O MACUMBEIRO
JOÃO RODRIGUES
Numa pequena sala
De um barracão esquecido
Existia um macumbeiro
Que operava milagres,
Pra muitos ele falava
Que tinha feito em alguém
Mas não dizia quem
Até sem saber também,
Pois todos confiavam
Seus problemas no afã
Enganados no afim
De que tudo fosse assim,
Na pele da inocência
Para com o invisível
Pois com era possível
Todos crentes em seu poder,
Na procura da razão
Entregavam-lhes o tostão
Sobre a mesa de vidro
Alimentados pela ilusão,
E com o dinheiro em caixa
Sobre a toalha vermelha
A soma era dobrada
Conforme a tal questão,
Com cara de retardado
Os que iam consultar
No pagamento acertado
Pela orientação do guia,
Pois chamava a atenção
De todos ali presentes
Que se sentiam contentes
Pelo som incomparável,
E da boca do macumbeiro
No desempenho do papel
Via-se a boca do mal
Demonstrando o seu poder,
E dava até pra ver
Que o guia chegava
Trazendo uma voz estranha
Talvez pra diferenciar,
Naquela maneira sinistra
Dava pra comparar
Com alguém há tempo morto
Num teatro de besteira,
Pra quem não acredita
Na maioria dos casos
Já parecia confirmado
Pois vinho com velas acesas,
Depois da longa oração,
Pois invocava o poder
Que vinha da escuridão
E o tal macumbeiro,
Era o ator do além
E correndo atrás do ouro
De uma maneira sagaz
Buscando o espírito do mal,
Assim obtendo vitória
Prejudicando alguém
Mesmo sem se importar
Quem iria penar,
Estava muito distante
Do respeito ao irmão
Só lhe importava ganhar
O seu miserável tostão,
Por isso nunca respeitou
Nem viu quem machucou
Se sentindo inocente
Seria agora atirado
No abismo sem piedade,
Mesmo por algo qualquer
Com o ódio de lúcifer
E a tal interpretação
De um pobre coitado,
E o macumbeiro assassino
Bem consciente a dizer
Mesmo com lábio tremendo
Por atrás da suja fumaça,
Se misturando ao vinho
Que entornava na taça
Assim diz o que fazer
Por um troco do trocado,
E doa a quem doer
O que importa é saber
Mesmo se alguém vai morrer
Nem pesa na consciência,
Desafia-se a ciência
Ou a criação do ser
Pois as palavras malditas
Feito cão que late lá fora,
Quando avisa a chegada
De alguém pro seu lugar
Igual o falar da sogra
Sempre lhe dando razão,
No desespero da vida
No passo da confusão
Igual foge o devedor
Da dívida e do seu viver,
No seu caminho a sofrer
Lutando para pagar
O difícil de ganhar
Perdendo sempre pro juro,
Que dorme sempre ao seu lado
Comendo do mesmo pão
Usando um só coração
Na de angústia e sofrimento,
Como se esconde o sol
No nevoeiro a passar
Assoprado pelo vento
Indo pra qualquer lugar,
Se pro sul ou para o norte
Se para leste ou oeste
Num caminho sem fronteira
Mesmo na terra primeira,
Que pertence ao Senhor
Sem nenhuma negociata
Com o trouxa conquistador
Que tudo quer na trapaça,
Pra escolher seu caminho
Não pela força do vento
E brilhar a seguir
Até sem querer ir,
Formam grandes tempestades
Arrastando o que vê
Que opera com poder
Querendo dizer a alguém,
Porém na hipocrisia
Nuca pára pra pensar
Se afundado na lama
Só para se ver sujar,
Como num pântano sim fim
Vai sumindo devagar
Com tempo de se despedir
Ou até mandar matar,
Aí vem o macumbeiro
Bem pronto para servir
Depois lá nos confins
Nas trevas do desespero,
Irão provar o tempero
Que temperaram alguém
