LIANO
JOÃO RODRIGUES
01
Isso foi há muito tempo
Que viram alguém nascer
Entre redemoinho de vento
Que mal podiam ver
Nos confins e desertos
Que só se viam por perto
O sol entrar e nascer,
02
Porém nascia embaçado
Grande igual lua cheia
Com raio avermelhado
Em forma de uma fogueira
Uma grande brasa quente
Com o seu cintilar ardente
A coisa ali era feia,
03
A brasa subia ao céu
Esturricando o sertão
Causando com o seu véu
De energia e vibração
Secando lagos e rios
Com os seus raios vadios
Causando humilhação,
04
Numa casa velha
Feita de enchimento
Em forma de uma tapera
Esquecida no tempo
Suja e esburacada
No sertão abandonada
Imagem de sofrimento,
05
O vento assoprava forte
Aliviando a dor
Parecia levar a sorte
Ao pobre lavrador
Naquele lugar perdido
Talvez no mundo esquecido
Lembrado por escritor.
06
Ali surgiu a história
Que a você vou contar
Se for derrota ou vitória
E se puder relatar
Era um filho de um roceiro
Por que não dizer guerreiro
Que viveu para lutar,
07
Chamada campo de areia
A rocinha onde nasceu
Com de vegetação rasteira
Pois com o sol não cresceu
De tanta praga ou peste
Que tratavam de agreste
Foi o nome que deu,
08
Ali naquela brenha
Deste sertão desprovido
Qual cristão que não tenha
Medo e alarido
Onde a natureza devassa
Criando dor que não passa
No peito do homem sofrido,
09
Chuva era milagre
Verde mal existia
Nos lagos só tinha bagre
Era o que o povo comia
Misturado com farinha
E daquele farofinha
A vida assim seguia,
10
Quando o menino nasceu
Foi grande o acontecimento
O sertão estremeceu
Abalou-se o firmamento
Veio chuva e tempestade
Porém foi novidade
Mais causou sofrimento,
11
Liano foi o nome
Que deram ao felizardo
Que já nascera com fome
Naquele sertão castigado
Pois logo saiu andando
Seus tortos pés atolando
No areão amaldiçoado,
12
E o tempo foi passando
Liano lá no sertão
Com o seu pai trabalhando
Cuidando da plantação
Quando a sua mãe morreu
Liano entristeceu
Com tamanha traição,
13
Vivia sem concordar
Se a vida era assim
Pra quê então trabalhar
Pra ter um amargo fim
Que diante do nada vê
A sua própria mãe morrer
Ele dizia: aí de mim,
14
Ao ver a mãe morrendo
E levada para o chão
Liano seguiu tremendo
Agarrado no caixão
As suas lágrimas desciam
Como vertentes corriam
Pousando no areão.
15
Foi difícil esquecer
A morte de sua mãezinha
Tinha medo até de viver
Naquela humilde casinha
Vestido de preto estava
Nos lugares onde passava
Alegria não tinha.
16
Além do seu sofrimento
Assistia o do seu pai
E no descontentamento
Nas dores do vem e vai
Vivendo de humilhação
Na pobreza do sertão
Dor que do peito não sai,
17
Em meio de tanta dor
E tamanha aflição
Vivendo aquele terror
Lá nos confins do sertão
Liano já imaginava
Qualquer hora enfrentava
Outra triste situação,
18
Na verdade tinha razão
Pois a tal hora chegou
Um bandido do sertão
Em o seu pai atirou
Com bala envenenada
Lá no meio da estrada
Morto o velho ficou,
19
Liano já rapazinho
Até pensando em se casar
Para seguir o seu caminho
E ver aonde chegar
Mas quando o pai morreu
Liano resolveu
A sua vida mudar,
20
Levou o pai à sepultura
Vendo as irmãs a chorar
Liano a essa altura
Nem agüentava falar
Só lhe restava à esperança
Em resolver a vingança
Com o bandido acabar,
21
Teve notícias do criminoso
Estava no boqueirão
Um lugar muito perigoso
Onde não existia paixão
Ali dormiam serpentes
Lugar de homens valentes
Que matavam por diversão,
22
Mas Liano a essa altura
Em nada queria pensar
Só depois da aventura
Com o tal bandido acabar
Mesmo de unha e dente
Pois um homem valente
Também pode apanhar.
23
Liano preparou seu macho
Pra pegar o forasteiro
Dizia vou tirar o facho
Deste cabra bandoleiro
Mostrar que sou bonzão
Quero ver o cabra no chão
Se ele sacar primeiro,
24
Assim saiu a galopar
Atravessando campina
E com o bandido encontrar
Pra acabar com a sua sina
Cortava o macho na espora
E pra não perder a hora
Antes que o dia termina,
25
Mas logo o dia acabou
A noite escura chegava
Liano ali acampou
Onde o gado malhava
Assim a noite passou
Liano continuou
Buscando o que procurava,
26
Ao chegar ao boqueirão
Procurou se esconder
Para não chamar a atenção
Pro que tinha ido fazer
Procurava disfarçar
Tentando a todos enganar
Sem saber o que dizer,
27
E no pequeno arraial
Só se via forasteiro
O amigo do mal
Do seu andar sorrateiro
Em busca de arrelia
Pra fazer sua alegria
Do jeito bem costumeiro,
28
Liano sem experiência
Em procurar bandido
Sem saber qual a ciência
Mas demonstrava atrevido
Um disposto cavaleiro
Forte e atraente vaqueiro
Com o seu ódio escondido,
29
Já noite adentro
Forasteiro no salão
Matando seu intento
Ao som de um violão
Raparigas a dançar
Bandidos a jogar
Junto à luz do lampião,
30
Liano, porém não jogava
Por que não tinha parceiro
Somente a pinga tomava
Como um temido forasteiro
Com raparigas dançando
A grande festa animando
Antes do tiroteio,
31
Que logo começou
No meio da multidão
Liano, porém escapou
Sumindo na escuridão
E acabou encontrando
Dois cabras conversando
Sobre a sua situação,
32
Um dizia para o outro
Não estou arrependido
Matei por desaforo
Eu estava sendo traído
Mauro que me falou
Que Júlio me enganou
Com o seu jeito fingido,
33
O homem falava a sorrir
Liano só escutando
Mas tentando descobrir
Escuro não estava dando
Liano se aproximou
Para o bandido falou
Fósforo para um cigano,
34
Dando o fósforo pro Liano
Continuando a falar
Era o Baldim de Afrânio
Que acabou de encontrar
Liano o conheceu
Quando o fósforo lhe deu
Pelo seu jeito de andar,
35
Liano agradeceu
Foi saindo de mansinho
Quando o dia amanheceu
Foi esperá-lo no caminho
Pois logo ele apontou
Liano entrincheirou
Pra matar o mocinho,
36
Quando Baldim ia passando
Liano lhe atirou
Porém cometeu engano
A arma não detonou
Assim tornou apontar
E o gatilho apertar
De nada adiantou,
37
Assim Baldim foi embora
Liano desistiu
Notou que naquela hora
Coisa igual nunca se viu
Liano ficou abatido
Com o fato estremecido
E o assassino fugiu,
38
Pra casa Liano voltou
Contou pro seu irmão
Que na hora caçoou
Da sua situação
Pois logo relatava
Que a sua arma detonava
No tal cara valentão,
39
Depois de uns dias saíram
A procura do Baldim
Armados eles partiram
Dizendo que seria o fim
Do tal cara em murmúrio
Que tinha matado o Júlio
Eles julgavam assim,
40
Dois dias se passaram
Pra no local chegar
E na mata acamparam
Preparando pra atacar
Num recanto da estrada
Pronto pra a emboscada
Quando o Baldim passar,
41
E a hora esperada
Muito depressa chegou
Lá distante na estrada
O tal Baldim apontou
Liano viu o seu irmão
Que com muita atenção
A sua arma mirou,
42
Baldim entrou na mira
Da maldita espingarda
Até parecia mentira
O homem lá na estrada
Quando o gatilho apertou
A arma não detonou
Do cano só saiu água,
43
Liano nem quis saber
De atirar no valentão
Procurou se esconder
Protegendo o seu irmão
Que ao ver a arma falhar
Até queria chorar
Com tamanha humilhação,
44
Foram procurar uma velha
Longe daquele lugar
Morava num pé de serra
Difícil de ali chegar
Era uma feiticeira
Perigosa e traiçoeira
Fazia cobra chorar,
45
Quando ali chegaram
Liano e seu irmão
Dos cavalos desmontaram
Sem chamar a atenção
A velha os recebeu
Pois logo ela percebeu
Qual era a situação,
46
Liano contou a velha
O que tinha acontecido
Triste dizia a ela
Que tudo estava perdido
Perdi minha mãe e meu Pai
Se for assim como vai
Logo serei banido,
47
A velha, porém dizendo
Com a voz arroucada
O que está acontecendo
Não significa nada
Cada um com seu valor
Não precisa de pavor
Pra resolver a parada,
48
Na magia do feitiço
Ouço alguém dizer
Que quem fez o enguiço
É que merece morrer
Seu pai morreu inocente
Estava alegre e contente
Não tinha o que temer,
49
Porém o criminoso
Não se considera culpado
Sente-se vitorioso
Com o seu bom resultado
Pensava que era traído
Pelo Júlio seu amigo
O qual morreu enganado,
50
Pra velha Liano falou
Eu não estou entendendo
Assim a velha relatou
O que estava acontecendo
Liano e o irmão saíram
Da feiticeira despediram
Foram pros cavalos correndo,
51
Foram pra casa do Baldim
Esperá-lo sair
Pois estavam a fim
De a história decidir
Pegar a sua mulher
E de uma forma qualquer
A dura verdade vir,
52
Assim aconteceu
Fizeram a mulher confessar
Qual era o fariseu
Que estava a te usar
No chicote confessou
Apanhando ela contou
Pedindo pra não te matar,
53
Liano disse senhora
Eu não sou um bandido
Mas virei naquela hora
Que vi o meu pai caído
Seu corpo ensangüentado
Lá no caminho estirado
Pelo destino traído,
54
Deixando ali a mulher
Espancada no chão
Um presente que lúcifer
Fez Deus dar a Adão
Que o pecado apoderou
No mundo inteiro gravou
Que mulher é maldição,
55
Liano com o irmão
Saíram a galopar
Nas estradas do sertão
Só poeira a levantar
Foi com o Mauro encontrar
Somente para falar
O que estava a passar,
56
E na casa do Mauro
Quando Liano chegou
Com o fato relatado
Que o Liano contou
O velho ouvia calado
Porém ficou assustado
Quando Liano falou,
57
Meu velho eu te ordeno
Eu não estou brincando
Meu sangue como veneno
Em minha veia andando
Resolva por caridade
Esta sua falsidade
Por estar me matando,
58
Se por acaso não resolver
Acabar com esta questão
Prepare para morrer
Sem nenhuma compaixão
Nem precisa contestar
Pois eu venho te matar
Dentro da minha razão,
59
Assustado Mauro prometeu
Que o caso ia resolver
Pois o problema era seu
E que merecia morrer
Mas que pudesse deixar
Pois tudo ia acabar
Logo Liano ia ver,
60
Assim Liano foi embora
Aguardar o resultado
Não esperava a hora
De tudo realizado
Ao ver o real culpado
Pela justiça condenado
E tudo assim consumado,
61
Lá na casa do Baldim
A coisa estava feia
Parecia chegar ao fim
Do sangue em sua veia
Ao ver a mulher desmaiada
Ali no chão estirada
Por ter levado uma peia,
62
Baldim te perguntando
O que tinha acontecido
Desconsolada falando
Todo fato ocorrido
Demonstrava lealdade
E contou toda a verdade
Como traiu seu marido,
63
Ouvindo a mulher falar
O pobre Baldim soluçava
Tentando justificar
O que a mulher relatava
A desgraça acontecida
Só por uma mulher fingida
Que em sua frente estava.
64
Baldim dizia para mulher
Porque você não falou
Sua filha de lúcifer
Que o diabo criou
Por te matei uma amigo
Que estava desprevenido
Nem defesa encontrou,
65
Ela dizia não fui eu
Que fiz você matá-lo
Foi Mauro que concorreu
E nos levou no embalo
Obrigou-me a te entregar
Dizia que ia me matar
Se eu viesse a recusá-lo,
66
A mulher ajoelhada
A Baldim pedia perdão
Com sua cara assustada
Devido à situação
Baldim te perdoou
Em seguida te matou
Sem nenhuma compaixão,
67
Assim que matou a esposa
E o seu filho a chorar
Salgou-os como raposa
Deixando-os para assar
Botou fogo na casa
Que logo virou em brasa
Assim saiu a chorar,
68
Saiu para o encontro
Do Mauro o seu amigo
Que promoveu o confronto
De quando tinha te traído
Mas quando ali chegou
Em sua casa encontrou
Viu o Mauro prevenido,
69
Pois o Mauro sabendo
Do fato acontecido
Já estava temendo
Que logo o seu amigo
Viria ao seu encontro
Pois logo este confronto
Teria de ser surgido,
70
Mauro foi à cidade
Convidou o delegado
Que na realidade
Tinha de ser chamado
Junto foi um capitão
Que levou um pelotão
Pra resolver o tratado,
71
Era um dia de tardinha
O sol estava se pondo
Na estrada aonde vinha
Em seu macho galopando
Na casa de Mauro chegou
Na cerca o macho amarrou
E pra dentro foi entrando,
72
Ao bater o seu pé
No batente da portinha
Ouviu alguém dizer quem é
Que naquele instante vinha
Baldim disse seu tirano
Sou Baldim de Afrânio
E foi indo pra cozinha,
73
Quando no meio da sala
Ouviu a voz de prisão
Baldim ser perder a fala
Disse qual a razão
A polícia respondeu
O senhor não entendeu
Ainda quer explicação,
74
Baldim tentou reagir
Porém sem resultado
Antes de a reação vir
Já estava algemado
O delegado relatou
Para defender o senhor
Tem direito um advogado,
75
Baldim disse não
Não quero me defender
A minha única intenção
É terminar de fazer
O resto dessa tarefa
Que por sinal tenho pressa
Não deu pra perceber,
76
O delegado respondeu
Não fique tão zangado
O senhor não percebeu
Que está sendo acusado
Não seja intransigente
Vamos viver o presente
E sepultar o passado,
77
Como posso esquecer
Um passado de traição
Que matei sem saber
Um inocente cidadão
Não estou sendo fingido
Ele era o meu amigo
De dentro do coração,
78
Porém nossa amizade
Não podia ser confundida
Quando a infidelidade
Que é coisa proibida
Assim Mauro nos enganou
O pobre Júlio pagou
Uma conta não devida,
79
Com isso eu o matei
Sem nenhuma explicação
De dor não suportei
Essa enorme traição
Muito tempo cansado
Todo esse tempo enganado
Sem nenhuma razão,
80
E depois que o metei
Fiquei tranqüilizado
Mas ontem eu encontrei
O mundo todo virado
Ao encontrar minha mulher
De um jeito qualquer
Eu virei um revoltado,
81
Com o punhal no pescoço
Eu pedi explicação
Ela sem fazer esforço
Me contou toda a razão
De estar ali jogada
Apanhada e rebentada
Na maior judiação,
82
Ali ela me falou
Foi Liano que me bateu
Ele me perguntou
Por que o meu pai morreu
Eu disse que não sabia
E na maior covardia
Eu vi no olho teu,
83
Com um chicote na mão
Começou a me surrar
Dizendo preste atenção
Pro que vou te perguntar
Com quem traía seu marido
Pedaço de carne perdido
Fui obrigada a contar,
84
Assim que ela falou
Em mim o ódio chegou
O meu sangue esquentou
O meu semblante mudou
Vi o meu coração partir
No meu peito ringir
Mas nada adiantou,
85
Ela vendo o meu estado
Desfigurada dizia
Perdoe-me meu amado
Porém nada me detia
Lembro-me que a perdoei
Em seguida te matei
Era a desgraça que eu via,
86
Matei também o menino
Que estava ali a chorar
Era filho do assassino
Ele não podia vingar
Os retalhei e salguei
A casa eu incendiei
Logo vi tudo acabar,
87
Assim vim encontrar
Com o verdadeiro causador
Que fez tudo mudar
Da paz ele fez terror
E se demonstra educado
Por todos respeitados
Como verdadeiro senhor,
88
Mauro saía de um quarto
Com a carabina na mão
Ouvia do Baldim o relato
Com grande satisfação
Disse para o delegado
Levem logo este safado
Para morrer na prisão,
89
Baldim dizia desgraçado
Foi você que me enganou
Tu serás castigado
Por tudo que aprontou
Mauro dizia seu bandido
Você nunca foi traído
Tudo você inventou,
90
Assim o delegado
Falou para o capitão
Mande o seu soldado
Amarrar o cidadão
Depois partiram dali
Baldim via Mauro sorrir
Com uma estranha emoção,
91
Porém tudo estava perdido
Nada podia fazer
Mais uma vez foi traído
E sem ninguém te valer
Na hora que ia saindo
Via o Mauro sorrindo
Sentia a terra tremer,
92
Mesmo assim ele falou
Adeus fingido amigo
Esta você ganhou
Guarda a vitória consigo
Mas se um dia eu voltar
Sorrindo vou te matar
Pra nunca mais ser traído,
93
Baldim se despediu
Do seu querido sertão
Não se sabe se fugiu
Ou se vive na prisão
Sabe-se que foi julgado
E que fora condenado
A cem anos de reclusão,
94
Depois de tudo acertado
Mauro foi justificar
Provar que não era culpado
Com Liano foi falar
Liano não contestou
O Baldim preso conformou
Deixou o caso encerrado,
95
Agora sem pai e sem mãe
Pro Liano foi ruim
Vendo fatos que antepõe
Sem meio e sem ter fim
Só descontentamentos
Causando sofrimentos
Será que a vida é assim,
96
Amargurado e tristonho
Ele viva a pensar
Vivendo a vida em sonho
Sem poder acordar
Parecia um pesadelo
Que preferia não tê-lo
Pra não viver a penar,
97
