sábado, 29 de abril de 2023

O Menino de Rua

 O MENINO DE RUA

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Na esquina de rua doze com a avenida vinte e três, alguém chorava...

            - Por que está chorando? - indagou um menino de rua.

            - Eu.

            - Eu quem, uma vez que não estou vendo ninguém!

            - Eu, menino, eu.

            - Você, mas você é um cãozinho, e por que chora?

            - Porque ninguém me quer!

            - Ninguém, quem é ninguém?

            - Ninguém?  Ninguém é ninguém.

            - Espera aí, eu não estou lhe entendendo, você está chorando por quem, e nem sabe quem é ninguém.

            - Sim menino, você, por exemplo, me quer?

            - Eu, você bem sabe que sou um menino de rua, pra que eu vou querer você?

            - Pra te fazer companhia, enquanto anda pela rua.

            - Companhia, pra que companhia pra quem não tem aonde ir, eu não tenho ninguém, eu não tenho aonde ir, não tenho medo, eu sou o próprio medo do medo de mim mesmo.

            - Nossa como você é estranho menino de rua, como você é desumano, você não tem amor.

            - Amor, o que você quer dizer com isso?

            - Amor no mundo dos cachorros existe, o amor no mundo dos cachorros é quando encontramos um dono, somos muito, muito fiéis a ele.

            - Mas onde vive a cadela sua mãe, me desculpe de chamar a sua mãe de cadela, é que o nome cadela é bem melhor do que cachorra.

            - A cadela da minha mãe fugiu com um cachorro que não era o meu pai, e não servia ao dono dela, me deixou ainda pequenino, por isso eu choro.

            - Mas lhe deu um nome?

            - Não ela, mas a filha do dono dela que disse que eu ia me chamar Japi.

            - Bonito nome Japi, vou te chamar de Pi.

            - Ta bom, pode chamar, mas eu quero que você seja o meu dono, vou ser muito fiel a você.

            - E pra que eu te quero?

            - Ha! Esqueceu-se que somos sós, não temos ninguém por nós?

            - Mas eu sou um menino, é diferente de você que é um cachorro.

            - Não sei que diferença, não estamos ambos atirados na sarjeta! Quem sabe você é filho de um cachorro, ou de uma cadela e não sabe.

            - Não, isto eu tenho certeza de que não sou eu sou um menino, sou diferente de você, não dá pra perceber?

            - Muito mal, sei que estamos no mesmo caminho, somos a mesma coisa, eu vivo na rua e você vive na rua, eu como a comida que jogam fora,  você também come.

            - Mas eu converso, sei sorrir, sei cantar, e você não sabe.

            - Não sei como você, mas sei latir, sei grunhir, sei...

            - Bem, você me convenceu, agora vou ser o seu dono.

            - O Patrão pode ter certeza de que vou cuidar de você quando estiver atirado na sarjeta, vou lutar contra os bichos...

            - Quais os bichos você está falando?

            - O homem, o rato, os próprios cachorros da polícia, os cavalos, os bois.

            Enquanto o menino de rua falava com o seu povo amigo, seguiam a avenida em direção a Praça Rio Branca.

            - Pra onde estamos indo, qual mesmo o seu nome patrão?

            - Ah!  Pode ser mesmo este nome, nós homens muitas vezes temos nomes, mas muitas vezes nos chamam por outro nome, como: Zé, Cara, Moleque...

            - Está bem Patrão, pra onde estamos indo?

            - Para Praça Rio Branco.

            - Praça Barão do Rio Branco, que você esta falando?

            - Sim, é ela mesma.

            - Não gosto de ir lá.

            - Por quê?

            - Lá é muito perigoso, tem muitos cachorros, foi lá que minha mãe me abandonou, e se foi com aquele cachorro depravado.

            - Quando Japi falou, o menino de rua ficou triste.

            - Ué Patrão, porque ficou triste?

            - Não gosto de me lembrar, não posso nem me lembrar...

            - Por que Patrão temos que sermos fortes para levarmos a vida, não acha?

