quinta-feira, 27 de abril de 2023

Ao Pôr do Sol João Rodrigues

 AO PÔR-DO-SOL

 

JOÃO RODRIGUES

 

            A grande casa da fazenda estava escondida entre as mangueiras, nem mesmo seus moradores podiam apreciar a beleza da casa, pois as folhagens das grandes mangueiras faziam daquele lugar um verdadeiro paraíso.

            Do alpendre da grande casa se via a pequena estrada que levava as pessoas dali para o mundo. Pois, era aquela a única entrada e saída para o Coronel Leonel, que teve a sorte de ser o dono da tão linda fazenda que repousava tranqüila lá nos pés da Serra Grande à margem do Rio Prado.

            Na verdade ele não teve a sorte de ser o dono, mas sim, a coragem de covardemente tirar a vida dos pequenos, e dos desprotegidos. Daqueles que a cega justiça corrupta nunca pode ver. Pois, só gente como o Coronel Leonel, é que a podridão da justiça protege. Enquanto aquele que trabalha, que sempre trabalhou, não merece à atenção do homem e nem da justiça, restando-lhe apenas os sete palmos de terra quando são entregues aos vermes. E, porém, para muitos não tem nem mesmo este direito. Pois, são atirados ao fogo, tornando-se cinzas como se fossem pedaços de qualquer coisa.

            Pois, ali estava um escudo de fortaleza imunda. Um Coronel, um assassino, um pilantra, rodeado de idiotas que, como rezes espera o momento de serem abatida, ou então, assistindo os seus companheiros serem mortos como forma de manter a força, dando um exemplo natural para que o seu poder nunca se sente abalado.

            Ali também, além dos empregados, vamos dizer os pistoleiros e prostitutas que serviam ao leão humano, estava também à dona Josefina, como se fosse uma leoa, e o seu filho Epaminondas, que era o sentimento do pai. Pois, no dia em que ele nasceu, travou-se uma grande luta, ele tomou muito vento frio, ficando com a sua boca torta. Porém, mesmo assim, Deus não deixou que aquele homem vivesse na real tristeza, trazendo para si uma filha que além de ser muito bonita, tinha uma forma decente de tratar o pai. Pois, ele até enchia o peito para chamá-la:

             - Lorena, venha cá.

             A linda garota sempre vinha atender o imundo Coronel dizendo:

            - O que quer de mim papai?

            Antes do velho cascavel responder, ficou maravilhando à beleza da sua filha como se estivesse te namorando.

            - Prepare minha roupa que vou à cidade, tenho que resolver alguns negócios por lá.

            - O senhor me deixa ir também?

            - Sim, pode preparar uma linda roupa para você. Eu vou passar na casa do Coronel Alceu. Não quero que Ornan lhe veja mal arrumada.

            - Então você pode ir só pai, eu não quero ver Ornan coisa nenhuma.

            - Porque você não quer vê-lo filha, você tem de se casar com ele, é um menino muito bom, inteligente e capaz de lhe fazer feliz, assim como eu fiz e faço a sua mãe.

            - Felicidade papai, o senhor acha que felicidade são cama e comida!      - Não só isso filha, mas como, também, dinheiro, respeito...

            - Respeito papai, matando os inocentes, é adquirir respeito, não papai, eu não quero saber desta coisa.

            - Quer você queira ou não filha, não importa, o que importa é que quero que venha comigo, eu sinto bem andar com você.

            - Está bem papai, eu vou, mas não venha com essa conversa de filho do Coronel Alceu.

            Lorena não gostava do que o pai fazia, parecia que Deus tinha mandado nascer aquela menina ali, afim de um dia obrigar o Coronel a mudar de opinião.

            - Josefina, ajude sua filha, mulher, você parece ser demente, você não presta pra nada.

            A pobre Josefina, uma mulher ainda nova, mas muito sofrida por viver nas mãos de um Coronel, um monstro, um idiota que só visava o dinheiro, o poder, só visava à morte, só matando uns e outros para ele é que tudo ficava bem.

            Via também o Coronel o seu pobre filho Epaminondas como um castigo ou talvez uma conseqüência que pode acontecer a qualquer um, de modo que ele não dava muita atenção pro filho, tanto fazia ele morrer como ficar vivo seria uma coisa só, porém, quando o Coronel falava com o filho, sentia-se em seu semblante aportar alguma tristeza:

            - Está pronta Lorena?

             - Sim papai, já estamos indo.

            - Epaminondas fique quieto filho, Ana cuida de você.

            - Eu também quero ir, eu também quero ir...