Mas como a vida é assim
Até mesmo no sertão
Muitas coisas não têm fim
Perdem-se na imensidão
O negócio é viver
Esperar acontecer
Para tirar conclusão,
98
Agora não foi difícil
De a tal conclusão tirar
Pois com tanto enguiço
Já podia imaginar
De tanta coisa ruim
Se continuar assim
Percebo onde vou chegar,
99
Na verdade precipitado
Com sua conclusão
Cada um tem seu estado
E sente sua intenção
Mas mergulhado na tristeza
Vivia uma grande incerteza
E penosa desilusão,
100
Como já tinha percebido
Que sua mãe tinha partido
Do mundo tinha despedido
E ele no vem e vai
Sem acreditar e ninguém
Nem mesmo em si também
Uma dúvida que não sai,
101
Da velha casa saiu
Com sua irmã foi morar
Que muito alegre sorriu
Ao ver o irmão chegar
O recebeu com calor
Demonstrando muito amor
Quase chegou a chorar,
102
Liano, porém pressentia
Que a vida não era assim
Pois ele percebia
Que logo chegava ao fim
Mas não sabia o que
Nem também o porquê
Ele falava ai de mim,
103
Como já estava rapaz
E que viva a trabalhar
Nunca quis ser capataz
Vivia a vaquejar
Era o melhor do sertão
O seu nome de peão
Começou a circular,
104
Um vaqueiro de primeira
E um grande montador
Montava em pirambeira
Também era laçador
Aceitava desafio
Com qualquer macho vadio
Pra provar o seu valor,
105
Foi convidado para uma festa
Para montar um burrão
Pois isto é coisa que resta
Para o famoso peão
Que não podia faltar
Pois era para festejar
O noivado do irmão,
106
Liano preparou seu macho
Em seguida viajou
Pois tinha que tirar o facho
Do tal burrão planejou
Pois ia sem sentir medo
Montar era o seu segredo
Macho nunca enjeitou,
107
E quando era à tardinha
Que na fazenda chegou
Na estrada aonde vinha
Muita gente apontou
Que precisavam chegar
Para ver o peão montar
O fazendeiro convidou,
108
Muita gente chegava
Vinha vindo em multidão
Amarrado no tronco estava
O perigoso burrão
Que cavava e urrava
Parecendo que esperava
A hora da decisão,
109
Logo o fazendeiro falou
No meio da multidão
Que ao ouvi-lo alvoroçou
Porém com satisfação
Que pudessem apostar
Pois o peão ia montar
No seu temido burrão,
110
As apostas surgiram
De exorbitantes valores
Homens valentes sorriram
Sem ter menores pavores
Gritavam com alegria
Esqueceram a valentia
Esperando os ganhadores,
111
Liano também apostou
Com o grande fazendeiro
Que dizia ser perdedor
Não acreditou no vaqueiro
E muita gente apostava
Pois o burrão ganhava
Mas via homem cabreiro,
112
E a esperada hora
De o grande peão montar
Que veio sem demora
O burrão arriar
Gente estava a sorrir
Esperando o peão cair
Só para poder vaiar,
113
Liano benzendo o corpo
Fez o sinal da cruz
Pedindo a Deus um reforço
Dando-lhe um pouco de luz
Pra ser feliz na missão
E não cair do burrão
Que a sorte lhe conduz,
114
E o burrão amarrado
Urrava como leão
Pois já estava arreado
Liano com atenção
Pediu para anunciar
Que ele ia montar
Na hora deu confusão,
115
Muitos com as apostas
Ficaram alegres a gritar
Mulheres nas portas
Para o instante festejar
Porém só se via fanisco
Pedaço de esterco e cisco
Não parava de voar,
116
Logo cobriu de poeira
Aquele grande curral
Gente saía na carreira
Nunca se viu como igual
Parecia uma nuvem só
Que muita gente tinha dó
Do coitado afinal,
117
Ninguém via nada
No meio da confusão
Só escutava tacada
No perigoso burrão
E a poeira baixando
Ouviram o burrão urrando
Liano não parava a mão,
118
Quando a poeira abaixou
O burrão estava caído
Pois o Liano acabou
Com o tal burrão atrevido
O retalhou de espora
Cortou por dentro e por fora
Deixou sua vida em perigo,
119
A espora ensangüentada
E o chicote na mão
Com a missão realizada
Liano disse com atenção
Se tiver outro pra montar
Vocês podem preparar
Isto para mim é diversão,
120
Houve uma salva de palma
Quando Liano falou
Gente que estava calma
Naquela hora gritou
Muitas meninas que tinha
Cada qual mais bonitinha
Com Liano apaixonou,
121
Liano montou seu cavalo
Do fazendeiro despediu
Gente ainda em embalo
Pelo fato que viu
Olhava o Liano saindo
Muito alegre e sorrindo
Coisa estranha sentiu,
122
Viu que o grande peão
Tinha poder de verdade
E que tinha opinião
Montava com honestidade
Sem demonstrar grandeza
Muito humilde com certeza
E grande sinceridade,
123
Assim Liano foi embora
E sua fama ficou
Rolando pros campos afora
O fato que ele deixou
Menina apaixonada
Que com ele encantada
Porém não revelou,
124
As apostas que ganhou
Fazia-te independente
Foi Deus que lhe confiou
Esta fama de valente
Um peão de verdade
Que não tinha falsidade
Vivia alegre e contente,
125
Portanto ia bem
Liano e seu coração
Tinha sorte como ninguém
Pelos campos do sertão
Vivia contente a cantar
Só esperando chegar
Uma outra ocasião,
126
E esta não demorou
Nem viu a hora chegar
O fazendeiro lhe convidou
Novamente pra montar
Havia chegado a hora
De festejar a vitória
Seu irmão ia se casar,
127
Liano foi animado
Para o casamento do irmão
Estava bem preparado
Pra realizar a sua missão
Arrumou o seu arreio
Partiu pra lá sem receio
Pra grande ocasião,
128
Na casa do fazendeiro
Assim que Liano chegou
Com seu jeito costumeiro
O fazendeiro lhe saudou
Que pudesse preparar
Pois logo ia montar
Assim o homem relatou,
129
O animal que ia montar
Ainda era novidade
Não ouvia ninguém falar
Esta era a realidade
Mas Liano sem temer
Nem procurava saber
Estava sem curiosidade,
130
Gente estava chegando
De todas as regiões
Que iam se aglomerando
Ali nas imediações
Não paravam de chegar
Pois só bastava olhar
Vinham em multidões,
131
E chegaram também
As grandes autoridades
Pois naquele vai e vem
Com muita curiosidade
O fazendeiro anunciou
O povão alvoroçou
Em sintonia de igualdade,
132
O fazendeiro relatou
Com muita satisfação
Muito contente estou
Esperei esta ocasião
Ver minha filha se casar
E hoje para festejar
Convidei este peão,
133
Ele vai montar
O meu potro voador
E quem quiser apostar
Aposte grande valor
Eu garanto a derrota
Pois veja que a porta
Deste peão já fechou,
134
Liano disse ao fazendeiro
Cuidado com o que diz
Hoje faço nesse terreiro
O que eu sempre fiz
Quero ver homem dançar
Perder o que apostar
Serei um peão feliz,
135
Nunca encontrei na vida
Um cavalo vencedor
Desde que entrei na briga
Nunca fui um perdedor
Por isso eu lhe garanto
Não quero ouvir espanto
De alguém que apostou,
136
E falava preparado
Com o chicote na mão
O potro já arreado
No meio da multidão
Quando Liano montou
O povo alvoroçou
Foi aquele poeirão,
137
O vento forte assoprou
Levando a poeira dali
O povo reanimou
Ao ver o potro subir
O fazendeiro assustado
Ficava admirado
Do Liano não cair,
138
Logo o potro estafou
Pois já estava vencido
O fazendeiro espantou
Ao ver que tinha perdido
Liano disse senhores
Quero ver os perdedores
Ficarem aborrecidos,
139
É assim que é a vida
Aventurosa de um peão
Que vive a causar intriga
Pelos campos do sertão
Sorridente a andar
Pois a sua lida é montar
Com grande satisfação,
140
Não montar só por dinheiro
Também por desafio
Não encontrar companheiro
E nem macho vadio
Que viesse derrotar
E da sua sela tirar
Ao menos o pé do estribo,
141
Depois que Liano falou
Para toda multidão
Gente o cumprimentou
Com muita satisfação
Moças choravam de alegria
Desejavam sua companhia
Numa noite de ilusão,
142
E como o sol já entrava
A noite ia chegando
A noiva se preparava
Para o seu desengano
Outros arrumavam o altar
Aonde ela ia se casar
Com o irmão de Liano,
143
Começou a cerimônia
O juiz a realizar
Sentiam grande vergonha
Na hora de se casar
Depois que falou o juiz
Como a própria lenda diz
O padre foi rematar,
144
Agora estava casada
A filha do fazendeiro
Ainda estava encantada
Com o momento derradeiro
Que logo ia voar
Para nunca mais voltar
Aquele instante primeiro,
145
Na grande animação
Muita gente a dançar
Parecia confusão
De tanta gente a cantar
Mas era realidade
Com muita felicidade
A noiva estava a chorar,
146
Liano também dançava
Conquistando as garotas
Muitas ficavam encantadas
Por ele estavam loucas
Só que Liano desconfiado
Demonstrando acanhado
Para enganar as trouxas,
147
E já na madrugada
O povo ia se dispersando
O dia já clareava
O sol ia apontando
Com os seus raios brilhava
O pessoal que estava
Lá na latada dançando,
148
Na grande casa da festa
Só quem foi lá para crer
Tinha coisa na certa
Pra saborear e beber
Gente que foi só pra olhar
Pois parecia espiar
Nisso se pode crer,
149
Mas Liano foi embora
Porém na imaginação
Levava outra história
Sem saber qual a razão
Não tinha nada a ver
Porém estava a sofrer
O seu pobre coração,
150
Que ele devia voltar
Para algo ali rever
Não deixa ninguém penar
Assim sem merecer
Até parecia ouvir
Que tinha dentro de si
Algo para te dizer,
151
E nesta intuição
Assim Liano voltou
Sentia grande emoção
Porém ele imaginou
Se era o seu coração
Vivendo alguma ilusão
Que muito precipitou,
152
Quando Liano chegou
Na casa do fazendeiro
Lá da porteira chamou
Do seu jeito costumeiro
Seu irmão desconsolado
Com cara de retardado
Vinha vindo no terreiro,
153
Liano disse mano
Que cara de retardado
Sei que não me engano
Está sendo maltratado
Ele disse que nada
Entre pra cá camarada
Você está enganado,
154
Liano disse ainda bem
Acho que está mentindo
Não é essa cara que tem
Quem vive sorrindo
Você está desprezado
Esquecido e humilhado
E fica se omitindo,
155
Abra o jogo cara
Sabe que sou seu irmão
Pra que ficar nessa tara
Sofrendo humilhação
Diga logo o seu problema
Tiro-te deste dilema
Sem nenhuma confusão,
156
Na confusão já entrei
Agora não posso sair
Até que já imaginei
Mas tornei a desistir
Quem casa tem que honrar
Não pode se ausentar
Precisa se garantir,
157
Na verdade você percebe
Como eu estou vivendo
Num buraco como lebre
As amarguras roendo
Amando sem ser amado
Vivendo escravizado
Assim estou morrendo,
158
O meu sogro faz de mim
Um camarada qualquer
Trata-me de um jeito assim
Pro que der e vier
Sou como seu empregado
Por ele sou maltratado
Como se fosse mulher,
159
Nisso que eles falavam
Vinha chegando alguém
Naquele instante calaram
Até o tempo também
A cara da humilhação
Esposa do seu irmão
Não era mais ninguém,
160
O fazendeiro assim chegou
Foi logo o Liano saudando
Pra dentro da casa entrou
Com o Liano conversando
Demonstrando ser amigo
Não parecia fingido
Quando vinha montando,
161
Logo o fazendeiro falou
Que honra me dá a visita
Parece que você gostou
Ou tem alguma coisa à vista
Liano disse não
Vim visitar o meu irmão
Espero que não se irrita,
162
O fazendeiro disse nada
Pode ficar a vontade
Afinal meu camarada
Digo com sinceridade
Você aqui é bem vindo
E o Liano sorrindo
Com a sua cordialidade,
163
Mas dentro da sua mente
Existia algo errado
Se menos que eu invente
Uma história do passado
Por que sou bem recebido
O meu irmão que é o marido
Está sendo maltratado,
164
Liano disse obrigado
Pela sua gratidão
Eu não sou tão educado
Só sei falar palavrão
Mas fico muito contente
De saber que certa gente
Por mim tem boa intenção,
165
Mais tarde foram jantar
Liano acompanhado
E todos a comentar
Cada um do seu passado
Cada qual com o seu jeito
Escondendo seu defeito
Lá no seu peito guardado,
166
Logo após a refeição
Todos foram pra sala
Sem desviar a atenção
Continuaram a fala
Pra não ficar esquecido
E nem também aborrecido
Pelo papo que embala,
167
A noite tinha rompido
Todos ali conversando
Ninguém entristecido
Porém alguém cochilando
De modo que foram dormir
Na espera do novo dia vir
Com o tempo andando,
168
Liano foi se deitar
Numa rede na varanda
Lá ficou a balançar
Encostado numa banda
Logo o sono te levou
Liano só acordou
Após a grande demanda,
169
Liano se levantou
E saiu lá pro quintal
Com seu irmão encontrou
De uma forma banal
Levando lenha na mão
Sujo de cinza de fogão
Era um cuca legal,
170
Liano deu bom dia
Ele não deu atenção
Ali Liano viu que via
A vida do seu irmão
Que estava escravizado
E como um boi tocado
Com a vara de ferrão,
171
Liano saiu atrás
Para ver o que fazia
E quase caiu para trás
Sem acreditar no que via
O seu irmão na cozinha
Dando de mulherzinha
É isso que existia,
172
Contudo ainda cedo
E os outros se levantaram
Liano guardava segredo
As curiosidades calharam
Liano viu a verdade
Pois era a realidade
Que os seus olhos fitaram,
173
Liano descobriu
O papel do seu irmão
Que na realidade viu
Vivia na humilhação
Só por ter se casado
Com filha de abastado
Que se dizia patrão,
174
Lá no dia do noivado
E também do casamento
O povo foi enganado
Liano viu o atrevimento
Fazendeiro que era alguém
No fundo não era ninguém
Sem constrangimento,
175
Ele só tinha fama
E nome de fazendeiro
Vivia afundado na lama
Como tatu verdadeiro
Enganava os presentes
Fazendo às vezes de gente
Com cara de perdigueiro,
176
Só tinha um gadinho
Conseguido na trapaça
Cabritos e um porquinho
Umas ovelhinhas de raça
Um pedaço de capão
Outro de areão
E vivia na desgraça,
177
Depois reunidos
No café e conversando
Também eram conduzidos
Pelo papo do Liano
Que tentava descobrir
Enquanto os via sorrir
Liano criava um plano,
178
O fazendeiro contava
Todo fato acontecido
Em sua família relatava
Como tinha ocorrido
Porque ali veio parar
E como foi duro passar
O seu momento doido,
179
Aí então minha senhora
Porém sem deliberação
Com esta cara horrorosa
Mas me tem muita afeição
Se a vida não fosse assim
Ela não teria um fim
Cheio de tanta aflição,
180
Pois tudo despontou
Num dia atormentado
A jagunçada chegou
Dando tiros pra todo lado
Minha mulher desesperada
Correu pro mato assustada
Ficou como bicho amoitado,
181
A partir daquele dia
Coitada chegou ao fim
Vive em minha companhia
Porém não sabe de mim
Foi o jeito deixar
Nada ia adiantar
E ela vive assim,
182
Naquela época pra viver
Neste lugar desprovido
Meus queridos podem crer
Precisa ser atrevido
A dor era a companhia
Amiga do dia a dia
Pois tudo aqui era sofrido,
183
E tudo que se deu
Eu me julgo culpado
A minha mulher adoeceu
Fiquei preocupado
Mudei de opinião
Melhorei minha intenção
Mas fiquei desesperado,
184
E foi que comecei
A dar valor na vida
Parece que encontrei
Para mim uma saída
Com muita sinceridade
No caminho da verdade
Jogando a melhor partida,
185
O papo acabava
Vinha chegando alguém
Saudando quem ali estava
Com alegria também
Fizeram grande farra
Por causa dessa algazarra
Não causaram muito bem,
186
Liano e o seu coração
Que naquele instante feriu
Dominado pela emoção
Por algo que sentiu
Pois era uma linda menina
Que mudava a sua sina
O peão não resistiu,
187
A menina era sobrinha
Daquele velho fazendeiro
Morava com uma velhinha
No instante derradeiro
Filha de criação
Que foi ali pro sertão
Cumprindo um roteiro,
188
Liano apaixonou
Pala moça no instante
Quem estava ali notou
Ao ver o seu semblante
Que não podia esperar
Com ela queria falar
Algo muito importante,
189
O fazendeiro notou
Como ficou o peão
Uma conversa inventou
Para mudar a atenção
E quando a moça saiu
Liano se despediu
Sem mudar a intenção,
190
Ainda no caminho
Acompanhou a menina
Em sua mão um lencinho
Companheiro de fascina
Mas não ia desprezada
Estava acompanhada
Da velha e sua sina,
191
A caminhada eles seguiram
Os três pelo caminho
Elas duas sorriram
Ao ver Liano sozinho
A velha disse senhor
Ao Liano interrogou
Se ele queria um cantinho,
192
Liano disse parece
Mas acho que encontrei
Afinal não foi prece
Que nesse instante roguei
Não foi nenhuma oração
E nem foi assombração
Foi uma jóia que achei,
193