Que por sua vez também
Temperou sem saber quem,
No eterno corredor
Do sofrimento sem fim
Carregando pedras do mal
Pelos escuros caminhos,
As frias noites eternas
De escuridão sem fim
No sabor da malandragem
No gosto duro da morte,
O desprezar de ouvir
Com respeito sua missão
Até pregam encarnação
Encoberto de beleza,
Uma grande armadilha
Que se faz para alguém
Que o destino levou
Porém sem desarmar,
A tal armadilha ficou
À espera de você
Ao prosar com seu amor
Na pista da felicidade,
E ele se afundou
Não adiante chorar
Foi você que mandou
Como na fruta corada,
Que retirou do galho
Mas com a faca suja
Ela foi contaminada
Pela ferrugem imunda,
Que enrustida ficou
Pense agora no depois
Pois o depois é agora
Como a semente do fruto
Dá-lhe a sombra a árvore
Fresca se tiver folhagem,
Por isso ruge o bem
Para colher a alegria
Deve plantar o amor
Do que plantar covardia,
Cultive o bem no lugar
Da bruta perversidade
Como a serpente que cria
O filho no oco podre,
A dose certa do veneno
Que confere a cada dia
Na sorte cruel e mortal
Sem defesa natural,
Garante o seu quinhão
No anúncio milagroso
Do jornal comercial
Repetindo a cada dia,
A mensagem em linguajar
Vinda de dentro da lama
E alguém vai se sujar
Na intenção de resolver,
Um algo que foi feito
Na mente e no peito
Igual a tábua que racha
Esquecida sob o sol,
A corda que forma o nó
Medindo tal bocado
Como cocheira vazia
Que deixa a impressão,
De alguém que comeu
Seu pedaço de pão
Oferecendo ao Senhor
Orientador de todos,
E cultiva a fé perdida
Num falso momento
E depois da tal sessão
Como filme que passou,
Na emissora distante
Pois só o viu quem gravou
Sem como voltar atrás
O mensageiro passou,
Parece até não voltar
O macumbeiro fingindo
Ser um simples inocente
Indaga o que se deu,
É grande a satisfação
Na receita que escreveu
Que logo vai receber
Na loja a comissão,
A bruta assinatura
Ali é confirmada
Depois da reunião
Recebe o seu quinhão,
Do produto que vendeu
Que por sua vez desconta
Aquilo que já levou
Pois entre ele acontece,
As consultas paralelas
No migalhar do pão
Uns atribuem ao poder
E vivem com tranqüilidade,
Dizendo que foi honesto
Em tudo que foi tratado
Porém outros esquecem
Todo o seu combinado,
Mas logo recebe o troco
Que se chamam de chicote
E muitas vezes ferozes
Vêem os agentes do mal,
E lhes tiram o que tem
Cortando até o direito
De por tempo invocar
Lições da escuridão,
Assim ficam frustrados
Vivem tristes a penar
Até mesmo passam fome
Caídos na oração,
Como se fosse um castigo
Mil promessas a fazer
E depois de longos dias
De pedidos e clamor,
Pois não tem o que fazer
Desrespeitaram o Senhor
Só acreditam no mal
Na lama e imundície,
E na cozinha vazia
Nem se ascende o fogão
Os lábios roxos de fome
Retratam o sofrimento,
O auxílio do vizinho
Não deixa o filho morrer
E na capanga de couro
A treva vem renascendo,
Quando chega o otário
Pra poder se consultar
Renovando o seu poder
Quanto o cifrão cair,
Bem antes de ir embora
Sua mulher já saiu
Pra comprar o que comer
E com o otário repartir,
E esse na esperança
Encontra a fé renovada
Despede-se e vai embora
Até se esquece da hora,
Levando o dia marcado
Pra vim ver o que se deu
Ou trazer o resultado
Junto a um pouco de trocado,
No bolso quase furado
