomparável sereno da madrugada do sertão. Tudo era paz e silêncio, mas como se sabe que nem tudo na vida é como agente pensa e imagina pois, lá na manga onde os 295 bois estavam, a onça preta resolveu provar o gosto do sangue de um novilho. Nisso o grande número de gado saiu em disparada, arrasando tudo que se viam e encontravam pela frente, parecia na verdade uma grande explosão que não se acabava. Logo os vaqueiros acordaram e gritaram: 

            - A boiada estourou Coronel, a boiada estourou!

            Quando eles acordaram já era tarde, pois o gado já chegava derrubando tudo que tinha pela frente, e naquela escuridão o destino cruel trouxe o boi corisco dentro da casa e quando José tentou se levantar, encontrou com os grandes chifres do boi assassino em seu peito, a pobre Joana também foi atingida, a casa despedaçada pelo gado, ficando somente o quarto de Maria sem ser atingido.

            - O que aconteceu? - indagou Maria correndo na escuridão e se encontrou com o Coronel que já tentava socorrer o compadre.

            - Calma Maria, foi um estouro da boiada.

            E quando o Coronel ascendeu o candeeiro, é que Maria viu a sua mãe pisoteada no chão. De modo que ela  gritou:

            - Não mamãe, não, você não pode morrer, você não pode morrer.

            - Calma filha! - exclamou José quase sem fala.

            - Papai, mamãe morreu, fala comigo mãe, fala mulher, você não pode morrer.

            - Coronel, venha cá compadre.

            O Coronel com o candeeiro na mão disse:

            - Sim compadre, pode dizer o que quiser.

            - A vida é assim compadre, a gente não é eterno, não é?

            - Sim compadre, mas a vida continua em outro lugar.

            - Se for assim compadre, desta estou partindo, mas quero lhe pedir a última coisa.

            - Não papai, você não vai morrer, você não vai morrer.

            - Calma filha, me deixe dizer ao Coronel.

            - Fale compadre.

            - Quero que o senhor me prometa uma coisa   compadre.

            - Diz compadre.

            - Cuide de Maria como se fosse sua filha, dê a ela uma vida digna, uma vida que eu não pude dar.

            - Pode deixar compadre, pode ficar tranqüilo, eu cuidarei dela.

            Depois que o Coronel prometeu cuidar de Maria, a morte levou o seu amigo. O compadre José.  Maria chorava se misturando no sangue e o rastro da desgraça que o boi corisco junto com os outros deixaram na Fazenda Morrinhos.

            - Acabou Coronel, nunca pensei que a vida fosse me dar uma noite tão triste quanto essa.

            - Calma Maria, tudo vai ficar bem, logo você irá entender porque a vida nos trás coisas estranhas, calma.

            - Calma, Coronel, quem vai me dar o colo para poder dormir, quem vai me contar histórias, hem Coronel, quem!  É o senhor?  Quem Coronel!

            Maria chorava tentando abraçar os corpos  dos seus pais, e o Coronel meio bobeado, tendo apenas no seu semblante a tristeza de ver aquilo, pois aquele quadro cruel que a vida veio lhe mostrar. O dia, porém não tardou em chegar, pois logo o clarão do sol vinha acordando os pássaros como se nada tivesse acontecido no sertão. Maria já tinha aberto duas sepulturas no quintal da casa e assim disse:

            - Coronel, o senhor poderia me ajudar a sepultar neste lugar  o meu pai e minha mãe?

            - Sim Maria, ajudarei você.

            E com a ajuda dos vaqueiros, sepultaram os dois, e Maria disse:

            - Coronel, jogue querosene na casa, quero que o fogo consome tudo dela.

            Obedecendo ao pedido de Maria, o Coronel jogou querosene na casa e entre as duas sepulturas Maria disse:

            - Está vendo mamãe, está vendo papai, não quero nada de lembranças, só para não recordar essa noite, tudo vai virar cinzas, e os senhores podem ter certeza de que vou lutar para ser uma grande mulher e honrar os seus nomes, nunca irei esquecer o que me disseram, nunca.

