A ÚLTIMA BALA
JOÃO RODRIGUES
O sol começava a se por, lá no pé da serra do roncador, na linda fazenda do coronel Jason. A tal fazenda que ele fazia questão de encher a boca para dizer:
- Ninguém tem uma fazenda como esta! Esta é a minha fazenda, que consegui com muita luta, sei que matei muitos, mas sou vitorioso, e por isso o nome dela é Vitória.
Vivia ali na linda fazenda Vitória, o grande e vitorioso coronel Jason, e de maneira calma o grande Jason tinha costumes estranhos, além de conservar uma grande quantidade de pistoleiros que se acomodava em pequenas casas construídas de maneira estratégica, ele conservava em seu poder uma boa soma de mulheres que eram obrigadas a lhe servir como fêmeas, quando ele bem quisesse e entendesse. Apesar de o coronel ter a sua esposa, a dona Marlene, que vivia lá na casa grande, onde perto desta casa existia uma grande construção em forma de um galpão, e ali de vez em quando ele tinha vontade de conhecer uma virgem, e assim teria de ser de uma maneira muito especial. De modo que num dia, em especial, e especialmente este no qual estou me referindo, ele falou ao seu capataz:
- Melquiades, você prepara uns vaqueiros e vai ao Boqueirão pegar um boi xucro, pois preciso de carne fresca.
- Sim coronel.
Enquanto o eficiente capataz foi com os seus vaqueiros a busca do boi, a grande fazenda vivia a expectativa. Em um mergulho de inocência, pois todos ali não sabiam qual seria a virgem que seria naquele dia usada pelo poderoso coronel. No entanto o próprio coronel parecia afiar os seus sentimentos balançando em uma grande rede armada no alpendre da fazenda. O coronel tentava escolher dentro das mocinhas a quem ele mesmo tinha visto crescer desde pequeninas, pois até mesmo dentre elas, algumas já eram suas próprias filhas. E naquele ínterim com o seu pensamento que vagava, o grande coronel avistou Melquiades trazendo o Touro Azulego, e quando o coronel viu de perto o touro, veio em sua mente o semblante de Madalena que tinha o apelido de Morena.
- Madalena não, ela não - murmurou o coronel assustado com a inconcebível visão. Pois ela ainda era muito nova, praticamente uma menina de apenas doze anos de idade. Apesar de ser gordinha, já tinha o corpo bem feito, era na verdade uma mulher em forma bem delicada, e falando bem profundamente, em forma de uma criança.
- Coronel podemos matar o boi?
- Já deviam ter até matado Melquiades, ande rápido.
O peão se foi e o coronel ficou murmurando:
- Bem, na verdade ela não é minha filha, disso eu tenho certeza, pois quando peguei a mãe dela, ela já estava prenha.
Naquilo que o coronel conversava consigo mesmo, a mãe de Morena veio perguntá-lo o que precisava para o evento, pois ela era uma das suas criadas. - Coronel, o senhor não disse nada, mas eu sei que hoje o senhor vai salgar o boi.
- Sim Alzira, vou salgar o boi.
E como no dia em que o coronel ia salgar o boi, tinha que também preparar uma virgem para ele, Alzira era a encarregada dessa tarefa, e ele sabia, de modo que ela relatou:
- E quanto à virgem meu senhor, quem é a candidata?
- Ainda não sei Alzira, poderia ser você.
A pobre mulher sorriu e disse:
- Antes fosse coronel.
O coronel na verdade gostava muito de Alzira, pois para ele ela teria sido a melhor das mulheres que conhecera até mesmo ele dava preferência para ela ao invés da sua própria esposa.
- Vai Alzira, preparar as coisas, depois eu me decidirei.
Alzira se foi e o coronel triste imaginava murmurando:
- É Alzira, será a sua querida filha.
Logo como verdadeiros urubus, os peões esfolaram o grande touro, e conduziram-no esquartejado onde o coronel ia conhecer mais uma filha de um humano.
- Coronel, já está tudo pronto.
Bradou pelo pátio da fazenda a voz daquele maldito capataz.
- Obrigado Melquiades, pode deixar lá, depois eu vou salgar a carne.
Minutos depois o coronel se levantou da rede e foi para a mesa de carne, cada um dos seus empregados procurava se esconder dentro da sua casa, pois eram proibidos de ficar assistindo o grande ritual, o silêncio se misturava com a curiosidade de todos, até que um grito do coronel o quebrou.
- Alzira, você esqueceu a faca!
E por falta de sorte, a pobre empregada mandou sua filha levar a tal faca que tinha faltado, dizendo:
- Morena, vai levar a faca para o coronel.
A inocente menina foi levando consigo a tal faca e a face de criança com o corpo de mulher, e todos esperavam que o coronel fosse gritar o nome da virgem, mas em lugar disso se ouviu o grito fino que ressoou o seu eco no pé da serra do roncador, era de Madalena a linda menina Morena que foi devorada pela fúria de um monstro chamado coronel Jason, as aves que já começavam a se empoleirar com o maldito grito, voaram e passaram por cima da fazenda como se estivessem à procura de socorrer a pobre menina. Alzira chorava arrependida de ter mandado a coitada levar a tal faca, mas nada podia fazer contra aquele coronel infernal, pois ali a lei era ele, só lhe restava ver as lágrimas descerem no rosto. Enquanto isso a pobre Morena servia a fúria daquele velho imundo que como um demônio estuprava o seu ser e via que o seu sangue inocente se misturava a salmoura da carne do touro Azulego. Naquela noite tudo era dor no peito de cada um, em seus pensamentos ficou gravado o grito de Madalena, a linda menina Morena, até parecia que a lua tinha vergonha. Pois estava se escondendo por detrás das nuvens, e por toda noite, ela não mostrou a sua face prateada que encantava o sertão. A partir daquele dia a fazenda Vitória parecia viver um luto, a tristeza estava nos olhares de muitos, até mesmo o coronel levou um bom tempo para mandar abater outro boi. Porém, num certo dia:
- Melquiades.