            - Não, você não pode ir pro meio de gente! - 

exclamou Lorena.

            - Você vai ver sua besta, você vai ver.

            Lorena não gostava de Epaminondas, tinha por ele uma grande antipatia, não se sabe o motivo de tamanha ignorância que invadia o coração daquela linda jovem, que odiava tanto o seu próprio irmão, e ainda por cima, doente.

            - Um dia você vai precisar de mim você, vai ver.

            As lágrimas caiam nas faces do rapaz, que ali naquela cadeira de rodas, sofria com o que não tinha culpa de tanto sofrer, pois no dia do seu nascimento foi também o dia da sua morte incompleta, que vinha aos poucos eliminando seus sentimentos, lhe fazendo cada dia se endurecer no mar de sofrimentos, transformando-se em um pedaço de ódio que até tinha vontade de morder as pessoas que lhe fizesse raiva.

            Lorena no atento só se preocupava com a sua beleza, que cada dia se multiplicava quando os complementos que lhe fazia mulher vinham chegando para lhe tornar a mais cobiçada princesa da região, a respeitada filha do Coronel Leonel.

            - Vamos gente, vamos mulher.

            Todos procuravam se acomodarem em seus cavalos e lá dentro da casa Epaminondas gritava:

            - Eu também quero ir...

            Os cavalos só deixaram poeira na pequena estrada, Ana empurrou a cadeira de rodas para o alpendre da casa para que o pobre Epaminondas pudesse ver o que não podia, mas gostaria de fazer, e os fios de lágrimas desciam dos olhos do rapaz, que murmurava em profundo amargor.

            Junto com o Coronel e sua família, seguiam os treinados pistoleiros, prontos para  darem a vida para salvar a do velho marginal.

            - O Coronel vai passar primeiro na casa do Coronel Alceu?

            - Vamos pra cidade, ele deve estar lá.

            - Sim Coronel! - exclamou o capataz esporando o seu cavalo e rindo, querendo fazer bonito pro Coronel.

            Chegando na praça da pequena cidade de Capão Alto, a feira estava animada, muitos homens faziam compras e ao mesmo tempo brigavam, dando um aspecto natural de convivência entre homens do sertão.

            A linda Lorena fazia com que muitos daqueles se mergulhassem num profundo desespero por querer pelo menos estar ao lado dela ao menos um instante, sabendo na verdade que tudo aquilo seria impossível, mas mesmo assim não deixava de se esconderem atrás do escudo imaginário de que quem sabe um dia...

            E no salão principal ficava o encontro marcado dos Coronéis de toda região, ali eles vendiam terras e trocavam pistoleiros, bois, e até mesmo em muitos casos, negociavam suas filhas.

            Neste dia, no entanto, quem estava sendo vendida era a linda Lorena, a filha do Coronel Leonel, por uma grande faixa de terra, muito gado e alguns pistoleiros.

            Lorena, no entanto, não sabia da grande transação, porém, pressentia que algo estava errado, pois, o interesse do seu pai no tocante ao filho do Coronel Alceu era muito grande, e lá no salão principal, o destino da Lorena era  traçado de maneira sutil e maliciosa.

            Ornan também não sabia da grande transação, só pressentia o quanto seu pai estava interessado no seu casamento com a Lorena, até mesmo falava:

            - Ornan meu filho, quero que se case com a filha do Coronel Leonel, ela é meu intento em forma de pessoa, é uma moça muito comportada e você tem certeza de que estará se casando com uma mulher virgem.

            O rapaz meio triste argumentava:

            - Não tenho muita intimidade com ela pai, nem sei se ela me quer.

            - Pode deixar que eu vou falar com Coronel Leonel, quando você for falar com ela, já estará tudo bem.

            - Não sei não pai, ela é muito bonita, e mulher bonita é muito cheia de coisas.

            - Não filho, Lorena é o meu intento.

            - Não entendo o que o senhor quer dizer

 de intento.

            - É o meu jeito de falar filho, deixe isso pra lá.

            Na verdade quando o Coronel Alceu se encontrava com a Lorena, a sua fisionomia mudava. Apesar de que qualquer homem ao chegar perto dela se sentia diferenciado. Uns por ver a sua beleza e outros por ser ela a filha do valente Coronel Leonel. Pois, se ela reclamasse de que alguém tivesse olhando-a de maneira diferente, sua cabeça poderia rolar na esteira da morte.