            - Sim, mas quando você falou Japi, que foi nessa praça que o cachorro conquistou a sua mãe, me magoou.

            - Desculpe Patrão, não está mais aqui quem falou.

            Patrão sentou-se no meio fio da calçada, pôs Japi no colo, e o abraçou chorando.

            - Calma Patrão, antes era eu que chorava, agora você! Pára com isso.

            Patrão deixou que as suas lágrimas caíssem na pele de Japi, e falou:

            - Foi nessa maldita praça que vi a minha mãe pela ultima vez, sei que fazia pouco tempo que ela tinha me desmamado, fiquei com o gosto do leite que saia da sua teta...

            - Calma Patrão, conte amigo, desabafe, eu sou o seu fiel amigo, seu cão.

            - Pois é Japi, sei que em meu lugar, vi um grande homem que colocou a minha mãe dentro de um carro...

            - E aí, o que aconteceu?  

- Ele mamava nela, sei que não por causa do leite, mas era outra coisa queria.

            - E o que aconteceu?

            - Fiquei debaixo da árvore, e vi que eles dois faziam coisas.

            - Coisas Patrão, que coisas?

            - Ele tirou aquelas roupas sujas que ela cobria o corpo, jogou-as no chão e se foi com ele.

            - No carro?

            - Sim, me levantei e corri até o sinal de trânsito,  mas eles já tinham ido.

            - E nunca mais a viu?

            - Nunca, fiquei vagando pela cidade, olhando dentro dos carros que pareciam com aquele que ela se foi, mas nunca mais a vi.

            - É Patrão, a história de sua mãe foi quase igual a história da minha pobre cadela sem vergonha que se foi com aquele cachorro pintado.

            De modo que o menino e o cachorro chagaram à praça, e lá num conto da rua nove, tinha um grande tambor cheio de sacos de lixo.

            - Patrão, fica sentado aí que vou ver se tem algum resto de comida pra gente.

            Patrão ficou de cá olhando o seu amigo e fiel companheiro fuçando naquele tambor que era iluminado por aquelas grandes luzes de mercúrio que embelezava a noite solitária da praça.

            - Quantas luzes, quanta beleza, e não se vê sequer uma viva alma, quantas luzes que poderia ser alimento para poder matar a minha fome.

            - Patrão, ei Patrão, venha cá.

            O Patrão foi atender ao chamado do Japi e ao chagar junto ao tambor disse:

            - O que foi Japi?

            - Me ajude tirar este saco grande, parece que tem muita comida aqui, dá até pra gente guardar pra depois.

            Patrão foi ajudar Japi e quando tirara o saco, os seus olhares se maravilharam ao apreciar a grande quantidade de comida que tinha...

            - Não lhe disse Patrão, que aqui sempre tem muito resto de comida...

            - Que bom Japi, agora dá até pra gente esquecer um pouco a tristeza.

            - É mesmo...

            - O que foi Japi, você ficou triste.

            - Será que as nossas mães estão comendo agora.

            Não sabemos Japi, mas Deus ajuda que estejam.

            - Deus, o que isso Patrão?

            - Deus é o nosso pai eterno que a minha mãe falou pra mim.

            - Falou o quê?

            - Sim, que Deus criou mundo e todas as coisas que nele há.

            - Então eu também sou criatura de Deus, Patrão?

            - Sim, claro, você é uma criatura, e eu sou um filho de Deus.

            - Mas você não é filho da sua mãe?

            - Sim, ela também é filha de Deus.

            - Não estou entendendo Patrão, mas vamos deixar isso pra lá.

- Ai, ah!

            - O que foi Japi, esse ai há?

            - Comi muito Patrão, estou satisfeito.

            - Eu também, graças a Deus.

            - Patrão, vamos procurar meio de nos acomodar debaixo do viaduto?

            - Vamos lá à frente, lá na Avenida do Contorno, lá eu sei onde tem uma casa velha bem melhor pra gente se esconder, a polícia não vai lá.

            - Então vamos, e eu vou aproveitar e levar o resto dessa comida.

            - Não Japi, deixe isso aí.