- Sim coronel, às suas ordens.
- Apanhe Alzira e a filha dela, leve-as para o alto da montanha e mate as duas. Eu já não tolero ver Morena carregando aquela barriga.
A tristeza invadiu o coração do peão e com a voz embargada de emoção ele falou:
- Coronel, não seria melhor eu levar primeiro a mãe e depois a filha?
O coronel virando as costas para o empregado relatou:
- Faça do jeito que você achar melhor Melquiades.
De modo que Melquiades convidou Alzira dizendo:
- Monte naquele cavalo que está sob a mangueira grande, o coronel mandou cumprir uma missão terrível comigo.
De maneira misteriosa Alzira percebia que a coisa era estranha, mas nos sete meses depois do incidente com coronel e a sua filha morena, nunca mais ela tinha o servido como mulher, esse por sua vez nem sequer fitava os olhos em ti, tudo estava muito estranho.
- Está bem Melquiades, eu irei.
- Alzira montou no cavalo e o capataz em outro, e logo se esconderam na curva da estrada. Minutos depois já dava pra ver lá da fazenda grande fumaceira que surgiu no pico da serra, e ao ver a fumaça o coronel se sentia aliviado, pois ele sabia que seu fiel empregado estava cumprindo as suas ordens, e ainda mais feliz ele ficou ao ver que Melquiades vinha buscar a menina grávida, e levando-a na garupa do cavalo. Já tarde, quase anoitecendo a fumaça sumiu entre a escuridão, porém em lugar do regresso de Melquiades só chegou seu cavalo acompanhado do outro que fora usado por Alzira. A noite ficou muito escura e uma tempestade vinha dos lados da montanha, fazendo com que a fazenda Vitória vivesse momentos de angústia, enquanto isto, Melquiades fugia do outro lado da serra, levando consigo, Alzira e a linda menina Morena.
- Por que está fazendo isto por mim e a minha filha Melquiades?
- Não só por causa da senhora dona Alzira e sim por causa da Morena. Eu nunca me casei, pois eu esperava assim um dia me casar. De modo que vou esperar Morena ficar moça e pretendo me casar com ela.
- Como tem este pensamento sendo você um pistoleiro que vive de matar?
- Sim, a minha mão assassina é o motivo de eu querer alguém e lutar para isso. Vi quando o coronel Jason matou meu pai, minha mãe, e por fim a minha irmãzinha. E assim sem alguém para fazer algo por mim, me vi obrigado a servir o coronel, porém hoje chegou o momento da traição.
- Por que não voltamos e lutamos contra ele?
- Não, primeiro quero me casar com Morena e depois pensarei nisso.
Morena mesmo ainda criança se sentia feliz em saber que um grande pistoleiro era o seu admirador, mesmo do jeito que ela se encontrava. Ainda tinha alguém que na verdade nem ela mesma sabia que a amava.
- E o que posso fazer para retribuir esse amor Melquiades?
- O que quero Morena, é que se cuide para dar a luz ao seu filho, eu ajudarei você a cuidar dele e ele será a nossa vingança, ele irá vingar a grande dor que eu e você sentimos.
Nos olhos da pobre Alzira, junto com as frias lágrimas, parecia nascer uma chama de esperança, pois o seu futuro genro estava disposto a lutar contra o coronel, porém, já com o filho de Morena criado. No entanto ninguém podia precisar se a criança seria homem, mas mesmo na escuridão a menina falou.
- E se quem espero for uma menina. Ela não poderá lutar para fazer a tal vingança.
- Compreendo querida, mas tenho certeza de que será um menino e se chamará Daniel.
Alzira ficou ainda mais feliz com o pistoleiro ao ouvi-lo chamar Morena de querida, e de até mesmo escolher o nome de seu futuro neto.
- Como estou feliz com tudo que você está dizendo Melquiades. Estou muito feliz.
Já era tarde da noite e parecia que o galo já estava cantando pela segunda vez.
- Melquiades se alguma coisa nos acontecer quero que saiba que serei eternamente grata a você.
- Que nada dona Alzira. Eu sempre irei defender a senhora e a minha linda Morena.
- Se tudo der certo, além de Daniel eu lhe um filho Melquiades - argumentou a menina abraçando o pistoleiro e beijando-o.
Feliz por receber um beijo de Morena o pistoleiro falou:
- Serei ainda mais feliz com isto querida.
Logo o dia começou a amanhecer, nas costas dos fugitivos ficava lá bem distante se escondendo por entre as nuvens a grande serra do Roncador, lugar que só depois de muitos anos o hábil pistoleiro poderia voltar, desta vez, porém, com certeza viria com Daniel, um ser que ainda estava no ventre de Morena a linde garota com menos de treze anos.
- Pra onde devemos ir Melquiades? - indagou Alzira olhando a montanha.
- Pra bem distante, num lugar que nem mesmo os nossos pensamentos poderão relembrar aquela maldita montanha.
Morena já começava a sentir alguma coisa, parecia que o Daniel já se apressava em nascer.
- Vamos comprar uns cavalos dos fazendeiros - relatou Melquiades.
E no planalto das araras, os três viventes, quer dizer, quatro, pois Daniel também de vez em quando dava sinal da sua presença no ventre da pequena Madalena a linda menina Morena. Eles iam seguindo no caminho da indecisão, porém sentiam-se felizes só por saberem que a partir daquele dia o futuro seria diferente.
- Olha dona Alzira, lá está uma casa, de quem será?
- Deve ser de alguém, e Deus ajuda que seja de gente boa.
De modo que desconfiados chegaram até a porteira, e com a voz meio inibida Melquiades gritou:
- Hei de casa!
A casa parecia abandonada, porém lá do lado de uma casinha, vinha uma fumaça branca.
- Deve ter alguém - argumentou Alzira com esperança.
Logo surgiu de lá da casa um velho que veio andando se sustentando em um toco de pau.
- Boa tarde filho, o que deseja?