            Mas não era só o filho do Coronel Alceu que estava na mira do Coronel Leonel. Tinha também: Tomé, filho do Coronel Ortiga, Macêdo, filho do Coronel Tenório, e finalmente, ainda um pouco criança, Joselito, o filho do Coronel Aristides, esse ainda um pouco mais rico e mais violento do que os outros.

            Lorena, no entanto não era a única moça filha dos Coronéis, tinham também algumas outras, mas ela tinha a satisfação de ser a possuidora de incomparável beleza e poder disputar o poder da sedução que rondava nas cabeças dos filhos dos poderosos Coronéis e também dos forasteiros que se perdiam ali ao sentir o perfume da linda Lorena.

            No tocante aos pistoleiros e forasteiros, esses eram eliminados quando se manifestavam o interesse por Lorena ou por qualquer outra filha dos Coronéis.

            Era até mesmo proibida a entrada desse tipo de gente no salão principal, pois quando qualquer um que por ventura tentasse entrar ali, logo era eliminado por os grandes ases do gatilho, que ficavam nos pontos estratégicos.

            E naquele dia à tarde, o dia do grande acontecimento, Lorena andava na pequena cidade com sua amiga Wilma, filha do Coronel Aristides, e se sentiram lisonjeadas quando um cavalheiro desconhecido ousou em chamá-las de bonitas.

            Ouve certo murmúrio entre os inúmeros capangas dos Coronéis, no entanto o homem desconhecido  relatou a uns dos pistoleiros:

            - De quem é filha aquela garotinha que se veste de verde?

            Os pistoleiros com medo de responder ao homem, preferiam ficar calados como se fossem mudos.

            - De quem aquelas belezas são filhas? - insistiu o homem.

            Um pistoleiro já meio velho que até parecia aposentado de tanto matar, falou:

             - Ei amigo, aqui pistoleiros não podem achar filhas de Coronéis bonitas...

            O pistoleiro atirou na testa do velho dizendo:

            - Não te perguntei nada velho idiota.

            Os demais pistoleiros que assistiram o fato ficaram surpresos ao notar que o misterioso homem que fez aquilo, tinha sido muito avançado para o seu tempo. De modo que uns quinze homens resolveram acabar com o misterioso forasteiro...

            - Ei moço, podemos saber seu nome? - Indagou um dos pistoleiros.

            - Não gosto de falar meu nome antes do pôr-do-sol, em seguida disparou contra o grupinho, deixando que todos ficassem sem vida no chão.

            Da janela do salão principal, o Coronel Leonel e o Coronel Alceu, assistiram o que o misterioso pistoleiro fez e unanimemente falaram:

            - Cabra bom, muito bom o pistoleiro! - exclamou o Coronel Leonel.

            - Bom mesmo, muito bom - confirmou o Coronel Alceu.

            Enquanto os Coronéis deliravam com o que fez aquele homem, as lindas filhas sorriam, não escondendo em seus semblantes as suas preferências a ele.

            - Ali vi homem de coragem - argumentou Lorena.

            - Ele é demais! - exclamou Wilma.

            Enquanto elas falavam o destemido rapaz com o seu jeito único de ser pela maneira de atirar, a roupa que se vestia a maneira de andar, e que se dirigia para o salão, causando com isso grande expectativa nos pistoleiros que eram encarregados de cuidarem da segurança dos Coronéis.

            O homem veio, e de modo que quando foi entrando na porta principal do salão, um dos capangas falou:

            - Neste estabelecimento não é permitida a entrada de pistoleiros.

            - Grato pelo aviso amigo, mas fico muito triste de saber que você está errado - argumentou o misterioso pistoleiro atirando no homem e em mais outro homem que servia ao salão, andando em seguida até uma mesa aonde estava a linda Lorena e disse:

            - Posso saber o seu nome princesa?

            Ornam tentou sacar a sua arma, porém o pistoleiro avisou:

            - Não se mexa garoto imbecil, só quero saber o nome da princesa.

            Ornam meio trêmulo soltou o seu revólver e o Coronel Leonel chegou dizendo:

            - Em que podemos ser útil amigo?

            - Não sou seu amigo Coronel, o que posso dizer é que Coronel não tem nenhum amigo, no entanto, podemos falar.

            - Ótimo, assim é melhor para nós.

            - Não concordo, pode ser melhor para o senhor, mas para mim não faz sequer diferença a sua amizade. O que quero mesmo é saber o nome desta beleza.

            - O nome dela é Lorena, é minha filha, eu sou o Coronel Leonel.

            Lorena do lado da mãe ficou feliz por sentir no olhar do desconhecido que algo muito importante tinha para lhe dizer. No entanto, deixou que seu pai falasse com ele.