            - Não Patrão, você está doido cara, a sua barriga não dói só uma vez.

            - Não Japi, amanhã voltaremos a essas horas, deve ter mais aí.

            - Está bem, afinal de contas você é o meu dono, estou sobre o seu comando.

            - Isso, vamos.

            O menino e o cachorro saíram com destino a avenida do Contorno e logo adiante um carro parou perto dos dois e alguém correu e apanhou socorro Japi.

            - Deixe o meu amigo seu burguês miserável.

            Não adiantou o pobre menino de rua correr em busca de salvar o seu amigo, pois como a sua mãe. O seu amigo se foi.

            - Vida desgraçada, isso é vida, um dia a minha mãe, depois o meu amigo cachorro, o que vou fazer da minha vida.

            De modo que o pobre Patrão se assentou no meio fio, e ficou se lastimando da sorte.

            - Patrão, quem vai me chamar de Patrão, quem, só o Japi que sabe, pois foi ele que me deu esse nome.

            - Meu amigo que foi seqüestrado dona cadela.

            - Quem é o seu amigo, qual o nome dele?

            - Japi, ele disse que o nome dele era Japi.

            - Japi, esse Japi que você está falando e o meu filho.

            - Seu filho, a senhor é a cadela mãe dele, que um dia fugiu com um cachorro pintado?

            - Sim, fui enganada.

            - Enganada, como foi enganada?

            - O cachorro me levou pra casa do dono dele, era um homem estranho, ele nos deixou com uma mulher de rua, tomando conta de uma casa, ele quase não ia lá, sei que eu passava tanta fome, o certo é que eu aproveitei e fugi.

            - A senhora falou em uma mulher de rua?

            - Sim, uma mulher de rua, ela chegou enrolada num pano.

            - Será que a senhora poderia me levar até esta casa!

            - Eu posso até lhe mostrar o lugar, mas não quero nem chegar perto, pois eu saí fugida.

            - Não, pode ficar tranqüila, eu não vou te denunciar.

            - Então vamos como é mesmo o seu nome?

            - Japi me deu o nome de Patrão.

            - Então vou te chamar de Patrão também.

            - E a senhora, qual o seu nome?

            - Japi lhe contou como o pessoal me chamava?

            - Não, se me contou me esqueci.

            - Meu nome é Leocádia.

            - Bonito o seu nome, pena que eu não sei como se chama a minha mãe...

            De modo que Patrão e Leocádia saírem com destino a casa onde estava o cachorro pintado.  Patrão seguia na verdade com esperança que a mulher que a cadela Leocádia falava, fosse a sua mãe...

            - Fica logo ali depois da esquina Patrão. Vai lá ver se a tal mulher é a sua mãe.

            Assim que Patrão saiu, sentia em seu coração que algo de muito bom ia acontecer, chegando ao portão ele tocou campainha e escutou logo em seguida o latido de um cãozinho...

            - Eu conheço esse latido - relatou Patrão gritando:

            - Pi, é você que está aí?

            - Patrão, você me encontrou!

            De sorte que alguém abriu o portão e Patrão pode abraçar o seu amigo dizendo:

            - Meu amigo, pensei que nunca mais fosse te encontrar!

            - Eu também Patrão, meu patrãozinho!

            E depois do caloroso cumprimento, Patrão olhou pra pessoa que abriu o portão e percebeu que era a sua mãe. Contudo ela não tinha o privilégio de ouvir o cachorrinho Japi, mas mesmo assim ele disse:

            - Meu filho, meu Ezequiel, o quanto me arrependo por ter te deixado, me perdoe!

            Patrão perdoando a mãe e ao mesmo tempo dizendo:

            - Tem alguém te esperando na esquina Pi, diga a ela que o meu nome é Ezequiel.

            E Japi foi ao encontro de sua mãe, minutos depois os quatro seguiam pelas ruas...