- Somos fugitivos, estamos necessitando de uns cavalos, gostaríamos de comprá-los.
- Estão fugindo do que, posso saber?
- Sim, senhor, do poderoso coronel Jason.
- Já ouvi falar deste peste, entrem meus filhos.
- Qual o nome do senhor? - indagou a pequena Morena.
- Otoniel filha, e o seu?
- Madalena, porém me chamam de Morena.
O velho pôs a mão no ombro da menina e disse:
- Seu filho está querendo nascer, você não tem muito tempo, acho bom vocês acamparem aqui.
O sol começava descer no horizonte, Melquiades olhou para o lado que ficava a montanha dizendo:
- Não dá mais para ver aquela maldita montanha.
- Calma meu filho, tenha calma. Da minha casa ninguém tira vocês, sentem e fique a vontade.
Alzira nem podia imaginar tamanha gratidão.
- Obrigada senhor Otoniel, o senhor parece o pai que perdi.
- Fique a vontade filha. Maria temos visita!
- Em instantes a velha Maria saiu para receber as estranhas visitas.
- Olá gente! Quanto tempo não recebo visitas em minha casa!
- Faz tanto tempo assim dona Maria? - indagou Melquiades.
- Sim filho, uns dez anos talvez, é que ninguém vem em minha casa.
- Por quê tanto tempo assim? - perguntou Morena.
- Aqui é o vale encantado Morena - respondeu o velho Otoniel chamando a menina e dizendo:
- Maria mostra o quarto de Morena, onde ela vai ganhar a criança.
- Venha Morena, você fica aqui com sua mãe e o vaqueiro vai dormir no outro.
Quando a velha deixou Morena e Alzira no quarto, ficou por instante parada e disse:
- Obrigada senhor.
- A senhora ficou muito triste, posso saber o motivo? - indagou Alzira.
- Qual o seu nome filha?
- Alzira.
- Elas eram tão bonitas, como eram bonitas. Assim como Morena.
- Elas quem? - indagou Morena.
- Minhas duas filhas que aquele peste as levou.
- Que peste a senhora se refere? O que está querendo dizer?
- Sim Alzira, era um a madrugada fria, sei que vi quando os homens daquele maldito invadiram a minha casa dizendo:
- Calma, calma, só queremos as moças, o coronel Pedro disse que não fizéssemos nada a ninguém, só queremos levar as meninas...
- E eles levaram?
- Sim Alzira, deste dia pra cá, Otoniel orou para que aparecesse um bom pistoleiro e que fosse vingar a tragédia.
- E o resultado da oração foi a gente?
- Isso mesmo minha filha, o Melquiades será o nosso vingador - argumentou o velho que vinha entrando no quarto acompanhado de Melquiades.
- Alzira olhou para o futuro genro e disse:
- Eu ajudarei você filho.
- Fique calma dona Alzira. Parece mesmo que eu nasci para servir aos homens.
- Você é um bom menino - argumentou o velho pondo a mão no ombro de Melquiades e continuou dizendo:
- Vá descansar um pouco filho, comam alguma coisa.
Assim todos depois de um banho sentaram-se à mesa, jantaram, e ficaram ouvindo o seu Otoniel contar casos que por sua vez agradecia a Deus por ter atendido ao seu pedido, Melquiades, no entanto, foi se deitar pensativo. Mas logo o sono o carregou e os seus pensamentos se foram, o dia amanheceu lá no vale encantado o senhor Otoniel já encontrou o Melquiades dando uma volta no terreiro.
- Bom dia filho, acordou cedo.
- Bom dia senhor, eu sempre acordei cedo, desde pequeno fui cão de caça, sempre trabalhei para o coronel Jason.
- Eu sei filho, ele acabou com seus pais.
- Sim, como o senhor sabe?
- Foram trinta anos de pedidos ao Senhor filho, você veio ao mundo para cumprir essa vingança. - Então o meu destino já está traçado?
- Sim filho, Daniel vai nascer nesta casa. Você vai se casar com Morena e depois que vingar as minhas duas filhas o seu filho de criação irá crescer brincando nesta areia e quando ainda moço ira matar o coronel Jason e lá será a fazenda dele.
- E quanto ao senhor?
- Eu filho. Deixe pra lá filho, já estou mesmo no fim.
Melquiades ficou meio triste pelo velho, porém ao mesmo tempo surpreso quando o velho disse:
- A partir de hoje filho, seu nome será Elias e o seu apelido é dedo de ouro, Morena se chamará Hellen e Alzira terá o nome de Zilá.
- Posso saber por que tanta mudança senhor Otoniel?
- Sim filho, pois assim, havendo alguns comentários ninguém vai poder saber informar ao coronel Jason onde vocês estão.
Elias seguiu então o seu Otoniel ao ser chamado.
- Venha filho, vou lhe mostrar o seu armamento, pois irá cumprir a sua missão.
Elias se perdeu ao ver tantas armas que o velho guardava em uma dispensa.
- Escolha filho, escolha o que você precisar, o dia em que você quiser ir lutar, fica à sua vontade...
Assim os dias se passaram de maneira lenta, Elias não podia precisar como seria a luta, no entanto, já se sentia feliz, pois sempre à tardinha ia para o monte orar com o sábio Otoniel. Um dia, já à noitinha quando eles voltaram do monte, o velho falou:
- Filho, esta noite Daniel deverá chorar, e os cantos desta fazenda iram sorrir com o seu nascimento.
- Certo senhor, espero que o filho do coronel Jason seja o meu vingador.
- Já está tudo pré-determinado meu filho. Ele será o vingador.
O que o velho falava, dava impressão de que ele não era gente da terra. Elias pensativo já fazia os planos para atacar a fazenda do coronel Pedro. Pois pelo que o velho tinha contado, a luta não seria fácil. No entanto, sua vontade era primeiro ver como seria o pequeno Daniel. E como verdadeiro pai, Elias ou o então Melquiades, esperava todas as noites para conhecer o vingador. O dia a dia não parecia terminar. E num determinado dia, logo depois do jantar, um profundo sono caiu sobre o pistoleiro que só acordo no dia seguinte, e pode ouvir:
- Mamãe! Mamãe! Eu sou mãe, meu filho.