            - Está bem Coronel, eu vou indo.

            - Espere! -  exclamou Lorena dizendo:

            - Garçom, sirva uma bebida ao cavalheiro.

            O pistoleiro ficou surpreso com a deliberação da moça e até falou:

            - Não sei por que mereço tanto a preço.

            - Pela sua habilidade no revólver e a sua coragem, pode ter certeza de que conquistou a minha amizade.

            Naquele instante o garçom trouxe a bebida. O pistoleiro, porém, sacou de sua arma fazendo o homem beber, dizendo:

             Nunca se deve confiar em garçom que serve os Coronéis. Beba seu idiota.

            O homem bebeu e em segundos caiu morrendo ao lado da mesa.

            Quando Lorena viu o homem morrendo, gritou:

            - Não! Quem fez isso!

            O pistoleiro atirou no mesmo instante no dono do salão que caiu em seguida com arma na mão.

            Com as explosões no salão, muita gente preferiu sair para praça, ficando poucos ali. Lorena ficou apaixonada com o pistoleiro que ao se retirar fez questão de beijar a sua mão, dizendo:

            - Até breve senhorita, tenho a necessidade de sair. Pois se eu ficar aqui, terei de matar muita gente.

            Depois que o homem beijou a mão da linda jovem, saiu sem se despedir do Coronel Leonel que ficou murmurando:

            - Ele é demais, nunca tinha visto um pistoleiro tão habilidoso como esse.

            - De onde será que ele veio! – exclamou Lorena.

            - Não sei, só sei que ele se foi como ao pôr-do-sol, desaparecendo na escuridão! -  exclamou o Coronel Leonel.

            Lorena ficou fascinada com tanta loucura em sua cabeça, pois, jamais teria ela sabido quem iria envenenar a bebida, muito menos ali, e ainda por ela ser a filha do Coronel Leonel.

            - Quero ir embora desta cidade pai.

            - Não filha, podemos nos acomodar, o mistério acabou. O dono dele se foi e logo os nossos homens acabarão com ele.

            - Não sei como, com tanto desafio que ele nos mostrou.

            O coronel Leonel ficou calado, mas por dentro de si algo remoia, pois nunca tinha encontrado um homem que lhe desafiasse de maneira tão misteriosa.

            - Martiniano, vai buscar aquele pistoleiro para mim, e o quero vivo, pois tenho que falar para ele que o Coronel Leonel é homem de respeito.

            - Sim Coronel, eu vou buscar o homem.

            Os demais Coronéis mandaram que seus homens também fossem ao trabalho da captura do pistoleiro misterioso.

            Lorena ficou triste ao ver tanta gente ir à captura do então seu admirador. Os seus lindos olhos pretos se misturavam ao enrijados de lágrimas por um choro de emoção por perceber que nada ia acontecer ao seu admirador.

            E ao pôr-do-sol, todos ficaram na expectativa de que os homens voltassem com o pistoleiro debaixo do açoite.

            O certo é que a noite chegou trazendo consigo uma grande expectativa. Muitos esperavam na verdade o pistoleiro amarrado.

            Alguns dos Coronéis foram embora. Porém, o Coronel Leonel aproveitou para ficar a noite na farra com as mulheres, depois que mandou Lorena ir se hospedar na casa da cidade. Que, na verdade era uma mansão do Coronel Leonel. Que embelezava aquele arraial bem distante da civilização.

            Lorena e sua mãe, e algumas criadas, alguns pistoleiros, estavam ali, distante da realidade. Lorena, no entanto, dentro do seu lindo quarto, pediu que a criada saísse e ficou olhando para sua mente. O gesto civilizado que aquele desconhecido tinha beijado a sua mão de uma maneira tão decente que ela jamais tinha visto. Pois, na verdade, ninguém nunca tinha beijado a sua mão. Não pensava ela que o primeiro a fazer isso fosse um pistoleiro desconhecido.

            - Meu Deus, dê forças a ele, deixa que os homens o prenda sem nada lhe acontecer.

            Lorena queria que o pistoleiro fosse preso, pois esta seria a única forma de poder vê-lo novamente.

            Logo a noite escura lhe convidou ao sono. E só no dia seguinte ela pôde ver com alegria o clarão do dia. O vento assoprava a cortina da janela e quando ela se levantou, e que abriu a janela, avistou um homem que estava amarrado num tronco como se fosse um touro.

            - Será ele que está naquele estado!

            - Sim filha, é o pistoleiro de ontem - argumentou o Coronel Leonel.

