quinta-feira, 27 de abril de 2023

Liano João Rodrigues

 LIANO

 

JOÃO RODRIGUES

 

01

Isso foi há muito tempo

Que viram alguém nascer

Entre redemoinho de vento

Que mal podiam ver

Nos confins e desertos

Que só se viam por perto

O sol entrar e nascer,

 

02

Porém nascia embaçado

Grande igual lua cheia

Com raio avermelhado

Em forma de uma fogueira

Uma grande brasa quente

Com o seu cintilar ardente

A coisa ali era feia,

 

03

A brasa subia ao céu

Esturricando o sertão

Causando com o seu véu

De energia e vibração

Secando lagos e rios

Com os seus raios vadios

Causando humilhação,

 

04

Numa casa velha

Feita de enchimento

Em forma de uma tapera

Esquecida no tempo

Suja e esburacada

No sertão abandonada

Imagem de sofrimento,

 

05

O vento assoprava forte

Aliviando a dor

Parecia levar a sorte

Ao pobre lavrador

Naquele lugar perdido

Talvez no mundo esquecido

Lembrado por escritor.

 

06

Ali surgiu a história

Que a você vou contar

Se for derrota ou vitória

E se puder relatar

Era um filho de um roceiro

Por que não dizer guerreiro

Que viveu para lutar,

 

07

Chamada campo de areia

A rocinha onde nasceu

Com de vegetação rasteira

Pois com o sol não cresceu

De tanta praga ou peste

Que tratavam de agreste

Foi o nome que deu,

 

08

Ali naquela brenha

Deste sertão desprovido

Qual cristão que não tenha

Medo e alarido

Onde a natureza devassa

Criando dor que não passa

No peito do homem sofrido,

 

09

Chuva era milagre

Verde mal existia

Nos lagos só tinha bagre

Era o que o povo comia

Misturado com farinha

E daquele farofinha

A vida assim seguia,

 

10

Quando o menino nasceu

Foi grande o acontecimento

O sertão estremeceu

Abalou-se o firmamento

Veio chuva e tempestade

Porém foi novidade

Mais causou sofrimento,

 

11

Liano foi o nome

Que deram ao felizardo

Que já nascera com fome

Naquele sertão castigado

 Pois logo saiu andando

Seus tortos pés atolando

No areão amaldiçoado,

 

12

E o tempo foi passando

Liano lá no sertão

Com o seu pai trabalhando

Cuidando da plantação

Quando a sua mãe morreu

Liano entristeceu

Com tamanha traição,

 

13

Vivia sem concordar

Se a vida era assim

Pra quê então trabalhar

Pra ter um amargo fim

Que diante do nada vê

A sua própria mãe morrer

Ele dizia: aí de mim,

 

14

Ao ver a mãe morrendo

E levada para o chão

Liano seguiu tremendo

Agarrado no caixão

As suas lágrimas desciam

Como vertentes corriam

Pousando no areão.

 

15

Foi difícil esquecer

A morte de sua mãezinha

Tinha medo até de viver

Naquela humilde casinha

Vestido de preto estava

Nos lugares onde passava

Alegria não tinha.

 

16

Além do seu sofrimento

Assistia o do seu pai

E no descontentamento

Nas dores do vem e vai

Vivendo de humilhação

Na pobreza do sertão

Dor que do peito não sai,

 

17

Em meio de tanta dor

E tamanha aflição

Vivendo aquele terror

Lá nos confins do sertão

Liano já imaginava

Qualquer hora enfrentava

Outra triste situação,

 

18

Na verdade tinha razão

Pois a tal hora chegou

Um bandido do sertão

Em o seu pai atirou

Com bala envenenada

Lá no meio da estrada

Morto o velho ficou,

 

19

Liano já rapazinho

Até pensando em se casar

Para seguir o seu caminho

E ver aonde chegar

Mas quando o pai morreu

Liano resolveu

A sua vida mudar,

 

20

Levou o pai à sepultura

Vendo as irmãs a chorar

Liano a essa altura

Nem agüentava falar

Só lhe restava à esperança

Em resolver a vingança

Com o bandido acabar,

 

21

Teve notícias do criminoso

Estava no boqueirão

Um lugar muito perigoso

Onde não existia paixão

Ali dormiam serpentes

Lugar de homens valentes

Que matavam por diversão,

 

22

Mas Liano a essa altura

Em nada queria pensar

Só depois da aventura

Com o tal bandido acabar

Mesmo de unha e dente

Pois um homem valente

Também pode apanhar.

 

23

Liano preparou seu macho

Pra pegar o forasteiro

Dizia vou tirar o facho

Deste cabra bandoleiro

Mostrar que sou bonzão

Quero ver o cabra no chão

Se ele sacar primeiro,

 

24

Assim saiu a galopar

Atravessando campina

E com o bandido encontrar

Pra acabar com a sua sina

Cortava o macho na espora

E pra não perder a hora

Antes que o dia termina,

 

25

Mas logo o dia acabou

A noite escura chegava

Liano ali acampou

Onde o gado malhava

Assim a noite passou

Liano continuou

Buscando o que procurava,

 

26

Ao chegar ao boqueirão

Procurou se esconder

Para não chamar a atenção

Pro que tinha ido fazer

Procurava disfarçar

Tentando a todos enganar

Sem saber o que dizer,

 

27

E no pequeno arraial

Só se via forasteiro

O amigo do mal

Do seu andar sorrateiro

Em busca de arrelia

Pra fazer sua alegria

Do jeito bem costumeiro,

 

28

Liano sem experiência

Em procurar bandido

Sem saber qual a ciência

Mas demonstrava atrevido

Um disposto cavaleiro

Forte e atraente vaqueiro

Com o seu ódio escondido,

 

29

Já noite adentro

Forasteiro no salão

Matando seu intento

Ao som de um violão

Raparigas a dançar

Bandidos a jogar

Junto à luz do lampião,

 

30

Liano, porém não jogava

Por que não tinha parceiro

Somente a pinga tomava

Como um temido forasteiro

Com raparigas dançando

A grande festa animando

Antes do tiroteio,

 

31

Que logo começou

No meio da multidão

Liano, porém escapou

Sumindo na escuridão

E acabou encontrando

Dois cabras conversando

Sobre a sua situação,

 

32

Um dizia para o outro

Não estou arrependido

Matei por desaforo

Eu estava sendo traído

Mauro que me falou

Que Júlio me enganou

Com o seu jeito fingido,

 

33

O homem falava a sorrir

Liano só escutando

Mas tentando descobrir

Escuro não estava dando

Liano se aproximou

Para o bandido falou

Fósforo para um cigano,

 

34

Dando o fósforo pro Liano

Continuando a falar

Era o Baldim de Afrânio

Que acabou de encontrar

Liano o conheceu

Quando o fósforo lhe deu

Pelo seu jeito de andar,

 

35

Liano agradeceu

Foi saindo de mansinho

Quando o dia amanheceu

Foi esperá-lo no caminho

Pois logo ele apontou

Liano entrincheirou

Pra matar o mocinho,

 

36

Quando Baldim ia passando

Liano lhe atirou

Porém cometeu engano

A arma não detonou

Assim tornou apontar

E o gatilho apertar

De nada adiantou,

 

37

Assim Baldim foi embora

Liano desistiu

Notou que naquela hora

Coisa igual nunca se viu

Liano ficou abatido

Com o fato estremecido

E o assassino fugiu,

 

38

Pra casa Liano voltou

Contou pro seu irmão

Que na hora caçoou

Da sua situação

Pois logo relatava

Que a sua arma detonava

No tal cara valentão,

 

39

Depois de uns dias saíram

A procura do Baldim

Armados eles partiram

Dizendo que seria o fim

Do tal cara em murmúrio

Que tinha matado o Júlio

Eles julgavam assim,

 

40

Dois dias se passaram

Pra no local chegar

E na mata acamparam

Preparando pra atacar

Num recanto da estrada

Pronto pra a emboscada

Quando o Baldim passar,

 

41

E a hora esperada

Muito depressa chegou

Lá distante na estrada

O tal Baldim apontou

Liano viu o seu irmão

Que com muita atenção

 A sua arma mirou,

 

42

Baldim entrou na mira

Da maldita espingarda

Até parecia mentira

O homem lá na estrada

Quando o gatilho apertou

A arma não detonou

Do cano só saiu água,

 

43

Liano nem quis saber

De atirar no valentão

Procurou se esconder

Protegendo o seu irmão

Que ao ver a arma falhar

Até queria chorar

Com tamanha humilhação,

 

44

Foram procurar uma velha

Longe daquele lugar

Morava num pé de serra

Difícil de ali chegar

Era uma feiticeira

Perigosa e traiçoeira

Fazia cobra chorar,

 

45

Quando ali chegaram

Liano e seu irmão

Dos cavalos desmontaram

Sem chamar a atenção

A velha os recebeu

Pois logo ela percebeu

 Qual era a situação,

 

46

Liano contou a velha

O que tinha acontecido

Triste dizia a ela

Que tudo estava perdido

Perdi minha mãe e meu Pai

Se for assim como vai

Logo serei banido,

 

47

A velha, porém dizendo

Com a voz arroucada

O que está acontecendo

Não significa nada

Cada um com seu valor

Não precisa de pavor

Pra resolver a parada,

 

48

Na magia do feitiço

Ouço alguém dizer

Que quem fez o enguiço

É que merece morrer

Seu pai morreu inocente

Estava alegre e contente

Não tinha o que temer,

 

49

Porém o criminoso

Não se considera culpado

Sente-se vitorioso

Com o seu bom resultado

Pensava que era traído

Pelo Júlio seu amigo

O qual morreu enganado,

 

50

Pra velha Liano falou

Eu não estou entendendo

Assim a velha relatou

O que estava acontecendo

Liano e o irmão saíram

Da feiticeira despediram

Foram pros cavalos correndo,

 

51

Foram pra casa do Baldim

Esperá-lo sair

Pois estavam a fim

De a história decidir

Pegar a sua mulher

E de uma forma qualquer

A dura verdade vir,

 

52

Assim aconteceu

Fizeram a mulher confessar

Qual era o fariseu

Que estava a te usar

No chicote confessou

Apanhando ela contou

Pedindo pra não te matar,

 

53

Liano disse senhora

Eu não sou um bandido

Mas virei naquela hora

Que vi o meu pai caído

Seu corpo ensangüentado

Lá no caminho estirado

Pelo destino traído,

 

54

Deixando ali a mulher

Espancada no chão

Um presente que lúcifer

Fez Deus dar a Adão

Que o pecado apoderou

No mundo inteiro gravou

Que mulher é maldição,

 

55

Liano com o irmão

Saíram a galopar

Nas estradas do sertão

Só poeira a levantar

Foi com o Mauro encontrar

Somente para falar

O que estava a passar,

 

56

E na casa do Mauro

Quando Liano chegou

Com o fato relatado

Que o Liano contou

O velho ouvia calado

Porém ficou assustado

Quando Liano falou,

 

57

Meu velho eu te ordeno

Eu não estou brincando

Meu sangue como veneno

Em minha veia andando

Resolva por caridade

Esta sua falsidade

Por estar me matando,

 

58

Se por acaso não resolver

Acabar com esta questão

Prepare para morrer

Sem nenhuma compaixão

Nem precisa contestar

Pois eu venho te matar

Dentro da minha razão,

 

59

Assustado Mauro prometeu

Que o caso ia resolver

Pois o problema era seu

E que merecia morrer

Mas que pudesse deixar

Pois tudo ia acabar

Logo Liano ia ver,

 

60

Assim Liano foi embora

Aguardar o resultado

Não esperava a hora

De tudo realizado

Ao ver o real culpado

Pela justiça condenado

E tudo assim consumado,

 

61

Lá na casa do Baldim

A coisa estava feia

Parecia chegar ao fim

Do sangue em sua veia

Ao ver a mulher desmaiada

Ali no chão estirada

Por ter levado uma peia,

 

62

Baldim te perguntando

O que tinha acontecido

Desconsolada falando

Todo fato ocorrido

Demonstrava lealdade

E contou toda a verdade

Como traiu seu marido,

 

63

Ouvindo a mulher falar

O pobre Baldim soluçava

Tentando justificar

O que a mulher relatava

A desgraça acontecida

Só por uma mulher fingida

Que em sua frente estava.

 

64

Baldim dizia para mulher

Porque você não falou

Sua filha de lúcifer

Que o diabo criou

Por te matei uma amigo

Que estava desprevenido

Nem defesa encontrou,

 

65

Ela dizia não fui eu

Que fiz você matá-lo

Foi Mauro que concorreu

E nos levou no embalo

Obrigou-me a te entregar

Dizia que ia me matar

Se eu viesse a recusá-lo,

 

66

A mulher ajoelhada

A Baldim pedia perdão

Com sua cara assustada

Devido à situação

Baldim te perdoou

Em seguida te matou

Sem nenhuma compaixão,

 

67

Assim que matou a esposa

E o seu filho a chorar

Salgou-os como raposa

Deixando-os para assar

Botou fogo na casa

Que logo virou em brasa

Assim saiu a chorar,

 

68

Saiu para o encontro

Do Mauro o seu amigo

Que promoveu o confronto

De quando tinha te traído

Mas quando ali chegou

Em sua casa encontrou

Viu o Mauro prevenido,

 

69

Pois o Mauro sabendo

Do fato acontecido

Já estava temendo

Que logo o seu amigo

Viria ao seu encontro

Pois logo este confronto

Teria de ser surgido,

 

70

Mauro foi à cidade

Convidou o delegado

Que na realidade

Tinha de ser chamado

Junto foi um capitão

Que levou um pelotão

Pra resolver o tratado,

 

71

Era um dia de tardinha

O sol estava se pondo

Na estrada aonde vinha

Em seu macho galopando

Na casa de Mauro chegou

Na cerca o macho amarrou

E pra dentro foi entrando,

 

72

Ao bater o seu pé

No batente da portinha

Ouviu alguém dizer quem é

Que naquele instante vinha

Baldim disse seu tirano

Sou Baldim de Afrânio

E foi indo pra cozinha,

 

73

Quando no meio da sala

Ouviu a voz de prisão

Baldim ser perder a fala

Disse qual a razão

A polícia respondeu

O senhor não entendeu

Ainda quer explicação,

 

74

Baldim tentou reagir

Porém sem resultado

Antes de a reação vir

Já estava algemado

O delegado relatou

Para defender o senhor

Tem direito um advogado,

 

75

Baldim disse não

Não quero me defender

A minha única intenção

É terminar de fazer

O resto dessa tarefa

Que por sinal tenho pressa

Não deu pra perceber,

 

76

O delegado respondeu

Não fique tão zangado

O senhor não percebeu

Que está sendo acusado

Não seja intransigente

Vamos viver o presente

E sepultar o passado,

 

77

Como posso esquecer

Um passado de traição

Que matei sem saber

Um inocente cidadão

Não estou sendo fingido

Ele era o meu amigo

De dentro do coração,

 

78

Porém nossa amizade

Não podia ser confundida

Quando a infidelidade

Que é coisa proibida

Assim Mauro nos enganou

O pobre Júlio pagou

Uma conta não devida,

 

79

Com isso eu o matei

Sem nenhuma explicação

De dor não suportei

Essa enorme traição

Muito tempo cansado

Todo esse tempo enganado

Sem nenhuma razão,

 

80

E depois que o metei

Fiquei tranqüilizado

Mas ontem eu encontrei

O mundo todo virado

Ao encontrar minha mulher

De um jeito qualquer

Eu virei um revoltado,

 

81

Com o punhal no pescoço

Eu pedi explicação

Ela sem fazer esforço

Me contou toda a razão

De estar ali jogada

Apanhada e rebentada

Na maior judiação,

 

82

Ali ela me falou

Foi Liano que me bateu

Ele me perguntou

Por que o meu pai morreu

Eu disse que não sabia

E na maior covardia

Eu vi no olho teu,

 

83

Com um chicote na mão

Começou a me surrar

Dizendo preste atenção

Pro que vou te perguntar

Com quem traía seu marido

Pedaço de carne perdido

Fui obrigada a contar,

 

84

Assim que ela falou

Em mim o ódio chegou

O meu sangue esquentou

O meu semblante mudou

Vi o meu coração partir

No meu peito ringir

Mas nada adiantou,

 

85

 

Ela vendo o meu estado

Desfigurada dizia

Perdoe-me meu amado

Porém nada me detia

Lembro-me que a perdoei

Em seguida te matei

Era a desgraça que eu via,

 

86

Matei também o menino

Que estava ali a chorar

Era filho do assassino

Ele não podia vingar

Os retalhei e salguei

A casa eu incendiei

Logo vi tudo acabar,

 

87

Assim vim encontrar

Com o verdadeiro causador

Que fez tudo mudar

Da paz ele fez terror

E se demonstra educado

Por todos respeitados

Como verdadeiro senhor,

 

88

Mauro saía de um quarto

Com a carabina na mão

Ouvia do Baldim o relato

Com grande satisfação

Disse para o delegado

Levem logo este safado

Para morrer na prisão,

 

89

Baldim dizia desgraçado

Foi você que me enganou

Tu serás castigado

Por tudo que aprontou

Mauro dizia seu bandido

Você nunca foi traído

Tudo você inventou,

 

90

Assim o delegado

Falou para o capitão

Mande o seu soldado

Amarrar o cidadão

Depois partiram dali

Baldim via Mauro sorrir

Com uma estranha emoção,

 

91

Porém tudo estava perdido

Nada podia fazer

Mais uma vez foi traído

E sem ninguém te valer

Na hora que ia saindo

Via o Mauro sorrindo

Sentia a terra tremer,

 

92

Mesmo assim ele falou

Adeus fingido amigo

Esta você ganhou

Guarda a vitória consigo

Mas se um dia eu voltar

Sorrindo vou te matar

Pra nunca mais ser traído,

 

93

Baldim se despediu

Do seu querido sertão

Não se sabe se fugiu

Ou se vive na prisão

Sabe-se que foi julgado

E que fora condenado

A cem anos de reclusão,

 

94

Depois de tudo acertado

Mauro foi justificar

Provar que não era culpado

Com Liano foi falar

Liano não contestou

O Baldim preso conformou

Deixou o caso encerrado,

 

95

Agora sem pai e sem mãe

Pro Liano foi ruim

Vendo fatos que antepõe

Sem meio e sem ter fim

Só descontentamentos

Causando sofrimentos

Será que a vida é assim,

 