É como diz o ditado
Seja o que Deus quiser
Não se vive assustado
Perto de uma mulher
É a esperança árdua
Ou nosso anjo da guarda
Para o que der ou vier,
194
A companheira do homem
Criada por nosso Senhor
De perto do abdome
Bela como uma flor
Umas parecem singelas
Pois feita da costela
Com gosto de paz e amor,
195
E ninguém pode viver
Sem mesmo nela pensar
E começa a sofrer
Com ela tem que se casar
Isso é pura amizade
Ou é tal fraternidade
Até a vida acabar,
196
Assim que eles chegaram
Naquela velha palhoça
Ali então entraram
Como gente da roça
Distante da tal bondade
Vivendo a realidade
Chamada de gente grossa,
197
Lá dentro do casebre
Liano a falar
Com a menina alegre
Estava a papear
Enquanto a velha cuidava
Da comida que cheirava
Liano a namorar,
198
Depois que almoçou
Liano resolveu partir
A menina falou
Porque tinha que ir
Você não demorou nada
Pra que pegar a estrada
Seu eu estou aqui,
199
Liano disse a ela
A vida e sempre assim
Quando se ama uma donzela
Precisa pensar sim
Pois a responsabilidade
E com muita sinceridade
Para chegar ao fim,
200
Ela disse agradeço
Por tamanha gratidão
Não sei se eu mereço
Tanto apreço e afeição
Afinal com certeza
Sou dona de grande beleza
É seu o meu coração,
201
Liano disse obrigado
E a mão lhe estendeu
Com ar de apaixonado
Seu desejo enfureceu
Ela caída em seus braços
Entrelaçando em abraços
Logo a lágrima desceu,
202
Liano enxugava as lágrimas
Que do seu olhar brotou
Tentando manter a calma
E sufocado falou
Obrigado meu Senhor
Pelo presente de valor
Que o Senhor me mandou,
203
Enquanto ele bailava
Em sua imaginação
A linda jovem beijava
Com a maior intenção
Possuído pelo desejo
Num interminável beijo
Aumentava a emoção,
204
Logo cansados
De abraçar e beijar
Pois eram vedados
Do que não posso falar
Sei que está entendendo
O que estou dizendo
É melhor não relatar,
205
Eles também imaginavam
O que estamos falando
Porém não importavam
Principalmente Liano
Que era muito direito
Um caboclo de respeito
Não mudaria o seu plano,
206
Pois estava firmado
Desde o primeiro dia
Que só depois de casado
Na moça buliria
Que o diabo atentasse
Que a donzela afobasse
Mas o peão não temia,
207
Com a indomada cegueira
Ou a sede de amor
Antes de cometer besteira
Liano dizia à flor
Guarde a sua paixão
Cuida do seu coração
Cheio de tanto calor,
208
Assim Liano saiu
Andando desequilibrado
Parece que dividiu
Ficando assim separado
A linda jovem também
Que vagava no além
Ao vê-lo apaixonado,
209
Sorrindo pelo caminho
Galopando no pangaré
Liano pensava sozinho
Veja a vida come é
Cheia de tanta incerteza
E as vezes com surpresas
Que não se sabe o que é,
210
Agora eu já tenho
O que meu coração queria
Porém me detenho
Porque ele não resistia
Será que isso é amor
Ou um pouco de calor
Que este pobre sentia,
211
Por outro lado sinto
Que estou apaixonado
Pelo jeito pressinto
Que logo estarei casado
Vou trazer aquela flor
Pra te dar o meu amor
Já estou desesperado,
212
E tarde da noite
Quando em casa chegou
Envergado como foice
Pro celeiro entrou
Cansado do seu viver
Esperando acontecer
O que sempre procurou,
213
Soltou o macho no pasto
Logo depois foi dormir
Desmaiado de cansaço
Porém estava a sorrir
Pois estava animado
Sentindo-se privilegiado
A sua mente a fluir,
214
Pintando quadros bonitos
Em sua imaginação
Via coisas no infinito
Que vivia o coração
Parecia realizado
Até se sentia casado
Esta era a impressão,
215
Logo adormeceu
Com a menina a sonhar
No sonho os lábios seus
Aos dela a beijar
Era felicidade que tinha
Com a linda garotinha
Que te fez apaixonar,
216
Os dias foram passando
Voava a sua imaginação
O pobre Liano vagando
No seu mar de ilusão
Sem saber aonde chegar
Se iria naufragar
Ou se tinha salvação,
217
A saudade aumentava
O tempo lento a passar
Chorar não adiantava
O sofrimento a atormentar
O jeito era ver morrer
Quem estava a te roer
Só assim ia acalmar,
218
Arriou a sua besta baia
Chamada de ventania
E foi ver a sua amada
Que com certeza sabia
Que não ia demorar
Pra ver seu amor chegar
Lá da janela sorria,
219
Sorriso que não apagava
Dentro do seu coração
Ainda multiplicava
A sua grande paixão
Pelo jovem rapaz
Que demonstrava capaz
De realizar sua intenção,
220
Após atravessar
Numa tarde de verão
Que parecia queimar
O quente sol do sertão
Grandes bancos de areia
Sua mula como sereia
Cortava o estradão,
221
Já era bem de tardinha
Quando Liano chegou
E perto da casinha
Da mula desmontou
Depois de verter água
E sem lembrar mágoa
Que muito longe ficou,
222
Assim tornou a montar
Para acabar de chegar
Ouvia a mula turrar
Parecendo avisar
Que no terreiro chegou
Com alegria chamou
Ficou esperando chegar,
223
Da casinha saía
Uma linda perfeição
Muito feliz sorria
Na maior satisfação
Liano desmontou
Com ela abraçou
Sentindo muita emoção,
224
Por algum tempo ficaram
Os dois ali abraçados
Apaixonadamente beijaram
Estavam entrelaçados
O sol se pondo olhava
Parece que até parava
Eles ficaram encantados,
225
Logo o sol entrou
Começava escurecer
Liano não assustou
Com o que podia acontecer
Era a primeira vez na vida
Que jogava esta partida
Assim podia crer,
226
Entraram na casinha
Num banco se assentaram
Logo veio a velhinha
Porém não assustaram
Liano a cumprimentou
A velinha te saudou
Assim se tranqüilizaram,
227
A linda garota assentada
Bonita e carinhosa
Era a dama encantada
Muito gentil e charmosa
Do seu lado contente
Alegre e sorridente
Como uma flor mimosa,
228
Ao Liano ela dizia
De amor vou te chamar
Na vida inteira eu seria
O seu canto de ninar
Será que você gostou
Ou será que magoou
Pelo meu jeito de falar,
229
Liano disse que nada
Como você quiser
Junto em nossa estrada
Estarei pro que vier
Afinal serei sempre seu
Seu coração será meu
E mais o que ele tiver,
230
Ela falou será
Que você vai tolerar
Tanto amor para te dar
Que nem posso esperar
Por muito tempo te digo
Liano vendo o perigo
Disse vou preparar,
231
Então prepare meu bem
O tempo está passando
Enquanto a gente tem
Que estamos imaginando
Podemos aproveitar
Pois não vamos deixar
Se não vai esfriando,
232
Liano disse não acho
Que isso vem a acontecer
Pois só se queima o facho
Depois de se ascender
No entanto agora
O fogo está por fora
Sem nenhum perigo ter,
233
Ali na humilde taberna
Mergulhada na escuridão
Parecendo uma caverna
Que existia no sertão
Só no céu muito distante
Vê-se estrela cintilante
Perdida na imensidão,
234
A noite já avançava
E Liano namorando
Assunto não lhe faltava
Estavam conversando
Pois até já tinha jantado
Estava sendo bem tratado
A jovem estava amando,
235
Depois a velha falou
É muito tarde meu bem
Liano assim assustou
E a menina também
Porém depois concordaram
E então se separaram
Beijando como ninguém,
236
A velha já tinha arrumado
A cama para a visita
Que dormiu agasalhado
Naquela casa esquisita
De silêncio e escuridão
Lá no meio do sertão
Aonde tudo se limita,
237
Na cama de madeira
Forrada com um colchão
Pois com simples maneira
E grande educação
Falou com delicadeza
Liano tenha a gentileza
De tomar a posição,
238
Pois do quarto saindo
A linda jovem foi dormir
Fechando a porta e sorrindo
Mas quase sem querer ir
Liano foi sonhar
Esperando assim chegar
O novo dia a fluir,
239
Liano adormeceu
Após alguns momentos
De encanto se envolveu
Sonhando com os intentos
Na madrugada assustou
Sem querer acordou
Pra aumentar o sofrimento,
240
Qualquer um sofreria
Veja a situação
Ter vontade e não podia
Isto é humilhação
O próprio ser faz consigo
Criando o próprio perigo
Sem procurar solução,
241
Um homem apaixonado
Perto do seu amor
Sentindo desesperado
Pressentia o seu calor
Sem poder mesmo tocar
Nem mesmo sequer falar
Esta é uma grande dor,
242
E como um cão danado
Liano estava a pensar
Já que estou apaixonado
E que pretendo casar
Eu vou convidar ela
A deixar de ser donzela
Não pode me maltratar,
243
Com pensamentos loucos
E que parecia valer
Foi sentindo aos poucos
Seu corpo esmorecer
Liano disse é agora
Tudo no mundo tem hora
Estou a perceber,
244
Porém se enganava
Nem tudo sempre é assim
Tudo que ele pensava
Na verdade tinha sim
Mas um pouco diferente
Pois é surpreendente
Que as coisas têm fim,
245
Naquele jogo de mente
De vontade e desejos
E no seu quarto contente
Imaginava nos beijos
Que com ela tinha trocado
Que ainda estava entalado
No mundo dos anseios,
246
E passou a madrugada
Vivendo só na vontade
O amado e sua amada
Em um amor de verdade
Restava apenas esperar
O momento de se casar
Pra ver a realidade,
247
Logo amanheceu o dia
Muito bonito no sertão
Liano feliz sorria
Com sua imaginação
Pra todos os lados que via
Na sua mente se lia
Tamanha satisfação,
248
Pois estava tão contente
Com o que Deus lhe deu
Alegre e sorridente
Era o estado seu
E logo viu seu amor
Linda como uma flor
Pros seus braços correu,
249
Antes de dar bom dia
Preferiu te abraçar
Tão alegre sorria
Estava mesmo a mar
Beijando apaixonados
Estavam os dois abraçados
E a velhinha a olhar,
250
Hoje eu não faço nada
Pro Liano ela falou
Pois como sou dedicada
A vida pra mim mudou
Sou sua dona agora
Como esperei essa hora
Que Deus me enviou,
251
E a manhã foi passando
O lindo casal namorando
O sol já virando
Eles estavam almoçando
Logo a tarde chegou
Como Liano planejou
Continuar o seu plano,
252
Na verdade o seu plano
Era uma pretensão
Todos cometem engano
Com a sua nobre intenção
Liano estava encantado
Pela jovem apaixonado
Se é que existe paixão,
253
E depois de almoçar
Saíram lá pro quintal
Ali foram papear
Falavam de si afinal
E ela veio a dizer
De ti eu quero saber
Quem és tu animal,
254
Liano então relatou
Desde quando era menino
Pois a ela contou
Que ficou somente ouvindo
Até quando a encontrou
Que por te apaixonou
E como a vida ia indo,
255
Depois que ela o ouviu
Liano disse e você
A linda menina sorriu
Falando-lhe pode ver
Desde o dia que me viu
Que você mesmo sentiu
Que nada pude conter,
256
Sou filha de um português
Com uma velha sarará
Que nada na vida fez
Para seus filhos ajudar
Talvez quisesse era ver
Cada filho sofrer
Ou a família deixar,
257
Eu mesma não vi nada
Ouço o povo dizer
Minha mãe era complicada
Para com os outros viver
Era cheia de indaca
Feia como uma taca
Pelo fato de ser,
258
Contam que certo dia
Algo triste aconteceu
O meu pai em companhia
Do um tal amigo seu
Com duas mulheres da vida
Assim vivendo de guarida
Foi que o fato se deu,
259
Eles atravessavam um rio
Em uma velha canoa
E de repente se viu
A água na proa
Foi logo se afundando
E todos se afogando
O que fazia era à-toa,
260
Meu pai não sabia nadar
Não teve salvação
Mas antes de se afogar
Ele chamou a atenção
Disse cuida da mulher
Coisa que todo mundo quer
Mas tudo foi em vão,
261
Com o fato ocorrido
Nada foi providenciado
Pra uns ele tinha morrido
Pra outros assassinado
Não se sabe a verdade
Qual foi a realidade
Nem mesmo foi encontrado,
262
Dizem que procuraram
Pelo seu corpo perdido
Porém não encontraram
Nada do falecido
Talvez peixe o comeu
Pois ele desapareceu
Na correnteza do rio,
263
Minha mãe ficou sozinha
No mundo do além jogada
Pois apoio ela não tinha
Ficando desamparada
Com tantos filhos nas costas
Assim parecia morta
Na vida amargurada,
264
Seus filhos foram saindo
Cada um pro seu lugar
Uns iam sorrindo
Porém outros a chorar
E era duro de ver
A pobre velha sofrer
Sem nada adiantar,
265
E como em todo lugar
Existem oportunistas
Minha mãe vivia a chorar
Aonde veio uma conquista
Que dizia lhe dar a mão
Na hora da aflição
Que falsidade maldita,
266
A pobre velha caiu
No tal conto do vigário
Pois ela não resistiu
O forte papo do otário
Que sempre está por perto
Demonstrando ser esperto
Este tipo ordinário,
267
Daí veio uma criança
Pequena e muito pretinha
Era fruto da vingança
Da minha pobre mãezinha
Que parece ser destino
Filha do assassino
Mas a velha não continha,
268
As duas foram rejeitadas
Pela tal sociedade
Que a julgava errada
Traindo a sua dignidade
Arrumar filho com alguém
Que não se sabe de quem
E qual era a realidade,
269
Eu ainda era garotinha
Mas já estava estudando
Esperando o que vinha
Nesta vida de engano
Sem saber aonde chegar
E aonde eu ia parar
Vivia imaginando,
270
Não demorou muito tempo
Logo eu fui enviada
Saí de um sofrimento
Mas fiquei aqui jogada
Entristecida da vida
Sem ter nenhuma amiga
Que me fosse camarada,
271
Vim parar neste lugar
Escondido no sertão
Onde fiquei a chorar
A minha desilusão
Por estar estudando
A minha vida formando
Mas se deu em confusão,
272
No início foi ruim
Mas fui me acostumando
Até que chegou ao fim
Comecei fazer plano
Vagando em minha mente
Sem nenhum pretendente
E eu ficava pensando,
273
O tempo foi passando
Sem nada acontecer
Eu fui me transformando
E continuava a crescer
Vi-me moça casadeira
Comecei pensar besteira
Sem saber o que fazer,
274
Porém fazia oração
Pedindo ao nosso Senhor
Orava com atenção
Acreditando no Salvador
Pois só Ele ia me ajudar
E um alguém encontrar
Que pudesse me dar valor,
275
Agora sei que a vida
É mesmo realidade
Pois nos atira na lida
Sem demonstrar igualdade
A gente é que tem que fazer
Não adianta merecer
Sem ter a cordialidade,
276
Mas com jeito se leva
A vida num modo qualquer
Como um animal na selva
Tem liberdade como quer
Sem importar onde sair
Mesmo sem saber onde cair
Ou sem saber o que quer,
277
Em nossa selva de sonhos
Aos poucos acordando
Os nossos olhos tristonhos
Só de viverem sonhando
E vivendo com muito fulgor
Assim eles vêem o amor
Em um lindo rosto risonho,
278
Eu por exemplo querido
Por muito tempo esperei
Onde estivesse perdido
Mas agora encontrei
Já acabei de te falar
Nada tenho a relatar
Sobre mim já terminei,
279
Hoje não posso falar
Como se fosse sozinha
Preciso parar e pensar
Já em nossa casinha
Ela é minha esperança
E guardarei de lembrança
O meu tempo de mocinha,
280
Já estou imaginando
Um dia nos dois casados
E junto de te lutando
Pra sermos dois felizardos
Criar os nossos filhinhos
Sem a eles faltar carinho
Pra se sentirem amados,
281
Liano disse querida
Fiquei encantado em ver
Como tu encaras a vida
E o seu modo de ser
Estou muito contente
E só de te ver sorridente
Mais alegria eu vou ter,
282
Ela atirou em seus braços
Enlouquecida de paixão
Beijando-o entre abraços
Via-se grande emoção
Quanta sede de amor
Se viver calor
Só faltava a explosão,
283
Por minutos ali ficaram
Abraçados a beijar
E por fim se cansaram
Porém ela estava a chorar
Parecia estar comovida
Pois pelo amor, possuída
Que mal podia andar,
284
Já estava anoitecendo
O sol estava se pondo
No horizonte descendo
As nuvens avermelhando
Era o pôr-do-sol colorido
E o Liano comovido
A linda donzela beijando,
285
Entre lágrimas e sorrisos
Misturados com desejos
Sentiam-se indecisos
Só pensavam em beijos
Liano vendo à hora
Pois tinha de ir embora
Sem matar seus anseios,
286
Assim ele despediu
Dizendo adeus meu bem
A voz quase que não saiu
E a voz dela também
O certo que ele foi embora
Restando somente a hora
De levar aquele alguém,
287
Muito triste ela ficou
Só acenava com a mão
Dizem que ela chorou
Por sentir grande paixão
Em ver o seu amor ir
Muita alegre a sorrir
Pelos campos do sertão,
288
E assim ele se fora
Deixando o amor a chorar
Saindo de dentro pra fora
Muito amor para te dar
Pois breve ela estaria
Junto de te sorriria
Sua intenção era casar,
289
E no caminho pensando
Como pode acontecer
Se na vida tem engano
E como vem aparecer