            - E já sabem quem é ele?

            - Não, só disse que ao pôr-do-sol saberemos.

            - Como, ao pôr-do-sol?

            - Isso é o que eu gostaria de saber.

            - Mas pelo jeito vai ser difícil.

            - É o que estamos sentindo.

            - Vai fazer o que com ele?

            - Só depois do julgamento é que iremos decidir o destino de um pistoleiro tão habilidoso.

            - E que hora vai ser o julgamento?

            - Assim que os Coronéis estiverem reunidos.

            - No salão principal?

            - Sim, lá será tratado o destino daquela cobra.

            - Ao pôr-do-sol, por que ao pôr-do-sol?  

            Ficou murmurando a linda Lorena olhando pela janela.

            O vento assoprava a poeira que se atirava contra o corpo do homem atracado no mourão. Lorena sentia na pele. Mas, no entanto, satisfeita, só daquela forma seria possível encontrar novamente com o homem que lhe pareceu muito especial. Lá fora, no entanto, o destino de ao pôr-do-sol estava trançado de maneira infernal.

            - Vamos enforcá-lo ao pôr-do-sol, não é isso que ele sempre diz?

            - É isso ai!  - confirmam os pistoleiros ao Coronel Alceu.

            - Não poderia fazer assim, seria uma desfeita para os Coronéis aceitarem algo que fosse da vontade dos pistoleiros.

            - Não, ele deve ser enforcado amanhã por volta das dez horas.

            - Ele não deve ser enforcado, deixamos que seja queimado vivo, pois ele desrespeitou as ordens dos Coronéis, ele entrou no salão principal.

            - Ele beijou a mão da filha do Coronel.

            - Ele tem que ser esquartejado.

            - Ele tem que ser degolado e queimado.

            - Ele tem que morrer afogado no Rio Prado.

            - Ele tem que ser castrado.

            Assim muitos pistoleiros tentavam decidir o cruel destino do pobre desconhecido. A corte já se reunia para dar o verdadeiro destino.

            Lorena foi até perto do rapaz e ficou triste ao ver que o corpo dele estava marcado de chicote, faca, bala e outros objetos de tortura. De modo ela falou:

            - Atenção pessoal, gostaria que a corte considerasse um pouco de clemência, pois o réu nem mesmo está ouvindo o comentário sobre a sua sentença.

            - Não é permitido mulher intervir na decisão da corte - argumentou um pistoleiro do Coronel Alceu.

             Lorena atirou no homem e disse:

            - Não estou perguntando nada a comuns, e sim à corte.

            Aquilo assustou o Coronel Leonel, pois nunca tinha assistido um ato tão violento da sua filha.

            - Com licença senhores. Gostaria de falar com a minha filha.

            A corte se reunia no meio da praça e naquela hora que Lorena atirou no homem, o desconhecido abriu os seus olhos para ver de onde tinha vindo o tiro e o seu coração se encheu de alegria ao ver que tinha sido Lorena, pois ele ainda sentia o perfume dela em seus lábios quando beijou sua mão.

            - Minha filha você...

            - Não quero ouvir o senhor pai, eu quero que dê um julgamento honesto ao desconhecido.

            - E como você quer?

            - Leve-o para prisão e deixe que ele se recupere, assim poderão julgá-lo honestamente.

            - Ela não pode intervir no julgamento - argumentou outro pistoleiro que também levou um tiro, e Lorena falou:

            - Não quero me tornar uma pessoa inentendível, mande-o para as grades.

            Lorena dominou a decisão da corte, causando com isso grande dúvida em seu pai.

            - Por quê está protegendo este desconhecido filha?

            - Não estou protegendo ninguém papai, eu quero um julgamento justo, só isso que quero, acha que é querer demais?

            De modo que antes do meio dia o desconhecido estava atirado atrás das grades de ferro na pequena delegacia da cidade de Campo Alto. O delegado imposto ali pelos Coronéis, servia a covarde justiça.

            - Você vai ser enforcado pistoleiro idiota! - exclamava o carcereiro atirando o coitado num canto da cela.

            Passou do meio dia, a fome invadia aos poucos o ser daquele pobre pistoleiro misterioso, pois ninguém sabia o que ele queria dizer, e o que seria quando ele dizia ao pôr-do-sol.

            - Vim trazer comida para o pistoleiro.

            - Quem mandou a comida?

            - Foi Lorena, delegado.

            - Pois não, pode deixar que eu vou dar a ele...

            - Não, ela pediu que eu mesma desse a comida a ele.