96

Amargurado e tristonho

Ele viva a pensar

Vivendo a vida em sonho

Sem poder acordar

Parecia um pesadelo

Que preferia não tê-lo

Pra não viver a penar,

 

97

Mas como a vida é assim

Até mesmo no sertão

Muitas coisas não têm fim

Perdem-se na imensidão

O negócio é viver

Esperar acontecer

Para tirar conclusão,

 

98

Agora não foi difícil

De a tal conclusão tirar

Pois com tanto enguiço

Já podia imaginar

De tanta coisa ruim

Se continuar assim

Percebo onde vou chegar,

 

99

Na verdade precipitado

Com sua conclusão

Cada um tem seu estado

E sente sua intenção

Mas mergulhado na tristeza

Vivia uma grande incerteza

E penosa desilusão,

 

100

Como já tinha percebido

Que sua mãe tinha partido

Do mundo tinha despedido

E ele no vem e vai

Sem acreditar e ninguém

Nem mesmo em si também

Uma dúvida que não sai,

101

Da velha casa saiu

Com sua irmã foi morar

Que muito alegre sorriu

Ao ver o irmão chegar

O recebeu com calor

Demonstrando muito amor

Quase chegou a chorar,

 

102

Liano, porém pressentia

Que a vida não era assim

Pois ele percebia

Que logo chegava ao fim

Mas não sabia o que

Nem também o porquê

Ele falava ai de mim,

 

103

Como já estava rapaz

E que viva a trabalhar

Nunca quis ser capataz

Vivia a vaquejar

Era o melhor do sertão

O seu nome de peão

Começou a circular,

 

104

Um vaqueiro de primeira

E um grande montador

Montava em pirambeira

Também era laçador

Aceitava desafio

Com qualquer macho vadio

Pra provar o seu valor,

 

105

Foi convidado para uma festa

Para montar um burrão

Pois isto é coisa que resta

Para o famoso peão

Que não podia faltar

Pois era para festejar

O noivado do irmão,

 

106

Liano preparou seu macho

Em seguida viajou

Pois tinha que tirar o facho

Do tal burrão planejou

Pois ia sem sentir medo

Montar era o seu segredo

Macho nunca enjeitou,

 

107

E quando era à tardinha

Que na fazenda chegou

Na estrada aonde vinha

Muita gente apontou

Que precisavam chegar

Para ver o peão montar

O fazendeiro convidou,

 

108

Muita gente chegava

Vinha vindo em multidão

Amarrado no tronco estava

O perigoso burrão

Que cavava e urrava

Parecendo que esperava

A hora da decisão,

 

109

Logo o fazendeiro falou

No meio da multidão

Que ao ouvi-lo alvoroçou

Porém com satisfação

Que pudessem apostar

Pois o peão ia montar

No seu temido burrão,

 

110

As apostas surgiram

De exorbitantes valores

Homens valentes sorriram

Sem ter menores pavores

Gritavam com alegria

Esqueceram a valentia

Esperando os ganhadores,

 

111

Liano também apostou

Com o grande fazendeiro

Que dizia ser perdedor

Não acreditou no vaqueiro

E muita gente apostava

Pois o burrão ganhava

Mas via homem cabreiro,

 

112

E a esperada hora

De o grande peão montar

Que veio sem demora

O burrão arriar

Gente estava a sorrir

Esperando o peão cair

Só para poder vaiar,

 

113

Liano benzendo o corpo

Fez o sinal da cruz

Pedindo a Deus um reforço

Dando-lhe um pouco de luz

Pra ser feliz na missão

E não cair do burrão

Que a sorte lhe conduz,

 

114

E o burrão amarrado

Urrava como leão

Pois já estava arreado

Liano com atenção

Pediu para anunciar

Que ele ia montar

Na hora deu confusão,

 

115

Muitos com as apostas

Ficaram alegres a gritar

Mulheres nas portas

Para o instante festejar

Porém só se via fanisco

Pedaço de esterco e cisco

Não parava de voar,

 

116

Logo cobriu de poeira

Aquele grande curral

Gente saía na carreira

Nunca se viu como igual

Parecia uma nuvem só

Que muita gente tinha dó

Do coitado afinal,

 

117

Ninguém via nada

No meio da confusão

Só escutava tacada

No perigoso burrão

E a poeira baixando

Ouviram o burrão urrando

Liano não parava a mão,

 

118

Quando a poeira abaixou

O burrão estava caído

Pois o Liano acabou

Com o tal burrão atrevido

O retalhou de espora

Cortou por dentro e por fora

Deixou sua vida em perigo,

 

119

A espora ensangüentada

E o chicote na mão

Com a missão realizada

Liano disse com atenção

Se tiver outro pra montar

Vocês podem preparar

Isto para mim é diversão,

 

120

Houve uma salva de palma

Quando Liano falou

Gente que estava calma

Naquela hora gritou

Muitas meninas que tinha

Cada qual mais bonitinha

Com Liano apaixonou,

 

 121

Liano montou seu cavalo

Do fazendeiro despediu

Gente ainda em embalo

Pelo fato que viu

Olhava o Liano saindo

Muito alegre e sorrindo

Coisa estranha sentiu,

 

122

Viu que o grande peão

Tinha poder de verdade

E que tinha opinião

Montava com honestidade

Sem demonstrar grandeza

Muito humilde com certeza

E grande sinceridade,

 

123

Assim Liano foi embora

E sua fama ficou

Rolando pros campos afora

O fato que ele deixou

Menina apaixonada

Que com ele encantada

Porém não revelou,

 

124

As apostas que ganhou

Fazia-te independente

Foi Deus que lhe confiou

Esta fama de valente

Um peão de verdade

Que não tinha falsidade

Vivia alegre e contente,

 

125

Portanto ia bem

Liano e seu coração

Tinha sorte como ninguém

Pelos campos do sertão

Vivia contente a cantar

Só esperando chegar

Uma outra ocasião,

 

126

E esta não demorou

Nem viu a hora chegar

O fazendeiro lhe convidou

Novamente pra montar

Havia chegado a hora

De festejar a vitória

Seu irmão ia se casar,

 

127

Liano foi animado

Para o casamento do irmão

Estava bem preparado

Pra realizar a sua missão

Arrumou o seu arreio

Partiu pra lá sem receio

Pra grande ocasião,

 

128

Na casa do fazendeiro

Assim que Liano chegou

Com seu jeito costumeiro

O fazendeiro lhe saudou

Que pudesse preparar

Pois logo ia montar

Assim o homem relatou,

 

129

O animal que ia montar

Ainda era novidade

Não ouvia ninguém falar

Esta era a realidade

Mas Liano sem temer

Nem procurava saber

Estava sem curiosidade,

 

130

Gente estava chegando

De todas as regiões

Que iam se aglomerando

Ali nas imediações

Não paravam de chegar

Pois só bastava olhar

Vinham em multidões,

 

131

E chegaram também

As grandes autoridades

Pois naquele vai e vem

Com muita curiosidade

O fazendeiro anunciou

O povão alvoroçou

Em sintonia de igualdade,

 

132

O fazendeiro relatou

Com muita satisfação

Muito contente estou

Esperei esta ocasião

Ver minha filha se casar

E hoje para festejar

Convidei este peão,

 

133

Ele vai montar

O meu potro voador

E quem quiser apostar

Aposte grande valor

Eu garanto a derrota

Pois veja que a porta

Deste peão já fechou,

 

134

Liano disse ao fazendeiro

Cuidado com o que diz

Hoje faço nesse terreiro

O que eu sempre fiz

Quero ver homem dançar

Perder o que apostar

Serei um peão feliz,

 

135

Nunca encontrei na vida

Um cavalo vencedor

Desde que entrei na briga

Nunca fui um perdedor

Por isso eu lhe garanto

Não quero ouvir espanto

De alguém que apostou,

 

136

E falava preparado

Com o chicote na mão

O potro já arreado

No meio da multidão

Quando Liano montou

O povo alvoroçou

Foi aquele poeirão,

 

137

O vento forte assoprou

Levando a poeira dali

O povo reanimou

Ao ver o potro subir

O fazendeiro assustado

Ficava admirado

Do Liano não cair,

 

138

Logo o potro estafou

Pois já estava vencido

O fazendeiro espantou

Ao ver que tinha perdido

Liano disse senhores

Quero ver os perdedores

Ficarem aborrecidos,

 

139

É assim que é a vida

Aventurosa de um peão

Que vive a causar intriga

Pelos campos do sertão

Sorridente a andar

Pois a sua lida é montar

Com grande satisfação,

 

140

Não montar só por dinheiro

Também por desafio

Não encontrar companheiro

E nem macho vadio

Que viesse derrotar

E da sua sela tirar

Ao menos o pé do estribo,

 

141

Depois que Liano falou

Para toda multidão

Gente o cumprimentou

Com muita satisfação

Moças choravam de alegria

Desejavam sua companhia

Numa noite de ilusão,

 

142

E como o sol já entrava

A noite ia chegando

A noiva se preparava

Para o seu desengano

Outros arrumavam o altar

Aonde ela ia se casar

Com o irmão de Liano,

 

143

Começou a cerimônia

O juiz a realizar

Sentiam grande vergonha

Na hora de se casar

Depois que falou o juiz

Como a própria lenda diz

O padre foi rematar,

 

144

Agora estava casada

A filha do fazendeiro

Ainda estava encantada

Com o momento derradeiro

Que logo ia voar

Para nunca mais voltar

Aquele instante primeiro,

 

145

Na grande animação

Muita gente a dançar

Parecia confusão

De tanta gente a cantar

Mas era realidade

Com muita felicidade

A noiva estava a chorar,

 

146

Liano também dançava

Conquistando as garotas

Muitas ficavam encantadas

Por ele estavam loucas

Só que Liano desconfiado

Demonstrando acanhado

Para enganar as trouxas,

 

147

E já na madrugada

O povo ia se dispersando

O dia já clareava

O sol ia apontando

Com os seus raios brilhava

O pessoal que estava

Lá na latada dançando,

 

148

Na grande casa da festa

Só quem foi lá para crer

Tinha coisa na certa

Pra saborear e beber

Gente que foi só pra olhar

Pois parecia espiar

Nisso se pode crer,

 

149

Mas Liano foi embora

Porém na imaginação

Levava outra história

Sem saber qual a razão

Não tinha nada a ver

Porém estava a sofrer

O seu pobre coração,

 

150

Que ele devia voltar

Para algo ali rever

Não deixa ninguém penar

Assim sem merecer

Até parecia ouvir

Que tinha dentro de si

Algo para te dizer,

 

151

E nesta intuição

Assim Liano voltou

Sentia grande emoção

Porém ele imaginou

Se era o seu coração

Vivendo alguma ilusão

Que muito precipitou,

 

152

Quando Liano chegou

Na casa do fazendeiro

Lá da porteira chamou

Do seu jeito costumeiro

Seu irmão desconsolado

Com cara de retardado

Vinha vindo no terreiro,

 

153

Liano disse mano

Que cara de retardado

Sei que não me engano

Está sendo maltratado

Ele disse que nada

Entre pra cá camarada

Você está enganado,

 

154

Liano disse ainda bem

Acho que está mentindo

Não é essa cara que tem

Quem vive sorrindo

Você está desprezado

Esquecido e humilhado

E fica se omitindo,

 

155

Abra o jogo cara

Sabe que sou seu irmão

Pra que ficar nessa tara

Sofrendo humilhação

Diga logo o seu problema

Tiro-te deste dilema

Sem nenhuma confusão,

 

156

Na confusão já entrei

Agora não posso sair

Até que já imaginei

Mas tornei a desistir

Quem casa tem que honrar

Não pode se ausentar

Precisa se garantir,

 

157

Na verdade você percebe

Como eu estou vivendo

Num buraco como lebre

As amarguras roendo

Amando sem ser amado

Vivendo escravizado

Assim estou morrendo,

 

158

O meu sogro faz de mim

Um camarada qualquer

Trata-me de um jeito assim

Pro que der e vier

Sou como seu empregado

Por ele sou maltratado

Como se fosse mulher,

 

159

Nisso que eles falavam

Vinha chegando alguém

Naquele instante calaram

Até o tempo também

A cara da humilhação

Esposa do seu irmão

Não era mais ninguém,

 

160

O fazendeiro assim chegou

Foi logo o Liano saudando

Pra dentro da casa entrou

Com o Liano conversando

Demonstrando ser amigo

Não parecia fingido

Quando vinha montando,

 

161

Logo o fazendeiro falou

Que honra me dá a visita

Parece que você gostou

Ou tem alguma coisa à vista

Liano disse não

Vim visitar o meu irmão

Espero que não se irrita,

 

162

O fazendeiro disse nada

Pode ficar a vontade

Afinal meu camarada

Digo com sinceridade

Você aqui é bem vindo

E o Liano sorrindo

Com a sua cordialidade,

 

163

Mas dentro da sua mente

Existia algo errado

Se menos que eu invente

Uma história do passado

Por que sou bem recebido

O meu irmão que é o marido

Está sendo maltratado,

 

164

 Liano disse obrigado

Pela sua gratidão

Eu não sou tão educado

Só sei falar palavrão

Mas fico muito contente

De saber que certa gente

Por mim tem boa intenção,

 

165

Mais tarde foram jantar

Liano acompanhado

E todos a comentar

Cada um do seu passado

Cada qual com o seu jeito

Escondendo seu defeito

Lá no seu peito guardado,

 

166

Logo após a refeição

Todos foram pra sala

Sem desviar a atenção

Continuaram a fala

Pra não ficar esquecido

E nem também aborrecido

Pelo papo que embala,

 

167

A noite tinha rompido

Todos ali conversando

Ninguém entristecido

Porém alguém cochilando

De modo que foram dormir

Na espera do novo dia vir

Com o tempo andando,

 

168

Liano foi se deitar

Numa rede na varanda

Lá ficou a balançar

Encostado numa banda

Logo o sono te levou

Liano só acordou

Após a grande demanda,

 

169

 Liano se levantou

E saiu lá pro quintal

Com seu irmão encontrou

De uma forma banal

Levando lenha na mão

Sujo de cinza de fogão

Era um cuca legal,

 

170

Liano deu bom dia

Ele não deu atenção

Ali Liano viu que via

A vida do seu irmão

Que estava escravizado

E como um boi tocado

Com a vara de ferrão,

 

171

Liano saiu atrás

Para ver o que fazia

E quase caiu para trás

Sem acreditar no que via

O seu irmão na cozinha

Dando de mulherzinha

É isso que existia,

 

172

Contudo ainda cedo

E os outros se levantaram

Liano guardava segredo

As curiosidades calharam

Liano viu a verdade

Pois era a realidade

Que os seus olhos fitaram,

 

173

Liano descobriu

O papel do seu irmão

Que na realidade viu

Vivia na humilhação

Só por ter se casado

Com filha de abastado

Que se dizia patrão,

 

174

Lá no dia do noivado

E também do casamento

O povo foi enganado

Liano viu o atrevimento

Fazendeiro que era alguém

No fundo não era ninguém

Sem constrangimento,

 

175

Ele só tinha fama

E nome de fazendeiro

Vivia afundado na lama

Como tatu verdadeiro

Enganava os presentes

Fazendo às vezes de gente

Com cara de perdigueiro,

 

176

Só tinha um gadinho

Conseguido na trapaça

Cabritos e um porquinho

Umas ovelhinhas de raça

Um pedaço de capão

Outro de areão

E vivia na desgraça,

 

177

Depois reunidos

No café e conversando

Também eram conduzidos

Pelo papo do Liano

Que tentava descobrir

Enquanto os via sorrir

Liano criava um plano,

 

178

O fazendeiro contava

Todo fato acontecido

Em sua família relatava

 

  Como tinha ocorrido

Porque ali veio parar

E como foi duro passar

O seu momento doido,

 

179

Aí então minha senhora

Porém sem deliberação

Com esta cara horrorosa

Mas me tem muita afeição

Se a vida não fosse assim

Ela não teria um fim

Cheio de tanta aflição,

 

180

Pois tudo despontou

Num dia atormentado

A jagunçada chegou

Dando tiros pra todo lado

Minha mulher desesperada

Correu pro mato assustada

Ficou como bicho amoitado,

 

181

A partir daquele dia

Coitada chegou ao fim

Vive em minha companhia

Porém não sabe de mim

Foi o jeito deixar

Nada ia adiantar

E ela vive assim,

 

182

Naquela época pra viver

Neste lugar desprovido

Meus queridos podem crer

Precisa ser atrevido

A dor era a companhia

Amiga do dia a dia

Pois tudo aqui era sofrido,

 

183

E tudo que se deu

Eu me julgo culpado

A minha mulher adoeceu

Fiquei preocupado

Mudei de opinião

Melhorei minha intenção

Mas fiquei desesperado,

 

184

E foi que comecei

A dar valor na vida

Parece que encontrei

Para mim uma saída

Com muita sinceridade

No caminho da verdade

Jogando a melhor partida,

 

185

O papo acabava

Vinha chegando alguém

Saudando quem ali estava

Com alegria também

Fizeram grande farra

Por causa dessa algazarra

Não causaram muito bem,

 

186

Liano e o seu coração

Que naquele instante feriu

Dominado pela emoção

Por algo que sentiu

Pois era uma linda menina

Que mudava a sua sina

O peão não resistiu,

 

187

A menina era sobrinha

Daquele velho fazendeiro

Morava com uma velhinha

No instante derradeiro

Filha de criação

Que foi ali pro sertão

Cumprindo um roteiro,

 

188

Liano apaixonou

Pala moça no instante

Quem estava ali notou

Ao ver o seu semblante

Que não podia esperar

Com ela queria falar

Algo muito importante,

 

189

O fazendeiro notou

Como ficou o peão

Uma conversa inventou

Para mudar a atenção

E quando a moça saiu

Liano se despediu

Sem mudar a intenção,

 

190

Ainda no caminho

Acompanhou a menina

Em sua mão um lencinho

Companheiro de fascina

Mas não ia desprezada

Estava acompanhada

Da velha e sua sina,

 

191

A caminhada eles seguiram

Os três pelo caminho

Elas duas sorriram

Ao ver Liano sozinho

A velha disse senhor

Ao Liano interrogou

Se ele queria um cantinho,

 

192

Liano disse parece

Mas acho que encontrei

Afinal não foi prece

Que nesse instante roguei

Não foi nenhuma oração

E nem foi assombração

Foi uma jóia que achei,

 

