SOMOS HUMANOS?
JOÃO RODRIGUES
- Será que somos humanos?
Por muito tempo eu carreguei esta dúvida em minha mente...
De sorte que fui para uma cidade onde ali ninguém tinha conhecimento da minha existência.
Assim, já hospedado em um pequeno hotel na centro da pequena cidade, lá pras dez da noite fui para uma praça onde a maioria dos habitantes se encontrava ali para se divertir. E lá estava eu no meio daquela linda praça, iluminada como se fosse o dia...
Contudo me assentei num grande banco e fiquei a observar se alguém vinha ao meu encontro. Aí foi que me entristeci por notar que não fui notado por eles...
De modo que foi que a minha dúvida no tocante a questão de será que somos humanos, foi aumentando ainda mais...
Vi que por entre eles uns mendigavam o pão, outros sorriam com alegria, outros comiam, outros bebiam, e ninguém foi me cumprimentar, ou pelo menos dizer o que eu desejava ali.
- Agora João Rodrigues, o que veio fazer aqui?
Indaguei a mim mesmo, perdido no meu eu por ser tão rejeitado por aquela gente estranha...
Mas, mesmo assim com o rosto coberto de vergonha, por me sentir um ninguém, continuei ali...
Bem mais tarde, notei que mesmo entre eles não existia muita intimidade, contudo vi que a maioria deles se divertia.
De sorte que já passava da meia noite, foi que notei que aos poucos iam se dispersando. Talvez por muitos deles terem compromisso com algum afazer, o quantos que os demais talvez não tivéssemos lá muitas coisas a fazer, portanto permitia que ficassem ali se divertindo até lá pela madrugada que mesmo assim não tardou em chegar. Pois é, só restou por entre as brisas frias que eram visíveis por entre os solitários postes que ostentavam luzes que fizeram a alegria de muitos e tristezas de alguns como a minha por nem mesmo sequer ter sido notado ali...
Como ia dizendo, só um casal restou naquela fria madrugada. E eu lá, nem mesmo entendia o que estava fazendo ali. Mas estava e sim, sim, procurando saber se
Somos Humanos.
Até então tudo parecia que somos humanos, se for que humanos são assim mesmo, sem educação, sem se importar com os estranhos, ser humano é ser individualista e ou só mesmo por ser humano está acima de tudo, falar com quiser, a hora que quiser, se quiser...
Pois então, se lembra que só um casal estava na praça, pois é, resolveram sair, o homem e a mulher. Enamorados, de longe parecia ser uma só pessoa, mas era um casal de humanos, ou pelo menos parecido.
De sorte que eu resolvi seguir aquele casal que enfrentava aquela madrugada tão fria e silenciosa, uma vez que todos dormiam naquela pequena cidade, perdida da civilização, por entre aquelas montanhas frias.
De modo que um pouco mais adiante o homem se despediu com caloroso e invejável beijo naquela linda jovem que parecia querer entrar no ser daquele humano que demonstrava tão apaixonado.
O certo é que depois que ela entrou naquele portão o homem seguiu solitário pela deserta rua e eu continuei a segui-lo.
Antes eu não tivesse feito aquilo, pois logo ali perto ao dobrar a esquina, por entre a ofuscada brisa eu vi aquele homem sumir asfalto adentro.
- E agora seu João Rodrigues, o que vai fazer? Dizer pras pessoas que virou um caça fantasma!
Fui até o local onde o homem sumiu e pude ver que não existia nenhuma avaria naquele bendito lugar, estava tudo em ordem, até o asfalto parecia de novo.
- O que vou fazer?
Perguntei a mim mesmo e fui para o hotel, e lá pras dez da manhã a camareira do me indagou se eu ia continuar, respondi que sim, tomei banho e após o café eu fui até a casa aonde naquela madrugada fria aquele homem que sumiu no asfalto deixou a sua namorada.
E lá cheguei, e para minha surpresa o portão guardava apenas uma casa destruída pelo fogo. Percebi que ninguém habitava ali. Bati palmas na casa ao lado e logo fui atendido por uma simpática senhora que me disse:
- Em que posso ajudá-lo?
Inventei uma desculpa para a mulher, que eu estava interessado naquele imóvel do lado da sua casa que o fogo tinha consumido, aí foi que ela falou: - Vamos entrar senhor!