 

FIM

O Macumbeiro João Rodrigues

 O MACUMBEIRO

 

JOÃO RODRIGUES

 

Numa pequena sala

De um barracão esquecido

Existia um macumbeiro

Que operava milagres,

 

Pra muitos ele falava

Que tinha feito em alguém

Mas não dizia quem

Até sem saber também,

 

Pois todos confiavam

Seus problemas no afã

Enganados no afim

De que tudo fosse assim,

 

Na pele da inocência

Para com o invisível

Pois com era possível

Todos crentes em seu poder,

 

Na procura da razão

Entregavam-lhes o tostão

Sobre a mesa de vidro

Alimentados pela ilusão,

 

E com o dinheiro em caixa

Sobre a toalha vermelha

A soma era dobrada

Conforme a tal questão,

 

Com cara de retardado

Os que iam consultar

No pagamento acertado

Pela orientação do guia,

 

Pois chamava a atenção

De todos ali presentes

Que se sentiam contentes

Pelo som incomparável,

 

E da boca do macumbeiro

No desempenho do papel

Via-se a boca do mal

Demonstrando o seu poder,

 

E dava até pra ver

Que o guia chegava

Trazendo uma voz estranha

Talvez pra diferenciar,

 

Naquela maneira sinistra

Dava pra comparar

Com alguém há tempo morto

Num teatro de besteira,

 

Pra quem não acredita

Na maioria dos casos

Já parecia confirmado

Pois vinho com velas acesas,

 

Depois da longa oração,

Pois invocava o poder

Que vinha da escuridão

E o tal macumbeiro,

 

Era o ator do além

E correndo atrás do ouro

De uma maneira sagaz

Buscando o espírito do mal,

 

Assim obtendo vitória

Prejudicando alguém

Mesmo sem se importar

Quem iria penar,

 

Estava muito distante

Do respeito ao irmão

Só lhe importava ganhar

O seu miserável tostão,

 

Por isso nunca respeitou

Nem viu quem machucou

Se sentindo inocente

Seria agora atirado

No abismo sem piedade,

 

Mesmo por algo qualquer

Com o ódio de lúcifer

E a tal interpretação

De um pobre coitado,

                       

E o macumbeiro assassino

Bem consciente a dizer

Mesmo com lábio tremendo

Por atrás da suja fumaça,

 

Se misturando ao vinho

Que entornava na taça

Assim diz o que fazer

Por um troco do trocado,

 

E doa a quem doer

O que importa é saber

Mesmo se alguém vai morrer

Nem pesa na consciência,

 

Desafia-se a ciência

Ou a criação do ser

Pois as palavras malditas

Feito cão que late lá fora,

 

Quando avisa a chegada

De alguém pro seu lugar

Igual o falar da sogra

Sempre lhe dando razão,

 

No desespero da vida

No passo da confusão

Igual foge o devedor

Da dívida e do seu viver,

 

No seu caminho a sofrer

Lutando para pagar

O difícil de ganhar

Perdendo sempre pro juro,

 

Que dorme sempre ao seu lado

Comendo do mesmo pão

Usando um só coração

Na de angústia e sofrimento,

 

Como se esconde o sol

No nevoeiro a passar

Assoprado pelo vento

Indo pra qualquer lugar,

 

Se pro sul ou para o norte

Se para leste ou oeste

Num caminho sem fronteira

Mesmo na terra primeira,

 

Que pertence ao Senhor

Sem nenhuma negociata

Com o trouxa conquistador

Que tudo quer na trapaça,

 

Pra escolher seu caminho

Não pela força do vento

E brilhar a seguir

Até sem querer ir,

 

Formam grandes tempestades

Arrastando o que vê

Que opera com poder

Querendo dizer a alguém,

 

Porém na hipocrisia

Nuca pára pra pensar

Se afundado na lama

Só para se ver sujar,

 

Como num pântano sim fim

Vai sumindo devagar

Com tempo de se despedir

Ou até mandar matar,

 

Aí vem o macumbeiro

Bem pronto para servir

Depois lá nos confins

Nas trevas do desespero,

 

Irão provar o tempero

Que temperaram alguém

Que por sua vez também

Temperou sem saber quem,

 

No eterno corredor

Do sofrimento sem fim

Carregando pedras do mal

Pelos escuros caminhos,

 