O certo é que se foi ou não
Foi bom pro seu coração
O que lhe fez merecer,
290
Com a noite muito alta
Em casa Liano chegou
Fazendo barulho em lata
Sua irmã ele acordou
Que ficou muito assustada
Lá debaixo da latada
Pro Liano ela falou,
291
Sabe me querido irmão
O que está precisando
É de juntar seu coração
Com o que está te amando
Pois se isto não o fizer
Arranje outra mulher
Não fique vagabundeando,
292
Liano ficou nervoso
Porém contrariado
Pois era muito vaidoso
Não podia ficar calado
Ouvir sua irmã falar
O que tinha a relatar
Mas ele ficou embuchado,
293
A sua irmã falou
O que bem quis relatar
Dizia você já olhou
Bem pro seu lugar
Sabe o que está fazendo
Se ganhando ou perdendo
Já parou pra imaginar,
294
Agora só fala nessa moça
Nem sabe quem é a tal
Pondo titica em sua boca
Nunca se viu gente igual
Abra os olhos meu irmão
Não quero te ver no chão
Um derrotado afinal,
295
Liano disse pra ela
Pode ficar tranqüila
Sou um bom peão de sela
Sem medo da partida
Enfrentando toda parada
Não fique assim camarada
Afaste da minha vida,
296
Sei muito bem o que faço
Não precisa se preocupar
Se eu cair no fracasso
Não é você que vai danar
Portanto cara maninha
Quieta em sua casinha
E deixa a vida rolar,
297
Agora vamos dormir
Esperar o amanhecer
Amanhã eu vou sair
Tenho algo a resolver
Pois não posso parar
O homem ao se casar
Não lhe importa o sofrer,
298
Assim a manhã chegou
Naquele quente sertão
Onde Jesus não deixou
Nem um pouco de perdão
Dizem que é invento
Que retrata o sofrimento
De uma grande geração,
299
O sol no alto do céu
Liano saiu a andar
Com uma cara de réu
Fazia pena olhar
Seguindo pro Campinão
Os amigos de profissão
Era fácil de encontrar,
300
Chegando ao Campinão
Estavam os companheiros
Com grande satisfação
Os que chegavam primeiro
Que ali se encontraram
Numa árvore rodearam
Cada qual com seu desejo,
301
Depois da reunião
A peãozada partiu
Com grande satisfação
Pra cada lugar um saiu
Pois haviam combinado
E suas tarefas empreitado
Na hora que reuniu,
302
Liano com sua missão
Logo foi realizar
Era lá no Boqueirão
Onde tinha que montar
Numa mula perigosa
Por nome de melindrosa
Famosa naquele lugar,
303
O sol descia no horizonte
Quando Liano chegou
Com fome seu semblante
Logo o pessoal notou
Levaram-no para almoçar
Antes de ir montar
Do pobre peão cuidou,
304
Logo após a comida
O levaram a Melindrosa
Sua pele de gato de briga
Demonstrava perigosa
Mas Liano não assustou
Quando a comida assentou
A coisa ficou gostosa,
305
Pulou no lombo da besta
Que já a encontrou pulando
Saiu em direção à cerca
A danada ia saltando
De rédea muito queixuda
Liano pedia ajuda
Mas estava adiantando,
306
Porém Deus lhe ajudou
A tal besta dominar
Que da cerca salvou
Mas continuou a pular
Só bem tarde que parou
A melindrosa se entregou
Tremia de tanto apanhar,
307
Liano foi aplaudido
Pois cumpriu sua missão
Recebeu o seu devido
Com grande satisfação
Montou em seu cavalinho
E seguiu o seu caminho
Na melhor intenção,
308
Num arraial não distante
Ali daquele lugar
Liano como viajante
A noite ali foi passear
Pra farrear um bocado
Pois era acostumado
E não podia parar,
309
E naquela corrutela
Tinha de tudo na vida
Tinha moça donzela
Também tinha rapariga
Tinha pistoleiro valente
Tinha homem sorridente
Tinha paz e tinha briga,
310
Passavam a noite na farra
Jogando baralho e bebendo
Gritando com algazarra
E animais comendo
Dançando com raparigas
Lá enfrentando as brigas
Se divertindo e sofrendo,
311
Muitos ali morriam
Por outros assassinados
Denúncias não existiam
Bandidos eram respeitados
Era um lugar desgraçado
Mas por muitos desejado
Parecia ser castigado,
312
Talvez fosse mulher
Que ali tinha pra valer
Cada qual pega a que quer
Pode até escolher
Bastava pagar o quinhão
Ou ser apenas valentão
Para a mulher convencer,
313
Assim a noite passou
E Liano farreando
Nem da querida se lembrou
Pois passou a noite amando
As raparigas espertas
Passavam a noite alertas
E os trouxas dominando,
314
O dia estava rompendo
Liano jogando baralho
Um moço estava perdendo
E logo começou dar galho
Mesmo sem ter intenção
Surgiu uma traição
Que veio pra dar trabalho,
315
Um pilantra falou
Que o Liano roubava
Com uma arma obrigou
Que a partida anulava
Fez o Liano correr
Coitado sem merecer
Pra sua estrada andava,
316
Mas antes de partir
Pro homem Liano falou
Um certo dia vai vir
Não se esqueça que vou
Estar pronto pra brigar
Juro que vou te matar
O homem nem assustou,
317
Liano já estava montado
E começava a sair
O homem desapontado
Ficou ali a sorrir
Atirou perto do cavalo
Só pra assustá-lo
E ver Liano cair,
318
Quando o tiro detonou
O cavalo saiu a pular
Porém Liano aquentou
E o homem a atirar
Foi grande a aflição
Só via poeira no chão
Som de balas no ar,
319
Mas Liano teve sorte
Foi Deus que lhe ajudou
Desviando-lhe da morte
O pobre Liano se salvou
Por isso seguia a estrada
Que parecia enfeitada
Por tanta gente que olhou,
320
Depois o cavalo parou
De pular e saiu andando
Assim Liano deixou
Somente o povo olhando
Porém ia amargurado
Parecia um cão danado
De ódio ia chorando,
321
Foi à casa de um amigo
E uma garrucha comprou
Para a tal hora do perigo
Liano se preparou
Só queria ver a hora
Quem te ia por pra fora
Liano imaginou,
322
E Liano foi embora
Amargurado a pensar
Como ia ser agora
E como sua vida ia andar
Ficou muito diferente
Era um homem valente
Andava pronto pra brigar,
323
Já em casa cansado
Contou o que aconteceu
Por todos foi criticado
Pelo fato que se deu
Riram do pobre coitado
Que ficou desapontado
E que de nada valeu,
324
Assim preferiu esquecer
Do fato acontecido
Pois não ia poder
Viver longe do perigo
Isto sempre acontece
Quanto mexe mais cresce
Liano pensava consigo,
325
Ainda mais agora
A fase que estou vivendo
Preparando para a hora
Que perece vir correndo
Quero estar com meu amor
Sentindo o seu calor
Não quero viver sofrendo,
326
E Liano estava
No certo imaginando
Na hora que não chegava
Por estar demorando
Precisava se casar
Ir com a linda morar
E viver sempre amando,
327
E da fazenda Barreiro
Que o Liano pensava
Bem longe no Tabuleiro
Onde seu amor ficava
Lá na Lagoa Comprida
Sozinha e esquecida
Mas com Liano sonhava,
328
Sonhava até acordada
Encostada no mourão
Vivia desapontada
Mergulhada na paixão
Uma mocinha carente
Pelo jeito dependente
Vivendo na ilusão,
329
Os seus sonhos coloridos
Cheios de fantasia
Os momentos perdidos
Que rolavam no dia a dia
Mas com muita exatidão
Palpitava o seu coração
Que seu dia chegaria,
330
Liano também pensava
No que acontecia
Sabendo que ela estava
Certa da sua companhia
E que estava sorridente
Esperando-te contente
Cada instante que vivia,
331
Depois de alguns dias
Liano foi ver sue bem
Com o seu olhar nas vias
Será mesmo que ele vem
Pois ela acertou
O Liano viajou
Alegre como ninguém,
332
Levou uma surpresa
Pra pregar em sua querida
Pois ele tinha certeza
Que ela não era fingida
Merecia sua aliança
Com amor e esperança
O seu amor aumentaria,
333
Liano feliz seguia
Só esperando chegar
Pelos caminhos sorria
Não podia esperar
Vê-la caída em seus braços
Entrelaçada em abraços
Que nunca ia acabar,
334
Imaginava a aliança
Que levava para ela
Pois tinha a esperança
De encontrá-la na janela
E feliz ia te abraçar
Logo depois de beijar
A sua linda donzela,
335
E Liano chegou
Encontrou bem diferente
Na janela não a encontrou
Mas ainda ficou contente
Estava no meio do quintal
Liano viu afinal
Como ela era atraente,
336
Por minutos ficaram
Maravilhando a hora
Lembrando que passaram
Até o momento de agora
Vendo os dias que voaram
Em suas mentes deixaram
Os momentos de vitória,
337
E que vitória seria
Que nunca vinha avisar
Liano, porém sabia
Mas não devia falar
Lembrava o seu pai dizia
Que as coisas que fazia
Não precisava apressar,
338
O que tem de ser seu
Nunca será de ninguém
Pois os atos que cometeu
Volta a cometer também
Não se assusta com o seu
Nem com o dele ou meu
Nem com o de alguém,
339
Querida eu aqui estou
Pronto pra continuar
A minha mente gravou
O seu lindo olhar
O seu sorriso decente
Com o seu jeito atraente
Que não paro de pensar,
340
Mais tarde quero pedir
Talvez uma permissão
Sei que você vai sorrir
Desta minha decisão
Pois o que estou querendo
Você deve estar sabendo
Na sua imaginação,
341
E na hora do jantar
Pra ela ele falou
Não te quero ver chorar
Pois percebendo estou
Mas sem constrangimento
Peço-te em casamento
A garota o abraçou,
342
E na linda mesinha
Onde estava jantando
Juntos com a velhinha
Que os vivia olhando
Sentiu muito feliz
Como o ditado diz
Ela já vinha sonhando,
343
A moça recebeu a aliança
Acompanhada de um anel
Realizando sua esperança
Via-se vagar ao léu
Já se imaginava casada
Com um vestido enfeitada
Azul e um branco véu,
344
A velha estava contente
Por conseguir vencer
Ela estava sorridente
Pois viu a linda crescer
Estava quase a chorar
Já podia imaginar
Dava pra perceber,
345
Liano nem precisa
Dizer como estava
A vida não decidida
Agora já clareava
A garota também
Feliz como ninguém
O seu novo abraçava,
346
Assim a noite rompia
O galo estava cantando
Até a velha dormia
E o casal namorando
Mas Liano era perfeito
Gostava de tudo direito
Não cometia engano,
347
Mandou seu amor dormir
Ele também foi se deitar
Assim via repetir
O seu gesto de amar
Estava muito satisfeito
E também dentro do peito
Seu coração a festejar,
348
Logo o dia amanheceu
Quando Liano assustou
Foi ai que percebeu
Que a noite já passou
Ouviu pássaros cantando
Parecia festejando
Foi o que demonstrou,
349
Raios do sol brilhavam
Clareando os arvoredos
As suas folhas enxugavam
Do sereno os segredos
Ou fantasia de alguém
Que ninguém sabe de quem
Guardam os seus enredos,
350
Pra completar o mistério
A garota levantou
Liano muito sério
Logo te cumprimentou
Abraçando e beijando
Nos seus braços sufocando
Como sempre desejou,
351
Agora estava melhor
Não tinha dúvida de nada
Pois ficaria pior
Não tivesse conquistada
Sem pensar besteira
Seria a sua companheira
Pois breve estaria casada,
352
Já se sentia calmo
Sentado lá no quintal
Medindo sonhos a palmo
Feliz como igual
Ela preparava comida
Muito alegre convencida
Do companheiro ideal,
353
E depois de almoçar
Eles falaram um pouquinho
Depois Liano veio a relatar
Tenho de pegar o caminho
Mas não espero a hora
De não precisar ir embora
Viver no mundo sozinho,
354
A menina te falou
Gosto da sua intenção
E Liano te relatou
A sua louca paixão
Que não estava agüentando
Que o tempo ia passando
Parecendo ilusão,
355
Depois de muita conversa
E muitas paparicarão
Liano mostrava pressa
De pegar o estradão
Mas estava enganado
Pois não estava casado
Tinha de sofrer a paixão,
356
Assim resolveu partir
Levando burro pra amansar
Pois ela alegre a sorrir
Acabava de te dar
Muito tarde chega à sala
Pois todos dormiam em casa
Sem esperá-lo chegar,
357
Só depois no outro dia
Bem tarde se levantou
Viu que alguém sorria
E Liano não gostou
Perguntou qual era a graça
Com essa cara sem graça
Ai sua irmã falou,
358
Agora está diferente
Parece ser um senhor
Nem fala com a gente
O que você aprontou
Será que está casado
Ou ficou desprezado
O que foi que arranjou,
359
Nada eu arranjei
Estou muito feliz
Sei que encontrei
O que sempre quis
Não estou preocupado
Nem também assustado
Com o que você me diz,
360
Estou apenas vivendo
Minha vida particular
Se com isso estou sofrendo
Ou se vivo a chorar
Não interessa ninguém
Nem mesmo a você também
Pare de implicar,
361
Veja só minha história
Desde quando eu nasci
Sem ter nenhuma vitória
Pois até hoje só sofri
Pareço estar mergulhado
Mas agora estou cotado
E que começo a sorrir,
362
No entanto é só noivado
Estou pronto pra casar
Porém um pouco assustado
Como vou me arranjar
Não tenho nada na vida
Vivo no mundo da lida
Sem ter onde ficar,
363
Mas pode ter certeza
Que vou conseguir
Sei que a minha proeza
No chão não vai cair
Logo estarei casado
Junto dela felizardo
Assim irei sorrir,
364
E com esse pensamento
Liano ia vivendo
Pra cumprir o seu intento
O pobre estava sofrendo
Com muita fé e esperança
Sem pensar em vingança
Isto estava percebendo,
365
O burro já mansinho
Pra ela ele foi levar
Andando pelo caminho
Liano ia a pensar
Que uma hora chegaria
Pra ele um grande dia
Com a linda se casar,
366
Ao chegar à sua casa
Muito feliz ela ficou
Ali o burro estava
E o que Liano levou
Um arreio encomendado
Pra ela tinha comprado
Como prova de amor,
367
Ela disse meu bem
Não precisava fazer isso
E não se importar também
Assumir tal compromisso
Pra que tanta surpresa
Só lhe dando despesa
Causando algum enguiço,
368
Que nada minha querida
Só quero te agradar
Só tem sentido a vida
Quando alguém vive a amar
Mas um amor com garrida
Sem se importar com a lida
Que não pára de tocar,
369
E o dia foi embora
A noite escura chegou
Não se via nada lá fora
Na escuridão apagou
E na luz do candeeiro
A donzela e o companheiro
Trocavam juras de amor,
370
A velhinha vigiava
Contra a serpente do mal
Constantemente rondava
Aquele lindo casal
Pois o ambiente permitia
Só a velhinha sabia
Que era caso fatal,
371
Mas não aconteceu
O Liano resistiu
Porém se entristeceu
Muita vontade sentiu
Também pudera afinal
Ele era um homem normal
Deus sabe o que sentiu,
372
Mais tarde foram dormir
Cada um em seu lugar
A linda jovem a sorrir
Antes de Liano se deitar
Ele disse meu amor
Sonha comigo, por favor,
Pois contigo vou sonhar,
373
Não se sabe se sonharam
Logo o dia chegou
Depois que se levantaram
O Liano perguntou
Querida se esqueceu
O sonho não mereceu
Pois você não me contou,
374
Ela disse não sonhei
Esta é a realidade
Mas o que eu notei
Na minha felicidade
Dormi como anjo no céu
Que parecia vagar ao léu
Numa vida de igualdade,
375
Parece que vivo sonhando
Pensando em minha vida
Até fico imaginando
Qual a próxima partida
Na caminhada da sorte
Nem me lembro da morte
Já me considero vencida,
376
Sei que só quero amar
Sem medir dificuldade
Estar sempre a cantar
Na maior felicidade
De ser sua companheira
Pela minha vida inteira
Com muita honestidade,
377
Assim estava o casal
Papeando pra valer
Andava pelo quintal
Sem, no entanto perceber
Pra realizar o casamento
Precisava o consentimento
Que agora vamos ver,
378
Depois que descobriram
O lado certo da verdade
Os dois dali saíram
E a velha convidaram
Pra casa do fazendeiro
Que vivia sorrateiro
Desde quando começaram,
379
Quando ali chegaram
O fazendeiro os recebeu
E todos cumprimentaram
O velho correspondeu
Os convidou pra entrar
Continuaram a papear
Relembrando que viveu,
380
O velho interpelou
Perguntando a razão
Que até te assustou
Demonstrando precisão
O que estava acontecendo
Pois assim percebendo
Qual seria era sua intenção,
381
Liano muito positivo
Fez questão de responder
Pra que ficar pensativo
Sem nada acontecer
Na verdade aqui estamos
No entanto solicitamos
Seu pequeno parecer,
382
Todos nós sabemos
Cada um do seu valor
O direito que temos
Sem o menor pavor
Pois preste atenção
Venho pedir permissão
De algo para o senhor,
383
Já passou algum tempo
Porém ficou escondido
Não foi o meu intento
Este fato acorrido
Precisamos verificar
O que devemos falar
Pra não ficar constrangido,
384
O senhor com certeza
Já deve estar sabendo
Da minha pequena proeza
Que está acontecendo
E atendendo os preceitos
Atrás dos preconceitos
Estou submetendo,
385
Está sempre esperando
A tal da formalidade