193

É como diz o ditado

Seja o que Deus quiser

Não se vive assustado

Perto de uma mulher

É a esperança árdua

Ou nosso anjo da guarda

Para o que der ou vier,

 

194

A companheira do homem

Criada por nosso Senhor

De perto do abdome

Bela como uma flor

Umas parecem singelas

Pois feita da costela

Com gosto de paz e amor,

 

195

E ninguém pode viver

Sem mesmo nela pensar

E começa a sofrer

Com ela tem que se casar

Isso é pura amizade

Ou é tal fraternidade

Até a vida acabar,

 

196

Assim que eles chegaram

Naquela velha palhoça

Ali então entraram

Como gente da roça

Distante da tal bondade

Vivendo a realidade

Chamada de gente grossa,

 

197

Lá dentro do casebre

Liano a falar

Com a menina alegre

Estava a papear

Enquanto a velha cuidava

Da comida que cheirava

Liano a namorar,

 

198

Depois que almoçou

Liano resolveu partir

A menina falou

Porque tinha que ir

Você não demorou nada

Pra que pegar a estrada

Seu eu estou aqui,

 

199

Liano disse a ela

A vida e sempre assim

Quando se ama uma donzela

Precisa pensar sim

Pois a responsabilidade

E com muita sinceridade

Para chegar ao fim,

 200

Ela disse agradeço

Por tamanha gratidão

Não sei se eu mereço

Tanto apreço e afeição

Afinal com certeza

Sou dona de grande beleza

É seu o meu coração,

201

Liano disse obrigado

E a mão lhe estendeu

Com ar de apaixonado

Seu desejo enfureceu

Ela caída em seus braços

Entrelaçando em abraços

Logo a lágrima desceu,

 

202

Liano enxugava as lágrimas

Que do seu olhar brotou

Tentando manter a calma

E sufocado falou

Obrigado meu Senhor

Pelo presente de valor

Que o Senhor me mandou,

 

203

Enquanto ele bailava

Em sua imaginação

A linda jovem beijava

Com a maior intenção

Possuído pelo desejo

Num interminável beijo

Aumentava a emoção,

 

204

Logo cansados

De abraçar e beijar

Pois eram vedados

Do que não posso falar

Sei que está entendendo

O que estou dizendo

É melhor não relatar,

 

205

Eles também imaginavam

O que estamos falando

Porém não importavam

Principalmente Liano

Que era muito direito

Um caboclo de respeito

Não mudaria o seu plano,

 

206

Pois estava firmado

Desde o primeiro dia

Que só depois de casado

 

Na moça buliria

Que o diabo atentasse

Que a donzela afobasse

Mas o peão não temia,

 

207

Com a indomada cegueira

Ou a sede de amor

Antes de cometer besteira

Liano dizia à flor

Guarde a sua paixão

Cuida do seu coração

Cheio de tanto calor,

 

208

Assim Liano saiu

Andando desequilibrado

Parece que dividiu

Ficando assim separado

A linda jovem também

Que vagava no além

Ao vê-lo apaixonado,

 

209

Sorrindo pelo caminho

Galopando no pangaré

Liano pensava sozinho

Veja a vida come é

Cheia de tanta incerteza

E as vezes com surpresas

Que não se sabe o que é,

 

210

Agora eu já tenho

O que meu coração queria

Porém me detenho

Porque ele não resistia

Será que isso é amor

Ou um pouco de calor

Que este pobre sentia,

 

211

Por outro lado sinto

Que estou apaixonado

Pelo jeito pressinto

Que logo estarei casado

Vou trazer aquela flor

Pra te dar o meu amor

Já estou desesperado,

 

212

E tarde da noite

Quando em casa chegou

Envergado como foice

Pro celeiro entrou

Cansado do seu viver

Esperando acontecer

O que sempre procurou, 

 

 213

Soltou o macho no pasto

Logo depois foi dormir

Desmaiado de cansaço

Porém estava a sorrir

Pois estava animado

Sentindo-se privilegiado

A sua mente a fluir,

 

214

Pintando quadros bonitos

Em sua imaginação

Via coisas no infinito

Que vivia o coração

Parecia realizado

Até se sentia casado

Esta era a impressão,

 

215

Logo adormeceu

Com a menina a sonhar

No sonho os lábios seus

Aos dela a beijar

Era felicidade que tinha

Com a linda garotinha

Que te fez apaixonar,

 

216

Os dias foram passando

Voava a sua imaginação

O pobre Liano vagando

No seu mar de ilusão

Sem saber aonde chegar

Se iria naufragar

Ou se tinha salvação,

 

217

A saudade aumentava

O tempo lento a passar

Chorar não adiantava

O sofrimento a atormentar

O jeito era ver morrer

Quem estava a te roer

Só assim ia acalmar,

 

218

Arriou a sua besta baia

Chamada de ventania

E foi ver a sua amada

Que com certeza sabia

Que não ia demorar

Pra ver seu amor chegar

Lá da janela sorria,

 

219

Sorriso que não apagava

Dentro do seu coração

Ainda multiplicava

A sua grande paixão

Pelo jovem rapaz

Que demonstrava capaz

De realizar sua intenção,

 

220

Após atravessar

Numa tarde de verão

Que parecia queimar

O quente sol do sertão

Grandes bancos de areia

Sua mula como sereia

Cortava o estradão,

 

221

Já era bem de tardinha

Quando Liano chegou

E perto da casinha

Da mula desmontou

Depois de verter água

E sem lembrar mágoa

Que muito longe ficou,

 

222

Assim tornou a montar

Para acabar de chegar

Ouvia a mula turrar

Parecendo avisar

Que no terreiro chegou

Com alegria chamou

Ficou esperando chegar,

 

223

Da casinha saía

Uma linda perfeição

Muito feliz sorria

Na maior satisfação

Liano desmontou

Com ela abraçou

Sentindo muita emoção,

 

224

Por algum tempo ficaram

Os dois ali abraçados

Apaixonadamente beijaram

Estavam entrelaçados

O sol se pondo olhava

Parece que até parava

Eles ficaram encantados,

 

225

 

 

Logo o sol entrou

Começava escurecer

Liano não assustou

Com o que podia acontecer

Era a primeira vez na vida

Que jogava esta partida

Assim podia crer,

 

226

Entraram na casinha

Num banco se assentaram

Logo veio a velhinha

Porém não assustaram

Liano a cumprimentou

A velinha te saudou

Assim se tranqüilizaram,

 

227

A linda garota assentada

Bonita e carinhosa

Era a dama encantada

Muito gentil e charmosa

Do seu lado contente

Alegre e sorridente

Como uma flor mimosa,

 

228

Ao Liano ela dizia

De amor vou te chamar

Na vida inteira eu seria

O seu canto de ninar

Será que você gostou

Ou será que magoou

Pelo meu jeito de falar,

 

229

Liano disse que nada

Como você quiser

Junto em nossa estrada

Estarei pro que vier

Afinal serei sempre seu

Seu coração será meu

E mais o que ele tiver,

 

230

Ela falou será

Que você vai tolerar

Tanto amor para te dar

Que nem posso esperar

Por muito tempo te digo

Liano vendo o perigo

Disse vou preparar,

 

231

Então prepare meu bem

O tempo está passando

Enquanto a gente tem

Que estamos imaginando

Podemos aproveitar

Pois não vamos deixar

Se não vai esfriando,

 

232

Liano disse não acho

Que isso vem a acontecer

Pois só se queima o facho

Depois de se ascender

No entanto agora

O fogo está por fora

Sem nenhum perigo ter,

 

233

Ali na humilde taberna

Mergulhada na escuridão

Parecendo uma caverna

Que existia no sertão

Só no céu muito distante

Vê-se estrela cintilante

Perdida na imensidão,

 

234

A noite já avançava

E Liano namorando

Assunto não lhe faltava

Estavam conversando

Pois até já tinha jantado

Estava sendo bem tratado

A jovem estava amando,

 

235

Depois a velha falou

É muito tarde meu bem

Liano assim assustou

E a menina também

Porém depois concordaram

E então se separaram

Beijando como ninguém,

 

236

A velha já tinha arrumado

A cama para a visita

Que dormiu agasalhado

Naquela casa esquisita

De silêncio e escuridão

Lá no meio do sertão

Aonde tudo se limita,

 

237

Na cama de madeira

Forrada com um colchão

Pois com simples maneira

E grande educação

Falou com delicadeza

Liano tenha a gentileza

De tomar a posição,

 

238

Pois do quarto saindo

A linda jovem foi dormir

Fechando a porta e sorrindo

Mas quase sem querer ir

Liano foi sonhar

Esperando assim chegar

O novo dia a fluir,

 

239

Liano adormeceu

Após alguns momentos

De encanto se envolveu

Sonhando com os intentos

Na madrugada assustou

Sem querer acordou

Pra aumentar o sofrimento,

 

240

Qualquer um sofreria

Veja a situação

Ter vontade e não podia

Isto é humilhação

O próprio ser faz consigo

Criando o próprio perigo

Sem procurar solução,

 

241

Um homem apaixonado

Perto do seu amor

Sentindo desesperado

Pressentia o seu calor

Sem poder mesmo tocar

Nem mesmo sequer falar

Esta é uma grande dor,

 

242

E como um cão danado

Liano estava a pensar

Já que estou apaixonado

E que pretendo casar

Eu vou convidar ela

A deixar de ser donzela

Não pode me maltratar,

 

243

Com pensamentos loucos

E que parecia valer

Foi sentindo aos poucos

Seu corpo esmorecer

Liano disse é agora

Tudo no mundo tem hora

Estou a perceber,

 

244

Porém se enganava

Nem tudo sempre é assim

Tudo que ele pensava

Na verdade tinha sim

Mas um pouco diferente

Pois é surpreendente

Que as coisas têm fim,

 

245

Naquele jogo de mente

De vontade e desejos

E no seu quarto contente

Imaginava nos beijos

Que com ela tinha trocado

Que ainda estava entalado

No mundo dos anseios,

 

246

E passou a madrugada

Vivendo só na vontade

O amado e sua amada

Em um amor de verdade

Restava apenas esperar

O momento de se casar

Pra ver a realidade,

 

247

Logo amanheceu o dia

Muito bonito no sertão

Liano feliz sorria

Com sua imaginação

Pra todos os lados que via

Na sua mente se lia

Tamanha satisfação,

 

248

Pois estava tão contente

Com o que Deus lhe deu

Alegre e sorridente

Era o estado seu

E logo viu seu amor

Linda como uma flor

Pros seus braços correu,

 

249

Antes de dar bom dia

Preferiu te abraçar

Tão alegre sorria

Estava mesmo a mar

Beijando apaixonados

Estavam os dois abraçados

E a velhinha a olhar,

 

250

Hoje eu não faço nada

Pro Liano ela falou

Pois como sou dedicada

A vida pra mim mudou

Sou sua dona agora

Como esperei essa hora

Que Deus me enviou,

 

251

E a manhã foi passando

O lindo casal namorando

O sol já virando

Eles estavam almoçando

Logo a tarde chegou

Como Liano planejou

Continuar o seu plano,

 

252

Na verdade o seu plano

Era uma pretensão

Todos cometem engano

Com a sua nobre intenção

Liano estava encantado

Pela jovem apaixonado

Se é que existe paixão,

 

253

 

E depois de almoçar

Saíram lá pro quintal

Ali foram papear

Falavam de si afinal

E ela veio a dizer

De ti eu quero saber

Quem és tu animal,

 

254

Liano então relatou

Desde quando era menino

Pois a ela contou

Que ficou somente ouvindo

Até quando a encontrou

Que por te apaixonou

E como a vida ia indo,

 

255

Depois que ela o ouviu

Liano disse e você

A linda menina sorriu

Falando-lhe pode ver

Desde o dia que me viu

Que você mesmo sentiu

Que nada pude conter,

 

256

Sou filha de um português

Com uma velha sarará

Que nada na vida fez

Para seus filhos ajudar

Talvez quisesse era ver

Cada filho sofrer

Ou a família deixar,

 

257

Eu mesma não vi nada

Ouço o povo dizer

Minha mãe era complicada

Para com os outros viver

Era cheia de indaca

Feia como uma taca

Pelo fato de ser,

 

258

Contam que certo dia

Algo triste aconteceu

O meu pai em companhia

Do um tal amigo seu

Com duas mulheres da vida

Assim vivendo de guarida

Foi que o fato se deu,

 

259

Eles atravessavam um rio

Em uma velha canoa

E de repente se viu

A água na proa

Foi logo se afundando

E todos se afogando

O que fazia era à-toa,

 

260

Meu pai não sabia nadar

Não teve salvação

Mas antes de se afogar

Ele chamou a atenção

Disse cuida da mulher

Coisa que todo mundo quer

Mas tudo foi em vão,

 

261

Com o fato ocorrido

Nada foi providenciado

Pra uns ele tinha morrido

Pra outros assassinado

Não se sabe a verdade

Qual foi a realidade

Nem mesmo foi encontrado,

 

262

Dizem que procuraram

Pelo seu corpo perdido

Porém não encontraram

Nada do falecido

Talvez peixe o comeu

Pois ele desapareceu

Na correnteza do rio,

 

263

Minha mãe ficou sozinha

No mundo do além jogada

Pois apoio ela não tinha

Ficando desamparada

Com tantos filhos nas costas

Assim parecia morta

Na vida amargurada,

 

264

Seus filhos foram saindo

Cada um pro seu lugar

Uns iam sorrindo

Porém outros a chorar

E era duro de ver

A pobre velha sofrer

Sem nada adiantar,

 

265

E como em todo lugar

Existem oportunistas

Minha mãe vivia a chorar

Aonde veio uma conquista

Que dizia lhe dar a mão

Na hora da aflição

Que falsidade maldita,

 

266

A pobre velha caiu

No tal conto do vigário

Pois ela não resistiu

O forte papo do otário

Que sempre está por perto

Demonstrando ser esperto

Este tipo ordinário,

 

267

Daí veio uma criança

Pequena e muito pretinha

Era fruto da vingança

Da minha pobre mãezinha

Que parece ser destino

Filha do assassino

Mas a velha não continha,

 

268

As duas foram rejeitadas

Pela tal sociedade

Que a julgava errada

Traindo a sua dignidade

Arrumar filho com alguém

Que não se sabe de quem

E qual era a realidade,

 

269

Eu ainda era garotinha

Mas já estava estudando

Esperando o que vinha

Nesta vida de engano

Sem saber aonde chegar

E aonde eu ia parar

Vivia imaginando,

 

270

Não demorou muito tempo

Logo eu fui enviada

Saí de um sofrimento

Mas fiquei aqui jogada

Entristecida da vida

Sem ter nenhuma amiga

Que me fosse camarada,

 

271

Vim parar neste lugar

Escondido no sertão

Onde fiquei a chorar

A minha desilusão

Por estar estudando

A minha vida formando

Mas se deu em confusão,

 

272

No início foi ruim

Mas fui me acostumando

Até que chegou ao fim

Comecei fazer plano

Vagando em minha mente

Sem nenhum pretendente

E eu ficava pensando,

 

273

O tempo foi passando

Sem nada acontecer

Eu fui me transformando

E continuava a crescer

Vi-me moça casadeira

Comecei pensar besteira

Sem saber o que fazer,

 

274

Porém fazia oração

Pedindo ao nosso Senhor

Orava com atenção

Acreditando no Salvador

Pois só Ele ia me ajudar

E um alguém encontrar

Que pudesse me dar valor,

 

275

Agora sei que a vida

É mesmo realidade

Pois nos atira na lida

Sem demonstrar igualdade

A gente é que tem que fazer

Não adianta merecer

Sem ter a cordialidade,

 

276

Mas com jeito se leva

A vida num modo qualquer

Como um animal na selva

Tem liberdade como quer

Sem importar onde sair

Mesmo sem saber onde cair

Ou sem saber o que quer,

 

277

Em nossa selva de sonhos

Aos poucos acordando

Os nossos olhos tristonhos

Só de viverem sonhando

E vivendo com muito fulgor

Assim eles vêem o amor

Em um lindo rosto risonho,

 

278

Eu por exemplo querido

Por muito tempo esperei

Onde estivesse perdido

Mas agora encontrei

Já acabei de te falar

Nada tenho a relatar

Sobre mim já terminei,

 

279

Hoje não posso falar

Como se fosse sozinha

Preciso parar e pensar

Já em nossa casinha

Ela é minha esperança

E guardarei de lembrança

O meu tempo de mocinha,

 

280

Já estou imaginando

Um dia nos dois casados

E junto de te lutando

Pra sermos dois felizardos

Criar os nossos filhinhos

Sem a eles faltar carinho

Pra se sentirem amados,

 

281

Liano disse querida

Fiquei encantado em ver

Como tu encaras a vida

E o seu modo de ser

Estou muito contente

E só de te ver sorridente

Mais alegria eu vou ter,

 

282

Ela atirou em seus braços

Enlouquecida de paixão

Beijando-o entre abraços

Via-se grande emoção

Quanta sede de amor

Se viver calor

Só faltava a explosão, 

 

283

Por minutos ali ficaram

Abraçados a beijar

E por fim se cansaram

Porém ela estava a chorar

Parecia estar comovida

Pois pelo amor, possuída

Que mal podia andar,

 

284

Já estava anoitecendo

O sol estava se pondo

No horizonte descendo

As nuvens avermelhando

Era o pôr-do-sol colorido

E o Liano comovido

A linda donzela beijando,

 

 285

Entre lágrimas e sorrisos

Misturados com desejos

Sentiam-se indecisos

Só pensavam em beijos

Liano vendo à hora

Pois tinha de ir embora

Sem matar seus anseios,

 

286

Assim ele despediu

Dizendo adeus meu bem

A voz quase que não saiu

E a voz dela também

O certo que ele foi embora

Restando somente a hora

De levar aquele alguém,

 

287

Muito triste ela ficou

Só acenava com a mão

Dizem que ela chorou

Por sentir grande paixão

Em ver o seu amor ir

Muita alegre a sorrir

Pelos campos do sertão,

 

288

E assim ele se fora

Deixando o amor a chorar

Saindo de dentro pra fora

Muito amor para te dar

Pois breve ela estaria

Junto de te sorriria

Sua intenção era casar,

 

289

E no caminho pensando

Como pode acontecer

Se na vida tem engano

E como vem aparecer

O certo é que se foi ou não

Foi bom pro seu coração

O que lhe fez merecer,

 