 

            - Está bem.

            O delegado disse tudo bem. No entanto, enquanto dizia, as ordens dos Coronéis remoíam dentro de si.

   A criada se foi com a comida e ao chegar na cela disse:

            - Foi ela que mandou para você.

            - Ela, quem senhorita?

            - Ela, Lorena que mandou...

            O ódio imperava no sentimento do pistoleiro, pois não estava nos seus planos, determinados momentos, e ele pensava...

            - Vim pra cá para acabar com os Coronéis idiotas, vou acabar com eles, vou acabar...

            - Você veio de onde?

            - Quem quer saber? Você ou a linda moça que mandou perguntar?

            - Não, sou eu que estou interessada, pois sou uma criada de sua confiança.

            - Sim, diz pra ela que eu sou Abel de Castro.

            - Abel de Castro, de onde?

            - Meu pai já morreu, era  um pobre vaqueiro, mas me deixou um nome que eu tinha que acabar com ele, pois em todos os lugares que passo onde o nome estiver em alguém, eu me sinto na obrigação de acabar com ele.

            - Eu posso saber qual é o nome?

            - Não, só a linda Lorena, só a ela direi.

            - Você gostou da comida?

            - Sim, gostei e gostei também da boa ação da princesa.

            - Ah! Sei, ela é uma moça muito boa, ela nem parece ser filha de um Coronel.

            - Você sabe o sobrenome do Coronel Leonel?

            - Não, só sei que o nome dele é Leonel.

             - Obrigado por ter trazido a comida e diz para Lorena, não é Lorena?

            - Sim Abel, é Lorena.

            - Pois é, diz para ela que fiquei muito agradecido.

            - Direi...

            A criada se foi e logo Lorena dizia:

            - E então, como foi lá, o que ele disse?

            Antes de a criada responder, parecia que Lorena ouvia o que Abel de Castro cantava lá atrás das frias grades de ferro.

 

Lorena eu sou

A sombra do amor

A ilusão do ser

Eu queria poder

Lorena ter você,

 

                          Seu perfume Lorena

                        Invadiu meu coração

                        Reviveu minha paixão

                        Lorena ou Lorena,

 

Vou parar de lutar

Quando um dia puder

Dar-lhe todo o meu amor

Lorena Lorena Lorena,

 

                        Quanto que já sofri

                        Sem pai vivo a vagar

                        Sem o carinho de mãe

                       

                        Sou criança a chorar

                        Lorena minha princesa

                        Lorena, Lorena.

 

            Nas frias grades, as frias mãos de um homem que estava marcado para morrer, ainda sentiam como felicidade de guardar o perfume da mão de uma princesa filha de um Coronel idiota. Mas, Abel de Castro recitava a sua linda poesia dizendo:

 

 Luz fria do meu olhar

Lábios quentes de amor

Se eu pudesse provar

De Lorena o sabor,

 

            Sabor sabia sabido

            De um peito doido

            Da ilusão do viver,

 

Lorena minha Lorena

Jogue junto de mim

Não me permita o fim

Do pouco de ilusão,

 

             Quero Lorena quero

              Quero ter

              Se eu não puder

              Vou viver a sofrer,

 

Lálá lá rá lá...

 

            - Mandou lhe agradecer.

             - E o nome dele, como é?

            - Abel de Castro. Disse que não tem pai e que a herança que lhe restou foi um nome que onde ele encontra em alguém tem que acabar com ele.

            - Qual é o nome?

            - Disse que só a você dirá, e até falou o seu nome.

            - Está bem Joana, obrigada.

            - Sim, Senhorita, com licença.

            Joana se foi deixando que a princesa ficasse pensativa, de quem seria o nome ou que nome seria pelo menos.

            Naquele sombrio instante, a senhora Josefina, vendo a filha naquele estado disse:

            - O que está tão pensativa filha?

            Lorena muito triste respondeu:

            - Sente aqui mamãe, quero me deitar no seu colo.

            A velha se sentou, e Lorena se deitou, Josefina passava a mão nos cabelos de Lorena,  dizendo:

            - Você está começando a viver a felicidade filha, sinto que veio de uma maneira muito estranha, mas veio, veio por um desconhecido.

            - Não sei mamãe, ele é um matador, e um amor junto de um matador, tem cheiro de morte, cheiro de terror.

            - Mas ele deve lutar por alguma coisa que para ele deve ser justa filha, isso com o amor não tem a ver, amor é uma coisa sublime, muito sublime.

            - Sei mamãe, sei o que a senhora quer relatar...