Que na vida acostumando
E vai pra eternidade
O meu pedido primeiro
Que o instante derradeiro
Da simples cordialidade,
386
E aqui senhor eu estou
Pra fazer este pedido
Sei que o senhor esperou
Porém não ficou perdido
Na verdade chegou a hora
De tudo sair pra fora
O que estava escondido,
387
O que quero te pedir
A mão dela em casamento
E a garota a sorrir
Sem constrangimento
O velho deu a permissão
Com maior satisfação
E um real sentimento,
388
Prontificou-se, no entanto
Além de dar permissão
Sem causar espanto
Com a sua decisão
Mandou o Liano deixar
Até a festa ele dar
Pra grande animação,
389
Marcaram o casamento
Liano foi preparar
Pro grande acontecimento
Que iria realizar
Com todo procedimento
Dentro do comportamento
Pois nada podia falhar,
390
Pedindo a sua querida
Os documentos que tinha
Despedindo em seguida
Foi pra cidadezinha
Fazer o que a lei obriga
Antes que Deus castiga
Perder a chance que tinha,
391
Lá Liano foi se entender
Com todas as autoridades
Ver o que devia fazer
Morrendo de felicidade
Andava em tempo de morrer
Só quem estava lá pra crer
A grande realidade,
392
E assim se sucedeu
Diante dos acontecimentos
Cada detalhe resolveu
Sem constrangimentos
E pra sua casa correu
Nenhum instante perdeu
Pra com seus andamentos,
393
Convidou os seus amigos
Parentes o companheiros
Que todos ficaram aflitos
Muitos queriam ir primeiro
Arriavam os seus cavalos
Seguiam em seus embalos
Com gestos costumeiros,
394
E lá na casa do velho
Estavam a trabalhar
Pois este caso era sério
Em nada podia errar
Tratam com muito respeito
Sem nenhum preconceito
Quando alguém vai se casar,
395
E a tal casa ficava
Na entrada de um capão
Em frente a grande várzea
Que findava no boqueirão
Por onde a estrada entrava
A gente imaginava
Rumo dentro o sertão,
396
Era um Sábado de tardinha
Parecia que ia chover
Que longe da casa vinha
Cavaleiro a correr
Acenando uma bandeirinha
Cavalos davam o que tinha
Vinha em tempo de morrer,
397
Eles eram os mensageiros
Que vieram avisar
Que todos os sertanejos
Num instante iam chegar
O fazendeiro contente
Alegre e sorridente
Foguete foi soltar,
398
Na primeira explosão
Que foguetes provocaram
Com o eco no sertão
As bicharadas voaram
Pra longe na imensidão
E pra grande animação
Os convidados chegaram,
399
Na boca da estrada
Era só gente que saía
Parecia uma parada
Que muita gente via
Uns tocavam canção
Animando a multidão
Que na casa já fazia,
400
A moça muito feliz
Melhor não podia estar
O dia que sempre quis
Acabava de chegar
É como diz o ditado
Não fique desesperado
Que sua hora vai chegar,
401
No meio da multidão
O noivo também chegou
Montando um alazão
Que lodo se desmontou
E sem chamar atenção
Com muita satisfação
No terreiro ele entrou,
402
Neste instante chegava
Dois veículos da cidade
Que logo estacionava
Trazendo autoridade
Pro grande acontecimento
Realizar o casamento
Com justa legalidade,
403
Junto veio o vigário
Juiz e escrivão
Prefeito e secretário
Pra grande animação
E pra qualquer emergência
Junto com a diligência
Delegado e um pelotão,
404
Pra executar o hino
Veio a banda da cidade
Que ao bater do sino
Na grande fraternidade
Do real acontecimento
Pra animar o casamento
Com muita cordialidade,
405
Gente ainda chegava
A festa estava animando
No terreiro abarracava
Ao som da banda tocando
Gente alegre a sorrir
Naturalmente sem fingir
Felizes estavam cantando,
406
Na varanda do casarão
Ali ergueram um altar
Que com grande satisfação
Dois jovens iam se casar
Pois sem precedente
Alegre e sorridente
Na hora que ia chegar,
407
No lindo fim de tarde
Que começava a chover
Abraços de amizade
Começavam a se ver
Arco-íres colorido
Num momento decidido
Que muitos podiam ver,
408
E nos pés do altar
Improvisado na sala
Liano estava a pensar
Em sua noite de gala
Pois antes dela chegar
Seu coração a palpitar
Que quase não tinha fala,
409
Logo a noiva chegava
O véu arrastando o chão
No altar ajoelhava
Fazendo sua oração
Esta era a grande hora
De ecoar sua vitória
Pelos campos do sertão,
410
A cerimônia começava
Quando o juiz perguntou
Seu nome a noiva dava
Foram fogos que soou
Você aceita Liano
Ela falou chorando
Eu aceito sim senhor,
411
E nesta hora se diz
Que fogos tornaram soar
Assim o seu juiz
Veio a Liano perguntar
Aceita esta mocinha
Que se chama Naninha
Para contigo se casar,
412
Liano disse sim
Foi uma grande explosão
Soltaram tudo em fim
Bombas foguetes canhão
Pois era difícil se crer
Só quem foi lá pra ver
Esta grande animação,
413
Já era marido e mulher
Pela lei do cidadão
Porém pra lúcifer
Ainda estava pagão
Tinha que ir ao Senhor
Nosso grande Salvador
Para nos dar o perdão,
414
Assim todos ajoelharam
No altar e no terreiro
Neste instante começaram
O momento derradeiro
Fazendo sua oração
Demonstrando atenção
O padre falou primeiro,
415
Terminou o casamento
No meio da multidão
E sem constrangimento
Com grande satisfação
Ali os noivos contentes
Que abraçavam sorridentes
Dando apertos de mão,
416
O noivo feliz sorrindo
Junto dos seus amigos
Em momentos fingindo
Para livrar do perigo
Mas tudo sem ilusão
Com grande satisfação
Pelos momentos vividos,
417
E a noite foi rompendo
Era grande a animação
Casal estava morrendo
De acumulada paixão
Que já na madrugada
Eles pegaram a estrada
Montados no alazão,
418
Mas não tinha lugar
Foram pra casa dela
Ali começaram a amar
Liano e a donzela
Pois sem imaginar
Que o dia ia chegar
De se casar com ela,
419
Não era noite de luar
Grande era a escuridão
No céu podia olhar
Qualquer constelação
Manchas soltas no além
Como se vissem alguém
Na maior satisfação,
420
7 estrelas tinham entrado
Já se via a matutina
Liano tinha chegado
Acompanhando Naninha
Com muita sede de amor
Beijava a sua flor
Imaginando o que vinha,
421
Adentraram na tapera
Acenderam o lampião
Liano via a donzela
Sofrendo sua emoção
Sentia algo começar
Na hora da luz apagar
Mergulhando na escuridão,
422
O silêncio na afronta
Não se ouvia barulhinho
E no acerto de conta
Do amor o do carinho
A madrugada calou
Nem o galo cantou
Ficou em seu cantinho,
423
E o dia amanheceu
Raios do sol brilharam
O tempo alvoreceu
Cavalos relincharam
E o sertão contente
O novo casal sorridente
Lá no terreiro pararam,
424
Vieram os passarinhos
E se assentaram ao redor
De grandes a pequeninos
Rolinhas e até curió
Canários e beija-flor
Simbolizando o amor
Para viverem melhor,
425
Parecia ser afano
Saíram a gorjear
Naninha abraçou Liano
Disse alegre a chorar
Por que será que vieram
Será que eles quiseram
Era apenas nos agradar,
426
Liano disse querida
As coisas são assim
Elas causam intriga
Que sem princípio e fim
Pois onde começa acaba
Ninguém sebe de nada
Só Deus sabe o fim,
427
No momento chega à velha
Com uma irmã de Naninha
Somente pra cuidar dela
Era uma linda mocinha
Que parecia chorar
Vendo a irmã se casar
E ela ficar sozinha,
428
Foram passando cada dia
Liano sem deliberação
Sem saber o que faria
Pois sua única profissão
Era mansar burro bravo
Depois que tinha casado
Mudou o seu coração,
429
Agora o que ele queria
Era algo menos perigoso
Quando Naninha sorria
Ele se sentia vaidoso
Na verdade tinha razão
Porque esta profissão
Pra ele era riscoso,
430
Foi à casa do fazendeiro
Para pedir opinião
Porém um pouco cabreiro
Sem muita satisfação
Se der conta do recado
Pode ser meu empregado
Tem a minha permissão,
431
E Deus lhe ajudou
Como um pobre aventureiro
Pois o emprego arranjou
Porém estava maneiro
Mas tudo de novo é flor
E quando acaba o amor
Começa o tiroteio,
432
Liano não tinha a escolher
O jeito era aceitar
Fez a casa pra se esconder
Com sua Naninha morar
Tomar conta do gado
Conforme o combinado
Antes de ali chegar,
433
Com um ano de lida
Nasceu uma garotinha
Deram o nome de Liva
Por ser muito bonitinha
Naninha muito charmosa
Uma linda mãe mimosa
Cuidava da menininha,
434
Mas durou pouco tempo
Pra repartir o amor
Na casa de enchimento
Nascia a linda Flor
Não tinha nome melhor
Mas parecia ter dó
Não deram nenhum valor,
435
E sem cometer engano
Duas meninas nasceram
Naninha e Liano
As realidades perceberam
Que não era só farrear
Pois tinha que trabalhar
Os frutos apareceram,
436
Liano estava amargurado
Vivendo na agonia
Parecia um condenado
O trabalho não rendia
Era um peão qualquer
Só tinha a sua mulher
Pra te fazer companhia,
437
Pois o velho fazendeiro
Em nada o ajudava
Só exigia do forasteiro
Como o pobre trabalhava
Se errasse um pouquinho
Coitado do pobrezinho
Só nome que levava,
438
O seu irmão e a mulher
Não lhe dava satisfação
E de um jeito qualquer
Com muita humilhação
Liano sempre dizia
Veremos um dia
Quem Deus dará perdão,
439
E um dia à tardinha
Tinha acabado de chover
No quintal da casinha
Via a água desaparecer
Quando ali chegou
Pois Liano assustou
Ouvindo assim ela dizer,
440
Como vai compadre
E também a bezerrada
Afirma a sua comadre
Está solta na invernada
Liano ficou calado
Por dentro amargurado
Porém não disse nada,
441
Era a sua cunhada
Ali com o seu irmão
Que mandou ficar calada
Ao sentir a reação
Do seu irmão e amigo
Pois sabia do perigo
Se mudasse de opinião,
442
Pois a tal invernada
Era uma pequena rocinha
Ali nos fundos da casa
Abrigava uma bezerrinha
Ela falou com mangação
Só pra ver a reação
Do Liano e da Naninha,
443
Depois que ela falou
Deu uma grande risada
Sem saber que magoou
E que estava condenada
Depois ela ia ver
O que ia acontecer
Por ser tão desaforada,
444
Sem ambiente foi embora
Liano ficou pensando
O que ia fazer agora
Com a mulher do seu mano
Pois não pensava que ia
Viver em companhia
Na sua vida de engano,
445
Liano parecia chorar
Mas sem o que escolher
Vivia sempre a meditar
Sem saber o que fazer
Pra sair da escuridão
Fugir da humilhação
Que vivia a sofrer,
446
Mas Deus lhe ajudou
A comadre foi embora
Pra cidade se mudou
Pôr os filhos na escola
O fazendeiro ficou sozinho
Da filha perdeu o carinho
Vivia triste agora,
447
Liano soltou foguete
Comemorando a partida
Montou até um piquete
Dando a despedida
Desejando felicidade
E que lá pela cidade
Vivesse o resto da vida,
448
Quando o irmão foi embora
As coisas ali mudaram
Liano sem ter vitória
As coisas se complicaram
O velho ficou valente
Parecia andar doente
Problemas multiplicaram,
449
Não dava mais pra viver
Mas por fim apareceu
Ninguém soube dizer
Porém assim sucedeu
Outro irmão chegou
E o Liano ele ajudou
O problema resolveu,
450
O velho tinha uns burros
Pra formar uma tropa
E com todos absurdos
Ainda não dava a frota
Liano sem vaidade
Propôs-lhe sociedade
A coisa assim ficou grossa,
451
Pois o irmão de Liano
Emprestou dois burrinhos
Pra continuar trabalhando
Fazendo negociozinhos
Juntando os do fazendeiro
Liano virou tropeiro
Pelos incertos caminhos,
452
Assim foi viver de lucro
Como um administrador
Seguindo pelo chão bruto
Era um desbravador
Negociando no sertão
Com rapadura e feijão
Cachaça e alcanfor,
453
Logo melhorou de vida
Comprou um terreninho
Sem se meter em briga
Seguindo o seu caminho
Mas a inveja aumentando
Liano estava enricando
Não podia ser sozinho,
454
Nesta vida corrida
De esperança e vontade
Não era coisa esquecida
Vivia a realidade
O Liano conseguindo
A sua casa construindo
Na maior honestidade,
455
Na casa de Liano
Diante das novidades
Nascia sem engano
Trazendo felicidade
Aumentando o angu
Chamaram assim de Dú
Pois transmitia amizade,
456
Morando em casa nova
Era grande a satisfação
Resolveu tirar prova
Da real condição
O terreno e um gadinho
Resolveu lidar sozinho
Deixando de ser peão,
457
Entregou os animais
Pro velho e seu irmão
E nos momentos finais
Foi viver da plantação
Deixou de ser errante
Não era mais viajante
Mudou de opinião,
458
Nascera-lhe outro bendito
Gordo como uma porca
Foi o nome de Pedrito
Àquela figura exótica
Era redondo e feio
Reto não meio
A cabeça grande e torta,
459
Um bom ano de colheita
Um farturão danado
Deu pra toda despesa
Vendeu pra comprar gado
E pra fazer companhia
Mais uma filha nascia
No lugar abençoado,
460
O seu nome foi Tida
Com esse a batizou
Fizeram grande partida
Muita gente convidou
Liano dizia não minto
Com essa é o quinto
Que Cristo me confiou,
461
Com muita lealdade
A vida ia levando
Com muita dificuldade
Liano ia lutando
Naninha trabalhadeira
A mais fiel companheira
Que Deus deu a Liano,
462
Iam pra roça manhãzinha
Liano e os seus peões
Ao meio dia Naninha
Lavava as refeições
Numa grande gamela
Sentia-se pena dela
Notava nas afeições,
463
Ela levava consigo
O mais novo neném
Os outros corriam perigo
Em casa sem ter ninguém
Quando Naninha voltava
Das crianças cuidava
Fazendo o jantar também,
464
E quando à noitinha
Ficavam assim reunidos
Pro Liano e Naninha
Os peões eram amigos
Vivia grande amizade
Sobrava felicidade
Sem momentos fingidos,
465
Ali contavam casos
Ao redor do fogão
Não viviam por acaso
Vivia a real razão
Cada um com sua história
Contava a sua vitória
Na maior satisfação,
466
Ninguém falava mentira
E ficava a admirar
Pois não tinha intriga
Nem briga por lá
Era o canto do folguedo
Sem revelar o segredo
Viviam a festejar,
467
A família crescendo
A menininha Rica nasceu
Liano estava merecendo
Veja que sucedeu
Agora pode pensar
Seis veio completar
Filhos que Deus lhe deu,
468
Olha que familiazinha
De Liva a irmã Rica
Liano e Naninha
Na casa oito assim fica
Só de pessoas decentes
Oito seres sorridentes
Que a vida nos indica,
469
Assim já melhorava
Pra Naninha e Liano
Sonho modificava
Surgia novo plano
Seu gadinho aumentou
Liano se modificou
Vivia alegre cantando,
470
Ele ia aos festejos
Onde era convidado
Matando os seus anseios
Nas vilas e povoados
Dançava muito contente
Sempre estava sorridente
Por todos muito adorado,
471
Liano era moreno
De cabelos corridos
Com seus olhos pequenos
E um bigode comprido
Mulheres o desejavam
O sertanejo elas invejavam
Ele era concorrido,
472
Dessas pessoas abertas
Com muita deliberação
Andava sempre alerta
Pra qualquer ocasião
Sem merecer pavor
Ajudava sem rancor
Em qualquer situação,
473
Entrava na confusão
Tentando apaziguar
Mediava situação
Só pra ninguém brigar
Ele era só alegria
No seu pensamento vivia
Ninguém deve chorar,
474
A qualidade que tinha
Grande respeitador
Nunca traiu Naninha
Dava-lhe muito valor
Pois o que lhe importava
Era viver como estava
Não perder o que achou,
475
Naninha muito mimosa
Era também muito bonita
Morena clara formosa
Cabelos com laço de fita
Parecia uma princesa
Realçada de beleza
Que todo mundo acredita,
476
Às vezes era abordada
No meio da multidão
Se solteira ou casada
Esta era a impressão
De tão bonita que era
Parecia uma donzela
Por sua formosa afeição,
477
Mas algo aconteceu
E que vamos relatar
Outro menino nasceu
O nome que vamos dar
Forte e boa pinta
O chamaram de Quinca
Pelo jeito de olhar,
478
Era muito levado
Não se sabe porque
Mas foi abençoado
Pois merecia viver
De difícil comportamento
Causava até sofrimento
Para o menino conter,
479
Mas Liano o adorava
Até precisava ver
Às vezes enganava
Mas se pode crer
Não se pode falar
Do seu jeito de criar
Dependo do seu nascer,
480
De tão levado que era
Veja o que causou
A sua mãe na espera
Outra criança abortou
Puseram o nome de Lia
Pois nove meses fazia
Mas de nada adiantou,
481
Liano assim enfureceu
E vivia a dizer
Que quando ele nasceu
Antes de isso acontecer
Naninha foi picada
Por jararaca malvada
Quase a coitada faleceu,
482
O que o menino sentia