290

Com a noite muito alta

Em casa Liano chegou

Fazendo barulho em lata

Sua irmã ele acordou

Que ficou muito assustada

Lá debaixo da latada

Pro Liano ela falou,

 

291

Sabe me querido irmão

O que está precisando

É de juntar seu coração

Com o que está te amando

Pois se isto não o fizer

Arranje outra mulher

Não fique vagabundeando,

 

292

Liano ficou nervoso

Porém contrariado

Pois era muito vaidoso

Não podia ficar calado

Ouvir sua irmã falar

O que tinha a relatar

Mas ele ficou embuchado,

 

293

A sua irmã falou

O que bem quis relatar

Dizia você já olhou

Bem pro seu lugar

Sabe o que está fazendo

Se ganhando ou perdendo

Já parou pra imaginar,

 

294

Agora só fala nessa moça

Nem sabe quem é a tal

Pondo titica em sua boca

Nunca se viu gente igual

Abra os olhos meu irmão

Não quero te ver no chão

Um derrotado afinal,

 

295

Liano disse pra ela

Pode ficar tranqüila

Sou um bom peão de sela

Sem medo da partida

Enfrentando toda parada

Não fique assim camarada

Afaste da minha vida,

 

296

Sei muito bem o que faço

Não precisa se preocupar

Se eu cair no fracasso

Não é você que vai danar

Portanto cara maninha

Quieta em sua casinha

E deixa a vida rolar,

 

297

Agora vamos dormir

Esperar o amanhecer

Amanhã eu vou sair

Tenho algo a resolver

Pois não posso parar

O homem ao se casar

Não lhe importa o sofrer,

 

298

Assim a manhã chegou

Naquele quente sertão

Onde Jesus não deixou

Nem um pouco de perdão

Dizem que é invento

Que retrata o sofrimento

De uma grande geração,

 

299

O sol no alto do céu

Liano saiu a andar

Com uma cara de réu

Fazia pena olhar

Seguindo pro Campinão

Os amigos de profissão

Era fácil de encontrar,

 

300

Chegando ao Campinão

Estavam os companheiros

Com grande satisfação

Os que chegavam primeiro

Que ali se encontraram

Numa árvore rodearam

Cada qual com seu desejo,

301

Depois da reunião

A peãozada partiu

Com grande satisfação

Pra cada lugar um saiu

Pois haviam combinado

E suas tarefas empreitado

Na hora que reuniu,

 

302

Liano com sua missão

Logo foi realizar

Era lá no Boqueirão

Onde tinha que montar

Numa mula perigosa

Por nome de melindrosa

Famosa naquele lugar,

 

303

O sol descia no horizonte

Quando Liano chegou

Com fome seu semblante

Logo o pessoal notou

Levaram-no para almoçar

Antes de ir montar

Do pobre peão cuidou,

 

304

Logo após a comida

O levaram a Melindrosa

Sua pele de gato de briga

Demonstrava perigosa

Mas Liano não assustou

Quando a comida assentou

A coisa ficou gostosa,

 

305

Pulou no lombo da besta

Que já a encontrou pulando

Saiu em direção à cerca

A danada ia saltando

De rédea muito queixuda

Liano pedia ajuda

Mas estava adiantando,

 

306

Porém Deus lhe ajudou

A tal besta dominar

Que da cerca salvou

Mas continuou a pular

Só bem tarde que parou

A melindrosa se entregou

Tremia de tanto apanhar,

 

307

Liano foi aplaudido

Pois cumpriu sua missão

Recebeu o seu devido

Com grande satisfação

Montou em seu cavalinho

E seguiu o seu caminho

Na melhor intenção,

 

308

Num arraial não distante

Ali daquele lugar

Liano como viajante

A noite ali foi passear

Pra farrear um bocado

Pois era acostumado

E não podia parar,

 

309

E naquela corrutela

Tinha de tudo na vida

Tinha moça donzela

Também tinha rapariga

Tinha pistoleiro valente

Tinha homem sorridente

Tinha paz e tinha briga,

 

310

Passavam a noite na farra

Jogando baralho e bebendo

Gritando com algazarra

E animais comendo

Dançando com raparigas

Lá enfrentando as brigas

Se divertindo e sofrendo,

 

311

Muitos ali morriam

Por outros assassinados

Denúncias não existiam

Bandidos eram respeitados

Era um lugar desgraçado

Mas por muitos desejado

Parecia ser castigado,

 

312

Talvez fosse mulher

Que ali tinha pra valer

Cada qual pega a que quer

Pode até escolher

Bastava pagar o quinhão

Ou ser apenas valentão

Para a mulher convencer,

 

313

Assim a noite passou

E Liano farreando

Nem da querida se lembrou

Pois passou a noite amando

As raparigas espertas

Passavam a noite alertas

E os trouxas dominando,

 

314

O dia estava rompendo

Liano jogando baralho

Um moço estava perdendo

E logo começou dar galho

Mesmo sem ter intenção

Surgiu uma traição

Que veio pra dar trabalho,

 

315

Um pilantra falou

Que o Liano roubava

Com uma arma obrigou

Que a partida  anulava

Fez o Liano correr

Coitado sem merecer

Pra sua estrada andava,

 

316

Mas antes de partir

Pro homem Liano falou

Um certo dia vai vir

Não se esqueça que vou

Estar pronto pra brigar

Juro que vou te matar

O homem nem assustou,

 

317

Liano já estava montado

E começava a sair

O homem desapontado

Ficou ali a sorrir

Atirou perto do cavalo

Só pra assustá-lo

E ver Liano cair,

 

318

Quando o tiro detonou

O cavalo saiu a pular

Porém Liano aquentou

E o homem a atirar

Foi grande a aflição

Só via poeira no chão

Som de balas no ar,

 

319

Mas Liano teve sorte

Foi Deus que lhe ajudou

Desviando-lhe da morte

O pobre Liano se salvou

Por isso seguia a estrada

Que parecia enfeitada

Por tanta gente que olhou,

 

320

Depois o cavalo parou

De pular e saiu andando

Assim Liano deixou

Somente o povo olhando

Porém ia amargurado

Parecia um cão danado

De ódio ia chorando,

 

321

Foi à casa de um amigo

E uma garrucha comprou

Para a tal hora do perigo

Liano se preparou

Só queria ver a hora

Quem te ia por pra fora

Liano imaginou,

 

322

E Liano foi embora

Amargurado a pensar

Como ia ser agora

E como sua vida ia andar

Ficou muito diferente

Era um homem valente

Andava pronto pra brigar,

 

323

Já em casa cansado

Contou o que aconteceu

Por todos foi criticado

Pelo fato que se deu

Riram do pobre coitado

Que ficou desapontado

E que de nada valeu,

 

324

Assim preferiu esquecer

Do fato acontecido

Pois não ia poder

Viver longe do perigo

Isto sempre acontece

Quanto mexe mais cresce

Liano pensava consigo,

 

325

Ainda mais agora

A fase que estou vivendo

Preparando  para a hora

Que perece vir correndo

Quero estar com meu amor

Sentindo o seu calor

Não quero viver sofrendo,

 

326

E Liano estava

No certo imaginando

Na hora que não chegava

Por estar demorando

Precisava se casar

Ir com a linda morar

E viver sempre amando,

 

327

E da fazenda Barreiro

Que o Liano pensava

Bem longe no Tabuleiro

Onde seu amor ficava

Lá na Lagoa Comprida

Sozinha e esquecida

Mas com Liano sonhava,

 

328

Sonhava até acordada

Encostada no mourão

Vivia desapontada

Mergulhada na paixão

Uma mocinha carente

Pelo jeito dependente

Vivendo na ilusão,

 

329

Os seus sonhos coloridos

Cheios de fantasia

Os momentos perdidos

Que rolavam no dia a dia

Mas com muita exatidão

Palpitava o seu coração

Que seu dia chegaria,

 

330

Liano também pensava

No que acontecia

Sabendo que ela estava

Certa da sua companhia

E que estava sorridente

Esperando-te contente

Cada instante que vivia,

 

331

Depois de alguns dias

Liano foi ver sue bem

Com o seu olhar nas vias

Será mesmo que ele vem

Pois ela acertou

O Liano viajou

Alegre como ninguém,

 

332

Levou uma surpresa

Pra pregar em sua querida

Pois ele tinha certeza

Que ela não era fingida

Merecia sua aliança

Com amor e esperança

O seu amor aumentaria,

 

333

Liano feliz seguia

Só esperando chegar

Pelos caminhos sorria

Não podia esperar

Vê-la caída em seus braços

Entrelaçada em abraços

Que nunca ia acabar,

 

334

Imaginava a aliança

Que levava para ela

Pois tinha a esperança

De encontrá-la na janela

E feliz ia te abraçar

Logo depois de beijar

A sua linda donzela,

 

335

E Liano chegou

Encontrou bem diferente

Na janela não a encontrou

Mas ainda ficou contente

Estava no meio do quintal

Liano viu afinal

Como ela era atraente,

 

336

Por minutos ficaram

Maravilhando a hora

Lembrando que passaram

Até o momento de agora

Vendo os dias que voaram

Em suas mentes deixaram

Os momentos de vitória,

 

337

E que vitória seria

Que nunca vinha avisar

Liano, porém sabia

Mas não devia falar

Lembrava o seu pai dizia

Que as coisas que fazia

Não precisava apressar,

 

338

O que tem de ser seu

Nunca será de ninguém

Pois os atos que cometeu

Volta a cometer também

Não se assusta com o seu

Nem com o dele ou meu

Nem com o de alguém,

 

339

Querida eu aqui estou

Pronto pra continuar

A minha mente gravou

O seu lindo olhar

O seu sorriso decente

Com o seu jeito atraente

Que não paro de pensar,

 

340

Mais tarde quero pedir

Talvez uma permissão

Sei que você vai sorrir

Desta minha decisão

Pois o que estou querendo

Você deve estar sabendo

Na sua imaginação,

 

341

E na hora do jantar

Pra ela ele falou

Não te quero ver chorar

Pois percebendo estou

Mas sem constrangimento

Peço-te em casamento

A garota o abraçou,

 

342

E na linda mesinha

Onde estava jantando

Juntos com a velhinha

Que os vivia olhando

Sentiu muito feliz

Como o ditado diz

Ela já vinha sonhando,

 

343

A moça recebeu a aliança

Acompanhada de um anel

Realizando sua esperança

Via-se vagar ao léu

Já se imaginava casada

Com um vestido enfeitada

Azul e um branco véu,

 

344

A velha estava contente

Por conseguir vencer

Ela estava sorridente

Pois viu a linda crescer

Estava quase a chorar

Já podia imaginar

Dava pra perceber,

 

345

Liano nem precisa

Dizer como estava

A vida não decidida

Agora já clareava

A garota também

Feliz como ninguém

O seu novo abraçava,

 

346

Assim a noite rompia

O galo estava cantando

Até a velha dormia

E o casal namorando

Mas Liano era perfeito

Gostava de tudo direito

Não cometia engano,

 

347

Mandou seu amor dormir

Ele também foi se deitar

Assim via repetir

O seu gesto de amar

Estava muito satisfeito

E também dentro do peito

Seu coração a festejar,

 

348

Logo o dia amanheceu

Quando Liano assustou

Foi ai que percebeu

Que a noite já passou

Ouviu pássaros cantando

Parecia festejando

Foi o que demonstrou,

 

349

Raios do sol brilhavam

Clareando os arvoredos

As suas folhas enxugavam

Do sereno os segredos

Ou fantasia de alguém

Que ninguém sabe de quem

Guardam os seus enredos,

 

350

Pra completar o mistério

A garota levantou

Liano muito sério

Logo te cumprimentou

Abraçando e beijando

Nos seus braços sufocando

Como sempre desejou,

 

351

Agora estava melhor

Não tinha dúvida de nada

Pois ficaria pior

Não tivesse conquistada

Sem pensar besteira

Seria a sua companheira

Pois breve estaria casada,

 

352

Já se sentia calmo

Sentado lá no quintal

Medindo sonhos a palmo

Feliz como igual

Ela preparava comida

Muito alegre convencida

Do companheiro ideal,

 

353

E depois de almoçar

Eles falaram um pouquinho

Depois Liano veio a relatar

Tenho de pegar o caminho

Mas não espero a hora

De não precisar ir embora

Viver no mundo sozinho,

 

354

A menina te falou

Gosto da sua intenção

E Liano te relatou

A sua louca paixão

Que não estava agüentando

Que o tempo ia passando

Parecendo ilusão,

 

355

Depois de muita conversa

E muitas paparicarão

Liano mostrava pressa

De pegar o estradão

Mas estava enganado

Pois não estava casado

Tinha de sofrer a paixão,

 

356

Assim resolveu partir

Levando burro pra amansar

Pois ela alegre a sorrir

Acabava de te dar

Muito tarde chega à sala

Pois todos dormiam em casa

Sem esperá-lo chegar,

 

357

Só depois no outro dia

Bem tarde se levantou

Viu que alguém sorria

E Liano não gostou

Perguntou qual era a graça

Com essa cara sem graça

Ai sua irmã falou,

 

358

Agora está diferente

Parece ser um senhor

Nem fala com a gente

O que você aprontou

Será que está casado

Ou ficou desprezado

O que foi que arranjou,

 

359

Nada eu arranjei

Estou muito feliz

Sei que encontrei

O que sempre quis

Não estou preocupado

Nem também assustado

Com o que você me diz,

 

360

Estou apenas vivendo

Minha vida particular

Se com isso estou sofrendo

Ou se vivo a chorar

Não interessa ninguém

Nem mesmo a você também

Pare de implicar,

 

361

Veja só minha história

Desde quando eu nasci

Sem ter nenhuma vitória

Pois até hoje só sofri

Pareço estar mergulhado

Mas agora estou cotado

E que começo a sorrir,

 

362

No entanto é só noivado

Estou pronto pra casar

Porém um pouco assustado

Como vou me arranjar

Não tenho nada na vida

Vivo no mundo da lida

Sem ter onde ficar,

 

363

Mas pode ter certeza

Que vou conseguir

Sei que a minha proeza

No chão não vai cair

Logo estarei casado

Junto dela felizardo

Assim irei sorrir,

 

364

E com esse pensamento

Liano ia vivendo

Pra cumprir o seu intento

O pobre estava sofrendo

Com muita fé e esperança

Sem pensar em vingança

Isto estava percebendo,

 

365

O burro já mansinho

Pra ela ele foi levar

Andando pelo caminho

Liano ia a pensar

Que uma hora chegaria

Pra ele um grande dia

Com a linda se casar,

 

366

Ao chegar à sua casa

Muito feliz ela ficou

Ali o burro estava

E o que Liano levou

Um arreio encomendado

Pra ela tinha comprado

Como prova de amor,

 

367

Ela disse meu bem

Não precisava fazer isso

E não se importar também

Assumir tal compromisso

Pra que tanta surpresa

Só lhe dando despesa

Causando algum enguiço,

 

368

Que nada minha querida

Só quero te agradar

Só tem sentido a vida

Quando alguém vive a amar

Mas um amor com garrida

Sem se importar com a lida

Que não pára de tocar,

 

369

E o dia foi embora

A noite escura chegou

Não se via nada lá fora

Na escuridão apagou

E na luz do candeeiro

A donzela e o companheiro

Trocavam juras de amor,

 

370

A velhinha vigiava

Contra a serpente do mal

Constantemente rondava

Aquele lindo casal

Pois o ambiente permitia

Só a velhinha sabia

Que era caso fatal,

 

371

Mas não aconteceu

O Liano resistiu

Porém se entristeceu

Muita vontade sentiu

Também pudera afinal

Ele era um homem normal

Deus sabe o que sentiu,

 

372

Mais tarde foram dormir

Cada um em seu lugar

A linda jovem a sorrir

Antes de Liano se deitar

Ele disse meu amor

Sonha comigo, por favor,

Pois contigo vou sonhar,

 

373

Não se sabe se sonharam

Logo o dia chegou

Depois que se levantaram

O Liano perguntou

Querida se esqueceu

O sonho não mereceu

Pois você não me contou,

 

374

Ela disse não sonhei

Esta é a realidade

Mas o que eu notei

Na minha felicidade

Dormi como anjo no céu

Que parecia vagar ao léu

Numa vida de igualdade,

 

375

Parece que vivo sonhando

Pensando em minha vida

Até fico imaginando

Qual a próxima partida

Na caminhada da sorte

Nem me lembro da morte

Já me considero vencida,

 

376

Sei que só quero amar

Sem medir dificuldade

Estar sempre a cantar

Na maior felicidade

De ser sua companheira

Pela minha vida inteira

Com muita honestidade,

 

377

Assim estava o casal

Papeando pra valer

Andava pelo quintal

Sem, no entanto perceber

Pra realizar o casamento

Precisava o consentimento

Que agora vamos ver,

 

378

Depois que descobriram

O lado certo da verdade

Os dois dali saíram

E a velha convidaram

Pra casa do fazendeiro

Que vivia sorrateiro

Desde quando começaram,

 

379

Quando ali chegaram

O fazendeiro os recebeu

E todos cumprimentaram

O velho correspondeu

Os convidou pra entrar

Continuaram a papear

Relembrando que viveu,

 

380

O velho interpelou

Perguntando a razão

Que até te assustou

Demonstrando precisão

O que estava acontecendo

Pois assim percebendo

Qual seria era sua intenção,

 

381

Liano muito positivo

Fez questão de responder

Pra que ficar pensativo

Sem nada acontecer

Na verdade aqui estamos

No entanto solicitamos

Seu pequeno parecer,

 

382

Todos nós sabemos

Cada um do seu valor

O direito que temos

Sem o menor pavor

Pois preste atenção

Venho pedir permissão

De algo para o senhor,

 

383

Já passou algum tempo

Porém ficou escondido

Não foi o meu intento

Este fato acorrido

Precisamos verificar

O que devemos falar

Pra não ficar constrangido,

 

384

O senhor com certeza

Já deve estar sabendo

Da minha pequena proeza

Que está acontecendo

E atendendo os preceitos

Atrás dos preconceitos

Estou submetendo,

 

385

Está sempre esperando

A tal da formalidade

Que na vida acostumando

E vai pra eternidade

O meu pedido primeiro

Que o instante derradeiro

Da simples cordialidade,

 

386

E aqui senhor eu estou

Pra fazer este pedido

Sei que o senhor esperou

Porém não ficou perdido

Na verdade chegou a hora

De tudo sair pra fora

O que estava escondido,

 