            Enquanto isso o Coronel Pedro Linhares esperava pacientemente todo o ritual da encantadora garota que se despedia dos seus pais de maneira estranha, e naquele momento o sol se pôs atrás das nuvens fazendo com que o Coronel pudesse ver as chamas consumindo tudo, e Maria dizia:

            - Vamos Coronel, eu não tenho mais nada aqui, vamos.

            Os vaqueiros já tinham apanhado os cavalos, uns já haviam rebanhado o gado que pareciam esperar em uma várzea logo a frente.

            - Vamos Maria, monte em seu cavalo, vamos.

            Maria montou no seu cavalo e no meio dos vaqueiros parecia uma linda rosa no meio dos espinhos. O Coronel, no entanto, não olhava para Maria da maneira de ontem. Era agora uma espécie de tutor, pois tivera prometido pro compadre em cuidar dela como se fosse o pai. Os vaqueiros, no entanto, cada um transmitia o seu olhar de desejo, de pelo menos poder ser amigo de tão lida figura.

            - O gado está completo Coronel?

            - Não sei Maria, mais não se preocupe com o que aconteceu,  Deus sabe o que faz.

            - Compreendo Coronel, eu quero agradecer pela sua paciência comigo, um dia quem sabe poderei compensá-lo.

            - Lhe tenho como uma filha Maria.

            - Sei Coronel, não estou querendo dizer que não é meu pai, só quis dizer ao senhor  meu muito obrigado, e sei que o senhor percebeu o que eu quis dizer.

            Maria fez renascer a chama de sedução do Coronel, que logo  relatou:

            - Sabe Maria, estou entendendo, depois que tudo isso passar, a vida vai ser bem melhor.

            - Sei Coronel, percebo que vai ser.

            - O Coronel prosava com a linda flor, andando a frente do grande rebanho que de vez em quando era alimentado pelo berrante.

            - Para onde está levando o gado Coronel?

            - Vou direto pro arraial, lá onde fica o meu armazém, e depois devo ir pra cidade.

            - Fica muito longe Coronel, o arraial da cidade de  Governador Valadares?

            - Não Maria, umas três léguas.

            - Ah! Então e perto.

            - Maria de vez em quando deixava o seu cavalo se encostar-se ao cavalo do Coronel, e esse por sua vez passava a mão no cabelo dela e dizia:

            - Como você é linda, como você é linda!

            Os bustos de Maria respondiam a acusação de uma forma muito sedutora, e a pobre garota dizia:

            - Obrigada Coronel, mas do que serve tanta beleza se sou uma pobre garota. E agora sem pai e sem mãe.

            - Vou comprar as suas terras Maria, você poderá fazer uma linda casa no arraial, e ainda irá sobrar dinheiro.

            - Não sei fazer negócios Coronel, só se o senhor me ajudar.

            - Claro Maria, estarei do seu lado até o dia em que eu morrer.

            - Não sabemos do futuro Coronel, tudo depende de Deus...

            E depois de um longo dia de viagem a noite começava aparecer,  mas lá bem distante, Maria avistou umas casas quase sumidas no entardecer e assim, disse:

            - Veja Coronel, umas casas!

            - Sim Maria, ali é o arraial de Poções, a sua nova morada.

            Bem próximo do arraial o Coronel Pedro Linhares tinha uma grande fazenda e ali ficavam as suas mulheres comuns,  pois a  sua verdadeira esposa vivia numa mansão na cidade.

            - Que linda fazenda Coronel, de quem é ela?

            - E nossa Maria, aí é aonde você vai se hospedar até ter a sua casa.

            - Que linda fazenda Coronel. E o armazém fica muito longe?

            - Há uns  dois mil e quinhentos metros da casa da fazenda.