As frias noites eternas

De escuridão sem fim

No sabor da malandragem

No gosto duro da morte,

 

O desprezar de ouvir

Com respeito sua missão

Até pregam encarnação

Encoberto de beleza,

 

Uma grande armadilha

Que se faz para alguém

Que o destino levou

Porém sem desarmar,

 

A tal armadilha ficou

À espera de você

Ao prosar com seu amor

Na pista da felicidade,

 

E ele se afundou

Não adiante chorar

Foi você que mandou

Como na fruta corada,

 

Que retirou do galho

Mas com a faca suja

Ela foi contaminada

Pela ferrugem imunda,

 

Que enrustida ficou

Pense agora no depois

Pois o depois é agora

Como a semente do fruto

Dá-lhe a sombra a árvore

Fresca se tiver folhagem,

 

Por isso ruge o bem

Para colher a alegria

Deve plantar o amor

Do que plantar covardia,

 

Cultive o bem no lugar

Da bruta perversidade

Como a serpente que cria

O filho no oco podre,

 

A dose certa do veneno

Que confere a cada dia

Na sorte cruel e mortal

Sem defesa natural,

 

Garante o seu quinhão

No anúncio milagroso

Do jornal comercial

Repetindo a cada dia,

 

A mensagem em linguajar

Vinda de dentro da lama

E alguém vai se sujar

Na intenção de resolver,

 

Um algo que foi feito

Na mente e no peito

Igual a tábua que racha

Esquecida sob o sol,

 

A corda que forma o nó

Medindo tal bocado

Como cocheira vazia

Que deixa a impressão,

 

De alguém que comeu

Seu pedaço de pão

Oferecendo ao Senhor

Orientador de todos,

 

E cultiva a fé perdida

Num falso momento

E depois da tal sessão

Como filme que passou,

 

Na emissora distante

Pois só o viu quem gravou

Sem como voltar atrás

O mensageiro passou,

 

Parece até não voltar

O macumbeiro fingindo

Ser um simples inocente

Indaga o que se deu,

 

É grande a satisfação

Na receita que escreveu

Que logo vai receber

Na loja a comissão,

 

A bruta assinatura

Ali é confirmada

Depois da reunião

Recebe o seu quinhão,

 

Do produto que vendeu

Que por sua vez desconta

Aquilo que já levou

Pois entre ele acontece,

 

As consultas paralelas

No migalhar do pão

Uns atribuem ao poder

E vivem com tranqüilidade,

 

Dizendo que foi honesto

Em tudo que foi tratado

Porém outros esquecem

Todo o seu combinado,

 

Mas logo recebe o troco

Que se chamam de chicote

E muitas vezes ferozes

Vêem os agentes do mal,

 

E lhes tiram o que tem

Cortando até o direito

De por tempo invocar

Lições da escuridão,

 

Assim ficam frustrados

Vivem tristes a penar

Até mesmo passam fome

Caídos na oração,

 

Como se fosse um castigo

Mil promessas a fazer

E depois de longos dias

De pedidos e clamor,

 

Pois não tem o que fazer

Desrespeitaram o Senhor

Só acreditam no mal

Na lama e imundície,

 

E na cozinha vazia

Nem se ascende o fogão

Os lábios roxos de fome

Retratam o sofrimento,

 

O auxílio do vizinho

Não deixa o filho morrer

E na capanga de couro

A treva vem renascendo,

 

Quando chega o otário

Pra poder se consultar

Renovando o seu poder

Quanto o cifrão cair,

 

Bem antes de ir embora

Sua mulher já saiu

Pra comprar o que comer

E com o otário repartir,

 

E esse na esperança

Encontra a fé renovada

Despede-se e vai embora

Até se esquece da hora,

 

Levando o dia marcado

Pra vim ver o que se deu

Ou trazer o resultado

Junto a um pouco de trocado,

 

No bolso quase furado

Como se paga pro homem

Um advogado secreto

No meio da encruzilhada,

 

Deixa algo para o santo

Conforme a petição

Ao juiz das trevas

Dono da má salvação,

 