387

O que quero te pedir

A mão dela em casamento

E a garota a sorrir

Sem constrangimento

O velho deu a permissão

Com maior satisfação

E um real sentimento,

 

388

Prontificou-se, no entanto

Além de dar permissão

Sem causar espanto

Com a sua decisão

Mandou o Liano deixar

Até a festa ele dar

Pra grande animação,

 

389

Marcaram o casamento

Liano foi preparar

Pro grande acontecimento

Que iria realizar

Com todo procedimento

Dentro do comportamento

Pois nada podia falhar,

 

390

Pedindo a sua querida

Os documentos que tinha

Despedindo em seguida

Foi pra cidadezinha

Fazer o que a lei obriga

Antes que Deus castiga

Perder a chance que tinha,

 

391

Lá Liano foi se entender

Com todas as autoridades

Ver o que devia fazer

Morrendo de felicidade

Andava em tempo de morrer

Só quem estava lá pra crer

A grande realidade,

 

392

E assim se sucedeu

Diante dos acontecimentos

Cada detalhe resolveu

Sem constrangimentos

E pra sua casa correu

Nenhum instante perdeu

Pra com seus andamentos,

 

393

Convidou os seus amigos

Parentes o companheiros

Que todos ficaram aflitos

Muitos queriam ir primeiro

Arriavam os seus cavalos

Seguiam em seus embalos

Com gestos costumeiros,

 

394

E lá na casa do velho

Estavam a trabalhar

Pois este caso era sério

Em nada podia errar

Tratam com muito respeito

Sem nenhum preconceito

Quando alguém vai se casar,

 

395

E a tal casa ficava

Na entrada de um capão

Em frente a grande várzea

Que findava no boqueirão

Por onde a estrada entrava

A gente imaginava

Rumo dentro o sertão,

 

396

Era um Sábado de tardinha

Parecia que ia chover

Que longe da casa vinha

Cavaleiro a correr

Acenando uma bandeirinha

 Cavalos davam o que tinha

Vinha em tempo de morrer,

 

397

Eles eram os mensageiros

Que vieram avisar

Que todos os sertanejos

Num instante iam chegar

O fazendeiro contente

Alegre e sorridente

Foguete foi soltar,

 

398

Na primeira explosão

Que foguetes provocaram

Com o eco no sertão

As bicharadas voaram

Pra longe na imensidão

E pra grande animação

Os convidados chegaram,

 

399

Na boca da estrada

Era só gente que saía

Parecia uma parada

Que muita gente via

Uns tocavam canção

Animando a multidão

Que na casa já fazia,

 

400

A moça muito feliz

Melhor não podia estar

O dia que sempre quis

Acabava de chegar

É como diz o ditado

Não fique desesperado

Que sua hora vai chegar,

401

No meio da multidão

O noivo também chegou

Montando um alazão

Que lodo se desmontou

E sem chamar atenção

Com muita satisfação

No terreiro ele entrou,

 

402

Neste instante chegava

Dois veículos da cidade

Que logo estacionava

Trazendo autoridade

Pro grande acontecimento

Realizar o casamento

Com justa legalidade,

 

403

Junto veio o vigário

Juiz e escrivão

Prefeito e secretário

Pra grande animação

E pra qualquer emergência

Junto com a diligência

Delegado e um pelotão,

 

404

Pra executar o hino

Veio a banda da cidade

Que ao bater do sino

Na grande fraternidade

Do real acontecimento

Pra animar o casamento

Com muita cordialidade,

 

405

Gente ainda chegava

A festa estava animando

No terreiro abarracava

Ao som da banda tocando

Gente alegre a sorrir

Naturalmente sem fingir

Felizes estavam cantando,

 

406

Na varanda do casarão

Ali ergueram um altar

Que com grande satisfação

Dois jovens iam se casar

Pois sem precedente

Alegre e sorridente

Na hora que ia chegar,

 

407

No lindo fim de tarde

Que começava a chover

Abraços de amizade

Começavam a se ver

Arco-íres colorido

Num momento decidido

Que muitos podiam ver,

 

408

E nos pés do altar

Improvisado na sala

Liano estava a pensar

Em sua noite de gala

Pois antes dela chegar

Seu coração a palpitar

Que quase não tinha fala,

 

409

Logo a noiva chegava

O véu arrastando o chão

No altar ajoelhava

Fazendo sua oração

Esta era a grande hora

De ecoar sua vitória

Pelos campos do sertão,

 

410

A cerimônia começava

Quando o juiz perguntou

Seu nome a noiva dava

Foram fogos que soou

Você aceita Liano

Ela falou chorando

Eu aceito sim senhor,

 

411

E nesta hora se diz

Que fogos tornaram soar

Assim o seu juiz

Veio a Liano perguntar

Aceita esta mocinha

Que se chama Naninha

Para contigo se casar,

 

412

Liano disse sim

Foi uma grande explosão

Soltaram tudo em fim

Bombas foguetes canhão

Pois era difícil se crer

Só quem foi lá pra ver

Esta grande animação,

 

413

Já era marido e mulher

Pela lei do cidadão

Porém pra lúcifer

Ainda estava pagão

Tinha que ir ao Senhor

Nosso grande Salvador

Para nos dar o perdão,

 

414

Assim todos ajoelharam

No altar e no terreiro

Neste instante começaram

O momento derradeiro

Fazendo sua oração

Demonstrando atenção

O padre falou primeiro,

 

415

Terminou o casamento

No meio da multidão

E sem constrangimento

Com grande satisfação

Ali os noivos contentes

Que abraçavam sorridentes

Dando apertos de mão,

 

416

O noivo feliz sorrindo

Junto dos seus amigos

Em momentos fingindo

Para livrar do perigo

Mas tudo sem ilusão

Com grande satisfação

Pelos momentos vividos,

 

417

E a noite foi rompendo

Era grande a animação

Casal estava morrendo

De acumulada paixão

Que já na madrugada

Eles pegaram a estrada

Montados no alazão,

 

418

Mas não tinha lugar

Foram pra casa dela

Ali começaram a amar

Liano e a donzela

Pois sem imaginar

Que o dia ia chegar

De se casar com ela,

 

419

Não era noite de luar

Grande era a escuridão

No céu podia olhar

Qualquer constelação

Manchas soltas no além

Como se vissem alguém

Na maior satisfação,

 

420

7 estrelas tinham entrado

Já se via a matutina

Liano tinha chegado

Acompanhando Naninha

Com muita sede de amor

Beijava a sua flor

Imaginando o que vinha,

 

421

Adentraram na tapera

Acenderam o lampião

Liano via a donzela

Sofrendo sua emoção

Sentia algo começar

Na hora da luz apagar

Mergulhando na escuridão,

 

422

O silêncio na afronta

Não se ouvia barulhinho

E no acerto de conta

Do amor o do carinho

A madrugada calou

Nem o galo cantou

Ficou em seu cantinho,

 

423

E o dia amanheceu

Raios do sol brilharam

O tempo alvoreceu

Cavalos relincharam

E o sertão contente

O novo casal sorridente

Lá no terreiro pararam,

 

424

Vieram os passarinhos

E se assentaram ao redor

De grandes a pequeninos

Rolinhas e até curió

Canários e beija-flor

Simbolizando o amor

Para viverem melhor,

 

425

Parecia ser afano

Saíram a gorjear

Naninha abraçou Liano

Disse alegre a chorar

Por que será que vieram

Será que eles quiseram

Era apenas nos agradar,

 

426

Liano disse querida

As coisas são assim

Elas causam intriga

Que sem princípio e fim

Pois onde começa acaba

Ninguém sebe de nada

Só Deus sabe o fim,

 

427

No momento chega à velha

Com uma irmã de Naninha

Somente pra cuidar dela

Era uma linda mocinha

Que parecia chorar

Vendo a irmã se casar

E ela ficar sozinha,

 

428

Foram passando cada dia

Liano sem deliberação

Sem saber o que faria

Pois sua única profissão

Era mansar burro bravo

Depois que tinha casado

Mudou o seu coração,

 

429

Agora o que ele queria

Era algo menos perigoso

Quando Naninha sorria

Ele se sentia vaidoso

Na verdade tinha razão

Porque esta profissão

Pra ele era riscoso,

 

430

Foi à casa do fazendeiro

Para pedir opinião

Porém um pouco cabreiro

Sem muita satisfação

Se der conta do recado

Pode ser meu empregado

Tem a minha permissão,

 

431

E Deus lhe ajudou

Como um pobre aventureiro

Pois o emprego arranjou

Porém estava maneiro

Mas tudo de novo é flor

E quando acaba o amor

Começa o tiroteio,

 

432

Liano não tinha a escolher

O jeito era aceitar

Fez a casa pra se esconder

Com sua Naninha morar

Tomar conta do gado

Conforme o combinado

Antes de ali chegar,

 

433

Com um ano de lida

Nasceu uma garotinha

Deram o nome de Liva

Por ser muito bonitinha

Naninha muito charmosa

Uma linda mãe mimosa

Cuidava da menininha,

 

434

Mas durou pouco tempo

Pra repartir o amor

Na casa de enchimento

Nascia a linda Flor

Não tinha nome melhor

Mas parecia ter dó

Não deram nenhum valor,

 

435

E sem cometer engano

Duas meninas nasceram

Naninha e Liano

As realidades perceberam

Que não era só farrear

Pois tinha que trabalhar

Os frutos apareceram,

 

436

Liano estava amargurado

Vivendo na agonia

Parecia um condenado

O trabalho não rendia

Era um peão qualquer

Só tinha a sua mulher

Pra te fazer companhia,

 

437

Pois o velho fazendeiro

Em nada o ajudava

Só exigia do forasteiro

Como o pobre trabalhava

Se errasse um pouquinho

Coitado do pobrezinho

Só nome que levava,

 

438

O seu irmão e a mulher

Não lhe dava satisfação

E de um jeito qualquer

Com muita humilhação

Liano sempre dizia

Veremos um dia

Quem Deus dará perdão,

 

439

E um dia à tardinha

Tinha acabado de chover

No quintal da casinha

Via a água desaparecer

Quando ali chegou

Pois Liano assustou

Ouvindo assim ela dizer,

 

440

Como vai compadre

E também a bezerrada

Afirma a sua comadre

Está solta na invernada

Liano ficou calado

Por dentro amargurado

Porém não disse nada,

 

441

Era a sua cunhada

Ali com o seu irmão

Que mandou ficar calada

Ao sentir a reação

Do seu irmão e amigo

Pois sabia do perigo

Se mudasse de opinião,

 

442

Pois a tal invernada

Era uma pequena rocinha

Ali nos fundos da casa

Abrigava uma bezerrinha

Ela falou com mangação

Só pra ver a reação

Do Liano e da Naninha,

 

443

Depois que ela falou

Deu uma grande risada

Sem saber que magoou

E que estava condenada

Depois ela ia ver

O que ia acontecer

Por ser tão desaforada,

 

444

Sem ambiente foi embora

Liano ficou pensando

O que ia fazer agora

Com a mulher do seu mano

Pois não pensava que ia

Viver em companhia

Na sua vida de engano,

 

445

Liano parecia chorar

Mas sem o que escolher

Vivia sempre a meditar

Sem saber o que fazer

Pra sair da escuridão

Fugir da humilhação

Que vivia a sofrer,

 

446

Mas Deus lhe ajudou

A comadre foi embora

Pra cidade se mudou

Pôr os filhos na escola

O fazendeiro ficou sozinho

Da filha perdeu o carinho

Vivia triste agora,

 

447

Liano soltou foguete

Comemorando a partida

Montou até um piquete

Dando a despedida

Desejando felicidade

E que lá pela cidade

Vivesse o resto da vida,

 

448

Quando o irmão foi embora

As coisas ali mudaram

Liano sem ter vitória

As coisas se complicaram

O velho ficou valente

Parecia andar doente

Problemas multiplicaram,

 

449

 

Não dava mais pra viver

Mas por fim apareceu

Ninguém soube dizer

Porém assim sucedeu

Outro irmão chegou

E o Liano ele ajudou

O problema resolveu,

 

450

O velho tinha uns burros

Pra formar uma tropa

E com todos absurdos

Ainda não dava a frota

Liano sem vaidade

Propôs-lhe sociedade

A coisa assim ficou grossa,

 

451

Pois o irmão de Liano

Emprestou dois burrinhos

Pra continuar trabalhando

Fazendo negociozinhos

Juntando os do fazendeiro

Liano virou tropeiro

Pelos incertos caminhos,

 

452

Assim foi viver de lucro

Como um administrador

Seguindo pelo chão bruto

Era um desbravador

Negociando no sertão

Com rapadura e feijão

Cachaça e alcanfor,

 

453

Logo melhorou de vida

Comprou um terreninho

Sem se meter em briga

Seguindo o seu caminho

Mas a inveja aumentando

Liano estava enricando

Não podia ser sozinho,

 

454

Nesta vida corrida

De esperança e vontade

Não era coisa esquecida

Vivia a realidade

O Liano conseguindo

A sua casa construindo

Na maior honestidade,

 

455

Na casa de Liano

Diante das novidades

Nascia sem engano

Trazendo felicidade

Aumentando o angu

Chamaram assim de Dú

Pois transmitia amizade,

 

456

Morando em casa nova

Era grande a satisfação

Resolveu tirar prova

Da real condição

O terreno e um gadinho

Resolveu lidar sozinho

Deixando de ser peão,

 

457

Entregou os animais

Pro velho e seu irmão

E nos momentos finais

Foi viver da plantação

Deixou de ser errante

Não era mais viajante

Mudou de opinião,

 

458

Nascera-lhe outro bendito

Gordo como uma porca

Foi o nome de Pedrito

Àquela figura exótica

Era redondo e feio

Reto não meio

A cabeça grande e torta,

 

459

Um bom ano de colheita

Um farturão danado

Deu pra toda despesa

Vendeu pra comprar gado

E pra fazer companhia

 Mais uma filha nascia

No lugar abençoado,

 

460

O seu nome foi Tida

Com esse a batizou

Fizeram grande partida

Muita gente convidou

Liano dizia não minto

Com essa é o quinto

Que Cristo me confiou,

 

461

Com muita lealdade

A vida ia levando

Com muita dificuldade

Liano ia lutando

Naninha trabalhadeira

A mais fiel companheira

Que Deus deu a Liano,

 

462

Iam pra roça manhãzinha

Liano e os seus peões

Ao meio dia Naninha

Lavava as refeições

Numa grande gamela

Sentia-se pena dela

Notava nas afeições,

 

463

Ela levava consigo

O mais novo neném

Os outros corriam perigo

Em casa sem ter ninguém

Quando Naninha voltava

Das crianças cuidava

Fazendo o jantar também,

 

464

E quando à noitinha

Ficavam assim reunidos

Pro Liano e Naninha

Os peões eram amigos

Vivia grande amizade

Sobrava felicidade

Sem momentos fingidos,

 

465

Ali contavam casos

Ao redor do fogão

Não viviam por acaso

Vivia a real razão

Cada um com sua história

Contava a sua vitória

Na maior satisfação,

 

466

Ninguém falava mentira

E ficava a admirar

Pois não tinha intriga

Nem briga por lá

Era o canto do folguedo

Sem revelar o segredo

Viviam a festejar,

 

467

A família crescendo

A menininha Rica nasceu

Liano estava merecendo

Veja que sucedeu

Agora pode pensar

Seis veio completar

Filhos que Deus lhe deu,

 

468

Olha que familiazinha

De Liva a irmã Rica

Liano e Naninha

Na casa oito assim fica

Só de pessoas decentes

Oito seres sorridentes

Que a vida nos indica,

 

469

Assim já melhorava

Pra Naninha e Liano

Sonho modificava

Surgia novo plano

Seu gadinho aumentou

Liano se modificou

Vivia alegre cantando,

 

470

Ele ia aos festejos

Onde era convidado

Matando os seus anseios

Nas vilas e povoados

Dançava muito contente

Sempre estava sorridente

Por todos muito adorado,

 

471

Liano era moreno

De cabelos corridos

Com seus olhos pequenos

E um bigode comprido

Mulheres o desejavam

O sertanejo elas invejavam

Ele era concorrido,

 

472

Dessas pessoas abertas

Com muita deliberação

Andava sempre alerta

Pra qualquer ocasião

Sem merecer pavor

Ajudava sem rancor

Em qualquer situação,

 

473

Entrava na confusão

Tentando apaziguar

Mediava situação

Só pra ninguém brigar

Ele era só alegria

No seu pensamento vivia

Ninguém deve chorar,

 

474

A qualidade que tinha

Grande respeitador

Nunca traiu Naninha

Dava-lhe muito valor

Pois o que lhe importava

Era viver como estava

Não perder o que achou,

 

475

Naninha muito mimosa

Era também muito bonita

Morena clara formosa

Cabelos com laço de fita

Parecia uma princesa

Realçada de beleza

Que todo mundo acredita,

 

476

Às vezes era abordada

No meio da multidão

Se solteira ou casada

Esta era a impressão

De tão bonita que era

Parecia uma donzela

Por sua formosa afeição,

 

477

Mas algo aconteceu

E que vamos relatar

Outro menino nasceu

O nome que vamos dar

Forte e boa pinta

O chamaram de Quinca

Pelo jeito de olhar,

 

478

Era muito levado

Não se sabe porque

Mas foi abençoado

Pois merecia viver

De difícil comportamento

Causava até sofrimento

Para o menino conter,

 

479

Mas Liano o adorava

Até precisava ver

Às vezes enganava

Mas se pode crer

Não se pode falar

Do seu jeito de criar

Dependo do seu nascer,

 

480

De tão levado que era

Veja o que causou

A sua mãe na espera

Outra criança abortou

Puseram o nome de Lia

Pois nove meses fazia

Mas de nada adiantou,

 

 

481

Liano assim enfureceu

E vivia a dizer

Que quando ele nasceu

Antes de isso acontecer

Naninha foi picada

Por jararaca malvada

Quase a coitada faleceu,

 

482

O que o menino sentia

Mamou leite envenenado

Por isso é que vivia

Parecendo estar danado

Mas Liano tinha fé

Seja o que Deus quiser

Ele vai ficar curado,

 

483

O tempo foi passando

O Quinca melhorou

Tudo foi melhorando

Outra Naninha ganhou

A linda menininha Tila

Ornamentando a fila

O milagre confirmou,

 