            - Vou adorar Coronel, vai ser muito bonita a nossa vida.

            Os empregados do Coronel vieram até ele, receberam o berrante e seguiram com o gado para o pasto, o Coronel foi levar a linda Maria para a casa.

            - Marta, está é Maria, prepare um quarto para ela na ala principal, amanhã mande Madalena fazer umas roupas para ela, não quero que ninguém a aborreça, entendeu?

            - Sim senhor Coronel, pode deixar, vamos Maria.

            Quando Maria procurou o Coronel para se despedir, este já tinha ido,  aí foi que ela percebeu que começava mudar tudo em sua vida.

            - Você veio de onde Maria?

            - Fazenda Morrinhos.

            - Nunca ouvi falar nesta fazenda.       

            - Também não tem importância,  a fazenda já acabou.

            -  Cruz credo, você e uma moça estranha!

            - É o meu jeito de ser Marta, mas pode ter certeza de que vamos ser boas amigas.

            Passaram-se dois dias, Maria chorava a solidão e a de saudade dos seus pais, o Coronel Pedro Linhares não aparecia, e a única pessoa que falava com ela era Marta, que se tornou sua grande amiga.

            - Marta, você não tem família?

            - Não Maria, a minha família são vocês, depois que o Coronel acabou com o meu pai, ele me  trouxe pra cá, e daqui nunca saí.

            - E você não pensa em se casar?

            - Casar minha querida, não, aqui para nós isso e impossível,  somos todas mulheres da sua grandeza, o Coronel Pedro Linhares,  se alguma tentar sair daqui...

            - O que tem a ver?

              - Morte minha filha,  ele manda um dos seus  homens matar sem piedade.

            - Maria ficou abismada de ouvir tamanha  crueldade de um homem que ao seu ver, jamais faria tal coisa, pois daquela forma decente que pernoitou em sua casa, da viagem agradável que fez com ela,  sem ao menos lhe tocar um só dedo, apesar de falar por varias vezes na sua beleza, mas isso seria natural, qualquer homem falaria.

            - Não sei se posso acreditar em você Marta.

            - Por quê? você ainda não é mulher dele?

            - Não, só vim pra cá porque os meus pais morreram.

            - Um incêndio?

            - Não, o gado estourou e um touro chamado corisco, matou o meu pai e a minha mãe.

            - Meu Deus, mais uma forma do mostro acabar com as pessoas.

            - Que monstro você está se referindo mulher.

            - Ele, o Coronel Pedro Linhares, ele é o monstro que estou dizendo.

            Maria ficou meio triste sem na verdade entender se aquele touro era mesmo um touro, ou seria uma coisa sinistra do Coronel,  isso era o que agora ela teria que descobrir.

            - Marta, se eu precisar de alguma coisa da cidade, podemos ir lá?

            - Não Maria, não te disse que ninguém sai daqui!

            - Está enganada Marta. Comigo vai ser diferente.

            - Diferente, vai ver só quando aquele maldito chegar.

            Naquele momento que Marta conversava com Maria na varanda do grande casarão onde o poderoso Coronel Pedro Linhares mantinha as suas concubinas, elas avistaram uma linda carruagem que vinha chegando.  

            - Lá vem o fim dos seus sonhos Maria.

            - Não estou entendendo Marta.

            - Foi assim comigo, com Conceição, com Dinha, com Ilda, com Márcia, Lúcia, Josefina e muitas que nem mesmo as conheci. O monstro já tinha dado fim na vida delas.

            De maneira que a linda carruagem parou na porteira do grande quintal da fazenda e um senhor vestido de roupas, chapéu e botas pretas, desceu e foi em seguida gritando:

            - Maria, o Coronel mandou te buscar!

            Ao ouvir o cavalheiro negro, Maria disse:

            - Marta, vista sua melhor roupa e venha comigo.

            - Não posso Maria, quero continuar vivendo.