            - Josefina, onde está Lorena?

            - Estou aqui papai - respondeu Lorena ainda deitada no colo da mãe.

            - O que tem filha! Nunca vi você assim.           

- O desconhecido papai, ele está mexendo comigo.

            - Ele não é desconhecido filha, ele é Abel de Castro. Seu pai foi morto por um Coronel, e ele se tornou perseguidor dos Coronéis. Por isso ele está à procura dos Coronéis na ilusão de que irá conseguir acabar com todos eles.

            - Ah! Então é isso!

            - Sim filha, é isso.

            - Então o senhor é alvo dele?

            - Não só eu, mas como todos os Coronéis, no entanto, parece que ele acha que eu sou o principal desta região, por isso estou em primeiro plano.

            - Mas por que ele não atirou no senhor naquela hora?

            - Ora filha, acha que ele iria jogar a chance fora!

            - De me amar?

            - Não filha, pistoleiro não ama ninguém, ele passa o tempo, ele vive somente o seu objetivo, e o dele em especial é acabar com os Coronéis, os verdadeiros Coronéis.

            - Compreendo papai, só não sei o que vai acontecer.

            -   Eu sei filha, amanhã ele será enforcado.

            - Mas não acho justo papai, o pai dele foi morto, ele tem que vingar a morte do pai dele.

            - Sim filha, mas só matando quem matou o pai dele, ai sim, mas sair por ai matando todos os Coronéis, isso é loucura, ele tem que morrer.

            Quando o Coronel afirmou que o Abel de Castro tinha que morrer, os lindos olhos de Lorena se emudeceram na desilusão.

            - Lorena, veja a vida de uma forma real  - argumentou a mãe se levantando.

            - Estou vendo mãe, já estou entendendo o que a senhora está dizendo.

            Logo a noite chegou. Os Coronéis se reuniam no salão principal. Pois a vida lhes permitia a satisfação de viver num castelo imaginário de poder, enquanto, lá no xadrez, Abel de Castro imaginava como seria possível acabar com os Coronéis.

            - Delegado, hei delegado!

            - Não existe delegado aqui moço, o que quer?

            - Você mesmo serve carcereiro!

            - O que você está querendo?

            - Quero lhe confessar um grande segredo. Eu estou morrendo.

            - O que quer se confessar?

            - Tem um ouro enterrado nas margens do rio.

            - Mas acha que sou otário cara!

            - Não carcereiro. Eu só estou querendo lhe dizer onde está o ouro, é só isso, pois quero morrer em paz e feliz por saber que deixei alguma coisa para alguém.

            O coitado do carcereiro idiota encostou perto da grade da cela e foi surpreendido com Abel de Castro ao tirar o seu revólver numa invejável rapidez.

            - Ande logo seu idiota, abra a porta que quero sair.

            Na mira do revólver o carcereiro abriu a cela e Abel de Castro tratou logo de cortar o pescoço do homem e se dirigiu aos presos e disse:

            - Amigos, tenho um serviço para vocês.

            - Amigos, por que amigos! - exclamou um dos presos.         

- Cale a boca seu otário - reclamou outro preso.

            - Vamos, vou dar um serviço a vocês a troco de suas liberdades.

            Assim Abel de Castro preparou aqueles presos dizendo:

            - Vocês atacam de uma só vez o salão principal, atirem em todo mundo, mas, no entanto, se conseguirem livrar a linda Lorena!

            - Quem é esta mulher?

            - A filha do Coronel Leonel seu burro!  -exclamou um dos presos.

            - Está bem, podem ir, quero que vocês façam um bom serviço que lhes darei uma grande recompensa.

            Enquanto os presos atacaram a cidade, acabando com todos os que viam pela frente, Abel de Castro se escondia entre a fumaça que era provocada nas explosões, pois grandes tufos de fumaça, que nas sombras das chamas o hábil pistoleiro aproveitava para poder delirar de felicidade, pois aqueles Coronéis idiotas jamais teriam imaginado de que o que ele queria mesmo era usar o grande numero de presos que estavam com muita sede de matar.

            Lá no salão principal, os Coronéis se preocupavam ao ver que a revolta dos presos era grande. Uns até já tentavam procurar uma forma de se esconder ou fugir pro seu esconderijo, pois sempre foi assim. Coronéis nunca são valentes de verdade, e sim, uns covardes compradores de liberdade.

            Abel de Castro sorria por dentro ao sentir que naquela hora, alguém como o Coronel Leonel estava se trancando em desespero, pois os valentes presos iam conquistando a cada passo o direito de exigir a recompensa de Abel de Castro. E que recompensa seria!