Como se paga pro homem
Um advogado secreto
No meio da encruzilhada,
Deixa algo para o santo
Conforme a petição
Ao juiz das trevas
Dono da má salvação,
Às vezes perto de templos
Onde encontra a solução
Pois em cada lugar
Que você procurar,
Encontra-se alguém
A resolver os problemas
Sem tostão nenhum pagar
Homem de pouca fé,
Mas para o macumbeiro
Vai falar do seu pecado
Como um remédio qualquer
Que serve pra qualquer coisa,
Até repete a dose
Nos dias de sofrimento
O passaporte do azar
Aonde vai se orientar,
Pra nenhum lugar chegar
Numa tragédia qualquer
Retornando à mesma toca
Onde mora a ignorância,
E na carreira da ância
De tristezas sem parar
Vivendo sempre a penar
Assim como o macumbeiro,
Na troca de entendimentos
Com o chefe arrasador
Parece não sentir dor
Ao provar sua desgraça,
Como parceiro da traça
No vandalismo errante
Ao som do arrogante,
Que paga para fazer
Alguém pagar sem dever
Na vida de prestação
Por causa de sua ação,
E o mundo repleto de ódio
Vê-se de lugar em lugar
Tanta gente a chorar
Procurando solução,
Penam a vida inteira
Enquanto que o macumbeiro
Garante o seu sustento
No jogo de invisível,
Onde não se pode ver
Pois só resta crer
Na conversa embananada
Com linguajar estranho,
E os otários no sonho
De encontrar o socorro
Na vida de mato ou morro
Ou se salva como pode,
Quantos pagam sem dever
Depois que sofrem
Aprendendo com o tempo
Nos barrancos a chorar,
No lamaçal do destino
Fitam olhos lagrimados
Obedecendo ao pecado
Esquecendo de si mesmo,
Tanta falta de fé
Seja homem ou mulher
Na pobreza ou na riqueza
Da criada nobreza,
O macumbeiro explora
Pra muitos contam glória
Das desgraças alcançadas
Que dá inveja a alguém,
As façanhas conseguidas
Como um galo de briga
O desgraçado declara
Sempre com a corta jaca,
Nos seus instantes presente
Pra confirmar o demente
Aproveitador e malandrão
Como um rei na função,
Na arte de enganar
Até declara o passado
De quem veio lhe consultar
Tanta gente a chorar,
Confirma sem ter razão
O tal fio da miada
Que o pilantra pagou
Aí que ele engrena,
Tudo que vai dizer
Pedindo pra confirmar
Cada coisa que disser
Mesmo se estiver errado,
A fim de se aprofundar
Tirar o máximo que puder
Parece nem ter alma
Ou é sua profissão,
Se matar ou salvar
O importante é o ouro
Que está acima de tudo
No veludo sobre a mesa,
Velas vermelhas confirmam
A falta de imaginação
Como a chama no pavio
Realça a esperança,
Reforça a confiança
De que foi lhe consultar
Até levou as velas
Pro macumbeiro dizendo,
Aqui está o pedido
E sem lhe agradecer
Na gaveta da mesa
Elas são depositadas,
Vai ser vendidas a outros
Que estão prestes a chegar
Mergulhados em orações
Olhando o fogo queimar,
Logo chamam o caboclo
Do serrado ou da montanha
Da estrada ou do caminho
Da porteira ou da rua,
Das flechas ou da espada
Conforme a crença que tem
Também dos malfeitores
Imperadores das trevas,
Tranca rua ou gavião
Do fogo ou do trovão
Os que operam milagres
Como doutores ou cristãos,
Poetas e marinheiros
Mensageiros e andarilhos
Cada um com sua cobiça
Seu preço e seu despacho,
O de ouro é o mais caro
Pois tudo pra ele é dourado
Muitas vezes em ouro puro
Será melhor trabalhado,
Tem também femininas
Que são muito milagrosas
Com todos os nomes em pauta