            - Está com medo do quê Marta?

            - Da morte Maria. Medo de morrer.

            - Que é isso Marta, conforme o que me contou sobre o Coronel, nós já estamos mortas mesmo. De modo que tudo que fizermos contra ele para nós é lucro. Ou você se esqueceu do que te falei.

            - Que com você é diferente, foi isso mesmo?

             - Exatamente minha amiga. Vamos enfrentar a fera.

            E em instantes depois Maria ainda mais bonita, desceu com Marta na escadaria da casa da grande fazenda.

            - O Coronel mandou buscar Maria, só Maria - argumentou o cavalheiro negro.

            - Se Marta não for comigo o senhor de preto,  pode ir sem mim.

            - E quem é você pra recusar ordem do Coronel, mocinha!

            Maria voltou para escada com Marta e o homem de preto falou:

            - Tudo bem Maria. Mas o Coronel não vai gostar.

            De sorte que Maria e Marta entraram na carruagem e escoltadas pelo cavalheiro negro seguiram rumo ao arraial.

             - Posso saber o seu nome moço de preto?

             - Zacarias.

            - Já matou muitas mulheres pro Coronel, Zacarias?

            - Nunca me fizeram esta pergunta. Acho melhor você calar a sua boca.

            - Não tem medo de morrer Zacarias?

            - E porque teria?

            - Posso dizer ao Coronel que me desrespeitou.

            - Ai quem morrerá é você.

            - Acho melhor mudar o rumo da conversa - interrompeu Marta.

            Naquele instante Maria retirou a arma do cavaleiro negro e apontando-a para ele disse:

            - Marta, amarre o Zacarias.

            Tremendo de medo do homem, Marta o amarrou com o seu lenço de seda, e em seguida falou:

            - Não sei onde isso vai chegar!

            - Está com medo Marta, gente morta não tem medo. Nunca se esqueça disso. Agora mande o coheiro parar a carruagem Zacarias.

            E assim Zacarias gritou:

            - Damião, escanchar os cavalos.

            Damião escanchou os cavalos e logo em  seguida Maria disse:

            - Marta, amarre o Damião.

            - O que você está querendo com isso Maria?

            - Logo você saberá Marta. Não discuta as minhas ordens.

            E depois que os dois homens do Coronel Pedro Linhares estavam dominados, Maria falou:

            - Onde está o Coronel Pedro Linhares, Damião?

            - Não sei.

            - Onde está o Coronel Pedro Linhares, Zacarias?

            - No arraial, mandou preparar uma grande festa para se casar com você.

            - Casar que ele fala é te violentar diante da multidão - informou Marta.

            - Ah! Então o Coronel Pedro Linhares é mesmo um monstro!

            - Não te falei!

            De modo que Maria ficou por algum tempo em silêncio e em seguida Marta perguntou:

            - O que vamos fazer Maria?

            - Acender um fogo. Preciso de muito fogo. 

            Momentos depois Marta e Maria já estavam com uma grande fogueira acesa e em seguida Maria disse:

            - Marta, solte os cavalos da carruagem, vamos precisar deles.

            Marta retirou os dois cavalos da carruagem enquanto Maria amarrava com as cordas os dois homens do Coronel na maldita carruagem e falou:

            - Marta, vamos queimar esses dois demônios que servem o grande satã.

-           Mas você está louca Maria, queimar dos Homens vivos, eu não tenho coragem, não sou uma assassina!

            - Eles já estão mortos Marta, não tem ninguém vivo aqui. Quantas vezes eu vou ter que repetir isso mulher!

            Marta na verdade não conseguia entender o que Maria verdadeiramente estava querendo dizer com aquela coisa de morte. Mas o que Maria entendia é que de certa forma se continuasse como estava a qualquer momento o Coronel mataria elas como matou o seu pai e sua mãe com aquele touro infernal com o nome de corisco.