            Logo, porém, Abel de Castro percebeu que o salão já tinha sido invadido, pois notava que o terror tinha se aportado ali. 

            Os Coronéis, filhos e filhas, começavam a pagar o que tinham se endividado com o tempo.

            Abel de Castro procurava observar se algum Coronel escapulia para algum esconderijo. E no mesmo tempo se preocupava com a linda Lorena. Pois, até imaginava que se acabasse com o pai dela, ela estaria livre do monstro, e assim eles poderiam até serem felizes, pois ali estava o fim de sua carreira, da vingança que foi a herança que o seu pai deixou. O nome, aquele nome infernal. Leonel.

            Ali perto, bem perto, Abel de Castro viu na escuridão um homem valente pedir pelo amor de Deus pra não te matar, sim, e ele era o valente Coronel Leonel que tentava fugir com sua esposa e filha dizendo:

            - Vamos filha, vamos que já estou com um tiro no braço.

            - Leve-me também - gritava Josefina.

            Porém ali, dinamites explodiam nunca se viu homens bons no gatilho quanto àqueles presos. E por ser a última batalha que Abel de Castro pretendia travar-se contra os Coronéis. Por isso, estava se divertindo de tanta felicidade ao ver quanto lutavam aqueles homens para ganharem a liberdade e além da liberdade, ganhar o presente prometido pelo misterioso pistoleiro.

            - Vamos filha, vamos, monte logo, fuja...

            Antes de o Coronel Leonel terminar de falar, recebeu um tiro no peito e sem forças pra conseguir montar dizia:

            - Fuja filha, eu já não posso ir, diz para Epaminondas que me perdoe pelo que fiz, e que não pude fazer nada por ele.

            - Sim papai, falarei...

            A linda Lorena chorava a morte do seu pai.

            - Sei que não tinha outra forma de tudo isso acabar Senhorita.

            - Por que está preocupado comigo Abel?

            Abel de Castro não quis responder Lorena, apenas a agarrou em seus braços, e beijando-a disse:

             - Vou te levar daqui.

            - Para onde vamos.

            - Você não tem que levar o recado do seu pai?

            - Sim, para o meu irmão Epaminondas.

            Enquanto Abel de Castro falava com a linda Lorena os homens continuavam atirando...

            - Quando isso vai parar? - indagou Lorena olhando o corpo do pai estendido no chão.

            - Pra mim já acabou. Quer levar o corpo do seu pai?

            - Sim, veja como ele nem mesmo depois de morto perdeu a elegância.

            - É, uma vez cobra, sempre cobra. Cuidado com ele, pois ainda pode nos fazer mal mesmo depois de morto.

            - Era o nome que você procurava?

            - Isso já não tem mais nenhuma importância.

            De modo que Abel de Castro seguiu para fazenda do Coronel Leonel, levando a Senhora Josefina, Lorena e o corpo do poderoso Coronel Leonel.

            - Vem vindo alguém Senhorita - informou Martiniano.

            - Deve ser alguém da parte de Abel de Castro.

            E assim que Lorena terminou de falar os presos chagaram escanchando seus cavalos e entusiasmados gritavam:

             - Viva Abel de Castro, viva o sertão.

            Abel ficou observando aqueles seres que pareciam querer agradecer de alguma forma a liberdade que receberam, mesmo que de uma forma estranha, matando aqueles opressores, mas eram pessoas. Contudo não podia voltar atrás, já estava feito. De modo que um dos presos relatou:

            - Devemos as nossas vidas a você amigo.

            - E queremos a nossa recompensa - relatou outro preso.

            - Primeiro vamos ajudar Lorena a sepultar o seu pai. Depois lhes direi da recompensa.

            E assim lá na casa do Coronel Leonel, após o seu sepultamento ali mesmo no grande mangueiral Abel de Castro relatou:

            - Agora somos pessoas livres dos Coronéis que tanto mal nos fizeram. Contudo devemos entender que nem todos que viviam com eles eram maus quanto a eles. De modo que devemos realizar uma eleição entre nós para escolhermos os novos administradores da nossa cidade. Contudo quero deixar ciente que desde já não sou candidato. Pois sei que este não é um momento oportuno, mas gostaria de grita bem alto:            

- Lorena! Quer se casar comigo?

            Lorena abraçou Abel e disse:

            - E seremos felizes para sempre meu amor.

            E Lorena vestida de verde se casou com Abel de Castro, vestido de azul...

        

FIM

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