Elias mesmo sem pedir licença foi até o quarto da sua querida Helen e ali pôde ver a sua querida amamentando o Daniel.
- Olá querida, como foi? Acho que dormi demais.
- Não se preocupe, ela está bem com o Daniel - argumentou a dona Maria.
- Como ele é forte, você é forte garoto, você será o vingador.
Daniel chorou, parecendo dizer que estava tudo combinado, Elias saiu na sala e encontrou com o senhor Otoniel lhe dando as armas na mão e dizendo:
- É hora de agir filho, me traga as orelhas do coronel Pedro, pois sinto que os meus dias estão chegando ao fim.
Elias olhou misteriosamente nos olhos do velho e disse:
- Ore por mim seu Otoniel, eu trarei as orelhas do coronel Pedro.
- Estarei orando filho.
Elias ia saindo e num instante parou quando Zilá lhe disse:
- Vai com Deus meu querido genro.
Elias deu um abraço na futura sogra e relatou:
- Olhe o Daniel, eu o quero sempre forte.
- Cuidaremos dele filho - argumentou a dona Maria falando:
- Leve isso com você.
- Obrigado. Mas pra que serve esse cordão?
- Ele é o nosso compromisso, é o elo que nos prende, hoje somos uma só família.
Elias se despediu e se foi. E foi levando consigo o primeiro ato de vingança. No entanto, para o hábil pistoleiro cumprir a sua missão, teria que viajar por muitos dias para entrar no Lagamar, a grande fazenda do coronel Pedro. Mas com isso não estaria por completo, pois o que ele tinha que fazer era acabar com todos os pistoleiros do poderoso coronel Pedro, e por fim, trazer consigo as orelhas da cobra maldita. O cavalo preparado há anos pelo velho Otoniel marchava de maneira natural, parecendo estar sendo guiado por alguém invisível, cortando as campinas do planalto na sua marcha faceira que dava prazer ao pistoleiro andar. Depois de dias de viagem, Elias chegou num povoado aonde os pistoleiros do coronel Pedro faziam uma grande baderna. Prostitutas serviam a sede dos homens malditos, enquanto outros brincavam de atirar nas pessoas, pois ali a lei era arma negra deles. Elias aproximou-se do salão onde ao som de um acordeom, homens cantavam e bebiam, dançando e brigando. Ali qualquer coisa parecia festa para aqueles homens selvagens. Na hora em que Elias deixou seu cavalo solto na área perto do salão, parecia que mensageiros corriam para avisar que alguém estranho estava chegando. Pois ao por o pé dentro do grande salão!
- Chegou gente nova seu Canarinho! O que devemos fazer? - indagou um homem negro, atrás de um sorriso de maldade e ironia. De modo que o tal Canarinho relatou:
- Podem lhe dar boas vindas.
O som do acordeom parou enquanto o negro falou:
- O que deseja em nossa terra amigo?
- Procuro pelo coronel Pedro. Vim buscar as orelhas dele.
Um silêncio fúnebre invadiu o salão e o negro voltou a falar:
- Veio de longe para morrer aqui pistoleiro idiota.
- Não amigo. Vim matar - argumentou Elias atirando no negro e no Canarinho.
O salão todo parou ao ouvir os dois disparos, e de maneira inacreditável os demais homens ficaram por instantes parados.
- Tem mais alguém que quer morrer? - gritou alto, bem alto o pistoleiro Elias.
Um moço moreno perguntou:
- Podemos saber o seu nome?
- Sim, meu nome é Elias. Mas pode me chamar de dedo de ouro.
Elias deu um salto mortal dando um tiro em um homem e mais uns seis que estavam atrás dele, e disse:
- Vai dizer pro seu patrão que o dedo de ouro chegou. E que em breve irei tirar as orelhas dele.
O homem magro e meio triste que Elias ordenou, saiu correndo e gritando:
- Atenção pessoal, atenção pessoal, vamos que a coisa ficou preta.
Todos se foram. No entanto, ficou um que disse:
- Prefiro morrer a levar desaforo pro coronel. Gostaria de chamar o dedo de ouro para um desafio.
- Estou pronto pistoleiro, a hora em que quiser - informou Elias entrando atrás do balcão e servindo uma dose de conhaque.
Uma das prostitutas parecia ser a chefe e veio perto de Elias e disse:
- Você foi longe demais forasteiro.
Elias jogou o resto do conhaque no rosto da mulher e falou:
- Afasta-se de mim raposa maldita.
A mulher partiu para cima de Elias e com uma faca dizia:
- Vou te matar. Eu sou a rainha da faca.
Elias atirou na testa da mulher dizendo:
- Era a rainha, sua puta da faca.
E Elias voltou a falar:
- Você ai putinha. Assume a direção da casa, eu só sairei daqui quando o coronel Pedro vier me buscar. E quanto a você pistoleiro, não gostaria de passar para o outro lado?
- O que vou ganhar com isto dedo de ouro?
- Só sei que pode se sair melhor do que com o desafio. Pelo menos lutará contra um coronel.
- Já lutei contra vários.
- Mas lutou para coronéis, enquanto estando do meu lado, lutará com um pistoleiro igual a você.
Uns dez pistoleiros que estavam por ali disseram:
- Pode contar com a gente dedo de ouro. Gostamos de você.
- Obrigado amigos, e enquanto a você cara? Vou dar dois segundos para se decidir.
- E se eu não me decidir?
- Será um homem morto - argumentou um dos dez.
- Pode contar comigo também dedo de ouro. Você venceu.
- Ótimo. Então procurem arrumar as barricadas no arraial. Pois não vai demorar a grande batalha.