484

Nove filhos adorados

Porém uma Deus a levou

Mas estavam conformados

Com os que Deus deixou

Liva Flor e Dú

No meio deste mandu

Pra escola os levou,

 

485

Pedrito tinha melhorado

A forma do esqueleto

Já podia ser olhado

Mas ainda tinha defeito

Era bem mal acabado

Porém muito educado

E tinha um estranho jeito,

 

486

Lá na cidade tão só

Os três aprendiam ler

Morando com a avó

Ainda estava a viver

Numa casa alugada

Da parede esburacada

Dava pena em ver,

 

487

Liano levava mantimento

Pros filhos se alimentar

Era grande o sofrimento

Pro coitado suportar

E sem chamar atenção

Demonstrava condição

Ao ver o tempo passar,

 

488

Com muita dificuldade

Um ano assim se passou

Liano os trouxe da cidade

Realizando o que sonhou

Por Deus ter lhe ajudado

Ao ver cada filho educado

Uma festa realizou,

 

489

Foi um ano atormentado

E difícil de passar

Naninha de corpo cansado

Sem ninguém pra ajudar

Foi grande o sacrifício

E só por causa disso

Uma criança a abortar,

 

490

Nem seis meses tinha

Mesmo assim se chamou

Pois para Naninha

O destino marcou

É preciso respeitar

Só Deus pode mudar

O que Ele preparou,

 

491

Deram o nome de Bia

A aquele pequeno ser

Como a natureza confia

Nunca vamos saber

Isso foi o final

Nunca se viu nome igual

E fácil de escrever,

 

492

O novo ano bendito

Liva não foi estudar

No seu lugar foi Pedrito

Que ia assim começar

Seguindo o mesmo roteiro

Como no ano primeiro

A vida ia passar,

 

493

O ano sem coisa grossa

Passou sem confusão

Na cidade e na roça

Não teve humilhação

As coisas melhoraram

Os meninos criavam

Aumentava o fazendão,

 

494

Pra festejar o passado

Algo divino se deu

Diante de muito trabalho

Mais um garoto nasceu

Veja a coisa como é

Deram-lhe o nome de Zé

Pois parecia um fariseu,

 

495

Continuando a lida

Pra aula flor não voltou

Só Dú Pedrito e Tida

Pois tudo modificou

Mas na roça tudo bem

E na cidade também

Feliz o ano passou,

 

496

Já no ano seguinte

Voltou a modificar

Pedrito ficou doente

Pra escola sem voltar

E no meio do mandú

Tiraram também o Dú

Só a Tida foi estudar,

 

497

No ano seguinte pra rua

Foi Tida e Rica

E na esperança nua

Elas ficaram aflitas

Coitadas das pobrezinhas

Sofreram ali sozinhas

Com a vovó esquisita,

 

498

De dentro de Naninha

Nascia mais uma boneca

Deram o nome de Vinha

Uma menina sapeca

Liano muito assustado

Devido seu estado

Que parecia uma peteca,

 

499

Realmente assombrando

Nem sequer podia brincar

O Pedrito piorando

Nem podia comentar

Liano estava perdido

Muito gado foi vendido

Pro Pedrito se tratar,

 

500

Com muita dificuldade

Assim o ano se passou

As meninas da cidade

Pra roça retornou

E no ano que veio

Todo estava feio

Pra lá ninguém voltou,

501

No pequeno casebre

A nossa Tila morreu

Dizem que foi febre

Remédio não resolveu

O certo que Deus a levou

Só sua lembrança restou

E o lindo jeito seu,

 

502

Foi grande constrangimento

Pro Liano e Naninha

Pros demais o sofrimento

Choravam pela Tilinha

Mas chorar não tinha jeito

Já que tudo estava feito

Dela só lembrança tinha,

 

503

Naninha desesperada

Era difícil acreditar

Estava tão transtornada

Que dava pena olhar

Pra Deus tem solução

Até mesmo no sertão

NEle pode acreditar,

 

 

504

A filhinha tinha morrido

O filho muito doente

Liano assim entristecido

Não podia estar contente

Deus sabe como vivia

Amargurado não sorria

Se foi o homem coerente,

 

505

Naninha também vivia

Mergulhada na tristeza

Qualquer pessoa sentia

Sua vida de incerteza

Só lhe restava orar

Pra Deus lhe ajudar

Abrandar a correnteza,

 

506

No meio do chora-chora

Neste grande sofrimento

Pedrito teve uma melhora

Também veio o mantimento

A coitada da Naninha

Ganhou mais uma filhinha

Abalando o sentimento,

 

507

A criança era mulher

E linda para viver

Deram-lhe o nome de Bé

Naquele lindo bebê

Que vivia a chorar

Difícil de acalentar

Ninguém sabe por quê,

 

508

Vejam agora os trilhos

Deste casal sofredor

Conseguindo tantos filhos

Com muito carinho e amor

Alguém pensa não ser

Porém precisa saber

Que é coisa do Senhor,

 

509

Liva Flor Dú Pedrito

Tida Rica Quinca

Sem nenhum conflito

Lia Tila Bia

Zé Vinha Bé

Vejam como é

Esta linda familiazinha,

 

510

Contudo nesse momento

Três não estavam vivendo

Partiram do sofrimento

Pelo além do firmamento

Lia Tila e Bia

Ao ver a coisa fria

Foi sem constrangimento,

 

511

Só restando dez filhos

Doze com o casal

Que juntos nos trilhos

Do destino desigual

Liva e Flor mocinhas

Naninha não era sozinha

A companhia afinal,

 

512

Pedrito ainda adoentado

Mas a vida a seguir

Liano preocupado

Com o que ia vir

Seu gado quase acabou

Pois com ele gastou

Só pra não vê-lo partir,

 

513

E no sertão sem conforto

A desgraça ia rolando

E sem medir esforços

Viviam Naninha e Liano

Apreciando a incerteza

Diante de muita pobreza

Nesta vida de engano,

 

514

Mas veio a calmaria

No barco da ilusão

Sem saber pra onde ia

A canoa de emoção

Se descendo ou subindo

O certo é que ia indo

A caminhada de confissão,

 

515

Muita paz existia

Entre Liano e seu amor

Em cada dia que seguia

Dando-lhe maior valor

Pois ele sempre confiava

Sabia que ela te amava

Com muita fé e ardor,

 

516

Naninha também sabia

Do valor que ela tinha

E que Liano a queria

Pois não deixava sozinha

Portanto com muita fé

E sua doce mulher

Dentro daquela casinha,

 

517

Numa noite de fulgor

Naninha ganhou um filhinho

Deram-lhe o nome de Iô

Coitado do pobrezinho

Parecia cabra morta

A boca grande e torta

Assim era o garotinho,

 

518

Não parecia ser são

Com o cabelo de fubá

Arrastava pelo chão

Que fazia pena olhar

Parecia um calango

Ou a um orangotango

Era um pequeno gambá,

 

519

E no enrola-enrola

De novo começou

Os meninos pra escola

Assim Liano mandou

Porém não foi mulher

Só o Quinca e o Zé

O ano inteiro ficou,

 

520

No ano seguinte voltaram

Levando também a Vinha

Os outros na roça ficaram

Com Liano e Naninha

Todos juntos trabalhando

Agora estava aumentando

A linda fazendinha,

 

521

E um ano decorreu

As férias chegaram

Porém algo aconteceu

Pra escola não voltaram

No meio da confusão

Nasceu mais um garotão

Porém todos assustaram,

 

522

Deram-lhe o nome de Dão

Por uma pequena razão

Sofria de amarelão

Parecia açafrão

Diziam ser encomendado

Devido o seu estado

Esta era a impressão,

 

523

Difícil de sobreviver

Foi milagre do Senhor

De longe vinham ver

A coisa do Salvador

Pois a verdade encerra

Não foi de gente da terra

A salvação que chegou,

 

524

No centro da atenção

Algo lindo acontecia

Eles cuidavam do Dão

Coisa nova aparecia

Nem podia acreditar

Mas não posso esperar

Pra contar o que seria,

 

525

Que foi coisa do Senhor

Temos razão em pensar

A mocinha Flor

Resolveu em se casar

Com um moço forasteiro

Respeitado garimpeiro

Que acabava de chegar,

 

526

Era o Duru com respeito

Que com Flor se casou

Um homem muito direito

Que a menina encontrou

O Liano muito sorridente

Ao ver a filha contente

Via o que Deus marcou,

 

527

Era grande a alegria

Que Liano estava vivendo

Com o casamento da filha

Que muito bem ia correndo

Porém a situação

Do Pedrito e do Dão

Muito ruim estava sendo,

 

528

Pedrito já um rapazinho

Vivia numa grande agonia

Sem saber qual o caminho

Que seu destino corria

Pois tão ruim que estava

A última hora esperava

Para ver pra onde ia,

 

529

Tinha sido desenganado

Pelo doutor da cidade

Dizia estar rejeitado

Devido à enfermidade

Mas Liano pediu

Ao seu genro que partiu

Em busca de caridade,

 

530

Assim foram pro mundo

Duru e o Pedrito

Pois só por um segundo

Poderia estar frito

De certa forma perdido

Como estivesse ofendido

Por um veneno maldito,

 

531

Numa grande cidade

Aonde eles chegaram

Procurando a caridade

Que ali encontraram

Um misterioso senhor

Que com uma carta enviou

Pedrito foi amparado,

 

532

Duru logo voltou

Contando o que se deu

Não sabia se salvou

Ou se o Pedrito morreu

Sabia que viajara

Com a carta que ganhara

Que o tal senhor lhe deu,

 

533

Mas ninguém vestiu luto

Era grande a confusão

Chorava pelo matuto

Que se fora do sertão

Em busca de tratamento

Amenizar o sofrimento

Que não tinha compaixão,

 

534

Pedrito tinha assim partido

Deixando Naninha a chorar

 O Liano aborrecido

Vivia a reclamar

A pouca sorte que tinha

Só problemas que vinha

Pra poder atrapalhar,

 

535

O Dão só piorando

A sua triste situação

Cada dia que ia passando

Perdia a sua afeição

Parecia assim só esperar

A sua triste hora chegar

E despedir do sertão,

 

536

Liano tinha procurado

Remédio pra todo lado

Até que num povoado

Num lugar assombrado

Foi falar com um senhor

Era um grande curador

Por todos ali respeitado,

 

537

Quando Liano voltou

Da vila vinha trazendo

Remédio do curador

Logo o Dão foi bebendo

No dia seguinte se via

Que o pobrezinho já sorria

Parecia estar vivendo,

 

538

Com o remédio e oração

O Dão ficou curado

Mas com muito amarelão

O corpo desengonçado

O Pedrito desapareceu

Nem sequer notícia deu

Liano vivia assim danado,

 

539

Seguindo nesses trilhos

Naninha vivia brava

Alimentando os filhos

Com milho e leite de cabra

Já perdida a esperança

Abortou mais uma criança

Nesta vida que entrava,

 

540

O feto se foi sem nome

Estava sem formação

Como o destino consome

Que se foi por gavião

É ditado popular

Nem é preciso falar

Que é coisa do sertão,

 

541

Com a melhora do Dão

E o sumiço do Pedrito

Mudava a situação

Liano na roça aflito

E pra coisa acertar

Mandou pra estudar

Seus filhos benditos,

 

542

Foram os do passado

Momento de aflição

De destino embaraçado

Sem nenhuma decisão

Que Deus assim revelou

Seu poder consolidou

Dando mais uma lição,

 

543

E o ano se passou

Da escola voltaram

Só lembrança restou

E lá na roça ficaram

Ajudando na lavoura

Bons tempos que fora

Só lembranças restaram,

 

544

Colhendo o mantimento

Pra própria alimentação

Debaixo de sofrimento

E muita perseguição

Pelo destino enfurecido

Do sertanejo esquecido

Lá nos confins do sertão,

 

545

Mesmo assim sorridente

Ele vivia a trabalhar

E num ato de repente

Liva resolveu se casar

Com o moço Chiquinho

Um peão pobrezinho

Que dava pena falar,

 

546

Com duas filhas no nó

Naninha estava contente

Agora já era avó

Estava muito sorridente

Pois de alegria chorou

Por uma carta que chegou

Pedrito era sobrevivente,

 

547

Na carta ele falava

Tudo que tinha passado

E como a vida estava

Desde quando foi curado

E ao Dú mandou chamar

Pra com ele morar

O qual ficou entusiasmado,

 

548

Assim Dú foi embora

Pra onde estava o irmão

Grandes amigos de outrora

Dava inveja à união

Nem podia acreditar

Ao ver os dois encontrar

Lia-se na sua afeição,

 

549

E ao ver o Dú partindo

Dando na vida um sim

Chorando Naninha sorrindo

Parecia ser o seu fim

Outro fim apareceu

Seu último filho nasceu

Com o nome de Tim,

 

550

Assim chegava o final

Da família vitoriosa

Sorrindo sem igual

Naninha estava orgulhosa

Com a batalha vencida

No momento entristecida

Desta vida curiosa,

 

551

Pois não existe vitória

Quando não tem perdedor

Porque ninguém tem glória

Quando não é vencedor

O importante é jogar

Pra perder ou ganhar

Seja o que na vida for,

 

552

O casal realizado

Com o que se sucedeu

O tal destino gravado

Nesta hora apareceu

Num acidente acontecido

Liano ficou ferido

E uma vista perdeu,

 

553

Mas não perdeu o olho

Somente a sua visão

Continuou sendo o piolho

Dos cavalos do sertão

Pois enxergando de um só

De nenhum macho tinha dó

Nem mudou de opinião,

 

554

Continuou sendo respeitado

Por todas as redondezas

Sempre admirado

Por suas grandes proezas

Honesto trabalhador

Um respeitado senhor

Dono de grande franqueza,

 

555

Agora vamos ver

A real situação

Quantos vivem a sofrer

Lá nas brenhas do sertão

Desde quando começou

Pra onde o destino levou

Cada um desses cristãos,

 

556

No momento, porém

De Liano vou falar

Sem me esquecer de ninguém

Que vive a te acompanhar

Na mais completa amizade

Em laços de lealdade

Que só existe por lá,

 

557

Desde quando se casou

Na trilha que vem seguindo

A vida dura que passou

Mas humilde e sorrindo

Com muita fé em Jesus

Parece levar a cruz

Não é apenas fingindo,

 

558

Viu o primeiro filho nascer

O segundo e o terceiro

Quarto quinto sexto crescer

Oitavo ao décimo primeiro

Décimo segundo ao quinto

Décimo sétimo eu não minto

Este foi o derradeiro,

 

559

Liva era a primeira

Que já está casada

Seguindo a sua carreira

Sentindo-se realizada

Com Chiquinho do seu lado

Que vive assim felizardo

Seguindo a sua estrada,

 

 

 

560

Flor era a Segunda

Que também já se casou

Vivendo alegria profunda

Que Deus lhe enviou

Com o Duru garimpeiro

Agora um fazendeiro

A sua vida mudou,

 

561

Dú era o terceiro

Que já tinha ido embora

Vivendo como forasteiro

Andando pro mundo afora

Vendendo bijuteria

Fugindo na dia a dia

Pra se escapar da enrola,

 

562

Pedrito era o quarto

Que também tinha partido

Pois todos se lembram do fato

Do modo que tinha saído

Sem saber o que fazer

Pois vivia a esconder

O seu orgulho constrangido,

 

563

Tida era a quinta

Uma garota de primeira

Talvez até que eu minta

Era de pensar besteira

Bonita linda e mimosa

Comparava-se uma rosa

Devida a sua maneira,

 

564

A Rica era a Sexta

Pois meia dúzia fazia

Era metida a besta

Pelo modo que agia

Não era muita bonita

Era meio esquisita

Todo nela pressentia,

 

565

O Quinca era o sétimo

Filho desse casal

Ruim como um inseto

Um verdadeiro animal

Matava a criação

Jogava e escondia a mão

Nunca se viu como igual,

 

566

Lia era a oitava

Porém esta não viveu

Pois foi abortada

Nem o mundo conheceu

Veio apenas de passagem

Deixando só sua imagem

Simples jeito seu,

 

567

Tila era a nona

Deste casal felizardo

Que seguiu a maratona

Só pra ver o resultado

Porém Tila foi embora

Morreu de catapora

Com o corpo envenenado,

 

568

Bia era a décima

Desta grande penitência

De uma vida incerta

E muito cheia de crença

Só que ela não vingou

Apenas Naninha a abortou

Não teve nem conseqüência,

 

569

Zé era o décimo primeiro

Metido a valentão

Com jeito de forasteiro

Só arrumava confusão

Era um valente vaqueiro

Com cara de bandoleiro

Respeitado no sertão,

 

570

Vinha a décima segunda

Uma garota muito prosa

Vivia uma alegria profunda

Era linda e mimosa

Muito bonita e decente

Vivia sempre sorridente

E não era orgulhosa,

 

571

Bé era a décima terceira

Uma garota magricela

Com a cara de besteira

Porém era muito singela

E enjoada também

Não gostava de ninguém

Parecia uma varicela,

 

572

Iô era e décimo quarto

Com o cabelo de fubá

Não sabe se foi do parto

Do seu período pra cá

A boca grande e torta

Perna fina e cambota

O resto deixa prá lá,

 

573

Dão era o décimo quinto

Filho da confusão

Digo por ele e não minto

Da sua situação

Como era feio o coitado

Andava desengonçado

Arrastando pelo chão,

 

574

O feto era o décimo sexto

Pois nem nome o deram

Da história o contexto

Os problemas que vieram

Pois gavião o levou

Assim na mente ficou

O que os outros disseram,

 

575

Tim era o décimo sétimo

Um caçulinha afinal

Com aquele olhar péssimo

Último filho do casal

Sem medir dificuldades

Viveram suas amizades

Sempre de igual para igual,

 

576

Assim o Tim nos mostrou

A rapa do taxo fervido

Sem beleza e sem horror

Era bem aparecido

Com olhos avantajados

Grandes a arregalados

Pareciam ser espremidos,

 

577

Voltamos onde estávamos

E seguiremos também

Da forma que falávamos

Não esquecemos ninguém

Pois o importante é saber

E de nada esquecer

As aventuras que tem,

 

578

A Bé e a Vinha

Saíram pra estudar

As duas eram novinhas

Mas não podiam faltar

E os dois anos estudaram

Depois Iô e Bé voltaram

Vinha ficou a chorar,

 