Mamou leite envenenado
Por isso é que vivia
Parecendo estar danado
Mas Liano tinha fé
Seja o que Deus quiser
Ele vai ficar curado,
483
O tempo foi passando
O Quinca melhorou
Tudo foi melhorando
Outra Naninha ganhou
A linda menininha Tila
Ornamentando a fila
O milagre confirmou,
484
Nove filhos adorados
Porém uma Deus a levou
Mas estavam conformados
Com os que Deus deixou
Liva Flor e Dú
No meio deste mandu
Pra escola os levou,
485
Pedrito tinha melhorado
A forma do esqueleto
Já podia ser olhado
Mas ainda tinha defeito
Era bem mal acabado
Porém muito educado
E tinha um estranho jeito,
486
Lá na cidade tão só
Os três aprendiam ler
Morando com a avó
Ainda estava a viver
Numa casa alugada
Da parede esburacada
Dava pena em ver,
487
Liano levava mantimento
Pros filhos se alimentar
Era grande o sofrimento
Pro coitado suportar
E sem chamar atenção
Demonstrava condição
Ao ver o tempo passar,
488
Com muita dificuldade
Um ano assim se passou
Liano os trouxe da cidade
Realizando o que sonhou
Por Deus ter lhe ajudado
Ao ver cada filho educado
Uma festa realizou,
489
Foi um ano atormentado
E difícil de passar
Naninha de corpo cansado
Sem ninguém pra ajudar
Foi grande o sacrifício
E só por causa disso
Uma criança a abortar,
490
Nem seis meses tinha
Mesmo assim se chamou
Pois para Naninha
O destino marcou
É preciso respeitar
Só Deus pode mudar
O que Ele preparou,
491
Deram o nome de Bia
A aquele pequeno ser
Como a natureza confia
Nunca vamos saber
Isso foi o final
Nunca se viu nome igual
E fácil de escrever,
492
O novo ano bendito
Liva não foi estudar
No seu lugar foi Pedrito
Que ia assim começar
Seguindo o mesmo roteiro
Como no ano primeiro
A vida ia passar,
493
O ano sem coisa grossa
Passou sem confusão
Na cidade e na roça
Não teve humilhação
As coisas melhoraram
Os meninos criavam
Aumentava o fazendão,
494
Pra festejar o passado
Algo divino se deu
Diante de muito trabalho
Mais um garoto nasceu
Veja a coisa como é
Deram-lhe o nome de Zé
Pois parecia um fariseu,
495
Continuando a lida
Pra aula flor não voltou
Só Dú Pedrito e Tida
Pois tudo modificou
Mas na roça tudo bem
E na cidade também
Feliz o ano passou,
496
Já no ano seguinte
Voltou a modificar
Pedrito ficou doente
Pra escola sem voltar
E no meio do mandú
Tiraram também o Dú
Só a Tida foi estudar,
497
No ano seguinte pra rua
Foi Tida e Rica
E na esperança nua
Elas ficaram aflitas
Coitadas das pobrezinhas
Sofreram ali sozinhas
Com a vovó esquisita,
498
De dentro de Naninha
Nascia mais uma boneca
Deram o nome de Vinha
Uma menina sapeca
Liano muito assustado
Devido seu estado
Que parecia uma peteca,
499
Realmente assombrando
Nem sequer podia brincar
O Pedrito piorando
Nem podia comentar
Liano estava perdido
Muito gado foi vendido
Pro Pedrito se tratar,
500
Com muita dificuldade
Assim o ano se passou
As meninas da cidade
Pra roça retornou
E no ano que veio
Todo estava feio
Pra lá ninguém voltou,
501
No pequeno casebre
A nossa Tila morreu
Dizem que foi febre
Remédio não resolveu
O certo que Deus a levou
Só sua lembrança restou
E o lindo jeito seu,
502
Foi grande constrangimento
Pro Liano e Naninha
Pros demais o sofrimento
Choravam pela Tilinha
Mas chorar não tinha jeito
Já que tudo estava feito
Dela só lembrança tinha,
503
Naninha desesperada
Era difícil acreditar
Estava tão transtornada
Que dava pena olhar
Pra Deus tem solução
Até mesmo no sertão
NEle pode acreditar,
504
A filhinha tinha morrido
O filho muito doente
Liano assim entristecido
Não podia estar contente
Deus sabe como vivia
Amargurado não sorria
Se foi o homem coerente,
505
Naninha também vivia
Mergulhada na tristeza
Qualquer pessoa sentia
Sua vida de incerteza
Só lhe restava orar
Pra Deus lhe ajudar
Abrandar a correnteza,
506
No meio do chora-chora
Neste grande sofrimento
Pedrito teve uma melhora
Também veio o mantimento
A coitada da Naninha
Ganhou mais uma filhinha
Abalando o sentimento,
507
A criança era mulher
E linda para viver
Deram-lhe o nome de Bé
Naquele lindo bebê
Que vivia a chorar
Difícil de acalentar
Ninguém sabe por quê,
508
Vejam agora os trilhos
Deste casal sofredor
Conseguindo tantos filhos
Com muito carinho e amor
Alguém pensa não ser
Porém precisa saber
Que é coisa do Senhor,
509
Liva Flor Dú Pedrito
Tida Rica Quinca
Sem nenhum conflito
Lia Tila Bia
Zé Vinha Bé
Vejam como é
Esta linda familiazinha,
510
Contudo nesse momento
Três não estavam vivendo
Partiram do sofrimento
Pelo além do firmamento
Lia Tila e Bia
Ao ver a coisa fria
Foi sem constrangimento,
511
Só restando dez filhos
Doze com o casal
Que juntos nos trilhos
Do destino desigual
Liva e Flor mocinhas
Naninha não era sozinha
A companhia afinal,
512
Pedrito ainda adoentado
Mas a vida a seguir
Liano preocupado
Com o que ia vir
Seu gado quase acabou
Pois com ele gastou
Só pra não vê-lo partir,
513
E no sertão sem conforto
A desgraça ia rolando
E sem medir esforços
Viviam Naninha e Liano
Apreciando a incerteza
Diante de muita pobreza
Nesta vida de engano,
514
Mas veio a calmaria
No barco da ilusão
Sem saber pra onde ia
A canoa de emoção
Se descendo ou subindo
O certo é que ia indo
A caminhada de confissão,
515
Muita paz existia
Entre Liano e seu amor
Em cada dia que seguia
Dando-lhe maior valor
Pois ele sempre confiava
Sabia que ela te amava
Com muita fé e ardor,
516
Naninha também sabia
Do valor que ela tinha
E que Liano a queria
Pois não deixava sozinha
Portanto com muita fé
E sua doce mulher
Dentro daquela casinha,
517
Numa noite de fulgor
Naninha ganhou um filhinho
Deram-lhe o nome de Iô
Coitado do pobrezinho
Parecia cabra morta
A boca grande e torta
Assim era o garotinho,
518
Não parecia ser são
Com o cabelo de fubá
Arrastava pelo chão
Que fazia pena olhar
Parecia um calango
Ou a um orangotango
Era um pequeno gambá,
519
E no enrola-enrola
De novo começou
Os meninos pra escola
Assim Liano mandou
Porém não foi mulher
Só o Quinca e o Zé
O ano inteiro ficou,
520
No ano seguinte voltaram
Levando também a Vinha
Os outros na roça ficaram
Com Liano e Naninha
Todos juntos trabalhando
Agora estava aumentando
A linda fazendinha,
521
E um ano decorreu
As férias chegaram
Porém algo aconteceu
Pra escola não voltaram
No meio da confusão
Nasceu mais um garotão
Porém todos assustaram,
522
Deram-lhe o nome de Dão
Por uma pequena razão
Sofria de amarelão
Parecia açafrão
Diziam ser encomendado
Devido o seu estado
Esta era a impressão,
523
Difícil de sobreviver
Foi milagre do Senhor
De longe vinham ver
A coisa do Salvador
Pois a verdade encerra
Não foi de gente da terra
A salvação que chegou,
524
No centro da atenção
Algo lindo acontecia
Eles cuidavam do Dão
Coisa nova aparecia
Nem podia acreditar
Mas não posso esperar
Pra contar o que seria,
525
Que foi coisa do Senhor
Temos razão em pensar
A mocinha Flor
Resolveu em se casar
Com um moço forasteiro
Respeitado garimpeiro
Que acabava de chegar,
526
Era o Duru com respeito
Que com Flor se casou
Um homem muito direito
Que a menina encontrou
O Liano muito sorridente
Ao ver a filha contente
Via o que Deus marcou,
527
Era grande a alegria
Que Liano estava vivendo
Com o casamento da filha
Que muito bem ia correndo
Porém a situação
Do Pedrito e do Dão
Muito ruim estava sendo,
528
Pedrito já um rapazinho
Vivia numa grande agonia
Sem saber qual o caminho
Que seu destino corria
Pois tão ruim que estava
A última hora esperava
Para ver pra onde ia,
529
Tinha sido desenganado
Pelo doutor da cidade
Dizia estar rejeitado
Devido à enfermidade
Mas Liano pediu
Ao seu genro que partiu
Em busca de caridade,
530
Assim foram pro mundo
Duru e o Pedrito
Pois só por um segundo
Poderia estar frito
De certa forma perdido
Como estivesse ofendido
Por um veneno maldito,
531
Numa grande cidade
Aonde eles chegaram
Procurando a caridade
Que ali encontraram
Um misterioso senhor
Que com uma carta enviou
Pedrito foi amparado,
532
Duru logo voltou
Contando o que se deu
Não sabia se salvou
Ou se o Pedrito morreu
Sabia que viajara
Com a carta que ganhara
Que o tal senhor lhe deu,
533
Mas ninguém vestiu luto
Era grande a confusão
Chorava pelo matuto
Que se fora do sertão
Em busca de tratamento
Amenizar o sofrimento
Que não tinha compaixão,
534
Pedrito tinha assim partido
Deixando Naninha a chorar
O Liano aborrecido
Vivia a reclamar
A pouca sorte que tinha
Só problemas que vinha
Pra poder atrapalhar,
535
O Dão só piorando
A sua triste situação
Cada dia que ia passando
Perdia a sua afeição
Parecia assim só esperar
A sua triste hora chegar
E despedir do sertão,
536
Liano tinha procurado
Remédio pra todo lado
Até que num povoado
Num lugar assombrado
Foi falar com um senhor
Era um grande curador
Por todos ali respeitado,
537
Quando Liano voltou
Da vila vinha trazendo
Remédio do curador
Logo o Dão foi bebendo
No dia seguinte se via
Que o pobrezinho já sorria
Parecia estar vivendo,
538
Com o remédio e oração
O Dão ficou curado
Mas com muito amarelão
O corpo desengonçado
O Pedrito desapareceu
Nem sequer notícia deu
Liano vivia assim danado,
539
Seguindo nesses trilhos
Naninha vivia brava
Alimentando os filhos
Com milho e leite de cabra
Já perdida a esperança
Abortou mais uma criança
Nesta vida que entrava,
540
O feto se foi sem nome
Estava sem formação
Como o destino consome
Que se foi por gavião
É ditado popular
Nem é preciso falar
Que é coisa do sertão,
541
Com a melhora do Dão
E o sumiço do Pedrito
Mudava a situação
Liano na roça aflito
E pra coisa acertar
Mandou pra estudar
Seus filhos benditos,
542
Foram os do passado
Momento de aflição
De destino embaraçado
Sem nenhuma decisão
Que Deus assim revelou
Seu poder consolidou
Dando mais uma lição,
543
E o ano se passou
Da escola voltaram
Só lembrança restou
E lá na roça ficaram
Ajudando na lavoura
Bons tempos que fora
Só lembranças restaram,
544
Colhendo o mantimento
Pra própria alimentação
Debaixo de sofrimento
E muita perseguição
Pelo destino enfurecido
Do sertanejo esquecido
Lá nos confins do sertão,
545
Mesmo assim sorridente
Ele vivia a trabalhar
E num ato de repente
Liva resolveu se casar
Com o moço Chiquinho
Um peão pobrezinho
Que dava pena falar,
546
Com duas filhas no nó
Naninha estava contente
Agora já era avó
Estava muito sorridente
Pois de alegria chorou
Por uma carta que chegou
Pedrito era sobrevivente,
547
Na carta ele falava
Tudo que tinha passado
E como a vida estava
Desde quando foi curado
E ao Dú mandou chamar
Pra com ele morar
O qual ficou entusiasmado,
548
Assim Dú foi embora
Pra onde estava o irmão
Grandes amigos de outrora
Dava inveja à união
Nem podia acreditar
Ao ver os dois encontrar
Lia-se na sua afeição,
549
E ao ver o Dú partindo
Dando na vida um sim
Chorando Naninha sorrindo
Parecia ser o seu fim
Outro fim apareceu
Seu último filho nasceu
Com o nome de Tim,
550
Assim chegava o final
Da família vitoriosa
Sorrindo sem igual
Naninha estava orgulhosa
Com a batalha vencida
No momento entristecida
Desta vida curiosa,
551
Pois não existe vitória
Quando não tem perdedor
Porque ninguém tem glória
Quando não é vencedor
O importante é jogar
Pra perder ou ganhar
Seja o que na vida for,
552
O casal realizado
Com o que se sucedeu
O tal destino gravado
Nesta hora apareceu
Num acidente acontecido
Liano ficou ferido
E uma vista perdeu,
553
Mas não perdeu o olho
Somente a sua visão
Continuou sendo o piolho
Dos cavalos do sertão
Pois enxergando de um só
De nenhum macho tinha dó
Nem mudou de opinião,
554
Continuou sendo respeitado
Por todas as redondezas
Sempre admirado
Por suas grandes proezas
Honesto trabalhador
Um respeitado senhor
Dono de grande franqueza,
555
Agora vamos ver
A real situação
Quantos vivem a sofrer
Lá nas brenhas do sertão
Desde quando começou
Pra onde o destino levou
Cada um desses cristãos,
556
No momento, porém
De Liano vou falar
Sem me esquecer de ninguém
Que vive a te acompanhar
Na mais completa amizade
Em laços de lealdade
Que só existe por lá,
557
Desde quando se casou
Na trilha que vem seguindo
A vida dura que passou
Mas humilde e sorrindo
Com muita fé em Jesus
Parece levar a cruz
Não é apenas fingindo,
558
Viu o primeiro filho nascer
O segundo e o terceiro
Quarto quinto sexto crescer
Oitavo ao décimo primeiro
Décimo segundo ao quinto
Décimo sétimo eu não minto
Este foi o derradeiro,
559
Liva era a primeira
Que já está casada
Seguindo a sua carreira
Sentindo-se realizada
Com Chiquinho do seu lado
Que vive assim felizardo
Seguindo a sua estrada,
560
Flor era a Segunda
Que também já se casou
Vivendo alegria profunda
Que Deus lhe enviou
Com o Duru garimpeiro
Agora um fazendeiro
A sua vida mudou,
561
Dú era o terceiro
Que já tinha ido embora
Vivendo como forasteiro
Andando pro mundo afora
Vendendo bijuteria
Fugindo na dia a dia
Pra se escapar da enrola,
562
Pedrito era o quarto
Que também tinha partido
Pois todos se lembram do fato
Do modo que tinha saído
Sem saber o que fazer
Pois vivia a esconder
O seu orgulho constrangido,
563
Tida era a quinta
Uma garota de primeira
Talvez até que eu minta
Era de pensar besteira
Bonita linda e mimosa
Comparava-se uma rosa
Devida a sua maneira,
564
A Rica era a Sexta
Pois meia dúzia fazia
Era metida a besta
Pelo modo que agia
Não era muita bonita
Era meio esquisita
Todo nela pressentia,
565
O Quinca era o sétimo
Filho desse casal
Ruim como um inseto
Um verdadeiro animal
Matava a criação
Jogava e escondia a mão
Nunca se viu como igual,
566
Lia era a oitava
Porém esta não viveu
Pois foi abortada
Nem o mundo conheceu
Veio apenas de passagem
Deixando só sua imagem
Simples jeito seu,
567
Tila era a nona
Deste casal felizardo
Que seguiu a maratona
Só pra ver o resultado
Porém Tila foi embora
Morreu de catapora
Com o corpo envenenado,
568
Bia era a décima
Desta grande penitência
De uma vida incerta
E muito cheia de crença
Só que ela não vingou
Apenas Naninha a abortou
Não teve nem conseqüência,
569
Zé era o décimo primeiro
Metido a valentão
Com jeito de forasteiro
Só arrumava confusão
Era um valente vaqueiro
Com cara de bandoleiro
Respeitado no sertão,
570
Vinha a décima segunda
Uma garota muito prosa
Vivia uma alegria profunda
Era linda e mimosa
Muito bonita e decente
Vivia sempre sorridente
E não era orgulhosa,
571
Bé era a décima terceira
Uma garota magricela
Com a cara de besteira
Porém era muito singela
E enjoada também
Não gostava de ninguém
Parecia uma varicela,
572
Iô era e décimo quarto
Com o cabelo de fubá
Não sabe se foi do parto
Do seu período pra cá
A boca grande e torta
Perna fina e cambota
O resto deixa prá lá,
573
Dão era o décimo quinto
Filho da confusão
Digo por ele e não minto
Da sua situação
Como era feio o coitado
Andava desengonçado
Arrastando pelo chão,
574
O feto era o décimo sexto
Pois nem nome o deram
Da história o contexto
Os problemas que vieram
Pois gavião o levou
Assim na mente ficou
O que os outros disseram,
575
Tim era o décimo sétimo
Um caçulinha afinal
Com aquele olhar péssimo
Último filho do casal
Sem medir dificuldades
Viveram suas amizades
Sempre de igual para igual,
576
Assim o Tim nos mostrou
A rapa do taxo fervido
Sem beleza e sem horror
Era bem aparecido
Com olhos avantajados
Grandes a arregalados
Pareciam ser espremidos,
577
Voltamos onde estávamos
E seguiremos também
Da forma que falávamos
Não esquecemos ninguém
Pois o importante é saber
E de nada esquecer
As aventuras que tem,
578
A Bé e a Vinha
Saíram pra estudar
As duas eram novinhas