Os homens que atrás da carruagem de Elias, o dedo de ouro, ficaram encorajados e se ajuntavam a medida que o tempo ia passando. Elias por sua vez procurou se divertir com as prostitutas que na verdade podia escolher. Aquela noite ele era o galã. A festa passou pela madrugada afora e quando o dia amanheceu, Elias via a fidelidade estampada no sorriso de cada um daqueles homens que viviam na maldita opressão de um coronel idiota. Em relação a sua pessoa, sentia-se na verdade feliz e nos olhos de cada um a vontade de vencer e acabar de uma vez por todas com o grande pesadelo que viviam há anos, já era perto do meio dia quando um rapaz entrou no salão e disse:
- Dedo de ouro, dedo de ouro, eu sou João. O meu pai mandou lhe pedir para nos dar o prazer de almoçar com a gente.
- Posso saber quem é seu pai garoto?
- Manoel Silva.
A prostituta que ganhara a posse do salão disse:
- O pai dele é um bom homem, sempre lutou contra o poderoso coronel Pedro.
- Diga ao seu pai que irei garoto - ordenou Elias.
O pequeno arraial assistia com apreensão o comportamento do misterioso pistoleiro que recém chegado ocultava o ritmo que por muitos anos teria sido o primeiro a vir desafiar os homens do poderoso coronel Pedro. Quando Elias se dirigiu para a casa do senhor Manoel Silva, todos ficaram olhando o jeito marcante que o pistoleiro tinha para andar.
- Olá! Seja bem vindo a minha casa.
Elias ficou estarrecido com a beleza da linda moça que lhe estendeu a sua mão dizendo:
- Joana é o meu nome dedo de ouro.
- Muito prazer. Elias.
Elias gostaria que aquela linda mulher soubesse seu nome verdadeiro, mas seu compromisso com o velho Otoniel e com a linda Hellen, e por sua vez a vingança lhe deixou um pouco pensativo e disse:
- Vim atender ao convite do senhor Manoel Silva.
- Sim, entre. Ele é o meu pai.
E ao entrar na grande sala da casa o velho surgiu fumando um grande cachimbo.
- Olá garoto. Fico muito contente em recebê-lo na minha humilde casa.
- Elias senhor. Este é o meu nome.
- Fique à vontade Elias, sei que precisamos de muita calma para enfrentarmos o desafio contra o coronel Pedro. Isso não vai ser fácil, mas desde ontem à tardinha que vi você chegar montando um cavalo fronteira, eu comentei com a minha mulher.
O pistoleiro meio cismado se assentou do lado da mesa e a sua frente assentou-se a linda jovem Joana.
- Olá! Está gostando da minha humilde casa? - indagou à senhora Deulice. A esposa do senhor Manoel Silva.
- Sim, é um prazer poder estar como convidado na casa de gente tão importante.
- Ficamos ainda mais felizes de poder contar com o nosso libertador - argumentou agradecida a linda jovem Joana.
- Mas com tanta gente por estes lados será que nunca ia aparecer algum?
- Foram muitos que já tentaram meu filho. Mas sempre acabam nas mãos do coronel Pedro.
- Comigo vai ser diferente seu Manoel Silva. Eu vou levar as orelhas do velho.
- Quanta responsabilidade a sua meu filho.
- Sim senhora. Falo com sinceridade. Esse é o meu compromisso.
De modo que depois do almoço em uma ampla sala Elias foi prosear com a linda Joana que parecia por demasiada apaixonada por ele.
- Eu tenho tanta vontade de que depois de sairmos deste pesadelo me encontrar com o verdadeiro amor, e poder me entregar a ele de maneira natural, dar lindos filhos e uma vida feliz.
- Tenho certeza de que logo estará livre Joana. Percebo que esta noite por volta das onze o verme deverá nos atacar, este arraial será quase todo queimado, a luta só vai terminar fora daqui.
- Onde, por exemplo:
- Quando o cerco apertar sobre o coronel Pedro. Ele ao invés de se render, deverá tentar escapar. De modo que serei obrigado a persegui-lo até o fim.
- Nisso você tem razão - argumentou o seu Manoel Silva que vinha chegando e dizendo:
- Tem algum plano Elias?
- Nesta tarde pretendemos traçar um plano infalível.
- Já dei ordens aos meus homens para virem da fazenda.
- Ótimo seu Manoel Silva, muito bom.
- E como será o seu plano dedo de ouro? - indagou a linda Joana.
- Bem! Para tanto precisamos saber quantos homens na verdade dispomos.
- Isso é fácil - argumentou o seu Manoel Silva dizendo:
- Os que eu mandei vir da fazenda são oitenta e aqui no arraial são acima de quarenta. Mandei ainda avisar o compadre Zé Ribeiro. Esse mandará uns trinta.
- Pelo que vejo, tantos homens. Alguns não vão nem ter tempo de atirar.
- Nisso você está enganado. O coronel Pedro é dono de mais de quinhentos homens.
- Então temos que agirmos rápidos - argumentou Elias meio apavorado.
- Calma meu filho. Temos que manter a calma - argumentou e esposa do senhor Manoel Silva.
- Sei dona Deulice. Porém, temos pouco tempo.
- Não! O coronel deve mandar um grupo de homens para averiguar a área. Foi sempre assim que ele fez.
- Ótimo! Assim a coisa fica melhor.
- Por que dedo de ouro? - indagou Joana.
- Se ele tem este costume, irá perder para nós com muita facilidade.
- Como assim? -indagou seu Manoel Silva.
- Mataremos todo o grupo. Assim ele mandará outro. Faremos a mesma coisa. E por fim, quando sentirmos que o nosso pessoal estiver a fim, atacaremos a fazenda do coronel Pedro, será feito. - E o que devemos fazer agora? - indagou o rapaz.
- Temos que nos esconder, fazendo de conta que não estamos esperando por ninguém. Assim os marginais irão para o salão.
- E depois? - Indagou Joana.
- Depois que entrarem lá, explodiremos a área.
- Vamos dinamitar o salão? - indagou Joana.
- Sim, retiramos de lá as coisas de valor, depois construiremos um prédio novamente.