De modo que me adentrei na casa da mulher e dei de cara com o retrato da mulher que o homem que sumiu no asfalto tinha deixado no portão da casa que tinha sido consumida pelo fogo. Fiquei por instantes parado e contemplando a beleza daquela foto e em seguida a mulher relatou:
- É linda a foto não é?
Respondi que sim, e a mulher continuou a dizer:
- Era filha do dono da casa. Só tinha ela e a esposa.
- E o que lhes aconteceu?
- Morreu queimados, ninguém sabe o motivo.
Fiquei por instantes parado e depois sai sem nem mesmo me despedir da simpática senhora que até hoje nem mesmo fiquei sabendo o seu nome e se era verdadeiramente uma humana. Fui rua afora sem destino até que cheguei na prefeitura e pedi ao prefeito para mandar cavar o local no qual eu presenciei o homem sumir.
- Eu tenho mais o que fazer!
Foi o que o homem me disse com um gesto de estranha maldade, será que ele era um humano, não me pareceu ser. De modo que fui ao juiz e lhe contei o acontecido...
- Acho que estou precisando de me aposentar!
Foi o que o juiz disse quando assinava a ordem para mim, na qual obrigava o prefeito cavar o local em questão. Assim, fui direto para a prefeitura e entreguei aquele documento ao prefeito dizendo a ele:
- Vê se cumpre o seu dever senhor, quero aquele lugar cavado ainda hoje.
Notei nos olhos do homem uma expressão inigualável, até dava para sentir que ele não era humano mesmo...
E assim o sol da tarde aquecia aquela rua cheia de curiosos que olhavam as máquinas destruírem aquele asfalto novo, até ouvi uma pessoa comentar:
- Não entendo esse povo, faz o asfalto e depois destrói...
A pessoa não estava errada, o certo é que ela não sabia o que verdadeiramente estava acontecendo. E foi assim, logo que a escavadeira começou retirar a terra não precisou muito tempo para encontrar uma ossada de humano, estava ali dormindo sob aquele tapete de asfalto os restos mortais de alguém, algum humano...
- Quem foi que solicitou a escavação do asfalto?
- Fui eu senhor.
- O senhor está preso para averiguação, como sabia que tinha ossos humanos sob o asfalto?
- Na verdade eu não sabia senhor, pode se informar com o prefeito e o juiz, pois fui a eles fazer o pedido para a escavação, pois na madrugada anterior eu vi um homem sumir no asfalto depois de ter deixado uma mulher num portão que hoje fui verificar e lá se existe uma casa destruída pelo fogo e numa residência ao lado eu encontrei a foto da tal mulher que estava de namoro com o homem que sumiu no asfalto que encontramos esses ossos que nem mesmo sabemos a quem pertence.
- E o que faz em nossa cidade?
- Sou escritor e estou escrevendo um livro que fala sobre um assunto que a meu ver é um tanto questionável.
- Que assunto?
- Será que somos todos humanos?
- Isso eu não sei, só sei que o senhor está preso, e para defender o senhor tem direito a um advogado, pode dar um telefonema, tem o direito de ficar calado, pois tudo que disser pode ser deposto contra você.
E quando ouvi a voz daquele policial quando me algemava, senti que não era voz de humano, contudo olhei nos sei olhos pude ver que também não eram de humanos, não foi difícil perceber que naquela tarde naquela pequena cidade escondida da civilização por entre as montanhas que quem habitava ali não eram todos humanos, pois ao sentir aquelas algemas frias em meus pulsos me vi sozinho ali, porque no meio daquela multidão de curiosos eu vi com os meus próprios olhos seres horríveis que me olhavam com satisfação em me ver algemado e sabendo que eu era inocente. Sei que eles sorriam um sorriso mudo de grande maldade, de extrema maldade. Eu queria chorar naquele momento de grande humilhação. Conduto dentro de mim algo me dizia que eu estava ali cumprindo uma missão, que todos nós nessa vida temos missões para cumprir, que não estamos aqui por um acaso, que somos seres datados de grandes habilidades e que temos missões importantes, e eu estava assim cumprindo uma que seria com certeza das mais importantes em minha vida. Com isso me alegrei um pouco, e pude assim entrar naquele carro da polícia que parecia me conduzir ao inferno, ô dia desgraçado para mim, até hoje quando sou obrigado por força do meu trabalho a contar essa história, eu ainda sinto vontade de chorar.