579

A seca dava prova

De grande destruição

Morria na boca da cova

Arroz milho e feijão

Nem maxixe vingou

Somente a terra sobrou

Folhas secas pelo chão,

 

580

Gado quase não tinha

Foi gasto com o Pedrito

Só sobraram umas cabrinhas

Uns bodes e um cabrito

Foi que sobreviveram

Por Deus não morreram

Naquele tempo aflito,

 

581

Liano já nem dormia

Pensando em solução

 Pra sustentar a família

Nesta grande aflição

Foi a cidadezinha

Ver os amigos que tinha

Pra lhes pedir uma mão,

 

582

E na casa do Prefeito

Ali Liano chegou

Parecia não ter jeito

O Prefeito falou

Mas se quiser trabalhar

Pra o seu pão ganhar

Um serviço eu lhe dou,

 

583

E ao Liano confiando

Uma nobre tarefa

Que começou trabalhando

Como uma lebre esperta

Fazendo a estrada real

Que seria municipal

Não sabia a coisa certa,

 

584

Tirando filhos da escola

Pra poder ajudar

Como um tipo de escora

E assim realizar

Pra defender o feijão

E cuidar da plantação

Até a crise acabar,

 

585

Deu conta do recado

A tal tarefa cumpriu

Conforme o combinado

O Liano resistiu

Ao Prefeito entregou

O Serviço que tratou

No instante que partiu,

 

586

Logo veio a inveja

Com a tal da maldição

Se o espírito apedreja

Ou se é assombração

Foi ao Prefeito fofocar

Dizendo pra não confiar

Ao Liano outra missão,

 

587

Dizem que foi o matraca

Casado com sua cunhada

Com a língua de catraca

Provocou a enrolada

O Prefeito admirou

Mas no negro acreditou

A missão foi cancelada,

 

588

Como era fim de pleito

Veio logo a eleição

Chegou outro Prefeito

Não gostava do negrão

O Liano relatou

O Prefeito confiou

A ele outra missão,

 

589

Assim Liano conseguiu

Fazer nova empreitada

Com o que adquiriu

Foi cuidar da criançada

Que muito bem ia vivendo

Às vezes até sofrendo

Horas amarguradas,

 

590

Graças a Deus melhorou

Nem precisava falar

Até Bé voltou

Foi pra cidade estudar

Morar na casa da avó

A velhinha sororó

Que lutava pra amparar,

 

591

Porém tecia fofoca

Sua nova profissão

Velha da boca porca

Perdeu sua posição

Estava muita ridícula

Via só de futrica

Causando confusão,

 

592

O ano passou depressa

As meninas voltaram

E só coisa que não presta

Com a velha encontraram

Diziam ser caduquice

Ou talvez fosse tolice

Assim que todos falaram,

 

593

Novo ano apareceu

A vida continuou

Novo fato ocorreu

Pra lá ninguém voltou

Nem o Iô e nem o Dão

Veja as coisas como são

A realidade vingou,

 

594

Falar da realidade

Está ao lado da razão

Não é infelicidade

Nem também confusão

Nem é caso de pensar

Ela se deve encarar

Com a maior precisão,

 

595

Com um pouco de alegria

Liano estava vivendo

E toda a sua família

Aos pouco ia crescendo

O Dú lhe escreveu

Falando que resolveu

Na carta estava dizendo,

 

596

Espere-me este ano

Pois eu vou voltar

Já estou em desengano

Não consigo acostumar

Estou com muita saudade

Digo com sinceridade

Não vejo a hora de chegar,

 

597

Liano ficou contente

Com a bela decisão

Vivia sorridente

Pelos campos do sertão

Esperando Dú chegar

Pra poder abraçar

O filho do coração,

 

598

O fim do ano chegou

Assim todos esperavam

O Liano arranjou

No momento festejaram

Nesta grande ocasião

Com grande satisfação

O Dú eles abraçaram,

 

599

Agora era vida nova

Pro Liano viver

Era mais uma partida

Que jogava sem perder

Ver seu filho voltar

Para com ele morar

Até quando puder,

 

600

O Iô e o Dão

Continuaram a estudar

Com grande satisfação

Dú foi mascatear

Porém sem muito sucesso

Só se via retrocesso

Que se deve falar,

601

Novo ano decorreu

Os meninos voltaram

Novo fato se deu

Pois ali encontraram

Tida estava se casando

Naquele final de ano

Da festa participaram,

 

602

Tida se casou com Chico

Um parente chegado

Achava não ter risco

Foi fato realizado

Era um cabra atraente

Metido a inteligente

Tinha um pouco de gado,

 

603

Depois do casamento

A luta continuou

Às vezes com sofrimento

Mas foi Deus que marcou

Um pouco de beleza

E outro de tristeza

Cada benção que sobrou,

 

604

Pro Liano, porém

Tudo estava melhor

Trabalhando como ninguém

Pra não ficar pior

Filhos não foram estudar

Pra poder ajudar

Até fazia dó,

 

605

E um ano de ilusão

Assim decorreu

Muita chuva no sertão

Nesse se deu

Sem ninguém esperar

Viram logo chegar

Na porta Pedrito bateu,

 

606

Veio muito bacana

Era um cabo militar

Porém a paisana

Pra ninguém desconfiar

Dizia ter se curado

Mas parecia enganado

Pelo jeito de falar,

 

607

Com muita falta de beleza

Parecia fanfarrão

Só que sem certeza

Esta era a impressão

Metido a ser letrado

Porém no seu estado

De vocabulário artesão,

 

608

Contudo deixou fama

De um verdadeiro senhor

A aparência engana

Muito impressionou

Aproveitando da indefesa

Demonstrando a franqueza

O Quinca ele o levou,

 

609

Foi direto pra cidade

Pra fazê-lo capitão

A sua felicidade

Pra com o seu irmão

Pois só lembrança deixou

Até Naninha chorou

Com tamanha aflição,

 

610

Iô Dão e Tim

Também foram estudar

Estavam chegando ao fim

De a batalha acabar

Mas continuou a missão

A vida com precisão

Não podia fraquejar,

 

611

Novo ano decorreu

Pra roça eles voltaram

A surpresa aconteceu

Pedrito eles encontraram

O Zé ele veio buscar

Pra na polícia colocar

E a saída festejaram,

 

612

Mais um filho partia

Lá pro mundo viver

Naninha, porém sentia

Que algo ia acontecer

Já sentia desfalcar

A casa esvaziar

Aumentava o seu sofrer,

 

613

Pra ficar menor

Mais uma filha se casou

Cada vez pior

Seu coração suspirou

Quem se casava era a Rica

Pois a vida indica

O Pedro mergulhou,

 

614

Liano também sentia

A sua família acabar

Pois cada um que partia

Viver em algum lugar

Era um pouco do seu ser

Que estava a padecer

Sem saber aonde chegar,

 

615

Só restando ao seu lado

Seis do seu mutirão

O resto tinha lhe deixado

Talvez sem razão

Só Deus podia dizer

O que deveria fazer

Pra consolar seu coração,

 

616

Na verdade facilitava

Pra continuar o viver

O seu gado aumentava

Melhorava o seu sofrer

E os anos se passaram

Só Dão e Tim voltaram

Pra escola aprender,

 

617

Porém foram estudar

Numa escola rural

Na casa de Tida morar

Nunca se viu como igual

Estudar no meio do mato

Como a natureza de fato

Era uma forma ideal,

 

618

Só um ano Dão ficou

Pois já havia se formado

Porém Tim voltou

Ainda estava atrasado

Tinha muito que sofrer

Precisava aprender

Pra sair realizado,

 

619

Dois anos decorreram

Assim o Tim voltou

Novos fatos ocorreram

De modo que tudo mudou

Quinca e Pedrito vieram

Logo em seguida disseram

Pra levarem o Iô,

 

620

Quando o Iô foi embora

Com Tião Vinha se casou

Mais dois pro mundo afora

Somente quatro restou

Outro fato aconteceu

Pois a família cresceu

Com Li Pedrito se casou,

 

621

Agora a velha vida

Deste casal sertanejo

Ainda em laços de lida

E repletos de desejo

Cheios de gratidão

Na mais completa união

Lembrado cada festejo,

 

622

Quantas noites vividas

De amor e meditação

Quantas foram sofridas

De tristeza e aflição

Mesmo sem afetar

Um ao outro magoar

E romper a união,

 

623

Cada um cumprindo

Com a parcela devida

Chorando ou sorrindo

Mas sem pensar em briga

Respeitando preconceito

Mesmo sem ter direito

Pra continuar a vida,

 

624

Logo os anos se passaram

Dão também foi embora

Só lágrimas ficaram

Pelo sertão afora

Suas marcas de facão

Foice e de enxadão

Gente que lembra chora,

 

625

Um ano se passou

Dú resolveu se casar

Com realismo acasalou

Com Tida foi morar

Liano muito tristonho

Mas realizou seu sonho

Vivia as vezes a pensar

 

626

Pensava como podia

A vida ser assim

Se o destino seguia

Na alegria por enfim

Leva às vezes pro além

As surpresas que vêm

Perdidas pelo sim,

 

627

E o tempo passando

Sem a ninguém esperar

Sol saindo e entrando

Compartilhando o luar

Lá no sertão prateado

Que longe do povoado

Só se ouve bicho cantar,

 

628

Tantos dias vividos

Por um casal no sertão

E do luxo esquecido

Lá nas grotas do matão

Desprezados e abandonados

Pelo destino atirados

Sem nenhuma solução,

 

629

Dos filhos restava apenas

Os dois caçulas queridos

Que pareciam ter pena

De deixá-los perdidos

Mas nada ia impedir

De um dia ficarem ali

Sozinhos e esquecidos,

 

630

Mas logo Pedrito chegava

Cumprindo sua tal missão

E o Tim ele levava

Com grande satisfação

Veja a vida como é

De todos só restou Bé

Que aos velhos dava a mão,

 

631

Naninha já delirava

Conversando com galhinha

Liano assim criticava

Coitada da pobrezinha

Mas qualquer um sofreria

Viver como ela vivia

Era a solução que tinha,

 

632

Liano matava a saudade

No seu viver dia a dia

Demonstrava felicidade

Deus sebe o que sentia

E foi Ele que lhe ajudou

Pois assim o Tim voltou

Pra te fazer companhia,

 

633

A vida ficou melhor

Pra Liano assim viver

Mas logo ficou pior

Quando veio a perceber

Na sua casa o Dão

Que mudou de opinião

Liano queria crer,

 

634

O certo é que ele voltou

E veio para ficar

Teve gente que gostou

Uns viviam a reclamar

Liano dizia, porém

Não sou contra ninguém

Que decide assim voltar,

 

635

Mas começou os problemas

Com a chegada do Dão

Que vivendo em dilema

Só trazendo confusão

Tirado a conquistador

Era um grande causador

Às vezes de aflição,

 

636

Junto do irmão Tim

Pareciam forasteiros

Causavam problemas sim

Sem formas de contê-los

Não respeitavam ninguém

E nem a si também

Eram poucos cavalheiros,

 

637

Tinham fama de valentes

E de grandes lutadores

Trajavam roupas decentes

Grandes trabalhadores

Por muitos criticados

E por outros invejados

Não respeitavam valores,

 

638

Melhoraram os negócios

Ganhavam muito dinheiro

Pareciam serem sócios

Eram três forasteiros

Liano acompanhava

Pois mais nada lhe restava

Eram os filhos derradeiros,

 

639

Mas pouco tempo durou

A vida aventurosa

Quando Dão observou

A coisa assim perigosa

Pois já não tinha respeito

A cidade com despeito

Só tinha gente nervosa,

 

640

Então o Dão resolveu

Abandonar a jangada

Dizem que ele sofreu

Seguindo nova estrada

O certo é que partiu

O moço não resistiu

A vida embaraçada,

 

641

Pois deixou de novo

Apenas recordação

Vaga na mente do povo

Pra onde se foi o Dão

Só viam Liano e Tim

Parecia chegar o fim

Daquela boa geração,

 

642

Assim que Dão foi embora

Bé resolveu se casar

Com Didi ela vive agora

Muito alegre a cantar

Naninha ficou sozinha

Pois a última filhinha

Voou do seu pomar,

 

643

Naninha chorava tanto

Por ter ficado sozinha

Sem enxugar o pranto

Tinha dó de velhinha

Que ali desprezada

Doente e abandonada

Em sua velha casinha,

 

644

Porém do seu lado

Tim e o Liano restava

Que parecia emprestado

Pelo modo que a tratava

E naquela situação

Somente dor e aflição

Na sua mente rondava,

 

645

O tal tempo foi passando

Tim foi pra cidade

Naninha o acompanhando

Vivendo a felicidade

Enquanto Liano magoado

De sozinho ter ficado

Com sua infelicidade,

 

646

Só lá de vez em quando

O Tim ali que voltava

Quando estava trabalhando

Com o velho encontrava

Que reclamava da sorte

Até desejava a morte

Ao viver como estava,

 

647

Na verdade tinha razão

Em reclamar seu direito

Pois tamanha aflição

Morava dentro do peito

Muito triste e enfezado

Como um cão envenenado

Mergulhado em preconceito,

 

648

Dizia: oh meu Senhor

O que estou pagando

Já sinto até temor

Do que está preparando

Imploro a sua clemência

Diminua a minha sentencia

Pouco a pouco a minha dor,

 

649

O Senhor não atendeu

Mais sofrimento mandou

Veja o que aconteceu

Seu filho Tim se casou

Nos braços de Dulce vivendo

Além do velho sofrendo

A velha também ficou,

 

650

Agora do casal perfeito

Só existe recordação

Pois tudo aquilo direito

Ficou na imaginação

Os dois estão separados

Cada um num canto jogado

Sofrendo humilhação,

 

651

Naninha na cidade

Liano ficou no mato

Ela vivendo a irrealidade

Ele vivendo um fato

Às vezes ele vem ver

Depois ela vem ver

Vejam que destino ingrato,

 

652

Vivem sempre discutindo

Demonstrando inimizade

Mas parecem estar fingindo

Em ponto de igualdade

Só brigam sem combina

Quando a briga termina

Voltam à realidade,

 

653

Às vezes um fica

Procurando a razão

Porque um ou outro critica

Sem nenhuma intenção

Até parece recordar

Bem antes de se casar

Fica na imaginação,

 

654

Recordam dos seus filhos

Como estão a viver

Nos seus olhos os brilhos

Com a vontade de ver

Mas onde estão agora

No instante quem não chora

Pois viu cada um nascer,

 

655

Agora vamos também

Viver a recordação 

Sem esquecer-se de ninguém

Nem também da aflição

Que o Liano viveu

Como o coitado sofreu

Uma vida de humilhação,

 

 656

Sua querida filha Liva

A primeira que nasceu

Assistiu de perto a lida

E o sofrimento seu

Muitas vezes a chorar

Ao ouvir Liano reclamar

Do quanto já padeceu,

 

657

A Liva vive bem

Casada com o Chiquinho

Cuidando assim do que tem

Das terras e do gadinho

Conseguiu com sofrimento

No maior padecimento

Para um casal fraquinho,

 

658

Muitos filhos nasceram

Com amor foram criados

Porém alguns morreram

Pelo destino levados

No meio de muita esperança

Só deixando sua lembrança

Dos momentos que viveram,

 

659

Os demais estão contentes

Continuando a geração

Vivem todos sorridentes

Pelos campos do sertão

Famosos lutadores

Honestos trabalhadores

Seguindo a lei do cristão,

 

660

Flor veio em seguida

Na mesma situação

Porém mais sofrida

Mas por outra razão

O Durú que o esposo

Um homem perigoso

Trata-lhe ao empurrão,

 

661

Muitos filhos tiveram

Pois não podiam escolher

Mesmo que não quiseram

Tiveram assim de nascer

A Flor sempre apanhando

O tempo todo chorando

Sem nada poder fazer,

 

662

Do Dú vamos falar

Ver como está vivendo

Pois posso relatar

Que ele vive sofrendo

Com a Tida casado

Nas margens do rio jogado

Ali sempre padecendo,

 

663

Não é boa a sua vida

Dele e sua mulher

De tanto entrar em briga

Nem sabe o que quer

Seu gadinho acabou

Um por um ele gastou

Nem lembranças sequer,

 

664

Do Pedrito vamos falar

E da sua profissão

Na carreira militar

Chamado de capitão

Com a Li está casado

Mora num bairro afastado

Num pequeno barracão,

 

665

Um homem muito orgulho

Não dá valor a ninguém

Porém não é perigoso

Não é falso também

Dos parentes desprezado

Vive com a mulher amuado

No seu mundo do além,

 

666

Falamos agora da Tida

E onde a coitada está

Jogando a sua partida

Com o Chico a morar

Do Liano está distante

Que lembra o seu semblante

O que tem pra recordar,

 

667

Ruim de situação

Dizem que está vivendo

Trabalhando com pensão

A coitada vive sofrendo

Não se sabe por quê

Foi pra lá viver

Os seus dias padecendo,

 

668

De mais um vamos falar

Da outra querida filha

Que vive a trabalhar

Pra melhorar de vida

É boa a situação

Donos de um fazendão

Vivem o Pedro e a Rica,

 

669

Mas vivem divididos

Na roça e na cidade

Muitos acham esquisitos

Por que da desigualdade

Mas estão preocupados

Ao ver os filhos formados

Vivendo a felicidade,

 

670

Já com a idade rompida

Sua vitória a conseguir

Do lado da sua querida

Vive alegre a sorrir

Com a Maria do lado

Parece felizardo

Esperando seu dia vir,

 

671

O perfil de quem falei

Já dá pra descobrir

Nada eu inventei

Foi de perto que vivi

O Quinca está assim

Parece chegar ao fim

Ou a espera de algo vir,

 

672

Um sargento militar

Carregando o seu galão

Levou a vida a trabalhar

Com baixa remuneração

Foi um grande lutador

Também um perdedor

Trazido pelo irmão,

 

673

O irmão que digo

Na história já falei

O tirou do castigo

Seus passos eu relatei

Foi Pedrito o detentor

Cabeça de percussor

De muito que contei,

 

674

Mais um entrou pelo caminho

Por causa deste animal

Que hoje está sozinho

Perdido no ideal

Mergulhado em pensamento

Vive no constrangimento

Da sua língua infernal,

 

675

Quase analfabeto

E por ter uma posição

Que conseguiu no correto

Em uma revolução

Assim ficou letrado

Pra isso não é acanhado

Pra ajudar cada irmão,

 