- Estou de acordo - confirmou o seu Manoel Silva.
E quando a tarde caía, Elias coordenava a batalha, homens escondidos em todos os pontos, e já à noite. Elias foi para o salão à espera dos homens do coronel Pedro, pois logo na boca da noite já se ouviam o trotar dos cavalos que vinham em direção à morte, Elias preparou um espantalho e o colocou em uma mesa no salão e junto dele um alto falante. De modo que onde estava escondido podia dialogar com os homens do coronel Pedro. E assim quando eles atirassem no espantalho a área seria explodida. Contudo o que restava era esperar o espetáculo. Joana estava completamente apaixonada por Elias, pois fazia questão de acompanhá-lo em todos os detalhes.
- Sabe dedo de ouro, nunca tive a oportunidade de estar a sós com um homem, estou muito feliz, e sinto que estou apaixonada por você.
- Você e verdadeiramente linda Joana, pena que eu sou um pistoleiro. Não posso parar para amar. Todavia se eu pudesse viver em um lugar tranqüilo, e que eu pudesse amar. Pode ter certeza que se não fosse comprometido eu escolheria você.
Joana se jogou nos braços de Elias e beijou loucamente, ela encostou-se ao corpo do pistoleiro e de maneira incontestável, disse:
- Entre dentro de mim, eu quero ser possuída por você.
Elias com ela nos braços imaginou o teu amor com Helen, pensava na vingança prometida ao seu Otoniel, e por fim, o que seria do seu futuro. Pois Daniel estava novinho e precisava da sua ajuda para ser o vingador, de modo que disse:
- Calma Joana. Temos uma guerra pela nossa frente.
- Assim que você vingar o coronel Pedro, irá embora e assim nunca mais nos veremos. Deixe algo de você comigo. Me dê um filho.
- Por que um filho Joana?
- Não falei por falar.
- Agora é hora de você ir para casa. Dentro de instantes teremos serviço.
- Deixe que eu leve o último beijo.
Elias ficou com o sabor do beijo de Joana, pois ela se foi e alguns homens do coronel Pedro chegaram e por sua vez veio também o coronel Pedro.
- Quero falar com o pistoleiro que desafiou os meus homens.
A voz da grande fera ficou sem resposta.
- Ninguém neste arraial tem coragem de falar com o coronel Pedro! - exclamou o valente homem indo para o salão.
- Ei você! - gritou Elias.
- Onde está pistoleiro!
Elias falou no alto falante de modo que dava para perceber que ele estava dentro do salão. De maneira que como um verdadeiro idiota ele entrou com os homens dentro do salão e ao ver que era um espantalho gritou:
- Fomos enganados! Fomos enganados.
E a voz do coronel Pedro se confundiu com a explosão e o coronel Pedro com seus homens foram pelos ares. Alguns que ficaram pasmos com à grande tragédia, tentaram fazer alguma coisa. Porém, foram eliminados pelos pistoleiros que estavam escondidos. O certo é que duraram poucos instantes a batalha. Assim já não existia o tal coronel Pedro. Elias entrou no meio do fogo para tirar as orelhas da grande fera para levá-las para seu amigo Otoniel. E em instantes Elias montava em seu cavalo dizendo:
- Seu Manoel Silva! Tome conta deste povo. Divida a fazenda do coronel aos homens, e faça deste pequeno arraial uma grande cidade onde aqui todos serão amigos.
- E você dedo de ouro?
- Continuarei a minha missão. Se um dia, no entanto, eu precisar de alguma coisa, sei com quem deverei procurar. Contarei sim, com os amigos de Sossego. Este será o nome desta cidade.
Depois que o misterioso pistoleiro falou, jogou um lenço para Joana e se foi. E assim cantando uma canção "O amor, caminho do coração, que poucos sabem andar, quem corre para ele é tolo, pois nunca vai encontrar, eu gostaria de ter muito mais do que o mundo, para poder, oferecer, não, não sei se posso ainda nesta vida, se pudesse correria o resto da minha, só por você minha querida Helen”
Quando o dia amanheceu Elias estava distante dali. Indo assim em direção ao vale encantado levando para o seu amigo Otoniel as orelhas do coronel Pedro.
- Maria!
- O que deseja Otoniel.
- Não sei Maria. Sinto algo estranho. Meu corpo treme.
- Vai se deitar homem. Você está queimando de febre.
O seu Otoniel foi se deitar e a velha Maria foi preparar um chá para ele.
- O cheiro desta erva fez me lembrar do meu amor - argumentou Zilá.
- Por que da lembrança filha?
- Foi o dia que o coronel Jason o matou. Ele estava fazendo um chá para mim e Helen dentro do meu ventre. Pois estávamos com muita febre.
- Como aconteceu?
- Veio do nada. Só sei que o coronel Jason matou o mau marido e meus dois filhos. E como um demônio entrou naquele pequeno quarto e a me ver disse com cara de piedade:
- Adalto! Cuida dessa mulher e depois que estiver boa, leve-a para mim.
- Assim você foi viver na fazenda?
- Sim dona Maria. Helen acabou nascendo ali. O coronel se apaixonou por mim desde aquele instante que entrou no pequeno quarto onde por muitos anos eu fui feliz.
- E quanto ao resto da sua família.
- Não conheci o meu pai. Nasci de uma mulher já com a idade avançada e como sou de uma família de pessoas morenas me casei muito nova com um Forasteiro. Como ele era bom. Cuidou da minha mãe até a morte. E de mim até ele morrer. Como é a vida. Agora estou de novo sob os cuidados de um pistoleiro
que eu mesmo o vi crescer e sem saber de onde ele tinha vindo.
- E agora já sabe?
- Sim, tem uma história semelhante a minha.
- Mamãe?
- Helen está me chamando.
- Vai ver sua filha que vou levar o chá pra Otoniel.
Zilá se foi e mesmo antes de chegar ao quarto de Helen ouviu o grito:
- Não! Assim não Senhor!