Para o idiota escolher,
Basta seu nome dizer
E o macumbeiro invocar
Logo ele a falar
Na voz trôpega que tem,
Pois até imita a voz
Que veio lá do além
Mesmo sem saber de quem
É fiel a perguntar,
Toda sua discrição
Do seu guia adorador
Com sua mente abalada
Transmite o seu recado,
O macumbeiro esperto
Escuta o idiota contar
Pois muitos até a chorar
Confessam o que se deu,
Até crimes acontecidos
Que o idiota cometeu
Ou de outro macumbeiro
Que a crença não valeu,
Entre guia e macumbeiro
Surge interpretação
Parece até tentação
Pois cabeças vão rolar,
Num acidente qualquer
Lá na lama vai parar
O próximo fim dos dois
Tanta coisa vai mudar,
Pois eu vi certo dia
O fim de um combinado
Entre o homem e o santo
E sua mulher infiel,
Tratavam em abrir caminho
E o homem aceitou
Quando assinava o cheque
A pobre mulher relatou,
Pra pensar no que ia fazer
E o macumbeiro insistiu
Por causa da alma gêmea
O macumbeiro perdeu,
Entraram num carro e saíram
Muitas pragas carregando
Da boca do macumbeiro
Saia chama de dor,
Desejos do além das trevas
Ou apenas do seu ser
Dizia que ia morrer
O pobre consultador,
Vi nos olhos do homem
Tamanho descontentamento
Por ter perdido a parada
Para uma mulher sem vergonha,
Enquanto chupava o dedo
O homem agonizava
Só lhe faltava rasgar
Lia-se em seu semblante,
Força sem autorização
Pois até mesmo as trevas
Assim como sem agrado
Comprou mais um inimigo,
Não lhe dava razões
Pra tamanho pesadelo
Mesmo debaixo de orações
Corria risco sem fim,
Por alguém em aflição
Na recusa do tostão
Para o certo de conta
Ou pra comprar o pão,
E alimentar a serpente
Que vive a rastejar
No esconderijo secreto
Do pequeno barracão,
Na prateleira coberto
De imagens e agradecimentos
Retrato de quem alcançou
Ou amenizou o sofrimento,
Como se tentasse curar
A enfermidade sem sim
Que abate qualquer ser
Já condenado à morte,
Ainda de braços fortes
Sem nada poder fazer
Pois já foi determinado
Na instância do Senhor,
Pra ver a terra renovar
As camadas de tristeza
No lamaçal a penar
O macumbeiro eterno,
Como o vampiro do mal
Se saciando com sangue
Como se fosse vinho
Sorrindo no paladar,
Como uma mofina serpente
Você sai a andar
Resolver os seus problemas
Nadando em sua fé,
A quem bem entender
Vivendo seu preconceito
Assim virá o fim
Num futuro bem escuro,
Que como atrás do muro
Alguém está esperando
Pra lhe dar o seu pedaço
Do bolo que te mandou,
Preparar para alguém
Que comeu até fartar
Ou deixou para você
Dele poder provar,
Todos estão expostos
Quando o muro pular
Em um canto do presente
Você há de encontrar,
Consulte o maior de todos
Da sua grande devoção
Porém se não for ninguém
Não alimente ilusão,
Pois se ele caiu
Na lógica tu cairás
Depois pra que chorar
Com a estrela apagada,
Não cintila no céu
De o seu escuro viver
Da sua dor agonizante
Do seu mal entender,
Morra com sua burrice
Vire lama se quiser
Escolha a sua cova
Onde pretende ficar,
Seja também a serpente
A qual se aliou
Misture-se com o ninguém
Seja do ninguém um senhor,
Seja o zero do zero
Na soma do nada a nada
O macumbeiro de si
Se não souber se encontrar,
Ou acreditar no Senhor
Criador do universo
Que lhe deu a luz da vida
E que você apagou,
FIM
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