Mas não podiam faltar
E os dois anos estudaram
Depois Iô e Bé voltaram
Vinha ficou a chorar,
579
A seca dava prova
De grande destruição
Morria na boca da cova
Arroz milho e feijão
Nem maxixe vingou
Somente a terra sobrou
Folhas secas pelo chão,
580
Gado quase não tinha
Foi gasto com o Pedrito
Só sobraram umas cabrinhas
Uns bodes e um cabrito
Foi que sobreviveram
Por Deus não morreram
Naquele tempo aflito,
581
Liano já nem dormia
Pensando em solução
Pra sustentar a família
Nesta grande aflição
Foi a cidadezinha
Ver os amigos que tinha
Pra lhes pedir uma mão,
582
E na casa do Prefeito
Ali Liano chegou
Parecia não ter jeito
O Prefeito falou
Mas se quiser trabalhar
Pra o seu pão ganhar
Um serviço eu lhe dou,
583
E ao Liano confiando
Uma nobre tarefa
Que começou trabalhando
Como uma lebre esperta
Fazendo a estrada real
Que seria municipal
Não sabia a coisa certa,
584
Tirando filhos da escola
Pra poder ajudar
Como um tipo de escora
E assim realizar
Pra defender o feijão
E cuidar da plantação
Até a crise acabar,
585
Deu conta do recado
A tal tarefa cumpriu
Conforme o combinado
O Liano resistiu
Ao Prefeito entregou
O Serviço que tratou
No instante que partiu,
586
Logo veio a inveja
Com a tal da maldição
Se o espírito apedreja
Ou se é assombração
Foi ao Prefeito fofocar
Dizendo pra não confiar
Ao Liano outra missão,
587
Dizem que foi o matraca
Casado com sua cunhada
Com a língua de catraca
Provocou a enrolada
O Prefeito admirou
Mas no negro acreditou
A missão foi cancelada,
588
Como era fim de pleito
Veio logo a eleição
Chegou outro Prefeito
Não gostava do negrão
O Liano relatou
O Prefeito confiou
A ele outra missão,
589
Assim Liano conseguiu
Fazer nova empreitada
Com o que adquiriu
Foi cuidar da criançada
Que muito bem ia vivendo
Às vezes até sofrendo
Horas amarguradas,
590
Graças a Deus melhorou
Nem precisava falar
Até Bé voltou
Foi pra cidade estudar
Morar na casa da avó
A velhinha sororó
Que lutava pra amparar,
591
Porém tecia fofoca
Sua nova profissão
Velha da boca porca
Perdeu sua posição
Estava muita ridícula
Via só de futrica
Causando confusão,
592
O ano passou depressa
As meninas voltaram
E só coisa que não presta
Com a velha encontraram
Diziam ser caduquice
Ou talvez fosse tolice
Assim que todos falaram,
593
Novo ano apareceu
A vida continuou
Novo fato ocorreu
Pra lá ninguém voltou
Nem o Iô e nem o Dão
Veja as coisas como são
A realidade vingou,
594
Falar da realidade
Está ao lado da razão
Não é infelicidade
Nem também confusão
Nem é caso de pensar
Ela se deve encarar
Com a maior precisão,
595
Com um pouco de alegria
Liano estava vivendo
E toda a sua família
Aos pouco ia crescendo
O Dú lhe escreveu
Falando que resolveu
Na carta estava dizendo,
596
Espere-me este ano
Pois eu vou voltar
Já estou em desengano
Não consigo acostumar
Estou com muita saudade
Digo com sinceridade
Não vejo a hora de chegar,
597
Liano ficou contente
Com a bela decisão
Vivia sorridente
Pelos campos do sertão
Esperando Dú chegar
Pra poder abraçar
O filho do coração,
598
O fim do ano chegou
Assim todos esperavam
O Liano arranjou
No momento festejaram
Nesta grande ocasião
Com grande satisfação
O Dú eles abraçaram,
599
Agora era vida nova
Pro Liano viver
Era mais uma partida
Que jogava sem perder
Ver seu filho voltar
Para com ele morar
Até quando puder,
600
O Iô e o Dão
Continuaram a estudar
Com grande satisfação
Dú foi mascatear
Porém sem muito sucesso
Só se via retrocesso
Que se deve falar,
601
Novo ano decorreu
Os meninos voltaram
Novo fato se deu
Pois ali encontraram
Tida estava se casando
Naquele final de ano
Da festa participaram,
602
Tida se casou com Chico
Um parente chegado
Achava não ter risco
Foi fato realizado
Era um cabra atraente
Metido a inteligente
Tinha um pouco de gado,
603
Depois do casamento
A luta continuou
Às vezes com sofrimento
Mas foi Deus que marcou
Um pouco de beleza
E outro de tristeza
Cada benção que sobrou,
604
Pro Liano, porém
Tudo estava melhor
Trabalhando como ninguém
Pra não ficar pior
Filhos não foram estudar
Pra poder ajudar
Até fazia dó,
605
E um ano de ilusão
Assim decorreu
Muita chuva no sertão
Nesse se deu
Sem ninguém esperar
Viram logo chegar
Na porta Pedrito bateu,
606
Veio muito bacana
Era um cabo militar
Porém a paisana
Pra ninguém desconfiar
Dizia ter se curado
Mas parecia enganado
Pelo jeito de falar,
607
Com muita falta de beleza
Parecia fanfarrão
Só que sem certeza
Esta era a impressão
Metido a ser letrado
Porém no seu estado
De vocabulário artesão,
608
Contudo deixou fama
De um verdadeiro senhor
A aparência engana
Muito impressionou
Aproveitando da indefesa
Demonstrando a franqueza
O Quinca ele o levou,
609
Foi direto pra cidade
Pra fazê-lo capitão
A sua felicidade
Pra com o seu irmão
Pois só lembrança deixou
Até Naninha chorou
Com tamanha aflição,
610
Iô Dão e Tim
Também foram estudar
Estavam chegando ao fim
De a batalha acabar
Mas continuou a missão
A vida com precisão
Não podia fraquejar,
611
Novo ano decorreu
Pra roça eles voltaram
A surpresa aconteceu
Pedrito eles encontraram
O Zé ele veio buscar
Pra na polícia colocar
E a saída festejaram,
612
Mais um filho partia
Lá pro mundo viver
Naninha, porém sentia
Que algo ia acontecer
Já sentia desfalcar
A casa esvaziar
Aumentava o seu sofrer,
613
Pra ficar menor
Mais uma filha se casou
Cada vez pior
Seu coração suspirou
Quem se casava era a Rica
Pois a vida indica
O Pedro mergulhou,
614
Liano também sentia
A sua família acabar
Pois cada um que partia
Viver em algum lugar
Era um pouco do seu ser
Que estava a padecer
Sem saber aonde chegar,
615
Só restando ao seu lado
Seis do seu mutirão
O resto tinha lhe deixado
Talvez sem razão
Só Deus podia dizer
O que deveria fazer
Pra consolar seu coração,
616
Na verdade facilitava
Pra continuar o viver
O seu gado aumentava
Melhorava o seu sofrer
E os anos se passaram
Só Dão e Tim voltaram
Pra escola aprender,
617
Porém foram estudar
Numa escola rural
Na casa de Tida morar
Nunca se viu como igual
Estudar no meio do mato
Como a natureza de fato
Era uma forma ideal,
618
Só um ano Dão ficou
Pois já havia se formado
Porém Tim voltou
Ainda estava atrasado
Tinha muito que sofrer
Precisava aprender
Pra sair realizado,
619
Dois anos decorreram
Assim o Tim voltou
Novos fatos ocorreram
De modo que tudo mudou
Quinca e Pedrito vieram
Logo em seguida disseram
Pra levarem o Iô,
620
Quando o Iô foi embora
Com Tião Vinha se casou
Mais dois pro mundo afora
Somente quatro restou
Outro fato aconteceu
Pois a família cresceu
Com Li Pedrito se casou,
621
Agora a velha vida
Deste casal sertanejo
Ainda em laços de lida
E repletos de desejo
Cheios de gratidão
Na mais completa união
Lembrado cada festejo,
622
Quantas noites vividas
De amor e meditação
Quantas foram sofridas
De tristeza e aflição
Mesmo sem afetar
Um ao outro magoar
E romper a união,
623
Cada um cumprindo
Com a parcela devida
Chorando ou sorrindo
Mas sem pensar em briga
Respeitando preconceito
Mesmo sem ter direito
Pra continuar a vida,
624
Logo os anos se passaram
Dão também foi embora
Só lágrimas ficaram
Pelo sertão afora
Suas marcas de facão
Foice e de enxadão
Gente que lembra chora,
625
Um ano se passou
Dú resolveu se casar
Com realismo acasalou
Com Tida foi morar
Liano muito tristonho
Mas realizou seu sonho
Vivia as vezes a pensar
626
Pensava como podia
A vida ser assim
Se o destino seguia
Na alegria por enfim
Leva às vezes pro além
As surpresas que vêm
Perdidas pelo sim,
627
E o tempo passando
Sem a ninguém esperar
Sol saindo e entrando
Compartilhando o luar
Lá no sertão prateado
Que longe do povoado
Só se ouve bicho cantar,
628
Tantos dias vividos
Por um casal no sertão
E do luxo esquecido
Lá nas grotas do matão
Desprezados e abandonados
Pelo destino atirados
Sem nenhuma solução,
629
Dos filhos restava apenas
Os dois caçulas queridos
Que pareciam ter pena
De deixá-los perdidos
Mas nada ia impedir
De um dia ficarem ali
Sozinhos e esquecidos,
630
Mas logo Pedrito chegava
Cumprindo sua tal missão
E o Tim ele levava
Com grande satisfação
Veja a vida como é
De todos só restou Bé
Que aos velhos dava a mão,
631
Naninha já delirava
Conversando com galhinha
Liano assim criticava
Coitada da pobrezinha
Mas qualquer um sofreria
Viver como ela vivia
Era a solução que tinha,
632
Liano matava a saudade
No seu viver dia a dia
Demonstrava felicidade
Deus sebe o que sentia
E foi Ele que lhe ajudou
Pois assim o Tim voltou
Pra te fazer companhia,
633
A vida ficou melhor
Pra Liano assim viver
Mas logo ficou pior
Quando veio a perceber
Na sua casa o Dão
Que mudou de opinião
Liano queria crer,
634
O certo é que ele voltou
E veio para ficar
Teve gente que gostou
Uns viviam a reclamar
Liano dizia, porém
Não sou contra ninguém
Que decide assim voltar,
635
Mas começou os problemas
Com a chegada do Dão
Que vivendo em dilema
Só trazendo confusão
Tirado a conquistador
Era um grande causador
Às vezes de aflição,
636
Junto do irmão Tim
Pareciam forasteiros
Causavam problemas sim
Sem formas de contê-los
Não respeitavam ninguém
E nem a si também
Eram poucos cavalheiros,
637
Tinham fama de valentes
E de grandes lutadores
Trajavam roupas decentes
Grandes trabalhadores
Por muitos criticados
E por outros invejados
Não respeitavam valores,
638
Melhoraram os negócios
Ganhavam muito dinheiro
Pareciam serem sócios
Eram três forasteiros
Liano acompanhava
Pois mais nada lhe restava
Eram os filhos derradeiros,
639
Mas pouco tempo durou
A vida aventurosa
Quando Dão observou
A coisa assim perigosa
Pois já não tinha respeito
A cidade com despeito
Só tinha gente nervosa,
640
Então o Dão resolveu
Abandonar a jangada
Dizem que ele sofreu
Seguindo nova estrada
O certo é que partiu
O moço não resistiu
A vida embaraçada,
641
Pois deixou de novo
Apenas recordação
Vaga na mente do povo
Pra onde se foi o Dão
Só viam Liano e Tim
Parecia chegar o fim
Daquela boa geração,
642
Assim que Dão foi embora
Bé resolveu se casar
Com Didi ela vive agora
Muito alegre a cantar
Naninha ficou sozinha
Pois a última filhinha
Voou do seu pomar,
643
Naninha chorava tanto
Por ter ficado sozinha
Sem enxugar o pranto
Tinha dó de velhinha
Que ali desprezada
Doente e abandonada
Em sua velha casinha,
644
Porém do seu lado
Tim e o Liano restava
Que parecia emprestado
Pelo modo que a tratava
E naquela situação
Somente dor e aflição
Na sua mente rondava,
645
O tal tempo foi passando
Tim foi pra cidade
Naninha o acompanhando
Vivendo a felicidade
Enquanto Liano magoado
De sozinho ter ficado
Com sua infelicidade,
646
Só lá de vez em quando
O Tim ali que voltava
Quando estava trabalhando
Com o velho encontrava
Que reclamava da sorte
Até desejava a morte
Ao viver como estava,
647
Na verdade tinha razão
Em reclamar seu direito
Pois tamanha aflição
Morava dentro do peito
Muito triste e enfezado
Como um cão envenenado
Mergulhado em preconceito,
648
Dizia: oh meu Senhor
O que estou pagando
Já sinto até temor
Do que está preparando
Imploro a sua clemência
Diminua a minha sentencia
Pouco a pouco a minha dor,
649
O Senhor não atendeu
Mais sofrimento mandou
Veja o que aconteceu
Seu filho Tim se casou
Nos braços de Dulce vivendo
Além do velho sofrendo
A velha também ficou,
650
Agora do casal perfeito
Só existe recordação
Pois tudo aquilo direito
Ficou na imaginação
Os dois estão separados
Cada um num canto jogado
Sofrendo humilhação,
651
Naninha na cidade
Liano ficou no mato
Ela vivendo a irrealidade
Ele vivendo um fato
Às vezes ele vem ver
Depois ela vem ver
Vejam que destino ingrato,
652
Vivem sempre discutindo
Demonstrando inimizade
Mas parecem estar fingindo
Em ponto de igualdade
Só brigam sem combina
Quando a briga termina
Voltam à realidade,
653
Às vezes um fica
Procurando a razão
Porque um ou outro critica
Sem nenhuma intenção
Até parece recordar
Bem antes de se casar
Fica na imaginação,
654
Recordam dos seus filhos
Como estão a viver
Nos seus olhos os brilhos
Com a vontade de ver
Mas onde estão agora
No instante quem não chora
Pois viu cada um nascer,
655
Agora vamos também
Viver a recordação
Sem esquecer-se de ninguém
Nem também da aflição
Que o Liano viveu
Como o coitado sofreu
Uma vida de humilhação,
656
Sua querida filha Liva
A primeira que nasceu
Assistiu de perto a lida
E o sofrimento seu
Muitas vezes a chorar
Ao ouvir Liano reclamar
Do quanto já padeceu,
657
A Liva vive bem
Casada com o Chiquinho
Cuidando assim do que tem
Das terras e do gadinho
Conseguiu com sofrimento
No maior padecimento
Para um casal fraquinho,
658
Muitos filhos nasceram
Com amor foram criados
Porém alguns morreram
Pelo destino levados
No meio de muita esperança
Só deixando sua lembrança
Dos momentos que viveram,
659
Os demais estão contentes
Continuando a geração
Vivem todos sorridentes
Pelos campos do sertão
Famosos lutadores
Honestos trabalhadores
Seguindo a lei do cristão,
660
Flor veio em seguida
Na mesma situação
Porém mais sofrida
Mas por outra razão
O Durú que o esposo
Um homem perigoso
Trata-lhe ao empurrão,
661
Muitos filhos tiveram
Pois não podiam escolher
Mesmo que não quiseram
Tiveram assim de nascer
A Flor sempre apanhando
O tempo todo chorando
Sem nada poder fazer,
662
Do Dú vamos falar
Ver como está vivendo
Pois posso relatar
Que ele vive sofrendo
Com a Tida casado
Nas margens do rio jogado
Ali sempre padecendo,
663
Não é boa a sua vida
Dele e sua mulher
De tanto entrar em briga
Nem sabe o que quer
Seu gadinho acabou
Um por um ele gastou
Nem lembranças sequer,
664
Do Pedrito vamos falar
E da sua profissão
Na carreira militar
Chamado de capitão
Com a Li está casado
Mora num bairro afastado
Num pequeno barracão,
665
Um homem muito orgulho
Não dá valor a ninguém
Porém não é perigoso
Não é falso também
Dos parentes desprezado
Vive com a mulher amuado
No seu mundo do além,
666
Falamos agora da Tida
E onde a coitada está
Jogando a sua partida
Com o Chico a morar
Do Liano está distante
Que lembra o seu semblante
O que tem pra recordar,
667
Ruim de situação
Dizem que está vivendo
Trabalhando com pensão
A coitada vive sofrendo
Não se sabe por quê
Foi pra lá viver
Os seus dias padecendo,
668
De mais um vamos falar
Da outra querida filha
Que vive a trabalhar
Pra melhorar de vida
É boa a situação
Donos de um fazendão
Vivem o Pedro e a Rica,
669
Mas vivem divididos
Na roça e na cidade
Muitos acham esquisitos
Por que da desigualdade
Mas estão preocupados
Ao ver os filhos formados
Vivendo a felicidade,
670
Já com a idade rompida
Sua vitória a conseguir
Do lado da sua querida
Vive alegre a sorrir
Com a Maria do lado
Parece felizardo
Esperando seu dia vir,
671
O perfil de quem falei
Já dá pra descobrir
Nada eu inventei
Foi de perto que vivi
O Quinca está assim
Parece chegar ao fim
Ou a espera de algo vir,
672
Um sargento militar
Carregando o seu galão
Levou a vida a trabalhar
Com baixa remuneração
Foi um grande lutador
Também um perdedor
Trazido pelo irmão,
673
O irmão que digo
Na história já falei
O tirou do castigo
Seus passos eu relatei
Foi Pedrito o detentor
Cabeça de percussor
De muito que contei,
674
Mais um entrou pelo caminho
Por causa deste animal
Que hoje está sozinho
Perdido no ideal
Mergulhado em pensamento
Vive no constrangimento
Da sua língua infernal,
675
Quase analfabeto
E por ter uma posição
Que conseguiu no correto
Em uma revolução
Assim ficou letrado
Pra isso não é acanhado