Às vezes perto de templos

Onde encontra a solução

Pois em cada lugar

Que você procurar,

 

Encontra-se alguém

A resolver os problemas

Sem tostão nenhum pagar

Homem de pouca fé,

 

Mas para o macumbeiro

Vai falar do seu pecado

Como um remédio qualquer

Que serve pra qualquer coisa,

 

Até repete a dose

Nos dias de sofrimento

O passaporte do azar

Aonde vai se orientar,

 

Pra nenhum lugar chegar

Numa tragédia qualquer

Retornando à mesma toca

Onde mora a ignorância,

 

E na carreira da ância

De tristezas sem parar

Vivendo sempre a penar

Assim como o macumbeiro,

 

Na troca de entendimentos

Com o chefe arrasador

Parece não sentir dor

Ao provar sua desgraça,

 

Como parceiro da traça

No vandalismo errante

Ao som do arrogante,

 

Que paga para fazer

Alguém pagar sem dever

Na vida de prestação

Por causa de sua ação,

 

E o mundo repleto de ódio

Vê-se de lugar em lugar

Tanta gente a chorar

Procurando solução,

 

Penam a vida inteira

Enquanto que o macumbeiro

Garante o seu sustento

No jogo de invisível,

 

Onde não se pode ver

Pois só resta crer

Na conversa embananada

Com linguajar estranho,

 

E os otários no sonho

De encontrar o socorro

Na vida de mato ou morro

Ou se salva como pode,

 

Quantos pagam sem dever

Depois que sofrem

Aprendendo com o tempo

Nos barrancos a chorar,

 

No lamaçal do destino

Fitam olhos lagrimados

Obedecendo ao pecado

Esquecendo de si mesmo,

Tanta falta de fé

Seja homem ou mulher

Na pobreza ou na riqueza

Da criada nobreza,

 

O macumbeiro explora

Pra muitos contam glória

Das desgraças alcançadas

Que dá inveja a alguém,

 

As façanhas conseguidas

Como um galo de briga

O desgraçado declara

Sempre com a corta jaca,

 

Nos seus instantes presente

Pra confirmar o demente

Aproveitador e malandrão

Como um rei na função,

 

Na arte de enganar

Até declara o passado

De quem veio lhe consultar

Tanta gente a chorar,

 

Confirma sem ter razão

O tal fio da miada

Que o pilantra pagou

Aí que ele engrena,

 

Tudo que vai dizer

Pedindo pra confirmar

Cada coisa que disser

Mesmo se estiver errado,

 

A fim de se aprofundar

Tirar o máximo que puder

Parece nem ter alma

Ou é sua profissão,

 

Se matar ou salvar

O importante é o ouro

Que está acima de tudo

No veludo sobre a mesa,

 

Velas vermelhas confirmam

A falta de imaginação

Como a chama no pavio

Realça a esperança,

 

Reforça a confiança

De que foi lhe consultar

Até levou as velas

Pro macumbeiro dizendo,

 

Aqui está o pedido

E sem lhe agradecer

Na gaveta da mesa

Elas são depositadas,

 

Vai ser vendidas a outros

Que estão prestes a chegar

Mergulhados em orações

Olhando o fogo queimar,

 

Logo chamam o caboclo

Do serrado ou da montanha

Da estrada ou do caminho   

Da porteira ou da rua,

 

Das flechas ou da espada

Conforme a crença que tem

Também dos malfeitores

Imperadores das trevas,

           

Tranca rua ou gavião

Do fogo ou do trovão

Os que operam milagres

Como doutores ou cristãos,

 

Poetas e marinheiros

Mensageiros e andarilhos

Cada um com sua cobiça

Seu preço e seu despacho,

 

O de ouro é o mais caro

Pois tudo pra ele é dourado

Muitas vezes em ouro puro

Será melhor trabalhado,

 

Tem também femininas

Que são muito milagrosas

Com todos os nomes em pauta

Para o idiota escolher,

 

Basta seu nome dizer

E o macumbeiro invocar

Logo ele a falar

Na voz trôpega que tem,

 