            - Vamos Marta, me ajuda aqui, não temos muito tempo a perder. Logo a noite vai chegar e o Coronel estará me esperando pra grande festa.

            E assim aquelas duas filhas sem pai, jogaram a carruagem no fogo com aqueles entes malditos que serviam a maldade do Coronel Pedro Linhares.

            - O que vamos fazer agora Maria?

            - Vamos voltar na casa a apanhar o resto das mulheres para assistirem ao meu casamento com o Coronel.

            - Você acha mesmo que ele vai se casar com você Maria?

            - É claro que não Marta, mas temos que dar um fim nessa história, o que esse Coronel acha que ele é!

            Maria estava mesmo disposta a enfrentar o maldito Coronel Pedro Linhares. De modo que voltou com a Marta na casa e mataram as mulheres que serviam de capangas do Coronel e libertaram as concubinas e assim se armaram como puderam e foram pra grande festa no arraial onde o Coronel Pedro  Linhares já estava à espera de linda Maria...     

            - Atenção pessoal, hoje será um grande dia para mim. Em toda minha vida não encontrei ninguém que despertasse em mim uma alegria como a minha noiva de hoje que logo vocês irão encher os seus olhos pela beleza incomparável da linda Maria.

            Assim o Coronel fazia a propaganda da linda Maria que já na escuridão se escondia com as demais por ali observando a hora certa de atacar. E esse era o grande problema que afligia o seu coração. Pois não tinha experiência de guerra, mas pedia para o Senhor Deus que lhe permitisse dar um basta naquela coisa infernal que acontecia no arraial de Poções sob o comando do Coronel Pedro Linhares. A maldita festa ocorria sempre que o Coronel tinha um encontro com uma virgem assim que tinha acabado de matar toda a família dela. Era como se fosse um prêmio para o diabo, ou o diabo que dava a virgem como prêmio para o Coronel pelas almas dos pais das virgens, ou era mesmo o próprio diabo que estava no corpo do Coronel se saciando na carne daquelas garotas indefesas. Mas esse dia ia ser diferente, Maria estava ali para por um fim em tudo aquilo...

            - O que vamos fazer Maria?

            - Aguardando  o resto do povo na praça, Você mesma não disse que o ritual é feito no meio da praça Marta!

            - Sim, comigo foi assim. Mas tinha pistoleiros por todo lado vigiando o Coronel.

            - Mas hoje não vai ser diferente, é claro que no meio de tanta gente os demônios do Coronel estão no meio do povo.

            - E o que faremos?

            - Vamos orientar as meninas a se ofereceram aos homens, assim elas vão trazendo eles para dentro do mato e aproveitamos, assim vamos matando um por um.

            - Parece uma boa a idéia! - exclamou Marta se sentindo confiante no plano de Maria.

            - Esse já é o de número trinta.

            - Ótimo Marta, agora temos armas e munição suficiente para começar a guerra.

            - Como vamos começar?

            - Fácil, de dentro da escuridão fica fácil de atirar em quem estiver no claro - relatou Maria dando o primeiro tiro e dizendo:

            - Atirem em tudo que se mexer, menos no  Coronel, esse eu o quero vivo.

            De maneira que Poções começou viver a grande justiça de Maria, a linda filha de José e Joana que tinham morrido nos chifres do boi corisco, que de certa forma parecia ser o próprio Coronel que aparecia em outros formas para conseguir o que queria. Só que nesse dia ele podia virar a forma que quisesse, pois mesmo assim não fugiria da justiça de Maria.

            Já com muitas pessoas mortas pela pequena praça do Poções por tiros que vinham da escuridão o Coronal Pedro Linhares gritou:

            - O que está acontecendo?

            - Justiça Coronel, justiça de Maria.

            - Maria! É você meu amor, o que fizeram a você meu amor?

            - Ódio Coronel, muito ódio.