Pra ajudar cada irmão,
676
Um, porém não suportou
Deu baixa do regimento
Pois dali ele levou
Muita dor e sofrimento
Era o Zé que partia
Daquele lugar saía
Pesado de sentimento,
677
Até hoje é um forasteiro
Já está desquitado
Um solteirão bandoleiro
Vivendo do seu passado
Nada tem a perder
Só espera acontecer
O momento acertado,
678
Falamos agora da Vinha
Que vivia no sertão
Enquanto tinha a casinha
Estava com o Tião
Agora está separada
Pelo destino jogada
Em busca de solução,
679
Da Bé agora falaremos
Sem nada dela esquecer
Pois não pretendemos
Nem faz assim merecer
Ela tem todo direito
Vamos tratar com respeito
Pois com o Didi vamos ter,
680
É um casal promissor
Diante da atualidade
No verdadeiro amor
Andam na sinceridade
Estão muito bem de vida
Sempre enfrentando a lida
Batalhando na cidade,
681
Sobre o Iô diremos
Qual é sua direção
Quase nada sabemos
A verdadeira razão
Casado e separado
Novamente casado
Veja que confusão,
682
Parece ser amigo
Do Pedrito lutador
Que lhe tirou do perigo
No momento de terror
Nem sabe o que dizer
Pra poder agradecer
Este gesto de amor,
683
O Pedrito dá exemplo
Talvez de um combinado
Pra cumprir o seu intento
Ao ver o irmão colocado
Mas deixou Iô ser excluído
Da corporação foi banido
E nem ficou magoado,
684
Com as mãos atadas
Iô estava agora
Bebendo pelas calçadas
Só esperando a hora
Em se tornar um bandido
Um assassino perdido
Vagando pro mundo afora,
685
Mas não se tornou
Caiu na realidade
Com a pobreza conformou
Assim na vida humilhado
Um amargo cidadão
Abandonou cada irmão
Devido à desigualdade,
686
Depois foi o Dão
Que o Pedrito explorou
O trouxe do sertão
Mas nada te explicou
Que se tornou um coitado
Na vida embaraçado
Só esperança lhe restou,
687
Pedrito o recebeu em casa
Como amigo e companheiro
Acostumado com a batalha
Desde o instante primeiro
Pois trazia cada irmão
Dava-lhe toda atenção
Deus sabe o verdadeiro,
688
Assim levou o Dão à farda
Como um grande sonhador
Talvez um conto de fada
Pro roceiro virador
Onde cada um criticava
Do jeito que ele falava
Coitado do lavrador,
689
Mas logo Dão encontrou
Onde estava a verdade
Porém nada lhe restou
Pra fugir da realidade
Só lhe restava esperar
Seu amargo tempo passar
Coberto de infelicidade,
690
E Dão mudou de idéia
A tal farda abandonou
Ao viver numa alcatéia
Pro sertão ele voltou
Voltou para tentar
A vida recomeçar
Buscar o que deixou,
691
Achava desaforo
Por parecer derrotado
Sua honra ou seu decoro
Já parecia jogado
Veio embora do sertão
Sofrer mais humilhação
Mas tinha um plano bolado,
692
Aos pouco trabalhando
Cativando amizade
Seu projetos preparando
Com fé e honestidade
Um sábio um dia falou
Planeja o que tramou
Para não ser um derrotado,
693
E o Dão planejou
Com muita atenção
Cada momento detalhou
Sem mudar de opinião
Por todos era amado
Mesmo escravizado
Mas não perdia a razão,
694
Enquanto Dão sofria
Na mão da humilhação
Pensando o que faria
Pra mudar de situação
Planejava sua vingança
Pois lhe restava esperança
Ao desprezar o sertão,
695
E pensava sozinho
Sentia-se uma enormidade
Pois ao seguir o seu caminho
Parecia uma eternidade
Sentir que estava a pagar
Pois só vivia a penar
Era uma grande crueldade,
696
Um passo Dão conseguiu
Cumprindo sua missão
De toda família partiu
Da cidade e do sertão
Nem quis saber de mulher
Pois conforme lúcifer
Ela sempre é maldição,
697
Na vida o veneno lançado
Era o plano do Dão
Conforme o imaginado
Quando saiu do sertão
Era uma nova partida
Tinha que mudar de vida
Talvez por alguma razão,
698
Dão desprezou também
Sua vida de humildade
Vivia como se fosse alguém
Demonstrando felicidade
Entrou na sociedade
Com muita sinceridade
Assumindo responsabilidade,
699
Ainda não está casado
Com mulheres a namorar
Por muitos é invejado
Onde vive a trabalhar
Hoje é um grande senhor
Todos lhes dão valor
Nem se pode comparar,
700
E finalmente o Tim
Que pelo mundo andou
Pelo destino sem fim
Mas pro sertão voltou
Com Dulce é casado
Criando filhos mimados
Que Deus lhe confiou,
701
Vive lá na cidade
Como verdadeiro cidadão
Pra sua felicidade
E grande satisfação
Mesmo que alguém o critica
Ele saiu da política
Devido a corrupção,
702
Seu ramo de negócio
Pro sustento do seu lar
Sem o estado como sócio
Dá pra vida levar
Porém com sua missão
Assumiu uma posição
Dos velhos nem pôde cuidar,
703
Eles não são só seus
Pertence aos irmãos
Mas o destino lhe concedeu
Esta alegre missão
Pra cumprir com lealdade
Pois a sua felicidade
Nasceu desta condição,
704
Mas não cuida dos anciãos
Que foi pago pra cuidar
Descarta os seus irmãos
Quando vão te procurar
Não tem tempo pra ninguém
Nem para ti também
E gosta de humilhar,
705
Já que recordamos tão bem
De todos os filhos de Liano
Não deixamos ninguém
Disso não me engano
Falamos de cada um
Relatamos um por um
Como se fosse um plano,
706
Agora com o Liano
Lá na casa do sertão
No mourão pensando
Loucuras na imaginação
De estar ali tão só
De si mesmo tendo dó
Ou talvez satisfação,
707
Lembrando da sua mãe
Quando tinha falecido
Dos dias que antepõe
E quanto tinha vivido
Lembrava o pai assassinado
O Baldim foi condenado
Livre o Mauro fingido,
708
Se Baldim está preso
Mauro até já morreu
Nem esperou ser surpreso
Como o Baldim prometeu
Mas Baldim deve ter morrido
Com tanto tempo sumido
Algo lhe aconteceu,
709
A minha cunhada morreu
O meu irmão também
Pois tudo aconteceu
Sem culpa de ninguém
O fazendeiro coitado
Por cobra foi envenenado
Assim morreu também,
710
A sua esposa doente
Também Deus a levou
Minha sogra morreu
Só lembrança deixou
Quem cuidava de Naninha
A humilde velhinha
Deus também a levou,
711
Minha irmã ainda vive
Acabada quanto a mim
Pois por ela sempre tive
Um sentimento sem fim
Meu irmão que me ajudou
Deus assim já o levou
Sinto que estou no fim,
712
E quantos tantos amigos
Parentes e irmãos
Que lá nos seus abrigos
Vivem de ilusão
Muitos Deus já os levou
E pelo sertão ficou
Apenas recordação,
713
Lembro-me das festas
Por onde eu já andei
Quantas moças alertas
Que com elas dancei
Nunca mais vou encontrar
Só me resta recordar
Quantas que já beijei,
714
Quanto às vaquejadas
Que fui participar
Entre muitas enrascadas
Que tive de enfrentar
Quantos machos já montei
E nunca na vida enjeitei
Nem me suporto lembrar,
715
Esta é a vida
Cheia de ilusão
Que sempre levamos a lida
Com a melhor intenção
Fazendo planos bonitos
Vivendo momentos aflitos
No final decepção,
716
Quando novo é duro
Pra gente sobreviver
Tem que ficar maduro
E a ninguém ofender
Depois de velho acabado
Fica num canto jogado
Vida pra se viver,
717
Se reclama com alguém
Nem lhe dá satisfação
Lhe tem como ninguém
Só lhe trata com humilhação
Às vezes vive a pensar
Não adianta reclamar
Principalmente no sertão,
718
Além de tudo que falo
Ainda não é o fim
E mesmo que me calo
Ninguém se lembra de mim
Pois só se lembra de alguém
Quando na verdade tem
Sua fama de ruim,
719
Mas quando se trata
De um homem trabalhador
Nas pessoas não retrata
Nem um pouco de valor
Acha que foi obrigação
De certo que tem razão
Cada um com sua dor,
720
Estou sofrendo a minha
Contudo estou conformado
Já esperava o que vinha
Assim não estou assustado
Porém o entender
Porque temos de sofrer
Depois de tudo acabado,
721
Será que não basta
Uma vida na pobreza
Pois todo instante que passa
É de pura incerteza
De miséria e humilhação
Sem nenhuma salvação
Onde está a beleza,
722
De modo que fecho os olhos
Pra não ver a realidade
Cada um com seus modos
Próprios da crueldade
São ricos e poderosos
Covardes e temerosos
Sem nenhuma lealdade,
723
Estas é que estão certas
Merecem todo respeito
Pois vivem sempre alerta
Atrás dos preconceitos
Cometem tanta violência
Sem menor clemência
E dizem que são direitos,
724
A verdadeira hipocrisia
Na política e religião
Que vivem na covardia
Com toda nossa nação
Fazendo o povo de cobaia
Uma verdadeira laia
De corrupto fanfarrão,
725
Só provocam desespero
Ao povo trabalhador
Que sempre pedem apelo
Ao maldito senhor
Patrão dos agiotas
Que dividem as cotas
Do mandato que ganhou,
726
São eles que fazem decretos
Pra defender o cidadão
Com meios indiscretos
Pra encobrir corrupção
Pois podem imaginar
Pro que vou relatar
Aqui mesmo do sertão,
727
Leis só para pobre
Rico não é condenado
Seu dinheiro paga o nobre
O tal juiz enfeitado
Que está pra condenar
A quem não pode pagar
Aos corruptos do estado,
728
Como estamos cansados
Cheio de tanta promessa
Muitos estão machucados
E sua dor não confessa
O que eu quero dizer
Qualquer um pode entender
Que é desprezo na certa,
729
Quero dizer que criei
Meus filhos aqui no sertão
E a eles ensinei
Como ser um cidadão
Sinto ter lhes enganado
Ao não ter lhes avisado
A triste situação,
730
Sei que eu tinha vontade
Contudo não podia dizer
Pois minha credibilidade
Talvez não ia convencer
Deixe que descobrissem
Quando do sertão partissem
Pra onde fossem viver,
731
Pobre não tem palavra
Nem olhos para ver
Triste eu me calava
Quando estava a perceber
Poderia ser desmascarado
Por um filho revoltado
Na pobreza a viver,
732
Cada dia que passava
Aumentava o sofrimento
Quando um filho viajava
Cheio de constrangimento
Eu sabia que ele ia sofrer
Como ia padecer
Sem nenhum conhecimento,
733
Assim eu imaginava
O que falava de mim
Pois o meu nome pagava
No sofrimento sem fim
Pois quanta humilhação
Sofre um filho do sertão
Sem ninguém lhe dar sim,
734
Pois só lhe diz não
Ao invés de ajudar
Nunca está com razão
Vivem sempre a errar
A verdadeira desgraça
No mundo da trapaça
Difícil de acreditar,
735
Sei que estão vivendo
Lá pra onde não sei
Em seu peito roendo
Algo que não falei
Não podem me condenar
Mas vivem a me culpar
Porque um dia me casei,
736
Muitas vezes relatam
Nas horas de amargura
Porque tudo lhes faltam
No mundo de vida dura
Meu pai que devia sofrer
Eu não pedi pra nascer
Pra viver nessa pendura,
737
E o tempo vai passando
Começam a perceber
Que estão pagando
O que não fez merecer
Descobre que a miséria
É uma coisa séria
Para o pobre viver,
738
E acostumando
Com a dura verdade
Aos grupos acomodando
Nos barracos da cidade
Com suas vidas singelas
Formando grandes favelas
Com muita enfermidade,
739
Devoram uns aos outros
Como ferozes leões
No rio de ódio como touros
Em forma de tubarões
Matam estupram e assaltam
Vítimas é o que não faltam
Por diversas razões,
740
Ali chega a polícia
Pra prender os coitados
Condenam ser ter perícia
Pobres homens revoltados
E falam sem clemência
Abaixo a violência
Sem encontrar resultados,
741
E nunca vão ter
Condição de acabar
Pois a própria violência
Eles vivem a causar
Permitindo sem razão
Liberdade a cidadão
Que vivem a aproveitar,
742
A verdadeira ganância
E grande corrupção
Não deixando esperança
Para o pobre cidadão
Que vive sempre lesado
Com salário rebaixado
Não desgraça e humilhação,
743
A humilhação causada
Pelos ricos poderosos
Mantendo gente enganada
Esses monstros perigosos
Que geram o terror
Tirando do povo o valor
Ganges de orgulhosos,
744
Sempre são liderados
Por representantes da lei
Povos vivem enganados
Por um invisível rei
Com mentiras os engana
Causando o grande drama
Como dói o que eu sei,
745
Lei não tem fundamento
Parece não ter razão
Pensada sem sentimento
E sem menor preocupação
De defender o estado
Ver o povo humilhado
De geração em geração,
746
Rico faz o que quer
Nem é preciso pensar
Não importa e que fizer
Nada vai adiantar
Tudo muda em segundo
Com o seu dinheiro imundo
Eles pagam pra matar,
747
Até a mim pode atacar
Só de estar relatando
Com medo de propagar
O fracasso do tirano
Do governo ditador
Que com mentiras ganhou
O direito ao seu trono,
748
As promessas feitas
Quando estão a pleitear
É uma engrenagem perfeita
Que nunca pode falhar
Pois cada companheiro
Gasta rios de dinheiro
Pra qualquer coisa comprar,
749
E quando está no poder
A serviço da nação
Nada interessa saber
Além da sua intenção
De defender os direitos
Dos agiotas perfeitos
Que dominam a nação,
750
Pobre vive a morrer
Eles ficam a dizer
Mas não deixa acontecer
E ele sabe por quê
Pois só o pobre trabalha
Pros malditos ricos migalha
Sem recompensa ter,
751
Assim os ricos exploram
Só faltam chicotear
O pobre de dor chora
Sem poder acalentar
Enche a cara de cachaça
Pra esquecer a desgraça
Que vive a te rondar,
752
Mas eu felizmente
Vivo aqui no sertão
Não estou sorridente
Pois já sofri como cão
No entanto estou feliz
Por ter feito o que fiz
Com a melhor intenção,
753
E como estou no final
De o meu destino cumprir
Pois o momento fatal
Qualquer dia há de vir
Deixarei minha lembrança
Que sempre como criança
Eu pude viver a sorrir,
754
Também hei de levar
Pro mundo que eu for
Lembranças de quem ficar
Que muito me ajudou
Minha eterna gratidão
Pelos campos do sertão
Como prova de amor,
755
Não quero em meu enterro
Ouvir ninguém chorar
Nada de desespero
Quero todos a cantar
O hino da alegria
Que irá à companhia
De que nunca vai voltar,
756
Quero em minha sepultura
Um letreiro dizendo
Adeus triste vida dura
Que vivi sempre sofrendo
Nunca vou te esquecer
Se eu voltar a viver
Quero nascer morrendo,
757
Ao não ser que seja nobre
Filho de um grande senhor
Se for pra nascer pobre
Esqueça de mim senhor
Prefiro ser esquecido
No meio dos mortos perdidos
Ouvindo gritos de horror,
758
Em baixo do meu nome
Escreva o da minha mulher
Dos filhos sem sobrenome
Ou como cada um quiser
Pra quem ler entender
O porque de não querer
O que ninguém quer,
759
Lembrem de mim amigos
E instantes que vivemos
Adeus todos os perigos
Pois nunca nos esquecemos
O pior que se pensar
É melhor não recordar
As lágrimas que perdemos,
760
E Liano relatou
Lá nos confins do sertão
Parece que não ficou
Nem um pouco de razão
A sua mente perdida
Não parecia esquecida
Toda sua intenção,
761
Mas a vida é estranha
Tudo pode acontecer
Escondido na entranha
No tempo vem a nascer
Algo sem esperar
Pra nossa vida mudar
E aumentar o padecer,
762
O certo é que chegou
Um rumo bem diferente
Quando Liano acordou
Já estava muito doente
Vivia a reclamar
Vendo o seu fim chegar
De uma forma carente,
763
Tudo que lhe fazia
Parecia ser ruim
Não tinha alegria
Só esperava o fim
Todos lhes deram as costas
Assim fecharam as portas
Até mesmo o filho Tim,
764
Alegavam que Liano
Valorizava outro alguém
Ou seria um engano
Mas não se sabe bem
A suspeita existia
Tinha gente que dizia
Da sua moral também,
765
Nada ficou provado
Do que o povo dizia
Assim ficou acertado
Como Liano vivia
Uma vez abandonado
Liano foi amparado
Pela mulher que o servia,
766
A esposa do vaqueiro
Compartilhava a solidão
Daquele velho guerreiro
Honrado lá no sertão
Adotou novos amigos
Dividiam o mesmo abrigo
Em busca de solução,
767
O filho dessa senhora
Apelidado de Lorim
Parece que veio na hora
De substituir o Tim
Que depois de casado
Esqueceu do seu tratado
Deixou Liano em fim,
768
O pobre Liano morreu
Como qualquer indigente
Só o Dão compareceu
Pra visitar o doente
Vinha Quinca e Zé
Veja como a vida é
Estes estavam presentes,
769
Levaram o corpo inteiro
Pra sepultar no sertão
No meio do tabuleiro
Conforme a solicitação
Ficar perto do seu pai
Da minha mente não sai
E nem do meu coração.
770
Pedir desculpas pra mim
Faz parte da educação
Agora chegou ao fim
A história do Peão
Vou dar uma volta na rua
Pois a vida continua
Até a próxima edição,
João Rodrigues
FIM
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