Pois como eu ia dizendo, já dentro do carro o delegado me levou para o xadrez e já noite o carcereiro veio até a minha cela e disse:
- O senhor está livre.
Nem mesmo vi o delegado, só sei que fui para o hotel e a minha intenção era ir embora daquela cidade, contudo ao pagar a conta o dono do hotel me disse:
- Sua conta já foi paga, e deixaram essa carta pro senhor.
Apanhei a minha pequena mala e fui andando rumo à rodoviária, e no caminho eu lia a tal carta assustado, também pudera, sai da cadeia sem mais nem menos, cheguei no hotel já não tinha despesas a pagar e para completar o meu desespero uma carta endereçada a mim, ninguém da minha família tinha ciência da minha presença naquela cidade, quem estaria me escrevendo, quem teria pago a minha conta, era muita coisa num só dia. Mas vou dizer o que dizia a carta, sei que até eu mesmo estava curioso.
- Senhor João Rodrigues, sei que não sabe o quanto admiramos o seu trabalho, somos felizes por termos um escritor que se interessa por questões tão intrigantes como essa de querer desvendar os segredos do oculto, e em especial das imitações de humanos que vivem em nosso meio.
E assim o meu ser começava sentir que além de nós algo estranho vive em nosso meio, se disfarçado de humanos e assim querendo tirar de nós o direito de sermos exclusivos.
Eu não sabia, mas desconfiava, mesmo antes de me dispor a fazer a tal pesquisa, sabia, no entanto que algo poderia acontecer, mas não assim, vendo namorados que não era namorado, ver homem que não era homem sumir no asfalto, ser preso e ver aqueles sorrisos estranhos, de modo que a carta continuava a dizer algo a meu respeito, mesmo depois dos elogios que tecia pelo meu interesse de querer saber se somos humanos.
De sorte que a carta dizia para que eu procurasse uma passagem num determinado guichê e que junto dela tinha um endereço que eu devia ir me encontrar com uma pessoa e entregar a ela uma carta que também estava com a passagem.
E assim aconteceu, entrei naquele ônibus e por estar muito cansado eu dormi e só acordei quando o cobrador do ônibus disse:
- Chegamos ao destino final senhor...
Sai meio leve e me dirigi a um ponto de táxi e fui levar a tal carta para a pessoa.
- Este é o lugar senhor...
De maneira que paguei o táxi e logo em seguida toquei campainha no endereço do grande mistério. Não vou dizer que não estava nervoso, pois estava, estava muito nervoso com todo aquele caminho que a minha pesquisa estava me levando, será que quando a pessoa abrisse a porta seria um humano e seria uma pessoa do reino dos que somem no asfalto, dos que vivem em casa destruída pelo fogo, dos que mandam em delegados, dos que pagam as coisas para os intrigantes, sei que enquanto eu pesava nisso tudo a porta se abriu o uma senhora de uma idade avençada disse:
- Em que posso ser útil senhor, se for que eu ainda posso ser útil, entre e não repara a pobreza em que vivo.
De modo que não dei atenção pela queixa da mulher, só lhe estendi a mão e lhe entreguei a tal carta.
- Se está me trazendo notícias senhor, leia para mim, pois sou uma analfabeta e preciso de favor dos que sabem ler.
Sei que não tive escolha, pois diante de uma pessoa tão carente o que me restou foi abrir a tal carta e ler para ela que ficou ali do meu lado com o ouvido inclinado como se estivesse procurando uma freqüência ou um código secreto da minha voz.
Senti que em murmúrio o seu ser chorava à medida que a carta revelava o seu passado, passado esse que relatava o sumiço do seu filho que junto com a sua nora e neta tinham sido consumidos pelas chamas em uma casa incendiada por ciúmes de um ser do outro mundo que em seguida matou o namorado de sua neta e tudo isso descoberto por um ser tão especial que com certeza está lendo esta carta para a senhora...
- Amigo? Por que está dormindo na praça. Quem é o senhor?
Foi ai que acordei daquele pesadelo...
Fim
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