676

Um, porém não suportou

Deu baixa do regimento

Pois dali ele levou

Muita dor e sofrimento

Era o Zé que partia

Daquele lugar saía

Pesado de sentimento,

 

677

Até hoje é um forasteiro

Já está desquitado

Um solteirão bandoleiro

Vivendo do seu passado

Nada tem a perder

Só espera acontecer

O momento acertado,

 

678

Falamos agora da Vinha

Que vivia no sertão

Enquanto tinha a casinha

Estava com o Tião

Agora está separada

Pelo destino jogada

Em busca de solução,

 

679

Da Bé agora falaremos

Sem nada dela esquecer

Pois não pretendemos

Nem faz assim merecer

Ela tem todo direito

Vamos tratar com respeito

Pois com o Didi vamos ter,

 

680

É um casal promissor

Diante da atualidade

No verdadeiro amor

Andam na sinceridade

Estão muito bem de vida

Sempre enfrentando a lida

Batalhando na cidade,

 

681

Sobre o Iô diremos

Qual é sua direção

Quase nada sabemos

A verdadeira razão

Casado e separado

Novamente casado

Veja que confusão,

 

682

Parece ser amigo

Do Pedrito lutador

Que lhe tirou do perigo

No momento de terror

Nem sabe o que dizer

Pra poder agradecer

Este gesto de amor,

 

683

O Pedrito dá exemplo

Talvez de um combinado

Pra cumprir o seu intento

Ao ver o irmão colocado

Mas deixou Iô ser excluído

Da corporação foi banido

E nem ficou magoado,

 

684

Com as mãos atadas

Iô estava agora

Bebendo pelas calçadas

Só esperando a hora

Em se tornar um bandido

Um assassino perdido

Vagando pro mundo afora,

 

685

Mas não se tornou

Caiu na realidade

Com a pobreza conformou

Assim na vida humilhado

Um amargo cidadão

Abandonou cada irmão

Devido à desigualdade,

 

686

Depois foi o Dão

Que o Pedrito explorou

O trouxe do sertão

Mas nada te explicou

Que se tornou um coitado

Na vida embaraçado

Só esperança lhe restou,

 

687

Pedrito o recebeu em casa

Como amigo e companheiro

Acostumado com a batalha

Desde o instante primeiro

Pois trazia cada irmão

Dava-lhe toda atenção

Deus sabe o verdadeiro,

 

688

Assim levou o Dão à farda

Como um grande sonhador

Talvez um conto de fada

Pro roceiro virador

Onde cada um criticava

Do jeito que ele falava

Coitado do lavrador,

 

689

Mas logo Dão encontrou

Onde estava a verdade

Porém nada lhe restou

Pra fugir da realidade

Só lhe restava esperar

Seu amargo tempo passar

Coberto de infelicidade,

 

690

E Dão mudou de idéia

A tal farda abandonou

Ao viver numa alcatéia

Pro sertão ele voltou

Voltou para tentar

A vida recomeçar

Buscar o que deixou,

 

691

Achava desaforo

Por parecer derrotado

Sua honra ou seu decoro

Já parecia jogado

Veio embora do sertão

Sofrer mais humilhação

Mas tinha um plano bolado,

 

692

Aos pouco trabalhando

Cativando amizade

Seu projetos preparando

Com fé e honestidade

Um sábio um dia falou

Planeja o que tramou

Para não ser um derrotado,

 

693

E o Dão planejou

Com muita atenção

Cada momento detalhou

Sem mudar de opinião

Por todos era amado

Mesmo escravizado

Mas não perdia a razão,

 

694

Enquanto Dão sofria

Na mão da humilhação

Pensando o que faria

Pra mudar de situação

Planejava sua vingança

Pois lhe restava esperança

Ao desprezar o sertão,

 

695

E pensava sozinho

Sentia-se uma enormidade

Pois ao seguir o seu caminho

Parecia uma eternidade

Sentir que estava a pagar

Pois só vivia a penar

Era uma grande crueldade,

 

696

Um passo Dão conseguiu

Cumprindo sua missão

De toda família partiu

Da cidade e do sertão

Nem quis saber de mulher

Pois conforme lúcifer

Ela sempre é maldição,

 

697

Na vida o veneno lançado

Era o plano do Dão

Conforme o imaginado

Quando saiu do sertão

Era uma nova partida

Tinha que mudar de vida

Talvez por alguma razão,

 

698

Dão desprezou também

Sua vida de humildade

Vivia como se fosse alguém 

Demonstrando felicidade

Entrou na sociedade

Com muita sinceridade

Assumindo responsabilidade,

 

699

Ainda não está casado

Com mulheres a namorar

Por muitos é invejado

Onde vive a trabalhar

Hoje é um grande senhor

Todos lhes dão valor

Nem se pode comparar,

 

700

E finalmente o Tim

Que pelo mundo andou

Pelo destino sem fim

Mas pro sertão voltou

Com Dulce é casado

Criando filhos mimados

Que Deus lhe confiou,

 

701

Vive lá na cidade

Como verdadeiro cidadão

Pra sua felicidade

E grande satisfação

Mesmo que alguém o critica

Ele saiu da política

Devido a corrupção,

 

702

Seu ramo de negócio

Pro sustento do seu lar

Sem o estado como sócio

Dá pra vida levar

Porém com sua missão

Assumiu uma posição

Dos velhos nem pôde cuidar,

 

703

Eles não são só seus

Pertence aos irmãos

Mas o destino lhe concedeu

Esta alegre missão

Pra cumprir com lealdade

Pois a sua felicidade

Nasceu desta condição,

 

704

Mas não cuida dos anciãos

Que foi pago pra cuidar

Descarta os seus irmãos

Quando vão te procurar

Não tem tempo pra ninguém

Nem para ti também

E gosta de humilhar,

 

705

Já que recordamos tão bem

De todos os filhos de Liano

Não deixamos ninguém

Disso não me engano

Falamos de cada um

Relatamos um por um

Como se fosse um plano,

 

706

Agora com o Liano

Lá na casa do sertão

No mourão pensando

Loucuras na imaginação

De estar ali tão só

De si mesmo tendo dó

Ou talvez satisfação,

 

707

Lembrando da sua mãe

Quando tinha falecido

Dos dias que antepõe

E quanto tinha vivido

Lembrava o pai assassinado

O Baldim foi condenado

Livre o Mauro fingido,

 

708

Se Baldim está preso

Mauro até já morreu

Nem esperou ser surpreso

Como o Baldim prometeu

Mas Baldim deve ter morrido

Com tanto tempo sumido

Algo lhe aconteceu,

 

709

A minha cunhada morreu

O meu irmão também

Pois tudo aconteceu

Sem culpa de ninguém

O fazendeiro coitado

Por cobra foi envenenado

Assim morreu também,

 

710

A sua esposa doente

Também Deus a levou

Minha sogra morreu

Só lembrança deixou

Quem cuidava de Naninha

A humilde velhinha

Deus também a levou,

 

711

Minha irmã ainda vive

Acabada quanto a mim

Pois por ela sempre tive

Um sentimento sem fim

Meu irmão que me ajudou

Deus assim já o levou

Sinto que estou no fim,

 

712

E quantos tantos amigos

Parentes e irmãos

Que lá nos seus abrigos

Vivem de ilusão

Muitos Deus já os levou

E pelo sertão ficou

Apenas recordação,

 

713

Lembro-me das festas

Por onde eu já andei

Quantas moças alertas

Que com elas dancei

Nunca mais vou encontrar

Só me resta recordar

Quantas que já beijei,

 

714

Quanto às vaquejadas

Que fui participar

Entre muitas enrascadas

Que tive de enfrentar

Quantos machos já montei

E nunca na vida enjeitei

Nem me suporto lembrar,

 

715

Esta é a vida

Cheia de ilusão

Que sempre levamos a lida

Com a melhor intenção

Fazendo planos bonitos

Vivendo momentos aflitos

No final decepção,

 

716

Quando novo é duro

Pra gente sobreviver

Tem que ficar maduro

E a ninguém ofender

Depois de velho acabado

Fica num canto jogado

Vida pra se viver,

 

717

Se reclama com alguém

Nem lhe dá satisfação

Lhe tem como ninguém

Só lhe trata com humilhação

Às vezes vive a pensar

Não adianta reclamar

Principalmente no sertão,

 

718

Além de tudo que falo

Ainda não é o fim

E mesmo que me calo

Ninguém se lembra de mim

Pois só se lembra de alguém

Quando na verdade tem

Sua fama de ruim,

 

719

Mas quando se trata

De um homem trabalhador

Nas pessoas não retrata

Nem um pouco de valor

Acha que foi obrigação

De certo que tem razão

Cada um com sua dor,

 

720

Estou sofrendo a minha

Contudo estou conformado

Já esperava o que vinha

Assim não estou assustado

Porém o entender

Porque temos de sofrer

Depois de tudo acabado,

 

721

Será que não basta

Uma vida na pobreza

Pois todo instante que passa

É de pura incerteza

De miséria e humilhação

Sem nenhuma salvação

Onde está a beleza,

 

722

De modo que fecho os olhos

Pra não ver a realidade

Cada um com seus modos

Próprios da crueldade

São ricos e poderosos

Covardes e temerosos

Sem nenhuma lealdade,

 

723

Estas é que estão certas

Merecem todo respeito

Pois vivem sempre alerta

Atrás dos preconceitos

Cometem tanta violência

Sem menor clemência

E dizem que são direitos,

 

724

A verdadeira hipocrisia

Na política e religião

Que vivem na covardia

Com toda nossa nação

Fazendo o povo de cobaia

Uma verdadeira laia

De corrupto fanfarrão,

 

725

Só provocam desespero

Ao povo trabalhador

Que sempre pedem apelo

Ao maldito senhor

Patrão dos agiotas

Que dividem as cotas

Do mandato que ganhou,

 

726

São eles que fazem decretos

Pra defender o cidadão

Com meios indiscretos

Pra encobrir corrupção

Pois podem imaginar

Pro que vou relatar

Aqui mesmo do sertão,

 

727

Leis só para pobre

Rico não é condenado

Seu dinheiro paga o nobre

O tal juiz enfeitado

Que está pra condenar

A quem não pode pagar

Aos corruptos do estado,

 

728

Como estamos cansados

Cheio de tanta promessa

Muitos estão machucados

E sua dor não confessa

O que eu quero dizer

Qualquer um pode entender

Que é desprezo na certa,

 

729

Quero dizer que criei

Meus filhos aqui no sertão

E a eles ensinei

Como ser um cidadão

Sinto ter lhes enganado

Ao não ter lhes avisado

A triste situação,

 

730

Sei que eu tinha vontade

Contudo não podia dizer

Pois minha credibilidade

Talvez não ia convencer

Deixe que descobrissem

Quando do sertão partissem

Pra onde fossem viver,

 

731

Pobre não tem palavra

Nem olhos para ver

Triste eu me calava

Quando estava a perceber

Poderia ser desmascarado

Por um filho revoltado

Na pobreza a viver,

 

732

Cada dia que passava

Aumentava o sofrimento

Quando um filho viajava

Cheio de constrangimento

Eu sabia que ele ia sofrer

Como ia padecer

Sem nenhum conhecimento,

 

733

Assim eu imaginava

O que falava de mim

Pois o meu nome pagava

No sofrimento sem fim

Pois quanta humilhação

Sofre um filho do sertão

Sem ninguém lhe dar sim,

 

734

Pois só lhe diz não

Ao invés de ajudar

Nunca está com razão

Vivem sempre a errar

A verdadeira desgraça

No mundo da trapaça

Difícil de acreditar,

 

735

Sei que estão vivendo

Lá pra onde não sei

Em seu peito roendo

Algo que não falei

Não podem me condenar

Mas vivem a me culpar

Porque um dia me casei,

 

736

Muitas vezes relatam

Nas horas de amargura

Porque tudo lhes faltam

No mundo de vida dura

Meu pai que devia sofrer

Eu não pedi pra nascer

Pra viver nessa pendura,

 

737

E o tempo vai passando

Começam a perceber

Que estão pagando

O que não fez merecer

Descobre que a miséria

É uma coisa séria

Para o pobre viver,

 

738

E acostumando

Com a dura verdade

Aos grupos acomodando

Nos barracos da cidade

Com suas vidas singelas

Formando grandes favelas

Com muita enfermidade,

 

739

Devoram uns aos outros

Como ferozes leões

No rio de ódio como touros

Em forma de tubarões

Matam estupram e assaltam

Vítimas é o que não faltam

Por diversas razões,

 

740

Ali chega a polícia

Pra prender os coitados

Condenam ser ter perícia

Pobres homens revoltados

E falam sem clemência

Abaixo a violência

Sem encontrar resultados,

 

741

E nunca vão ter

Condição de acabar

Pois a própria violência

Eles vivem a causar

Permitindo sem razão

Liberdade a cidadão

Que vivem a aproveitar,

 

742

A verdadeira ganância

E grande corrupção

Não deixando esperança

Para o pobre cidadão

Que vive sempre lesado

Com salário rebaixado

Não desgraça e humilhação,

 

743

A humilhação causada

Pelos ricos poderosos

Mantendo gente enganada

Esses monstros perigosos

Que geram o terror

Tirando do povo o valor

Ganges de orgulhosos,

 

744

Sempre são liderados

Por representantes da lei

Povos vivem enganados

Por um invisível rei

Com mentiras os engana

Causando o grande drama

Como dói o que eu sei,

 

745

Lei não tem fundamento

Parece não ter razão

Pensada sem sentimento

E sem menor preocupação

De defender o estado

Ver o povo humilhado

De geração em geração,

 

746

Rico faz o que quer

Nem é preciso pensar

Não importa e que fizer

Nada vai adiantar

Tudo muda em segundo

Com o seu dinheiro imundo

Eles pagam pra matar,

 

747

Até a mim pode atacar

Só de estar relatando

Com medo de propagar

O fracasso do tirano

Do governo ditador

Que com mentiras ganhou

O direito ao seu trono,

 

748

As promessas feitas

Quando estão a pleitear

É uma engrenagem perfeita

Que nunca pode falhar

Pois cada companheiro

Gasta rios de dinheiro

Pra qualquer coisa comprar,

 

749

E quando está no poder

A serviço da nação

Nada interessa saber

Além da sua intenção

De defender os direitos

Dos agiotas perfeitos

Que dominam a nação,

 

750

Pobre vive a morrer

Eles ficam a dizer

Mas não deixa acontecer

E ele sabe por quê

Pois só o pobre trabalha

Pros malditos ricos migalha

Sem recompensa ter,

 

751

Assim os ricos exploram

Só faltam chicotear

O pobre de dor chora

Sem poder acalentar

Enche a cara de cachaça

Pra esquecer a desgraça

Que vive a te rondar,

 

752

Mas eu felizmente

Vivo aqui no sertão

Não estou sorridente

Pois já sofri como cão

No entanto estou feliz

Por ter feito o que fiz

Com a melhor intenção,

 

753

E como estou no final

De o meu destino cumprir

Pois o momento fatal

Qualquer dia há de vir

Deixarei minha lembrança

Que sempre como criança

Eu pude viver a sorrir,

 

754

Também hei de levar

Pro mundo que eu for

Lembranças de quem ficar

Que muito me ajudou

Minha eterna gratidão

Pelos campos do sertão

Como prova de amor,

 

755

Não quero em meu enterro

Ouvir ninguém chorar

Nada de desespero

Quero todos a cantar

O hino da alegria

Que irá à companhia

De que nunca vai voltar,

 

756

Quero em minha sepultura

Um letreiro dizendo

Adeus triste vida dura

Que vivi sempre sofrendo

Nunca vou te esquecer

Se eu voltar a viver

Quero nascer morrendo,

 

757

Ao não ser que seja nobre

Filho de um grande senhor

Se for pra nascer pobre

Esqueça de mim senhor

Prefiro ser esquecido

No meio dos mortos perdidos

Ouvindo gritos de horror,

 

758

Em baixo do meu nome

Escreva o da minha mulher

Dos filhos sem sobrenome

Ou como cada um quiser

Pra quem ler entender

O porque de não querer

O que ninguém quer,

 

759

Lembrem de mim amigos

E instantes que vivemos

Adeus todos os perigos

Pois nunca nos esquecemos

O pior que se pensar

É melhor não recordar

As lágrimas que perdemos,

 

760

E Liano relatou

Lá nos confins do sertão

Parece que não ficou

Nem um pouco de razão

A sua mente perdida

Não parecia esquecida

Toda sua intenção,

 

761

Mas a vida é estranha

Tudo pode acontecer

Escondido na entranha

No tempo vem a nascer

Algo sem esperar

Pra nossa vida mudar

E aumentar o padecer,

 

762

O certo é que chegou

Um rumo bem diferente

Quando Liano acordou

Já estava muito doente

Vivia a reclamar

Vendo o seu fim chegar

De uma forma carente,

 

763

Tudo que lhe fazia

Parecia ser ruim

Não tinha alegria

Só esperava o fim

Todos lhes deram as costas

Assim fecharam as portas

Até mesmo o filho Tim,

 

764

Alegavam que Liano

Valorizava outro alguém

Ou seria um engano

Mas não se sabe bem

A suspeita existia

Tinha gente que dizia

Da sua moral também,

 

765

Nada ficou provado

Do que o povo dizia

Assim ficou acertado

Como Liano vivia

Uma vez abandonado

Liano foi amparado

Pela mulher que o servia,

 

766

A esposa do vaqueiro

Compartilhava a solidão

Daquele velho guerreiro

Honrado lá no sertão

Adotou novos amigos

Dividiam o mesmo abrigo

Em busca de solução,

 

767

O filho dessa senhora

Apelidado de Lorim

Parece que veio na hora

De substituir o Tim

Que depois de casado

Esqueceu do seu tratado

Deixou Liano em fim,

 

768

O pobre Liano morreu

Como qualquer indigente

Só o Dão compareceu

Pra visitar o doente

Vinha Quinca e Zé

Veja como a vida é

Estes estavam presentes,

 

769

Levaram o corpo inteiro

Pra sepultar no sertão

No meio do tabuleiro

Conforme a solicitação

Ficar perto do seu pai

Da minha mente não sai

E nem do meu coração.

 

770

Pedir desculpas pra mim

Faz parte da educação

Agora chegou ao fim

A história do Peão

Vou dar uma volta na rua

Pois a vida continua

Até a próxima edição,

 

João Rodrigues

 

 FIM




 

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