Zilá foi até o quarto do seu Otiniel e lá pôde ver a pobre Maria abraçada com o corpo do velho e chorando:
- O que será de mim nesse mundo sem você!
Zilá acolheu a velha em seu ombro e disse:
- Elias deve ter comprido a vingança dona Maria. Agora ele está livre. Deve estar agora com as suas filhas. Venha! Vamos andar um pouco pelo terreiro.
Zilá saiu com a velha e no terreiro da casa e ela cantava uma canção:
- Deus meu Deus, tenha piedade de mim. Deus meu Deus, não pode me desamparar, Deus meu Deus, eu sempre confiei em Ti. Deus meu Deus, desde quando eu nasci...
Foi a primeira vez que Zilá assistiu um momento fúnebre com tanta compaixão e amor. O cheiro daquela erva do chá estava espalhado pelos cantos da casa. Fazendo assim a pobre Zilá se lembrar do seu amor que morreu sem ter aquela canção que Maria cantava para o seu Otoniel. O pôr-do-sol fazia o vale encantado parecer o lugar mais lindo da terra.
- Vamos cuidar dele dona Maria - relatou Helen com o menino Daniel em seus braços.
- Obrigada minha querida. Obrigada - relatou Maria beijando a face de Helen e a testa de Daniel.
Zilá não parava de olhar pro caminho à espera de que Elias aparecesse. No entanto e sua angústia aumentava com a escuridão da noite que começava a banhar a terra.
- Ele não virá agora minha filha. Temos que cuidar de Otoniel sozinhas.
- Estamos com a senhora - relatou Zilá com muita tristeza.
- Não fique triste filha. A vida é assim. Logo somos nós que partiremos...
De modo que naquela noite Zilá, Helen e Daniel ajudaram a dona Maria a fazer as últimas honras ao seu Otoniel que no seu rosto estava um ar de muita felicidade.
- Como ele está feliz mamãe.
- Ele sempre foi bom minha filha - interrompeu dana Maria dizendo:
- Logo eu estarei lá meu amor.
Zilá observava a dona Maria se despedir do seu querido já dentro de um estreito caixão que ele mesmo tinha feito na espera da sua morte.
- Aonde será o enterro dona Maria?
- Num descampado porto do grande lago minha filha. Ele já tinha preparado o lugar para se isso acontecesse de repente eu mesma faria tudo.
E já no dia seguinte, logo cedo, os pássaros acordaram Helen e Daniel com lindos gorjeios que parecia estarem ali se despedindo do seu Otoniel.
- Venha filho. Vamos ver os pássaros.
Helen saiu pro quintal com o seu filho para verem os pássaros enquanto Zilá e dona Maria levavam o caixão com o seu Otoniel para a sua última residência.
- Veja filho. Vem vindo alguém.
Daniel muito novinho ainda não conseguia ver ao longe e nem mesmo manifestar o seu ponto de vista. Contudo, naquele momento ele pôde sorrir ao sentir a alegria da sua mãe quando percebeu que Elias estava chegando...
- É papai filho.
Elias se jogou nos braços de Helen dizendo:
- Quanta saudade minha querida.
Helen beijou o pistoleiro que em seguida tomou o menino em seus braços dizendo:
- Meu vingador. Como está crescendo...
Assim que Elias falou meu vingador e olhando pros olhos de Helen. Notou que algo estava errado...
- Onde ele está?
- O levaram pra sua última residência.
Elias saiu correndo desesperado e gritando:
- Seu Otoniel, seu Otoniel...
O grito de Elias ressoou pela montanha no vazio. Pois o seu amigo já era residente do silêncio. Um vácuo de dor parecia tirar toda a esperança de viver daquele grato pistoleiro que arriscou a sua vida para vingar a morte das suas filhas.
- Calma amor - relatou Helen abraçando o pistoleiro com carinho.
Naquele instante dois tiros quebraram o silêncio da montanha que cercava o vale encantado. E pro lodo que veio os tiros Elias saiu correndo e gritando:
- Seu Otoniel...
Lá distante ele pôde avistar a dona Maria que fazia as últimas honras ao seu grande amor.
- Posso falar com ele?
- Pode meu querido. Ele está à tua espera. Vamos Zilá. Deixe os dois, que eles têm muito que falarem. E não é bom mulher ficar no meio de conversa de homens.
A dona Maria saiu com Zilá e deixou Elias chorar no túmulo do seu Otoniel.
- O senhor não pôde me esperar não foi. Mas tudo bem. Sei que não sou tão especial como você. Contudo posso lhe afirmar que foi o serviço que fiz até hoje que me deu mais prazer e alegria. Foi legal seu Otoniel. O senhor tinha que estar lá pra ver a cara de idiota que fez o coronel Pedro quando viu a morte em sua frente. Rá rá rá. Como foi legal. Bum. Foi assim que aconteceu. Ele se espatifou. No meio dos cadáveres eu encontrei aquela cabeça gorda de um coronel safado. Tirei as suas orelhas. Aqui estão elas como o senhor me pediu.
Elias deixou as duas orelhas do coronel Pedro sobre a sepultura do seu Otoniel. E assim se foi pra casa e lá estavam os quatro á sua espera. De modo que a dona Maria falou:
- Helen, venha cá minha filha.
Helen aproximou-se da dona Maria que relatou:
- Dê o seu filho pra sua mãe.
Zilá recebeu o menino enquanto a dona Maria disse:
- Elias! Venha pra cá.
Elias obedeceu à ordem da dona Maria que ordenou:
- Peque a mão de Helen e ajoelhem-se em minha frente.
Os dois já ajoelhados ela disse:
- Helen aceita Elias como seu marido?
- Aceito de todo o meu coração.
- Elias! Aceita Helen como a sua esposa?
- Aceito do fundo da minha alma.
- Perante a Deus e tendo Zilá e Daniel como testemunha, eu vos declaro marido e mulher.
Pode beijar a noiva.
No momento que dona Maria ordenou o beijo, Elias e Helen se beijaram por alguns minutos e quando abriram os seus olhos estavam sozinhos no meio do terreiro.