            Maria falava com o Coronel e se sentia feliz por ver o quanto atiravam aquelas mulheres cheias de ódio e vingança. Pois procuravam naquele ato extravasar  os seus sentimentos e dor por ter perdidos os seus entes queridos.

            - Calma Maria, vamos conversar. Não sei o que falaram com você meu amor, pra ficar assim tão irritada.

            - Vira a fera que desejar virar Coronel, vira seu desgraçado, vira e venha me pegar que quero te encher de balas.

            - Que fera você está se referindo meu amor, o que falaram com você, que besteira é essa de virar fera.

            Maria começou ficar em dúvida quando ouvia a mansa voz do Coronel, e na sua mente passava o semblante feliz do seu pai repetindo a grande satisfação por ser amigo do Coronel e agradecido por ser ele a única pessoa que tinha lhe ajudado na vida.

            - Então você não vira fera de verdade Coronel?

            - De onde você tirou isso minha menina, venha pra cá, sai de dentro desse manto de escuridão...

            O Coronel Pedro Linhares falava rodeando a grande fogueira que ardia no meio do pátio em frente o palanque onde ele falava para o povo sobre as suas grandes conquistas. Mesmo deixando um rastro de sangue por onde passava, mas considerava um grande conquistador.

            - E se eu sair daqui Coronel, o que pretende fazer?

            - O que você quiser meu amor.

            - Pára de me chamar de meu amor Coronel, sabe que não sou o seu amor, e nunca serei.

            - Me desculpe Maria, senhorita Maria, o amor que me refiro é como carinho de pai pra filha, não se lembra do pedido do compadre José, naquela hora do fim.

            - Sim Coronel, estou me lembrando sim.

            - Então querida filha, seja obediente ao meu amigo, respeite a sua morte.

            - Marta, assuma o comando que vou me encontrar com o Coronel.

            - Não faça isso Maria, ele é um traidor.

            - Eu sei o que estou fazendo Marta, assume o comando ou quer que eu passe o comando para Vilma?

            - Estamos juntas nessa Maria - relatou Marta confiante na decisão de Maria.

            De sorte que Maria foi ao encontro do Coronel e ao se aproximar falou:

            - Marta, me traga dois cavalos, ou melhor, três.

            De arma apontada para o Coronel, Maria esperava Marta com os cavalos que não demorou pra chegar...

            - Amarre o Coronel num cavalo, monta em outro e passa o comando para Vilma, pois vamos pra Governador Valadares.

            E assim aconteceu conforme o desejo de Maria. O Coronel amarrado sobre um possante cavalo, Marta e Maria seguiam cantando uma canção rumo a Governador Valadares, puxando o cabresto do cavalo e assistindo a lua aparecer ao longe.

            - Que lua linda Marta, me faz lembrar quando meus irmãos morreram, a tristeza do meu pai foi tão grande que quando era noite de lua ele ficava por horas de olhos fixos na lua.

            - Por que ele fazia isso?

            - Dizia que estava vendo os meus irmãos lá...

            Assim Maria e Marta falavam do passado, e era fácil notar o quanto eram felizes com os seus entes queridos, até que o maldito Coronel Pedro Linhares chegou.

            - O que pretende fazer com o Coronel assim que chegarmos à cidade Maria?

            - Vou ficar com ele bem perto da cidade e você irá buscar a esposa dele. Vamos voltar com os dois para a fazenda onde você estava, ou melhor, onde nós estávamos.

            - E quantos os filhos dele?

            - Vai lá a casa dele, mata todos e traga somente a mulher dele.

            - E se algo sair errado?

            - Nada vai sair errado Marta? a minha justiça chegou, a sua e de todas as pessoas que ele fez sofrer.

            E conforme o combinado, Marta foi ao encontro da vagabunda, esposa de um maldito Coronel, enquanto isso Maria ficou escondida no mato à espera de Marta. Já passava do meio dia e Marta não tinha voltado, Maria amarrou o Coronel Pedro Linhares num forte tronco de uma árvore e foi ver o que tinha acontecido com a pobre Marta, mas para sua alegria logo ali perto se encontrou com Marta que saia de dentro do mato dizendo:

            - Maria, o que está fazendo aqui?

            - Vim ajudar você, estava demorando!

            - Já estou com a vagabunda, Maria. Vamos...

            De modo que Maria e Marta seguiram de volta para a fazenda do Coronel Pedro Linhares, levando agora como prisioneiros o Coronel, a sua esposa e filho.

            - O que será que as meninas fizeram no arraial Marta?

            - Logo saberemos Maria, já estamos chegando.

            - Ah, e por falar nisso, como foi que você fez na cidade pra trazer a vagabunda e o seu filho, Marta.

            - Falei que o Coronel estava muito doente e precisava deles, assim que saimos da cidade eu os amarrei nos cavalos.

            - E os capangas?

            - Só tinha dois, logo obedeceram as minhas ordens.

            - Que ordens?

            - Falei que o Coronel confiava neles para ficarem olhando a casa.

            - Gente idiota - murmurou Maria olhando pro filho do Coronel e se lembrando do que a sua mãe tinha dito a respeito do seu futuro.

            - Não vai ser com ele mamãe...

            - Está falando sozinha Maria?

            - Pensando na minha mãe e suas besteiras.

            - Mãe é assim mesmo Maria - relatou Marta dizendo:

            - Estamos chegando.

            E quando iam entrando no arraial, Vilma e as demais garotas vieram recebê-los.

            - Como foi aqui Vilma? - indagou Maria vendo os últimos raios de sol se pondo no horizonte.

            - Queimamos os mortos e assumimos o comando de tudo Maria.

            - Ótimo Vilma, fica no comando do arraial que Marta e eu vamos levar o Coronel com a sua família para um descanso na fazenda.

            - Se precisar da gente é só nos avisar Maria, ah, mandei Isabel comandar a fazenda.

            - Fez bem Vilma, entraremos em contato.

            Maria e Marta seguiram rumo à fazenda do Coronel Pedro Linhares, e ao chegarem ali, gritou:

            - Isabel, somos nós, trouxemos o Coronel com a sua família.

            Isabel mandou abrir a grande porteira da fazenda, dizendo:

            - Seja bem-vindo Coronel, trouxe a sua vagabunda com o seu filhinho, que bom Coronel, agora podemos matar o senhor com sua esposa e ficarmos com o seu filho como o senhor matou os nossos pais e ficou com cada uma de nós.

            - Calma Isabel - interrompeu Maria dizendo:

            - Vamos fazer bem feito minha amiga, vamos cuidar de todos os detalhes, afinal de conta o Coronel propôs comprar as terras do meu pai logo depois que me ajudou a cobri-lo de terra.

            - Fez a mesma coisa com todas nós - relatou Josefina quase chorando.

            - Não se emocione Josefina - argumentou Anita.

            E já dentro da casa da fazenda, Maria relatou:

            - Anita, prepare um quarto para o Coronel e sua esposa, não quero que nada de mal aconteça a eles, ah, um quarto para o filho do Coronel.

            Pouco tempo depois Vilma veio chegando e dizendo:

            - Já decidiu o que vamos fazer com o Coronel Maria?

            - Ainda não Vilma, contudo vamos nos reunir  para que encontramos uma maneira de nos vingar.

            E já no dia seguinte, na grande sala da fazenda do Coronel Pedro Linhares, Maria se reuniu com todas as garotas que entre elas já tinha algumas que já eram mulheres que serviam ao maldito Coronel, agora elas estavam com Maria, a única que teve coragem de enfrentar o velho maldito...

            - Bem gente, estamos em frente do poderoso Coronel Pedro Linhares, quero que cada uma de vocês fale para o Coronel o que desejar, o que querem.

            Naquele instante Maria observava o semblante do Coronel, e no seu íntimo parecia querer voltar atrás e poder brindar com ele aquele licor que tomaram naquela noite que pareceu uma despedida, mesmo sem saber que era uma despedida. Contudo Maria dava tudo para voltar ao passado e não convidar o Coronel para o tal jantar...

            - O que está pensando Maria? - indagou Marta.

            - Coisa minha Marta, o que elas resolveram?

            - Deixamos para você decidir o que fazer.

            - Pois bem, já que é assim, apanhe papel para o Coronel assinar do seu próprio punho uma procuração para você.

            - Que procuração?

            - Quero que vá a cidade e passe em cartório todos os bens do Coronel em nossos nomes.

            - Separadamente?

            - Sim, para cada uma, uma parte.

            - Você tem preferência em alguma parte?

            - Sim, quero esta fazenda.

            Com isso o Coronel assinou a tal procuração dizendo:

            - Não vai servir de nada mesmo.

                        - Por que não vai servir Coronel? - indagou Maria.

            - O homem do cartório é um dos meus.

            Maria olhou pro Coronel e com muita calma falou:

            - Marta, leve com você o filho do Coronel, se caso o homem do cartório se recusar, mate ele e o filho do Coronel.

            - Posso levar alguém comigo Maria?

            - Quem você desejar Marta, e vê se não demora.

            Marta foi cumprir a sua missão conforme a ordem de Maria, enquanto que Maria e as demais colocaram a vida em andamento...

            - Já se passaram três dias e nada de Marta - relatou o Coronel com ar de menosprezo, dizendo:

            - Não vai demorar muito pro meu filho Daniel chagar com os cabras e acabar com sua festa Maria, vou sentir por não poder cumprir o que prometi ao compadre José.

            - De certa forma o senhor não ia cumprir mesmo Coronel, mas quanto ao seu filho, esse virá são e salvo, pois quero que o senhor mesmo mate ele.

            - Nunca sua idiota, nunca vou matar o meu filho.

            - Vai Coronel, primeiro ele vai matar a sua esposa, como é mesmo o seu nome vagabunda?

            - Dolores, Maria, e eu não sou nenhuma vagabunda, meus pais também foram mortos como os seus e das demais.

            - Não acredito em você Dolores, você é a maldita esposa do Coronel, pode até estar falando a verdade, mas só de ser a esposa do Coronel, já está assinada a sua sentença da morte.

            E no momento que falavam Marta chegou trazendo consigo a documentação.

            Maria olhou friamente nos olhos do Coronel e disse:

            - Estamos nos seus momentos finais Coronel, Marta, amarre o filho do Coronel no tronco e em seguida a vagabunda na frente dele, e depois o Coronel.

            - Enfileirados, Maria?

            - Isso mesmo, depois chame o resto das nossas amigas para um grande ritual.

            Marta fez tudo que Maria pediu e depois disse:

            - Maria, está tudo como pediu.

            - Ótimo Marta, agora ponha uma venda nos olhos do filho do Coronel e um revólver em sua mão com apenas uma bala.

            - Está pronto Maria!

            - Aponte o revólver para mãe dele e faça ele atirar.

            - Não faça isso Maria - pediu o Coronel.

            Contudo a voz do Coronel se perdeu na explosão.

            - Sua maldita, você é um demônio Maria, eu vou te matar - gritou aflito o Coronel.

            - Cale a boca Coronel, relatou Maria fazendo o Coronel atirar no próprio filho, e em seguida nele mesmo...

            Agora quero deixar que você imagine um fim que você desejar para esta história, pois seis que qualquer fim que eu der sei que ainda vai ficar faltando alguma coisa... 

                      

FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Menino de Rua

  O MENINO DE RUA   JOÃO RODRIGUES               Na esquina de rua doze com a avenida vinte e três, alguém chorava...             - Por que ...