Pois até imita a voz

Que veio lá do além

Mesmo sem saber de quem

É fiel a perguntar,

 

Toda sua discrição

Do seu guia adorador

Com sua mente abalada

Transmite o seu recado,

 

O macumbeiro esperto

Escuta o idiota contar

Pois muitos até a chorar

Confessam o que se deu,

 

Até crimes acontecidos

Que o idiota cometeu

Ou de outro macumbeiro

Que a crença não valeu,

 

Entre guia e macumbeiro

Surge interpretação

Parece até tentação

Pois cabeças vão rolar,

 

Num acidente qualquer

Lá na lama vai parar

O próximo fim dos dois

Tanta coisa vai mudar,

 

Pois eu vi certo dia

O fim de um combinado

Entre o homem e o santo

E sua mulher infiel,

 

Tratavam em abrir caminho

E o homem aceitou

Quando assinava o cheque

A pobre mulher relatou,

 

Pra pensar no que ia fazer

E o macumbeiro insistiu

Por causa da alma gêmea

O macumbeiro perdeu,

 

Entraram num carro e saíram

Muitas pragas carregando

Da boca do macumbeiro

Saia chama de dor,

 

Desejos do além das trevas

Ou apenas do seu ser

Dizia que ia morrer

O pobre consultador,

 

Vi nos olhos do homem

Tamanho descontentamento

Por ter perdido a parada

Para uma mulher sem vergonha,

 

Enquanto chupava o dedo

O homem agonizava

Só lhe faltava rasgar

Lia-se em seu semblante,

 

Força sem autorização

Pois até mesmo as trevas

Assim como sem agrado

Comprou mais um inimigo,

 

Não lhe dava razões

Pra tamanho pesadelo

Mesmo debaixo de orações

Corria risco sem fim,

 

Por alguém em aflição

Na recusa do tostão

Para o certo de conta

Ou pra comprar o pão,

 

E alimentar a serpente

Que vive a rastejar

No esconderijo secreto

Do pequeno barracão,

 

Na prateleira coberto

De imagens e agradecimentos

Retrato de quem alcançou

Ou amenizou o sofrimento,

 

Como se tentasse curar

A enfermidade sem sim

Que abate qualquer ser

Já condenado à morte,

 

Ainda de braços fortes

Sem nada poder fazer

Pois já foi determinado

Na instância do Senhor,

 

Pra ver a terra renovar

As camadas de tristeza

No lamaçal a penar

O macumbeiro eterno,

 

Como o vampiro do mal

Se saciando com sangue

Como se fosse vinho

Sorrindo no paladar,

 

Como uma mofina serpente

Você sai a andar

Resolver os seus problemas

Nadando em sua fé,

 

A quem bem entender

Vivendo seu preconceito

Assim virá o fim

Num futuro bem escuro,

 

Que como atrás do muro

Alguém está esperando

Pra lhe dar o seu pedaço

Do bolo que te mandou,

 

Preparar para alguém

Que comeu até fartar

Ou deixou para você

Dele poder provar,

 

Todos estão expostos

Quando o muro pular

Em um canto do presente

Você há de encontrar,

 

Consulte o maior de todos

Da sua grande devoção

Porém se não for ninguém

Não alimente ilusão,

 

Pois se ele caiu

Na lógica tu cairás

Depois pra que chorar

Com a estrela apagada,

 

Não cintila no céu

De o seu escuro viver

Da sua dor agonizante

Do seu mal entender,

 

Morra com sua burrice

Vire lama se quiser

Escolha a sua cova

Onde pretende ficar,

 

Seja também a serpente

A qual se aliou

Misture-se com o ninguém

Seja do ninguém um senhor,

 

Seja o zero do zero

Na soma do nada a nada

O macumbeiro de si

Se não souber se encontrar,

 

Ou acreditar no Senhor

Criador do universo

Que lhe deu a luz da vida

E que você apagou,

 

FIM

O Menino de Rua

  O MENINO DE RUA   JOÃO RODRIGUES               Na esquina de rua doze com a avenida vinte e três, alguém chorava...             - Por que ...