- Vamos entrar e comemorarmos o nosso casamento Elias?
- Estou muito feliz pelo nosso casamento e triste por ter perdido o nosso amigo Otoniel.
- Não fique assim amor. Acho que o seu Otoniel não iria gostar de ver você triste.
E dentro da sala daquela pequena casa estavam ali Zilá, Daniel e a dona Maria assentados num banco chorando a morte do velho Otoniel.
- O seu Otoniel não gostaria de ver vocês assim - relatou Helen com a voz embargada de emoção e se pôs a chorar por sentir também a falta do seu amigo...
Elias não chorou. No entanto dava pra notar o seu grande constrangimento. O tempo assim passou. E passou levando consigo alegrias e tristezas lá no vale encantado. Anos mais tarde, Elias, Zilá, Helen e Daniel choraram a morte da dona Maria. Que foi sepultada do lado do seu eterno Otoniel. Depois da sua morte Zilá viva triste pelos cantos da casa e por fim um dia Elias a encontrou morta perto da porteira do curral. Ficando assim só ele e a sua querida Helen, criando o Daniel que já rapaz vivia triste ao notar que alguma coisa estava errada ali no vale encantado. O certo é que certo dia Elias havia saído pra cidade e voltou bêbado daquele lugar. De modo que Daniel ficou ainda mais desconfiado com o seu comportamento. Pois além da bebida notava que ele vivia carregando consigo muita tristeza. Apesar de ser muito carinhoso com ele, ter lhe ensinado a lutar, deixava transparecer alguma coisa do passado.
- Daniel! Venha almoçar!
Quando Daniel atendeu o chamado da sua mãe, notou que algo estava errado com ela. De modo que ele perguntou:
- Onde está o papai?
- Foi pra cidade meu filho.
- Foi beber de novo, não foi mãe?
- Ele tem os seus motivos meu filho.
Helen falou deixando transparecer que algo tinha de ser esclarecido naquele dia.
- Está chorando mamãe. O que está acontecendo?
- Nada filho. Está tudo bem.
- Noto que a senhora vive triste. O meu pai também se esconde atrás de algo angustiante. Por que não me deu um irmão ou uma irmãzinha?
Helen chorando olhou pro filho e disse:
- Não pude meu filho. Não pude...
- Como não minha mãe. A senhora é uma mulher nova e bonita. Goza de boa saúde. Tem algo que não sei mamãe?
Helen enxugou as lágrimas e disse:
- Você não pode ficar sofrendo assim filho. Vou te contar o que aconteceu a mim e ao seu pai.
- Conte mamãe. Estou aqui para poder entender o que vejo solto no ar e no seu lindo rosto.
- Este homem que você o chama de pai não é o seu pai meu filho. O nome dele também não é Elias e sim Melquiades. Eu não me chamo Helen e sim Madalena à linda menina Morena. E você filho. O seu nome é mesmo Daniel e o porquê de eu não ter lhe dado um irmão ou uma irmã, foi o fato de que você foi a última bala que um maldito coronel colocou dentro do ventre de uma garotinha de doze anos de idade.
Quando Morena relatou todo o fato, lá na distância vinha vendo Melquiades cambaleando pelo caminho tentando matar a sua dor no álcool que lhe consumia aos poucos. Daniel foi ao encontro dele e disse:
- Obrigado Melquiades. O meu muito obrigado.
Morena veio chegando e abraçando o pistoleiro falou:
- Eu contei pra ele meu amor. Eu tinha que contar. Ele foi à última bala que aquele maldito coronel pôs dentro de mim.
Daniel abraçou a sua mãe e disse:
- E como se chama o meu pai mamãe?
- Jason meu filho. O coronel Jason da fazenda Vitória lá no pé da serra do Roncador.
Daniel olhou pro lado que a sua mãe olhou e disse:
- O que quer que eu faça mamãe?
- Quero que vá conhecer o seu pai e mate ele pra mim. Mas antes de matá-lo meu filho. Pergunte a ele se ele se lembra da família de Alzira que ele destruiu. Pergunte se ele se lembra da família de Melquiades que ele destruiu e finalmente lembre a ele que você foi a última bala que ele depositou no ventre de Madalena a linda menina Morena. É só isso filho. Agora você pode ir cumprir a sua missão.
De maneira que Daniel nem mesmo tardou em ir se encontrar com o seu pai...
- Coronel! Não sei o que está acontecendo com ao gado e aos nossos homens. Algo aparece do nada e num piscar de olhos só se vê homens mortos e uma marca dizendo que a última bala chegou.
O coronel Jason já com a idade avançada não podia precisar o que estava acontecendo. Ao ver que os seus homens estavam chegando ao fim, mandou o seu capataz recrutar mais pistoleiros e lá no meio dos novos contratados estava o pistoleiro chamado Daniel. E esse parecia ser a sua solução pois logo chegou a capataz porque a última bala já tinha eliminado o outro e mais muitos outros pistoleiros.
- Daniel!
- Às suas ordens coronel.
- Vejo em você uma grande paz. Até parece que é um filho meu.
Daniel jogou um laço no coronel e acabou amarrando-o pelas suas pernas e o levou pro local aonde era feito o ritual satânico e ali o pendurou de cabeça para baixo dizendo:
- Seu filho não coronel. Eu sou a última bala que o senhor colocou no ventre de uma menina de doze anos de idade. Está lembrado papai quando me colocou no ventre de Madalena a linda menina Morena. Era filha de Alzira. Aquela que o senhor acabou com a família dela. Ela me pediu pra te dizer isso antes de te matar. Ah! Ia me esquecendo de te lembrar da família de Melquiades que o senhor acabou com ela.
- Lembro-me de tudo Daniel. E o que quer de mim?
- O que acha que eu devia querer papai?
- Não sei...
Mas Daniel sabia. Assim sem piedade ele cortou o coronel aos pedaços e o salgou. Após isso, pôs fogo em tudo e se foi...
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário